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A ESTRUTURA AGRÁRIA DE MIRANTE DO PARANAPANEMA

A construção histórica de Mirante do Paranapanema está alicerçada nos fundamentos da luta pela posse e produção da terra. Grande parte da extensão territorial deste município se organizou, no período colonialista, pela "lei do gatilho". Foi uma barbárie entre diferentes grupos de jagunços cada um defendendo posses de grileiros. A violência de então em nada se pode comparar com os recentes conflitos agrários.

Mirante do Paranapanema conheceu, ao longo de sua existência diferentes arranjos de estrutura agrária. Nas décadas de 1920 a 1940, com os imigrantes europeus, constatamos as pequenas propriedades (de 5, 10 e 15 alqueires); trabalho familiar e economia de subsistência. A partir da década de 1940, com a chegada de outros "grileiros" na região sul do município, deu inicio a formação das grandes propriedades nessa área destinada a especulação e à criação do gado bovino de corte. Em carta enviada pelo Administrador da Fazenda Valle do Paranapanema, Odilon Ferraz, ao Dr. Labieno da Costa Machado, datada de 17 de agosto de 1941, assim relata: "... Pirapozinho abaixo, dos dois lados está cheio de derrubadas novas"

Com a decadência da cultura algodoeira, já no final da década de 1960, se estende o processo de concentração de terras para todo o município, quando o pequeno proprietário rural é expropriado do campo. No ano de 1960 existiam no município 1.687 propriedades rurais, já década de 1980, 45,23% (56.126,7 ha) das terras do município estavam concentradas nas mãos de 28 fazendeiros, sendo que nenhum deles, nem sequer, moravam em Mirante do Paranapanema. O gado gordo era entregue nos frigoríficos localizados em outros municípios e os impostos, quando recolhidos, ficavam nos cofres desses municípios.

Nos últimos anos, a estrutura agrária vem sofrendo uma profunda mudança através da reforma agrária e assentamentos de famílias nos espaços antes formados por fazendas. Atualmente a pequena propriedade está voltando, mas a história se encarregará de escrever o futuro de nossa estrutura agrária.

CULTURA ALGODOEIRA: FATOR DE INTEGRAÇÃO E DESINTEGRAÇÃO ECONÔMICA

A monocultura algodoeira em Mirante do Paranapanema veio provocar uma radical mudança nas relações sociais de trabalho e do homem com a natureza. O cultivo do algodão está diretamente ligado ao migrante nordestino, assim como o café se identifica com o imigrante japonês e o gado com os fazendeiros.

A cultura do algodão veio trazer um novo alento ao Dr. Labieno, pois a venda de terras, que estava praticamente paralisada desde o final da década de 1920, ganha um novo impulso no final da década de 1940 com a chegada do contingente de migrantes nordestinos. A maioria dos migrantes nordestinos chegava sem qualquer capital, até as despesas com o transporte em caminhões "pau-de-arara", eram pagas pelo empregador e descontadas nos recebimentos a que teriam direito trabalhando como "peão".

"AONDE CHEGA O BOI, O HOMEM VAI EMBORA"

O município está localizado na região oeste do estado de São Paulo, mais precisamente no Pontal do Paranapanema e possui atualmente uma área territorial de 1.240,9 km2, comportando sob sua administração os distritos de Costa Machado e Cuiabá Paulista.

A formação sócio-cultural da população mirantense, recebeu a importante contribuição de vários povos imigrantes a partir da década de 1920, tais como: alemães, húngaros, tchecos, italianos, romenos. Por sinal, esses imigrantes foram, na verdade, os pioneiros na ocupação deste território. Devemos reconhecer também a grande influência nesse processo, que tiveram os imigrantes japoneses e os migrantes nordestinos, a partir do final de década de 1940.

O período áureo, de rápido crescimento econômico e populacional do município de Mirante do Paranapanema, foi na década de 1950, quando o município se transformou num dos maiores produtores de algodão do Estado de São Paulo e em um dos mais progressistas do Brasil, chegou até receber o nome de "Capital do Ouro Branco" . Para o município, naquela fase, foi importantíssima a participação dos bravos trabalhadores migrantes nordestinos, que chegavam nos chamados "paus-de-arara" em busca de "melhores dias".

Mas a concorrência no mercado internacional, o aparecimento de pragas nas lavouras, o esgotamento do solo, a produção industrial da fibra sintética e a falta de políticas agrícolas por parte dos governantes, foram fatores determinantes para a decadência da cultura do algodão no município a já partir do final da década de 1960. Com as incertezas com a cultura do algodão, e estimulados pelas máquinas, muitos agricultores ainda tentaram a sorte com a cultura do amendoim, mas também não obtiveram sucesso e em pouco tempo o município se transformou num tapete verde, mas agora de pastagens para o gado bovino. "Aonde chega o boi o homem vai embora" já dizia um provérbio antigo. Os agricultores, quase todos pequenos produtores e juntamente com os arrendatários, todos igualmente, não tiveram outra alternativa a não ser, vender barato suas posses para o único segmento econômico, que naquele momento possuía capital: os pecuaristas Muitos daqueles "bóias-frias" foram antigos plantadores de algodão, que abandonaram imediatamente a cultura depois de perderem com o algodão o que tinham acumulado de capital com ele.. Quem teimou em continuar plantando, além de perder tudo perdeu o que tinha e ainda ficou devendo para quem confiou em emprestar.

TERRAS "GRILADAS" E DEVOLUTAS

Desde o início de sua colonização que as terras do município de Mirante do Paranapanema, teve uma grande concentração nas mãos de poucos "grileiros". Através de um processo lento, mas eficiente, utilizado pelos fazendeiros - a "grilagem" - ou ainda pela aquisição barata das terras dos pequenos proprietários endividados pela agricultura.

Com as lavouras virando colonião era de se esperar que ocorressem profundas e radicais mudanças nas relações de trabalho na economia do município e, necessariamente, não poucas conseqüências acarretariam essa nova realidade do arranjo territorial do espaço geográfico do município. Como conseqüência imediata, a população do município, que em 1960 chegou a contar com quase trinta mil habitantes, com a decadência econômica do algodão, e com os novos donos das terras produtivas criando gado, cai para menos da metade. Não havia mais espaço para o homem no campo, sendo inevitável o êxodo rural.

O ALGODÃO: RIQUEZA E MISÉRIA

Como fica evidente pela análise do gráfico nesta página, Mirante do Paranapanema já se notabilizou no cenário econômico nacional como grande produtor de algodão. A minha leitura da monocultura algodoeira em nosso município abrangerá, neste momento, tão somente, o período que vai da década de 1950 até início da década de 1970. Neste momento, não pretendo esgotar o tema, até porque ele é extremamente rico e dinâmico, mas tão somente analisá-lo de forma dialética através de cinco perguntas formuladas à mais de cinqüenta produtores de algodão neste período e de pesquisas realizadas junto ao I.B.G.E., jornais e revistas. Como pode ser concluído pela representação do gráfico, a produção da cultura algodoeira, apresenta uma variação muito grande de uma década para outra e até de um ano para o outro. Vários fatores colaboraram para que isso ocorresse.

Quem plantou algodão?

Quase a totalidade dos cotonicultores, que plantaram algodão aqui em Mirante do Paranapanema naquele período, em sua maioria migrantes nordestinos, existindo entretanto algumas dezenas de imigrantes europeus e outras poucas famílias de imigrantes japoneses.

Em nossa pesquisa concluímos que a condição da maior parte desses agricultores era de pequenos proprietários de terras e de arrendatários, todos descapitalizados. O arrendatário para produzir precisava fazer financiamento em praticamente tudo; terra, semente, veneno, enxada, enxadão, foice, ferramentas, animais, máquinas de plantar, moradia, alimento, roupa, remédio, etc. Até o pagamento da viagem do migrante nordestino, nos famosos "pau-de-arara", só podia ser efetuado no final da primeira colheita, fosse ele "peão" ou produtor. Verdade seja dita, o nordestino era um "trator" para trabalhar, mas a falta de conhecimento "em leitura", tornava-o muito vulnerável e facilmente podia ser enganado nos negócios e acertos de contas, muitas vezes até pelos próprios conterrâneos mais "espertos".

A maioria eram pequenos agricultores, fosse ele proprietário ou arrendatário. Na década de 1950 era muito difícil quem plantasse até cinco alqueires de algodão. Era comum um proprietário ter dez, vinte alqueires, plantar em alguns deles e arrendar o resto para cinco ou até outras oito famílias. Era comum ainda a existência de cinco, seis casas de pau-a-pique numa única propriedade de algodão.

Alguns migrantes nordestinos chegavam sozinhos, outros traziam toda a família.

Os agricultores de algodão, principalmente os arrendatários, condição da maior parte dos nordestinos, quase não plantavam alimentos básicos, como feijão, arroz, milho e mandioca. A farinha de mandioca, muitas vezes, vinha do nordeste, trazida por revendedores. Já os imigrantes europeus, na sua maioria proprietários de terras como os imigrantes japoneses, praticavam uma agricultura diversificada, ou seja, além do algodão, cultivavam também alimentos. Quem não produzia tinha que "cair" nas mãos dos revendedores no comércio local ou através dos "financiadores", que cobravam o preço e o juro que lhes conviessem. O juro, em média, era de 30% do valor da mercadoria cobrado ao final da colheita, mas havia casos de até 50%. "Em 1955, só eu cheguei vender por mês, aqui em Mirante do Paranapanema, 240 sacas de arroz de 48 kg. cada e 100 sacas de feijão de 60 kg. tudo comprado no Paraná e Mato Grosso do Sul. Existiam ainda outros dois comerciantes "fornecedores" que também buscavam alimentos nesses estados." (Manoel Estácio de Oliveira Filho, 79 anos). Tudo isso deixa claro como a maioria dos agricultores "dependiam" de comprar dos outros aquilo que eles mesmos podiam produzir, mas achavam que "a terra para dar dinheiro tinha que ser cultivada com algodão".

Segundo dados oficiais do IBGE, em 1960 a área agrícola do município de Mirante do Paranapanema era de 12.724 alqueires (30.791 ha), com 2.507 estabelecimentos, sendo que 84% dessa área era dedicada a monocultura do algodão. "O nordestino só via algodão pela frente".( Manoel Estácio de Oliveira Filho, 79 anos).

Rastreando o paradeiro dos agricultores que cultivaram o algodão na condição de arrendatários e/ou pequenos proprietários, no período em análise, constatamos que muitos deles emigraram novamente para o nordeste, quase nas mesmas condições econômicas que aqui chegaram, ou seja, praticamente sem nada. Dos que aqui permaneceram, aproximadamente 10% conseguiram ganhar e conservar alguma coisa, mas a maioria terminou por tornar-se "bóia-fria", ainda na década de 1970.

Como era o cultivo do algodão?

Terminada a derrubada da mata a terra ainda se encontrava "bruta" (muitas raízes, galhos, folhas, troncos de árvores e toras ainda estendidas pelo chão), o que dificultava o plantio, que por este motivo era todo realizado através de pequenas máquinas manuais ou mesmo com enxadão e depositando a semente com as mãos e tapando com os próprios pés. A semeadura, como demorava muito dias, era lançada ainda com a terra seca, pois se esperasse a chuva, a terra secava novamente e não era possível prever quando viria outra. As variedades de sementes "Texas" e "Express", cresciam tanto que formavam plantas que uma criança de cinco ou seis anos podia nelas subir com tranqüilidade. Aquelas sementes não eram adequadas para o tipo de solo, como hoje, crescia muito e pouco produzia. Os pés pegavam muita carga, mas quase não segurava, "carimbavam" muito, ou seja, as maçãs não abriam bem. Com isso a colheita se tornava muito difícil, e quem colhesse, quatro ou cinco arrobas por dia , era tido como "bom catador" . Além de tudo, os "catadores" ficavam com os dedos das mãos machucados, devido as pontas das cascas das maçãs. O algodão, principalmente no último ano da década de 1950, apresentava uma média de produção muito pequena, em comparação aos dias de hoje. Isso porque o auge da produção algodoeira neste município foi de 1953 a 1957, e em 1959, ano em que o IBGE se referiu para fazer o censo agropecuário de 1960, a produção já estava decaindo. As maçãs tinham muita semente e pouca pluma, e com isso não alcançavam boa classificação, além disso, as fibras eram curtas, o que contribuía para depreciar o produto na hora da venda. A soma da produção era enorme, porque praticamente só se plantava algodão nesse município, somente já no final década de 1950, começa destacar a cultura do amendoim, quando as máquinas, percebendo que só com o algodão não sobreviveriam muito tempo por aqui. A média da produção por alqueire em nosso município na safra de 1959/60, segundo dados do IBGE, portanto, também oficiais, foi de 150 arrobas. Nos Bairros Repouso, Água da Saúde e Pica-pau, a produção sempre esteve bem acima da média em virtude da melhor qualidade do solo para essa cultura. Nos anos posteriores, a média foi ainda menor. Quando alguém colhia 200, 250 arrobas por alqueire, era motivo de admiração. Vários fatores contribuíram para essa média baixa produtividade no município: 1) A diversidade da qualidade do solo (terra "mista" e terra "arenosa"); 2) Como a terra era "bruta", não se fazia um aproveitamento homogêneo do terreno, "perdia-se muito terreno". 3) O período chuvoso na época da colheita é tremendamente prejudicial aos algodoais. ( Em 1956 quase metade da safra foi perdida por causa da chuva); 4) O aparecimento de pragas, como o "purgão" ( isso ainda em meados da década de 1950) , 5) O plantio imediato à derrubada da mata e 6) O enfraquecimento do solo, quem sem dúvida nenhuma foi o maior fator.

Quando o algodão não produzia bem, seja por quaisquer motivos, e não era adequadamente colhido, sua depreciação era muito grande em classificação, peso e preço. "Se o ano viesse bem o lavrador ganhava, se viesse mal ele perdia. O algodão tem muita contrariedade. Ganhava-se algum dinheiro porque o custo era pouco naquela época" ( Manoel Estácio de Oliveira Filho, 79 anos)

Nos primeiros dez anos iniciais da cultura do algodão, o gasto era mínimo, era só plantar e colher, pois quase não havia pragas e mato para capinar.

Quem ganhou dinheiro com o algodão?

Quem realmente ganhou dinheiro e acumulou riqueza com a cultura do algodão em Mirante do Paranapanema foram: 1) As máquinas algodoeiras aqui instaladas, que davam o tipo, o peso, e muitas vezes até o preço do algodão conforme lhes conviessem; 2) Os bancos que financiavam e recebiam de qualquer jeito. Quem pegasse o dinheiro emprestado e não pagasse, o endossante era obrigado a pagar ou perdia suas posses alienadas; 3) Os compradores ("atravessadores") que não corriam risco algum, já que pegavam o produto final, pagavam como queriam e vendiam quando o preço melhorasse; 4) Alguns proprietários que arrendaram suas terras. Com grande ou pequena produção, primeiro era tirado o combinado. Mas até mesmo muitos pequenos proprietários acabaram perdendo suas posses com empréstimos bancários, alguns como endossantes de arrendatários; 5) Alguns "fornecedores", que aproveitando-se da ignorância da maior parte dos nordestinos, marcavam nas famosas "cadernetas" o que queriam e faziam acertos no final da colheita do jeito que lhes fosse convenientes. "Quase todos os nordestinos eram analfabetos"( Manoel Estácio de Oliveira Filho, 79 anos)

O arrendatário que, na medida que acumulava um pequeno capital, foi investindo na compra de terras, conseguiu ganhar alguma coisa com o algodão. Geralmente esse arrendatário trabalhava apenas com a mão-de-obra familiar e também não arriscava muito. "Lavoura o que dá num ano ela tira no outro" (José Clemente, 74 anos.) "Muitos não voltaram ainda para o nordeste porque não tinham dinheiro nem para pagar a passagem"(José do Nascimento Sobrinho, 78 anos). "Dos plantadores de algodão que aqui permaneceram, 70% deles tornaram-se "bóias-frias"( José Teixeira do Nascimento - "Zé Pimenta", 64 anos). Há casos, poucos na verdade, de migrantes nordestinos que aqui chegaram como peões, conseguiram comprar terras, plantar algodão e conservam até hoje um bom capital, como é o caso do senhor Sebastião Vicente Barbosa. Há ainda outros exemplos, bem poucos, na verdade.

Quem não ganhou dinheiro com o algodão?

"Se no final da colheita sobrasse algum dinheiro para comprar um animal para outro ano, a gente já ficava muito animado. Somente depois de cinco anos plantando algodão com minha família, é que consegui comprar uma vaca para dar leite para os meus filhos"(Sebastião Vicente Barbosa, 74 anos).

Muitos nordestinos ganhavam algum dinheiro aqui, voltavam para o nordeste, gastavam tudo e retornavam para tentar novamente a sorte plantando algodão, mas os bons tempos já haviam passado.

Não foram só os agricultores que perderam com a cultura do algodão, mas também vários comerciantes e financiadores. O senhor José Clemente, que tinha um grande estabelecimento comercial, para aquela época, foi um dos que perdeu muito dinheiro, fornecia de tudo para quase trezentas famílias de agricultores de algodão, que tiveram grandes prejuízos nos final da década de 1950 e início de 1960 e não tiveram como pagar as contas.

Na medida em que o algodão necessitava de mais investimentos, em virtude do aparecimento de determinadas pragas que exigiam venenos e defensivos mais caros; o valor do arrendamento subindo em função da expansão da pecuária; a não garantia do preço mínimo; com a persistência da ganância do "exploradores", quem arriscou continuar plantando algodão terminou perdendo tudo aquilo que penosamente ganhou em tantos anos de luta e sofrimento. "Quem ganhou dinheiro e comprou um pedaço de terra, conseguiu prosperar, mas quem não empregou em nada e foi para o nordeste gastar, esse acabou sem nada, quando voltou para cá, virou "bóia-fria", as coisas já não eram como antes"(Josafá de Oliveira Góis, 79 anos).

Muitos arrendatários, e mesmo alguns proprietários de terras, na verdade, não necessariamente, perderam dinheiro com o cultivo do algodão, pois poucos chegaram aqui com algum dinheiro para investir nessa nova atividade econômica, até porque se a situação econômica deles estivesse boa no nordeste, não haveria motivos de emigrar. "O nordestino pensava: se sobrar a mala com a roupa dentro, estou com o capital que cheguei"(Justino Souza Trindade, 72 anos). "Todo mundo chegou com as mãos abanando" (Zenália Vasconcelos Góis, 79 anos). "Quem perdeu mais foi quem arriscou mais, quem tinha mais ganância"( Manoel Estácio de Oliveira Filho, 79 anos)

Quem teve maior prejuízo com a cultura do algodão?

Segundo técnicos do Instituto Agronômico de Campinas, a cultura do algodão (cotonicultura), constitui uma das mais nocivas práticas agrícolas no que concerne à erosão do solo. Para plantar, a terra tem que estar preparada no mês de outubro, mês que começa o período chuvoso nessa região ( hoje as condições do tempo tem estado alteradas). Plantado em outubro ou novembro, o vegetal só era arrancado em junho ou julho do ano seguinte, ou seja, sete a oito meses depois da plantação, após a colheita, que ocorria entre abril e junho. Durante todo esse tempo o vegetal retirava nutrientes do solo, depois era praticada "a queimada", como fora feito com a vegetação primitiva. Normalmente quem derrubava a mata era o arrendatário, que tinha o direito de plantar por alguns anos. Com isso ele, o arrendatário, não tinha qualquer interesse em deixar em pé qualquer "pé-de-pau" (árvore), pois isso, na sua visão, e analisado pelo seu ângulo, ele estava certo, atrapalhava mesmo na produção. Em virtude desta prática hoje existem poucas árvores nativas no município, a não ser, em algumas áreas de matas residuais ainda precariamente preservadas. Curvas de nível, assim como a quase totalidade dos brasileiros, os nordestino nem conheciam, recentemente é que alguns proprietários começaram a implementá-las em suas terras. Não é por acaso que a abundância dos cursos de água do município de Mirante do Paranapanema, se encontram atualmente num dos estágios mais avançados de assoreamento dentre todos os demais do oeste paulista.

Percebemos, desta forma, que o cultivo do algodão em Mirante do Paranapanema ocorreu do seguinte modo para produzir riquezas para poucos e misérias para muitos: desbravando uma vegetação que não conhecia, enfrentado todos tipos de perigos e dificuldades, milhares de nordestinos, largando sua terra natal, na esperança de um dia voltar rico, deixando distante parentes e familiares, aqui chegaram para tentar a sorte, acreditando na natureza, em seu trabalho e nos homens, lançaram a semente de uma cultura, que mal sabiam, fazia parte de todo um processo produtivo que envolvia não só interesses nacionais, mas até de outros países. Os "tubarões" e os mais "espertos", viram nesse contingente de pessoas simples, iletradas, aguerridas, humildes e trabalhadoras, uma grande oportunidade de ganhar dinheiro fácil.

Assim foi o algodão nos seus primeiros vinte anos em Mirante do Paranapanema, não me alegro somente por esse município ter sido a "Capital do Ouro", mas me alegraria sim se todos os que realmente trabalharam tivessem usufruído também de seu próprio trabalho. O que restou? Prédios de suntuosas indústrias praticamente abandonados; a maior parte da população do município vivendo em condições precárias, (logicamente que o algodão não pode ser culpado por tudo de ruim que aqui existe); os principais elementos produtivos da natureza totalmente degradados; vegetação primitiva praticamente inexistente; o solo totalmente destruído e cursos d'água secando. Muda-se a posse da terra mas o descaso para com a sua conservação continua o mesmo. Quem na verdade perdeu e está perdendo fomos e somos todos nós, seres humanos. (Colaboração do professor Cícero Nobre).

"Porquanto a criação ficou sujeita à vaidade, não por sua vontade, mas por causa daquele que a sujeitou"(Rm.8:20)

TOMIO E FLORIANO: AGRICULTORES COM VISÃO CAPITALISTA

Não apenas alguns agricultores imigrantes estrangeiros tiveram sucesso, numa visão capitalista de produção e acumulação de riqueza na agricultura e na pecuária em Mirante do Paranapanema, mas também muitos migrantes nordestinos. Citaremos alguns exemplos: Floriano Quirino Cavalcante, 77 anos; Sebastião Vicente Barbosa, 76 anos; Raimundo Batista da Costa, 67 anos; Hiroiti Yamamoto, 74 anos – "Alfredo Japonês"; José Tomio Miyazaki, 60 anos; Sr. Josafá de Oliveira Góis, 82 anos, Manoel Estácio de Oliveira Filho - "Manoel de Nel", (in memorian), José Nunes Menezes; Nelson L. de Vasconcelos e Takeshi Kaiahara - "Totó".

Neste texto vamos destacar dois agricultores, um, migrante nordestino e outro, filho de imigrantes japoneses, que, dentro das leis do mercado, tiveram visões diferentes de muitos outros conterrâneos que labutaram com a mesma força num mesmo espaço geográfico.

TOMIO

Acredito que poucas pessoas, como eu, tiveram até hoje, o privilégio em conhecer a extraordinária construção de vida de um dos personagens que ajuda na construção da história de Mirante do Paranapanema. Trata-se dos caminhos trilhados por José Tomio Miyazaki, mais conhecido como "Zé Boi".

TRISTE PARTIDA

Tomio, como é chamado pelos familiares, é o mais novo dos seis filhos de um casal de imigrantes japoneses, que nasceu em 18/07/1942, em Presidente Prudente. Ele é casado com dona Elza, tem dois filhos e mora atualmente nas proximidades do trevo da saída da cidade. Com dois anos de idade, Tomio, perdeu a mãe e a rígida educação doméstica que recebeu do pai e dos irmãos mais velhos, o transformou num jovem perspicaz, decidido e determinado.

Morando na zona rural, desde cedo assumiu as funções de cozinheiro da casa e criador de animais domésticos, funções que o impossibilitava de freqüentar regularmente a escola, por conta disso não concluiu nem o curso primário, mas nem por isso deixou de ser uma pessoa letrada.

Oprimido, explorado e maltratado pelos irmãos mais velhos, um dia tomou a triste decisão de abandonar a casa do pai ainda com 18 anos de idade, isso no dia 14/01/1961. Com apenas a roupa do corpo, apostou no destino de vencer no mundo, conquistar a libertação e fazer sua independência econômica, apesar de que para isso tivesse que aprofundar no coração de seu pai o mais triste vazio que ainda persistia pela perda de sua antiga companheira.

Ainda solteiro, trabalhou na roça como peão, diarista, meeiro e arrendatário em diversos locais da antiga região da Alta Sorocabana. Quatro anos após a saída da casa, em 1965, já ganhou dinheiro suficiente para comprar 4,5 alq. de terra ainda morando no município de Presidente Prudente.

Na busca implacável para adquirir mais terras, ampliou sua área de arrendamento e passou a trabalhar com "bóias-frias", agora já no município de Santo Anastácio. Em 1977 arrendou sete alqueires e em 1979, 12. Nesse ano comprou seu primeiro trator, que de noite preparava suas terras e de dia trabalhava nas terras dos outros agricultores.

VINDA PARA MIRANTE

Mudou-se para Mirante do Paranapanema, em 1984, já casado com a dona Elza, e continuou tocando lavoura como arrendatário, sempre para renovação de pastagens nas fazendas. Assegura nunca lhe ter faltado terra para plantar. Chegou a plantar feijão, mas seu grande sucesso veio mesmo foi com a cultura do algodão.

Mesmo residindo em Mirante, tocou lavoura como arrendatário por 10 anos no município de Marabá Paulista. Os bons lucros obtidos, sobretudo com o algodão, com muita competência eram aplicados na compra de mais terras. Chegou a tocar por ano até 40 alqueires de algodão, até que em 1988, se tornou num dos maiores produtores de algodão dessa região, ocasião que entregou na Cooperativa Agrícola de Cotia, nada menos do que 24.850 arrobas desse produto.

SEGREDOS DA VISÃO CAPITALISTA

Hoje o Sr. José Tomio Miyazaki, possui um capital de mais de quinhentos mil reais todo acumulado com a agricultura. São 45 alq. de terra, 60 cabeças e gado, duas casas, carro de passeio e um trator, que guarda como obra da lavoura. Hoje está em melhor situação financeira do que o seu irmão mais velho, aquele mesmo que o "ajudou" a sair de casa há trinta anos.

Em entrevista no dia 16/07/2002, Tomio nos revela os fatores que o levaram a obter sucesso com a agricultura numa economia de mercado.

1 - "MUITO TRABALHO Eu sempre percorria todas as manhãs os quatros cantos das lavouras para ver se alguma praga estava começando a atacar. Com trator, de noite eu preparava minha terra e de dia a terra dos outros. Saía de casa sempre de madrugada e chegava de noite. Sempre era eu quem arrumava os "bóias-frias", nunca precisei de "gato". Eu passava o dia todo na roça junto aos trabalhadores, e nos finais de semana era eu quem fazia os pagamentos. Nunca tive problema com nenhum "bóia-fria". Eles eram meus colaboradores. Cheguei a ter 160 "bóias-frias" trabalhando na minha roça de uma só vez no tempo da colheita do algodão;

2 - FAZER PRODUZIR Eu ganhei dinheiro com lavoura preparando bem o solo, fazendo adubação certa, plantando corretamente e não deixando pragas invadir as plantações, com isso a média de minha produção era sempre superior que a dos outros. O segredo da lavoura é fazê-la produzir, é dali que você tira o seu lucro. Não é só plantar e esperar para colher, agricultor para ganhar dinheiro cultivando tem que ter conhecimento de tudo que envolve sua atividade. Quem só fica dependendo de banco para empréstimos ou para aplicação de dinheiro, não ganha dinheiro com agricultura;

3 - JUSTIÇA COM QUEM TRABALHA Em certos finais de semana eu cheguei a pagar até mais do que o combinado com o trabalhador "bóia-fria". Eu fazia isso quando eu percebia que o que eles ganhavam não era justo. Com isso todo "bóia-fria" queria trabalhar comigo;

4 - COMPRAR TERRA E GADO Todo dinheiro que sobrava, nos finais das colheitas, eu aplicava em mais terras, para a lavoura. Eu quase não ganhei dinheiro com gado, era só mesmo para não ficar com o dinheiro parado, japonês gosta mesmo é de lavoura. Eu nunca fiz uma poupança em banco, teve muita gente, que naquela época da ilusão do juro alto, antes do Plano Collor, pegava o lucro da agricultura, ou até mesmo o dinheiro da venda de terras, telefone, tratores, casa ou gado, e aplicava. Eu me lembro de alguns chamados agricultores que estavam todos os dias tirando saldo nos bancos para ver quanto tinha ganhado de juro naquele dia. Veio o confisco e não tiveram mais com que movimentar. Plano nenhum de governo pegou meu dinheiro, meu dinheiro foi sempre aplicado na lavoura, em terra ou em gado;

5 - EVITAR EMPRÉSTIMO Quando eu tive que vender alguma coisa para pagar empréstimo de banco, eu parei definitivamente com a lavoura;

6 - SABER A HORA CERTA PARA PARAR Na lavoura do algodão de 1992/93, além da praga do "bicudo", veio uma seca e eu perdi cerca de 30% de todo meu capital acumulado. Vendi parte do gado e um trator, paguei minhas dívidas e definitivamente parei com lavoura;

7 - NÃO CULPAR NINGUÉM Eu não culpo banco, não culpo governo, plano econômico, preço, seca ou chuva por eu ter parado com a agricultura. Eu nunca exigi da lavoura mais do que ela podia me dar, portanto não foi difícil parar de uma hora para outra. Eu sempre fui profissional e consciente naquilo que eu queria, sempre quis ganhar dinheiro honestamente, simplesmente quando eu vi que a coisa ia ficar muito ruim, eu parei. Se eu tivesse continuado com lavoura depois de 1993, com certeza, eu também teria perdido tudo o que eu tinha ganhado. Todos os agricultores que continuaram nessa região, perderam tudo, e comigo, com certeza, não seria diferente. Eu posso citar o nome de muitos desses agricultores.

FUTURO TRANQÜILO

Nunca fui de ficar em botecos contando vantagem desperdiçando dinheiro em festas para fazer bonito para os outros. Hoje tenho capital para viver bem com minha família pelo resto da vida. Foi muito difícil para eu tomar as decisões que tomei na vida, mas hoje, já com 60 anos de idade, na hora em que eu mais preciso, posso desfrutar daquilo que ganhei com muito trabalho. Se a forma como eu construí meu futuro com a agricultura é competência, então fui competente".

FLORIANO QUIRINO

Nesta folha, no dia 14 de novembro de 2000, já resgatei, em parte, a trajetória das realizações deste cearense, chamado Floriano Quirino Cavalcante, que chegou em Mirante como peão e soube, como poucos, ganhar, conservar e aplicar com competência tudo aquilo que conseguiu ganhar nas atividades econômicas do campo.

CHEGADA COMO PEÃO

O Sr. Floriano Quirino Cavalcante estava nas primeiras levas de migrantes nordestinos que começaram a chegar em Mirante do Paranapanema em 1947. Inicialmente trabalhou como peão nas lavouras de algodão, e no ano seguinte já comprava 5 alqueires de terra pagando em três anos. Homem simples, sem muito estudo, mas bastante instruído e letrado. Respeitado e admirado por toda a comunidade desta cidade pela sua competência e exemplo de vida a ser seguido. "Entrei aqui sem nada, como peão, e vinte anos depois já possuía 217 alqueires de terra e 700 cabeças de gado. No começo, quase todos os anos eu comprava mais um pedaço de terra. Hoje, em função da divisão de parte da herança, possuo 93 alqueires de terra e 340 cabeças de gado. Todos meus filhos estão formados, são médicos e dentistas. (Floriano)

PROVAS DA COMPETÊNCIA NA ECONOMIA DE MERCADO

O Sr. Floriano, em entrevista no dia 20/07/2002, revela as razões de sua competência como agricultor e pecuarista no sistema de produção, acumulação e perda da riqueza:

1 - COMPRAR TERRA Eu comecei com cinco alqueires. Terra a gente não vende, terra a gente compra. Muitos dos meus conterrâneos nordestinos diziam que quem gostava de terra era minhoca, ou se comprassem terra não iriam aproveitar o que tinham ganhado. Muitos até diziam: "eu que ganhei, eu que gasto". Quem me criticava, por eu comprar terra, hoje está ai sem nada. O algodão deu muito dinheiro aqui no começo de Mirante. A terra era boa, quase não tinha praga e os custos eram poucos. A maioria dos agricultores plantava algodão de qualquer jeito. Só não guardou dinheiro quem não quis. Ganhava fácil, gastava fácil também. Eu comprei terra doze vezes.. Teve conterrâneo que pensava em ficar rico nas terras do outros e só plantando algodão, nunca pensou em comprar um pedaço de terra, quem trabalhou somente nesta condição, acabou sem nada;

2 – TRABALHO Eu estava sempre ao lado de quem estava trabalhando comigo, lá junto, na roça, levantando cedo e dormindo tarde.

3 – CONHECIMENTO Antes de você mexer com qualquer atividade econômica, é preciso ter o conhecimento dela. Por exemplo, quando eu comecei a fazer pastagens com o capim colonião, eram os próprios cascos dos animais que aprofundavam as sementes no chão para germinar, com isso eu ganhava tempo e dinheiro;

4 - GADO Assim que eu percebi que o algodão não seria mais um bom negócio, eu parti para a pecuária bovina. Agora, quem não tinha terra, não podia mesmo investir na pecuária. Para esses, a única saída era parar com a lavoura ou então continuar aventurando no algodão, quem arriscou com essa lavoura, perdeu tudo. Tempos depois o algodão voltou a dar lucros, mas tomando muito cuidado, pois lavoura é assim, um ano ela dá, no outro ela pode tirar;

5 - NÃO DEPENDER DE EMPRÉSTIMOS Gerente de banco vinha na minha casa me oferecer empréstimos, eu nunca aceitei. Eu sempre quis saber o que eu tinha. Eu já tive carro zero, mas comprado à vista, nunca gostei de prestações. O dinheiro que eu ganho no campo, eu aplico no campo, agora teve gente que ganhava dinheiro na agricultura e vinha aplicar no juro alto do banco, esse verdadeiramente não era um produtor rural;

6 - CAPACITAR SEMPRE Apesar do meu pouco estudo, eu sempre quis saber mais sobre aquilo que eu estava me ocupando. Fui um dos primeiros: em plantar muda de colonião no meio do algodão aqui em Mirante; em vender leite e em plantar eucalipto. Ainda agora eu e minha esposa estamos fazendo um curso para tratamento de madeira. Eu fico muito triste quando hoje vejo que muitos dos meus conterrâneos, depois de tanto sofrimento, acabaram sem nada. A oportunidade foi dada para todos, mas infelizmente, nem todos souberam aproveitá-la".

A VISÃO CAPITALISTA AOS AGRICULTORES NORDESTINOS

Para "ajuntar dinheiro com rastelo", acumular e administrar aquilo que consegue ganhar em decorrência do trabalho na lavoura, além de determinados conhecimentos e apoio governamental, faltou competência para a quase totalidade dos migrantes nordestinos que chegou em Mirante do Paranapanema (1950 – 1970), em seu período áureo de economia agrícola que estava baseado especialmente no algodão, e de forma complementar, no amendoim. Não devemos, entretanto, esquecer que a agricultura aqui sempre se constituiu num apêndice, ou seja, uma complementação e subordinação a prática da pecuária bovina.

Além da vontade de trabalhar, que sem quaisquer sombras de dúvidas, os nordestinos amanhavam de forma imponente, exigia-se deles, para acumularem capital nesse seu além-mundo, determinadas noções mínimas, porém fundamentais de economia de mercado, que lhes possibilitassem o desenvolvimento de distintas habilidades e visões, aqui traduzidas como espertezas resultantes de uma competência e consciência individual e coletiva. Por outro lado os migrantes agricultores, sob a visão dos objetivos a que propunham, foram extremamente competentes, ou seja, ganhar "um bom" dinheiro aqui, principalmente nas colheitas do algodão, e passear no nordeste – num constante vai-e-vem quase que anual – para gastar em coisas, muitas vezes consideradas supérfluas na visão capitalista de produção e acumulação de riqueza, mas que os afirmavam perante àquela sociedade que lá permaneceu, como bem sucedidos na dura empreitada a que se sujeitaram. Quando o dinheiro acabava, como muitos afirmam, é só pegar de novo o pau-de-arara e tornar a "arrastar" dinheiro em "Sam Palu". Assim sendo, a maior parte desses nordestinos tiveram seus desejos realizados e quem pode afirmar que eles não conquistaram tudo aquilo de almejavam? Na verdade o "mundo" do nordestino sempre ficou no nordeste, ou melhor, no norte, como é referido por eles.

Verdade seja dita, se as máquinas beneficiadoras, que compravam e beneficiavam o algodão produzido por esses agricultores; assim como também, a maior parte dos imigrantes europeus e dos asiáticos, fazendeiros, bancos e agiotas, ganharam dinheiro em cima do trabalho e da produção nordestina, foi por pura competência capitalista deles. Afinal, vivemos num sistema capitalista em que impera a de lei da oferta e da procura, onde quem tem o poder e as idéias para organizar e gerir o espaço geográfico, acaba explorando e fazendo a riqueza numa exploração racional dos meios de produção, no exercício do domínio sob outros trabalhadores.

A falta de uma política agrícola prejudicou e ainda prejudica, principalmente o pequeno produtor rural, mas foi a ambição e a ganância que levaram muitos agricultores, não só nordestinos deste Município, a perderem, com a própria agricultura, tudo aquilo que com ela haviam conseguido.

O NORDESTINO NÃO SE DESTERRITORIALIZOU DE SUA TERRA

O migrante nordestino tinha dois sonhos: o de ficar rico e voltar rico para sua terra, e com isso ele não conseguiu se desterritorializar do seu mundo de origem e nem se territorializar nesse lugar que lhe era alheio. Isso fica patenteado nas músicas do maior cantor nordestino, Luiz Gonzaga. "A TRISTE PARTIDA", de Patavina de Assaré." "Por terras alheia nós vamos vagar. Meu Deus, meu Deus. Se o nosso destino não for tão mesquinho cá e pro mesmo cantinho nós torna a voltar. "A VOLTA DA ASA BRANCA", de Zé Dantas e Luiz Gonzaga: " Já faz três noites que pro norte relampeia. A asa branca ouvindo o ronco do trovão já bateu asas e voltou pro meu sertão. Ai eu vou-me embora vou cuidar da plantação. A seca fez eu desertar da minha terra, mas felizmente Deus agora se "alembrou" de mandar chuva pra esse sertão sofredor.

Não houve uma disponibilidade por parte da maioria dos migrantes nordestinos em desterritorializar-se de seu mundo de origem, não só no plano econômico, como também no político-sócio-cultural.

"Nunca tive vontade de comprar terra aqui, pois iria ficar preso. No começo, por ano, dava para comprar até seis alqueires de terra. Gastei muito dinheiro à toa, hoje estou cego, se tivesse um filho de Deus pra me levar, eu queria morrer na minha terra. O nordestino sempre pensava em comprar um pedaço de chão, mas lá na sua terra. Ele queria ganhar dinheiro e ir embora. Chegava aqui sem um couro para morrer em cima, mas com um ano de serviço ele tinha muito dinheiro". (José Manoel dos Santos, -"Ozeas"-, sergipano, 86 anos, foi arrendatário e empreiteiro. Entrevista em 30/06/2002)

ERA SÓ PLANTAR E COLHER

Na organização do espaço geográfico de Mirante do Paranapanema, na sua fase pioneira, encontramos a figura excêntrica dos grileiros de terras, que para muitos utilizaram formas imorais, ilegais, ocupando terras devolutas do Estado, ou seja, apropriação ilícita de propriedades de caráter social. Rejeitando esta tese, da violência como poder de conquista e domínio, podemos reconhecer que esses fazendeiros, de forma extremamente competente, nos múltiplos palcos de batalhas – trincheiras e tribunais – superaram as inúmeras dificuldades, conquistaram seus espaços e, territorializando, estabeleceram seus domínios aqui por longos décadas, subjugando e amedrontando a todos e fizeram riqueza para si.

SEMPRE MIGRANTE

Mesmo com a facilidade para adquirirem terras, a condição de proprietário não se constituía objetivo básico para maioria dos nordestinos, considerando os obstáculos que se constituiriam para suas constantes viagens rumo ao "norte". Sabemos que após uma colheita, para quem é o dono da terra sempre requer, em sua propriedade múltiplas restaurações e preparos para novas plantações. Segundo o Sr. Ivo Agneli, 53 anos, filho de paulista, nascido, criado e toda a vida morador do Bairro do Repouso, relata que muitas famílias nordestinas de arrendatários de seu pai com dois anos cultivando algodão poderiam adquirir até dez alqueires de terra, mas escolhiam ficar à toa no período entre safra ou em ir para o nordeste gastar o que ganhou penosamente numa colheita e voltar no outro ano com adornos de ouro que, grandes proprietários de terras daqui nunca pensavam em um dia em possuir.

O Sr. Floriano Quirino Cavalcante, relata que inicialmente os nordestinos cultivaram algodão aqui de forma atabalhoada, ou seja, sem qualquer planejamento, até porque o algodão que eles tinham conhecimento no nordeste era da espécie arbórea, ou seja, uma qualidade perene, que possibilitavam até dez colheitas, sendo uma por ano. Aqui, apesar dos pés do algodão Texas, herbáceo crescer bastante também, ele só produzia uma vez, depois precisava ser arrancado para dar espaço, no outro ano, a novas plantações. Aliada a isso, e que contribuíam para o fracasso desse tipo afoito de agricultor foram: a falta de noções dessa cultura; o desconhecimento da constituição do solo e das condições do tempo, além é claro, dos mecanismos comerciais que envolviam essa atividade econômica e a insignificância de capitais para barganha.

MACHADO E FÓSFORO

Na cobiça pela riqueza através das exuberantes florestas primárias, as armas mais usadas pelos nordestinos foram o machado e o fósforo. Na agricultura foram aguerridos trabalhadores, mas diante das primeiras dificuldades, como por exemplo, pragas daninhas e esgotamento do solo já exaurido pelas sucessivas culturas anuais e predatórias do algodão e do amendoim, a maioria nomeou em alçar vôo e buscar novos paradeiros.

A ROÇA COMO SISTEMA

A cultura que aqui foi introduzida, sem qualquer racionalidade, foi do sistema parecido com o de roça, quando o homem busca empreender novas derrubadas das florestas para o cultivo, ao invés de recuperar a área anteriormente degradada. Quanto a essa mentalidade, que não é originalmente nordestina, assim se expressou o Sr. Joaquim Franceline de Andrade, cearense de Icó, 77 anos "Eu nunca adubei terra, se for para adubar eu deixo de plantar, só dá prejuízo". (O Sr. Joaquim abandonou a agricultura ainda em 1968).

Outro também cearense, José Ferreira da Silva, 73 anos relata que na década de 1950 ganhou dinheiro e preferiu passear no nordeste, (onde retornou dez vezes) a comprar 5 alqueires de terra. Ele mesmo confessa que gastou todo o dinheiro lá em coisas banais. "Todo nordestino é trabalhador que nem eu, ganhava dinheiro aqui, pegava vestia um terninho de casimira e ia gastar no"norte". Ganhava-se bem, mas gastava bem também. Pra nós tudo que está pra cima do Estado da Bahia é norte".

A TERRITORIALIZAÇÃO DOS IMIGRANTES EUROPEUS E ASIÁTICOS

Diferentemente dos migrantes nordestinos, os pioneiros imigrantes europeus, – primeiros habitantes efetivos que aqui chegaram a partir da década de 1920 – implementaram inicialmente uma agricultura de sobrevivência em pequenas propriedades, adquiridas a longas prestações anuais. Suas relações de produção eram baseadas no trabalho familiar e coletivo, e na preservação da identidade de cada povo, conseguiu gradativamente, e de forma competente, acumular capital. De igual modo, sem violência física, porém social, baseados na organização e na preservação da sua identidade enquanto povo, os japoneses tiveram competência, sobretudo coletiva, para territorializar o espaço do café na região do Bairro Novo Paraíso, a partir da década de 1950, e organizar um espaço que lhes resultavam riquezas, aproveitando-se sobretudo da mão-de-obra excedente e trivial do migrante nordestino.

Os produtores rurais mais antigos contam que, quando do desmatamento da área do município pelos nordestinos, a partir do final da década de 1940, até meados da década de 1960, lavoura aqui dava muito dinheiro. A terra, por estar localizada distante da Estrada de Ferro Sorocabana, e pelo fato de não ter provas de que a quem pertencia, era arrendada até de graça por três a quatro anos. O lavrador tinha apenas de desmatar a área, limpar o terreno, cultivar alguns anos e depois devolvê-la ao seu "dono", muitas vezes já com plantações do capim colonião. Os custos com o arrendamento não se tornavam um grande obstáculo para os agricultores, tanto é que a maior parte dos plantadores preferia tocar uma área maior de lavoura em terreno arrendado do que plantar numa pequena área, mesmo que esta fosse sua. Esse foi o caso do Sr. Antônio Estácio de Oliveira, "Antônio de Nel" 75 anos, sergipano, assim relata em entrevista de 23/06/2002. "Antigamente aqui se ganhava muito dinheiro com lavoura, era muito bom. Sempre fui agricultor, e sempre também dependi de terras dos outros para plantar. Eu não posso reclamar do algodão, no começo eu ganhei muito dinheiro que dava para comprar até cem alqueires de terra aqui em Mirante, mas preferi continuar arrendando terra e acabei perdendo tudo. Eu cheguei a cultivar 90 alqueires de terras de uma só vez. Não foi só eu que "quebrei"com lavoura não, "quebrou" muita gente. Foram cinqüenta anos somente plantando lavoura em terras arrendadas. Ganhei muito como arrendatário e acabei perdendo tudo também como arrendatário. O meu sonho sempre foi ganhar mais dinheiro para comprar, só de uma vez, bastante terra. Naquele tempo terra não era difícil para se comprar, com o que a gente ganhava plantando algodão em dois alqueires durante apenas um ano, dava para se comprar um alqueire de terra. Ganhei muito dinheiro com algodão e perdi tudo também com algodão. Eu não usei a cabeça para ir comprando terra pouco a pouco e aí deu no que deu. Eu não culpo ninguém não, o culpado fui eu mesmo".

Os agricultores são unânimes em afirmar que era só plantar e colher: solo fértil (muita matéria orgânica), pouca erosão e pragas, boa produtividade, ou seja, os custos eram reduzidíssimos. Mesmo os compradores não pagando bons preços pelos produtos colhidos, os produtores conseguiam ganhar um bom dinheiro. Muitos desses até preferiam continuar arrendando terras para o plantio, sobretudo do algodão, do que empregar os lucros das lavouras na compra de terras. Os poucos que assim o fizeram, quando chegou a decadência da cultura do algodão (final da década de 1960), puderam investir na pecuária, atividade econômica mais rentável naquele momento, e com isso conservaram e desenvolveram o capital acumulado pela lavoura, como foram os casos dos cearenses, Floriano Quirino Cavalcante, 77 anos, Sebastião Vicente Barbosa, 76 anos, Raimundo Batista da Costa, 67 anos, e do sergipano, Sr. Josafá de Oliveira Góis, 82 anos.

Portanto, os imigrantes estrangeiros, que aqui portaram, ao mesmo tempo em que se desterritorializaram de seu "antigo mundo", procuraram reterritorializar um outro espaço geográfico, preservando, todavia, suas diferentes identidades dentro de novas amarrações e relações com a natureza

AS CONTRADIÇÕES DA AGRICULTURA

AFIRMAÇÃO DA MISÉRIA

Quando buscamos entender o que verdadeiramente a agricultura – sobretudo no seu período de glória, décadas de 1950 e 1960 – significou para Mirante de Paranapanema, ficamos perplexos e inconformados ao constatarmos que a agricultura foi apenas uma veia aberta por onde verteu dolosamente para corações longínquos todo o seu sangue, caracterizado aqui por sua imensa riqueza produzida.

É imperativo também questionar até que ponto uma oligarquia anárquica, formada por elementos oriundos da roça, contribuiu para a formação de grupos hostis, mais interessados em interesses particulares, do que na melhoria efetiva da vida da população.

Enquanto as depreciações pessoais e familiares se processavam através de lutas banais e mesquinhas, que chamavam de política, um outro grupo, também pequeno, mas bem organizado, formado por fazendeiros, que nem se- quer moravam neste município, souberam aqui se territorializar e fazer sua própria riqueza.

Enquanto isso, as querelas medíocres de disputas subjetivas de grupos locais por falta de conhecimento ou improbidade efetiva, foram incapazes de perceber que Mirante do Paranapanema jamais alcançaria um progresso prolongado, com cada um buscando egoisticamente seu próprio interesse em detrimento da população como um todo.

A grande "contribuição" que esses grupos alienados trouxeram para este município, ao longo de sua construção histórica, foi a afirmação da miséria e o desalento para a maior parte de sua população que é composta também por seus próprios correligionários.

Esse tipo de fazer "política", pouco ou quase nada contribuiu para o setor mais importante do município que foi a agricultura.

A CONTRADIÇÃO AGRÁRIA

Como sempre ocorreu no Brasil, os pequenos agricultores, desorganizados e sem representação junto aos governantes sempre foram marginalizados pela política agrícola. No município de Mirante do Paranapanema em 1960, somavam-se 2.220 produtores agrícolas (proprietários com menos de 20 hectares de terra), já no ano de 1980, eles totalizavam apenas 361.

Somos obrigados a acreditar que se os pequenos produtores agrícolas tivessem recebido valores equivalentes aos subsídios destinados hoje à denominada Reforma Agrária, quando uma família assentada no Pontal do Paranapanema custa em média R$ 27 mil aos cofres públicos(Graziano), a história da agricultura em Mirante do Paranapanema, com certeza, seria outra bem diferente.

VALENTIM RODRIGUES

Valentim Rodrigues, com 72 anos, começou a vida aqui vendendo rapadura, no tempo ainda do Palmitalzinho, afirma em entrevista do dia 06/04/02, que para, "limpar o seu nome", teve que vender 40 alqueires de terra e 60 cabeças de gado para pagar empréstimo no Banco do Brasil. Antes disso, para o mesmo fim, já havia vendido máquinas agrícolas e automóveis.

Hoje, morando próximo à Delegacia de Polícia de nossa cidade, com a esposa, numa casa modesta, que não lhe pertence, sobrevive com a ajuda dos filhos e de uma miserável aposentadoria.

Ele ainda relembra que, já no final de sua carreira agrícola, quando pela última vez compareceu ao banco, no momento em que o gerente lhe oferecia aquele famoso "cafezinho", assim afirma ter questionado ao mesmo: "Como eu fico agora, que perdi tudo que tinha para pagar empréstimo aqui no seu banco?O banco tomou tudo o que eu tinha, por que não vai agora, o senhor tocar roça no meu lugar?" Para arrematar, o senhor Valentim confessa que depois daquele dia, nunca mais o gerente o convidou para tomar "cafezinho".

Temos conhecimento de inúmeros pequenos proprietários rurais em nosso município que possuem histórias semelhantes a do Sr. Valentim.

DA GRANDE PRODUÇÃO AO ASSENTAMENTO

Valter Pereira de Souza, filho de migrantes mineiros, Valtinho,como é mais conhecido, nasceu no dia 02/12/1949, no Bairro do Cruzeiro, em Álvares Machado.

Como fizeram tantos outros , ele acreditou que simplesmente com o seu suor, trabalho e boa vontade, um dia poderia ganhar dinheiro com a agricultura.

Sem qualquer subsídio governamental e descapitalizado, acabou caindo nas garras dos empréstimos bancários. No final da década de 1980, com juros aviltantes e inflação beirando os 100% ao mês e logo em seguida o danoso Plano Collor, acabou afundando nas dívidas e inadimplências perdendo tudo, semelhante ao que ocorreu com o Sr. Valentim.

Como diz a velha máxima "quando não se pode vencer o inimigo, o melhor negócio é aliar-se a ele", assim, por circunstâncias, acabou acontecendo com Valtinho. Depois de muitas relutâncias foi alojar-se em território onde a terra, diretamente, não lhe custava nada. Assentando numa área de 20 hectares de terra, recebe agora, subsídios governamentais e suporte técnico, podendo administrar economicamente, da forma que lhe apraz e até, faltar com o compromisso social da produção.

O SONHO DA RIQUEZA

Em 1975, o Sr. Valtinho, já casado, deixa de trabalhar com o pai e aposta o sucesso buscando o cultivo de produtos nobres, no Distrito de Costa Machado. Já naquele ano cultiva 10 alqueires de tomate, milho, cebola, melancia, batata doce, batatinha, amendoim e algodão.

No final da década de 1970 chegou a cultivar 36 alqueires de lavouras, todos em terras arrendadas, pagando aos proprietários fazendeiros, até 40% da produção.

PRÊMIOS E PRÊMIOS

Ainda na década de 1970, Valtinho chegou a conquistar o prêmio "CINTURÃO VERDE" do Banco do Estado de São Paulo, por ser o agricultor que apresentou a maior produção média por alqueire de cebola e batatinha do Estado. No ano de 1982 ele ganha da Cooperativa Agrícola de Cotia, o prêmio "MELHOR AGRICULTOR". Dentre todos os seus cooperados foi ele que apresentou a maior produtividade média de algodão por alqueire, 730 arrobas.

Em entrevista de 05/04/2002, assim relata: "Teve um ano no final de década de 1970 que só nele produzi 2.800 toneladas de tomate. Até 1984 eu ganhei dinheiro com agricultura, naquele ano quem plantou um alqueire de algodão ganhou dinheiro para comprar um alqueire de terra, o preço do produto foi muito bom, o triplo do ano anterior. Eu preferi investir em maquinário e arrendar mais terras, para ganhar mais dinheiro ainda. Cheguei a possuir três aparelhos de irrigação, várias máquinas, carro do ano, E mais, ter até cinqüenta "bóias-frias" trabalhando diariamente em minhas lavouras".

ADMINISTRANDO O SUCESSO

Muitas vezes é mais fácil administrar o fracasso do que seu próprio sucesso. No primeiro nós enxergamos a realidade, no segundo muitas vezes não avistamos nada

Segundo relatos do Sr. Valtinho, várias foram as causas de sua decadência econômica na agricultura:

1 - Preços. Um dos grandes problemas do agricultor é na hora da venda de seu produto, quem coloca os preços são as indústrias. Tudo que o cooperado fosse comprar para produzir, lá na Cooperativa,ele tinha que pagar o preço cotado em dólar. Então a gente comprava em dólar e vendia em cruzeiro. Defensivos, veneno, até o fardo, adubo, peças, tudo em dólar, tudo por causa de inflação alta;

2 - Juros altos. Cheguei a pagar 75% de juros por mês no banco em 1988. Isso "comia a gente pelas pernas";

3 - Planos Econômicos. No Brasil o governo só pensa em aumenta impostos e não ajuda a agricultura como nos outros países. No Plano Collor meu dinheiro ficou preso no banco, quando veio a conversão do cruzeiro em URV, em 1994, o custo com o "bóia-fria", ficou muito alto. Antes disso, para comprar um pacote de arroz o "bóia-fria" tinha que trabalhar dois dias. Com a conversão, com o que ele ganhava em apenas um dia, dava para comprar até três pacotes de arroz. Não que os "bóias-frias" tenham que ganhar menos, mas para isso nossos produtos também deveriam valer mais, e isso não aconteceu, muito pelo contrário, os preços caiam cada vez mais.

"TEIMEI EM CONTINUAR E PERDI TUDO"

Valtinho também conta que, com os custos da produção aumentando cada vez mais; os preços dos produtos agrícolas sempre caindo, chegou um momento em que não deu mais para continuar. Assim desabafa: "Quem faz os cálculos nos papéis, acha que o pequeno agricultor ganha muito dinheiro. Quem trabalha em Cooperativas e bancos só ficam fazendo cálculos quanto que fulano de tal produziu, quanto vai ganhar. Por que não vai ele lá plantar para ver se é mesmo desse jeito? Muitos só conhecem a agricultura na teoria, vai lá na prática para ver se dá tudo certo como no papel. Banco não vive de promessa não, se não paga ele toma o que a gente tem. O governo só ajuda os grandes, os pequenos não o incomodam. Eu sempre diversifiquei as plantações, e mesmo assim não conservei nada do que ganhei.

Lavoura é assim: este ano tem prejuízo, o ano que vem a gente planta mais, aí vem prejuízo maior. E assim o agricultor vai, até perder tudo. Quem ganhou dinheiro com agricultura e não parou com ela, perdeu tudo, eu conheço muita gente que ficou nessa situação.

Eu conheci agricultor que deve muito mais do que eu e hoje para sobreviver está pegando coisas dos outros, ou seja, está pior do que eu ainda. Eu posso relacionar mais de duzentos agricultores deste município e região que ganharam muito dinheiro com lavoura e hoje estão vivendo sem nada.

O Sr. Valtinho, com muita emoção ainda consegue relatar que quem nasceu na lavoura não consegue viver sem ela. Por isso, mesmo sofrendo todos os tipos de preconceitos, humilhado e abandono dos antigos "amigos", buscou descobrir no mundo da desesperança, um pedacinho de chão, ainda que não fosse seu, mas onde pudesse cultivar alguns gêneros de sobrevivência como, feijão, milho e mandioca.

Ele confessa que em toda sua vida o seu negócio foi plantar, e com isso nunca se preocupou em comprar terra ou gado, "Isso também contribuiu para que eu acabasse sem nada"

Agricultura é uma ilusão sim, mas se não tiver ilusão ninguém faz nada, o problema é que não existem companheiros políticos que olhem para a agricultura.

SÓ LEMBRANÇAS!

O Sr. Valter Pereira de Souza, separado da mulher, hoje longe dos filhos, por problemas de doença, acabou tendo que amputar uma das pernas, com isso só pode caminhar com o auxílio de muletas. Em tempos passados era conhecido como o Sr. Valter do Costa Machado, um agricultor bem sucedido, reconhecido nas agências bancárias e sempre recebendo "tapinhas" nas costas.

Depois de passar dois anos morando numa humilde casa no assentamento provisório na Fazenda Santa Isabel II, recentemente com o processo de Reforma Agrária na área em que reside, se tornou um assentado com 20 hectares de terra.

Ao lado da "casa" ainda lhe resta, como lembrança do seu auge na agricultura, um trator bastante usado e alguns implementos agrícolas já bastante danificados pela permanente exposição ao relento. Restou-lhe também um bem usado automóvel Corcel II que, adaptado às suas condições físicas, lhe permite constantes deslocamentos até a cidade.

Por incrível que pareça, quando tudo indicava que finalmente sua história se construiria por um outro caminho, apareceria "uma luz no fim do túnel", eis que, mais um obstáculo se apresenta à frente do Sr. Valtinho nessa nova empreitada. Um outro assentado, vizinho a seu lote, vem criando intrigas quanto a demarcação de seus lotes.

Ainda recentemente, no mês de outubro de 2003, três elementos encapuzados, durante o período da noite, invadiram sua modesta casa de assentamento, e na busca por algum possível dinheiro ou objetos de valor, o agrediu de uma tal forma que chegou ao Centro de Saúde semimorto. Neste mês, novembro de 2003, Valtinho, a mais de mês se encontra em recuperação da saúde na cidade de Álvares Machado, onde nasceu.

São histórias como essa que nos leva a refletir sobre o sentido, não apenas da agricultura, mas da própria existência humana.