Lucas 16.19-31
Ciclo do Tempo Comum
P. William Felipe Zacarias
Amados irmãos, amadas irmãs,
apenas responda em pensamento: se Deus aparecesse agora aqui na nossa frente, você creria? Se Jesus aparecesse agora entre nós, isso aumentaria a sua fé? Se algum milagre ou algo extraordinário acontecesse hoje, isso deixaria a sua fé mais viva? ... Você tem certeza? Eu tenho algo para te contar: caso a sua resposta tenha sido sim, é bem provável que a sua fé esteja no lugar errado. E é exatamente isso que Jesus quer dizer aos fariseus com esta parábola.
Atualmente, muitos evangélicos estão caindo na ilusão de que se eles não sentirem algo no culto ou que se a fé não for mais evidente, não estarão convencidos de que Deus precisa estar presente. Se não houver o extraordinário é como se Deus estivesse ausente. Precisa haver um louvorzão; precisa haver emoção; precisa haver gritaria em nome de Jesus; precisa haver o falar em línguas estranhas; precisa ser uma mensagem positiva de autoajuda; ou seja: o ser humano coloca critérios para medir se Deus está presente ou não. As emoções fazem parte da fé cristã, sim. Mas as emoções mudam completamente de um dia para o outro. Por isso, uma fé fundamentada apenas em emoções é uma bomba relógio – vai explodir.
Já outros vão por um viés mais “científico”. Carl Sagan (1934-1996), o astrofísico responsável pelo lançamento das sondas espaciais Voyager I e II que até hoje vagam pelo universo coletando dados, escreveu essa provocação no seu livro “Variedades da Experiência Científica: Uma visão pessoal da busca por Deus”:
Essa questão das provas da existência de Deus, se Deus tivesse querido nos dar alguma, não precisa ficar restrita a esse método meio questionável de fazer declarações enigmáticas a sábios antigos e torcer para que elas sobrevivam. Deus poderia ter gravado os Dez Mandamentos na Lua. Bem grande. Cada mandamento com dez quilômetros de cumprimento. E ninguém poderia vê-los da Terra, até que um dia grandes telescópios fossem inventados ou uma nave espacial se aproximasse da Lua, e lá estariam eles, gravados na superfície lunar. As pessoas diriam: "Como aquilo foi parar lá?" E haveria várias hipóteses, a maioria delas extremamente interessante.
Ou por que não um crucifixo de cem quilômetros na órbita da Terra? Certamente Deus seria capaz de fazer isso. Certo? É claro, não criou o universo? Uma coisinha simples como colocar um crucifixo na órbita da Terra? Perfeitamente possível. Por que Deus não faz esse tipo de coisa? Ou, em outras palavras, por que Deus seria tão claro na Bíblia e tão obscuro no mundo?[1]
Ou seja, para Carl Sagan (que era ateu), se houvesse algum tipo de evento extraordinário revelando algo de Deus, ele estaria mais aberto a acreditar que Deus existe mesmo. Será? Será mesmo que ao enxergar alguns destes sinais que ele pediu, ele realmente iria crer? Ou será que não surgiriam novas dúvidas? “Isso não é obra da Inteligência Artificial?”, “Será que estamos sendo enganados?”, “Como conseguiram projetar essa cruz enorme no céu?”
Jesus contou a história do Rico e do Lázaro para chegar ao clímax dos versículos 30-31: “Mas ele insistiu: “Não, pai Abraão; se alguém dentre os mortos for até lá, eles irão se arrepender.” Abraão, porém, lhe respondeu: “Se não ouvem Moisés e os Profetas, também não se deixarão convencer, mesmo que ressuscite alguém dentre os mortos.” Na história contada por Jesus, o Rico acredita que se alguém voltar dos mortos para dar testemunho aos seus irmãos, eles certamente vão se arrepender dos seus caminhos e serem poupados de irem para o inferno. Ou seja: ele acredita que se houver algum evento extraordinário, seus irmãos irão crer sem dúvida alguma. Mas aqui é que está o “pulo do gato”: “Se não ouvem Moisés e os Profetas, também não se deixarão convencer, mesmo que ressuscite alguém dentre os mortos.” Jesus está falando dele mesmo! Ele vai morrer na cruz e ressuscitar ao terceiro dia. Será um grande sinal. Algo realmente extraordinário. Uma obra grandiosa. Contudo, nem mesmo esse sinal extraordinário será suficiente para que os fariseus se arrependam e creiam no Evangelho.
Quando os ouvidos estão fechados para a Palavra de Deus, nem mesmo os eventos mais extraordinários (como alguém ressuscitar dos mortos) podem convencer alguém da verdade do Evangelho. Quando o pressuposto é ter o ouvido fechado para a Palavra de Deus a consequência será a impossibilidade de crer na Palavra de Deus.
Amados irmãos, amadas irmãs,
o fundamento da nossa fé não pode estar em coisas extraordinárias, pois elas são cheias de engano, confusão e distorções. A fé não se alimenta de espetáculos – embora hoje o que mais haja são espetáculos evangélicos em nome de Jesus. Qual é então o fundamento da fé? O ouvir das Escrituras! Sola Scriptura. Não adianta querer ouvir a voz de Deus com a Bíblia fechada em casa; não adianta querer estar na presença de Deus com a falta ao ouvir da pregação do Evangelho; não adianta querer ter mais fé quando nossa mente está apaixonada pelas nossas próprias ideias e nossos corações fechados para a mensagem do Evangelho.
O apóstolo Paulo nos diz em Romanos 10.17: “a fé vem pelo ouvir, e o ouvir, pela palavra de Cristo.” Hoje, as pessoas querem ter fé sem culto, fé sem vivência comunitária, fé sem ouvir a pregação do Evangelho. “Ah, pastor, eu tenho Deus no coração; já leio a Bíblia e oro em casa”. Olha, parece que não está lendo a mesma Bíblia que eu, pois a Bíblia fala de comunhão de Gênesis a Apocalipse – mas a pessoa acha que pode viver a fé de forma individual apenas (claro, há exceções, como pessoas enfermas que não podem ir ao culto). A fé é gerada pelo ouvir da pregação da Palavra no culto, conforme ensina a Confissão de Augsburgo:
Para conseguirmos essa fé, instituiu Deus o ofício da pregação, dando-nos o evangelho e os sacramentos, pelos quais, como por meios, dá o Espírito Santo, que opera a fé, onde e quando lhe apraz, naqueles que ouvem o Evangelho, o qual ensina que temos, pelos méritos de Cristo, não pelos nossos, um Deus gracioso, se o crermos.[2]
Deus decidiu gerar a fé não através do vício a eventos extraordinários, mas da pregação da Palavra de Deus e de Cristo – Palavra a não ser apenas ouvida, mas também praticada (cf. Tiago 1.22). Quem tem ouvidos, ouça a Palavra de Deus para ter uma fé sólida e fundamentada no Evangelho. Modismos passam. O Evangelho permanece. E a paz de Deus, que excede todo o entendimento, guardará os nossos corações e as nossas mentes em Cristo Jesus. Amém.
[1] SAGAN, Carl. Variedades da experiência científica: uma visão pessoal da busca por Deus. São Paulo: Companhia das Letras, 2008. p. 187
[2] CA V – Do Ofício da Pregação.