Severiano

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A CHEGADA DO SR. SEVERIANO SOARES

O tecido de fundo da organização do espaço geográfico do Bairro Severiano está intimamente relacionado com o seu fundador, mais precisamente, com as atitudes e procedimentos do Sr. Severiano Soares. Somente encravado este personagem no contexto social da época é que descortinaremos o cenário de um dos acontecimentos mais funestos da história de nosso município. Esse pequeno bairro, no efêmero espaço de tempo, quando esteve sob o domínio do Sr. Severiano, foi palco do sofrimento, do medo, do sofrimento e da incerteza.

Segundo os Srs. José Xavier (in memorian), e Luiz Pereira Ramos, 75, o Sr. Severiano chegou no Bairro Água da Saúde em 1943, interessado em se casar com a filha do Sr. Sabino, que foi o primeiro morador daquele bairro. Severiano veio de Pereira Barreto, Estado de São Paulo, onde trabalhou com José Alves Paulino, sogro do Sr. Luiz Pereira Ramos e com os "Moura Andrade". Assim que chegou se aliou ao Durval, na época administrador do Dr. Labieno na Bessarábia, e começou a grilar terras. Em meados da década de 1940 demarcou uma grande área de mata, denominou-a como Fazenda Ilha Grande ou Pirapozinho e começou a vender pequenos lotes de terras. Construiu uma sede de madeira trabalhada, onde passou a morar juntamente com mais alguns "capatazes". "Naquele tempo era cheio de jagunços e tudo era resolvido na carabina e no 44. O Severiano só teve jagunços quando começou a vender terras, quando lá chegou, o jagunço era ele" (Adalto Mendes de Carvalho, 66).

Assim que começou a grilar terras, um outro grande grileiro, Dr. Labieno da Costa Machado, entrou na justiça alegando que a terra lhe pertencia. Como em matéria de tribunal o Dr. Labieno tinha melhor domínio, acabou ganhando na justiça o direito de reintegração de posse das terras. Nessas alturas o Severiano já tinha demarcado uma área de aproximadamente novecentos alqueires e vendido dezenas de lotes e pequenos sítios. "Enquanto o Dr. Labieno buscava apenas vender pequenos lotes para colonização, e nisso o Estado estava de acordo, o Severiano, além de grilar, vendeu apenas uma pequena área e a maior parte das terras ele queria defender para formar uma grande fazenda" (Tomaz Mota, 75).

CONSEQÜÊNCIAS DAS AÇÕES DO SEVERIANO

Reinava grande agitação no Bairro Severiano já no final da década de 1940. A ação impetrada na justiça pelo Dr. Labieno, declarou nulas e falsas as escrituras de todos os que adquiriram terras do Severiano, e em 1950 começaram a execução de ações de despejos. Mesmo assim o Severiano, ao mesmo tempo em que continuava jurando que suas terras eram legítimas, buscava defendê-las à bala, para isso procurava sempre abastecer seus "jagunços" com farta munição de combate. Somente quando tudo já estava praticamente consumado, só restando sua família para ser despejada, é que ele busca solução na justiça, mesmo assim com alegações infundadas e com pouca sustentação na argumentação. O seu advogado, Milton Pereira assim escreve em Seção Livre do "O IMPARCIAL" de 29/03/1954: "O Dr. Labieno é o que vende mais terras, dá mais escrituras e custeia o maior número de jagunços, mata mais posseiros. Sua audácia de milionário não tem limites... A polícia ao lado do latifundiário assassinou José Honorato Lemos e seqüestraram seu advogado".

Uma das primeiras famílias despejadas pela justiça foi a do Sr. Francisco Estevão de Melo, em 1950, quatro anos após ter adquirido dez alqueires de terra do Severiano. Sua filha, Maria de Melo Gomes, 68, assim relembra com tristeza: "O despejo foi violento, os policiais jogavam as coisas (móveis) e até as crianças de qualquer jeito em cima do caminhão. Os oficiais de justiça pediam para que no dia do despejo os chefes de família não ficassem em casa, para evitar violência. A gente tinha que fazer tudo o que a polícia mandava. Meu pai perdeu tudo, até arroz cacheado, ficamos sem nada. Todos que compraram terras do Severiano perderam. Naquele dia, só num pequeno caminhão da polícia, foram transportadas as mudanças de três famílias".

As execuções de despejos foram ocorrendo passo a passo e duraram cerca de quatro anos. Não chegamos a um número exato de famílias despejadas, mas algumas pessoas afirmam que somavam de quarenta a setenta. O advogado do Severiano, na petição judicial, fala em dezenas. Pelo que pudemos concluir é que não se tratava de poucas.

Em dezembro de 1953, chegou o momento do despejo da família do Sr. Pedro Theodoro da Silva, 74. Ele tinha comprado do Severiano 15 alqueires de terra, todo coberto da mata em 1949, derrubado uma grande área e até o arado animal já estava sendo utilizando nas lavouras. Assim ele conta: "Quando eu fui despejado, meu sítio estava todo coberto de lavoura de hortelã, milho, mandioca e feijão. O Severiano ainda me iludiu para tirar nós do lugar, ele me levou para São Paulo exatamente na véspera do despejo. Ele dizia que lá tinha alguém, que não iria deixar a gente ser despejado. Aí eu fui, mas ele sabia que a minha família ia ser despejada. Minha mulher sozinha e eu distante iludido . Vieram com polícia, oficial de justiça como se a gente fosse bandido. Meus animais ficaram nas casas dos vizinhos. Eu tinha um paiol cheio de milho e o produto ficou jogado no terreiro. Os policiais diziam que tínhamos que desocupar tudo. Até um alambique de hortelã ficou lá abandonado. Quando eu cheguei de São Paulo minha mudança já estava longe dali. Eu tive um sentimento tão grande que até perdi o gosto de viver. Aí com essa amargurar me deu vontade de ir lá, ficar atrás dum toco e, enquanto alguém não me matasse eu mataria quem por lá passasse. Mas depois meus cunhados me deram conselho e eu deixei isso para lá. O Severiano me enganou até a última hora. Quem nunca foi despejado na vida não sabe o que é tristeza".

Naquele mesmo ano o Sr. Pedro mudou para o Paraná, onde vive até hoje e nunca mais voltou aqui. Hoje ele é um servo de Deus e confessa não ter mais rancor do Sr. Severiano.

No ano seguinte, 1954, foi a vez do despejo das famílias de seus cunhados, José Rua do Nascimento e José Irmão do Nascimento, que tinham comprado 36 alqueires de terra. A filha do Sr. José Irmão, Sra. Maria José do Nascimento,52, conta que,segundo sua mãe, no dia do despejo seu pai saiu de casa para evitar um mal maior. Ela guarda até hoje a escritura falsa dessa propriedade e todos os comprovantes de taxas e impostos, que mesmo as terras não sendo legítimas, a prefeitura de Santo Anastácio cobrava.

O que mais entristecia as famílias despejadas é que a justiça não permitia que elas terminassem a colheita das lavouras já cultivadas enquanto que os novos compradores das terras, agora do Dr. Labieno, podiam colher o que eles tinham plantado.

Em razão das injustiças e atrocidades praticadas nesse espaço geográfico, alguns chefes de família expropriados de suas terras, acabaram abraçando as causas ideológicas de um grupo em nosso município e região que se empenhava contra a lei que só chegava para beneficiar os poderosos.

O FIM DO SEVERIANO

O fim do Severiano no bairro também não tardou a chegar, isso veio acontecer em meados de 1954. Finalmente a justiça conseguiu também expulsá-lo dali. Quando a coisa ficou insuportável, seus jagunços o abandonaram e sua mudança foi depositada à beira da estrada que passava a poucos metros da sede de "sua fazenda".

Passando pela manhã, em retorno para São Paulo, o Coronel Otacílio Nogueira, vendo a situação daquele homem ali com sua família, teve compaixão e o acolheu no Patrimônio da Martinlândia Nova.

Não tardou muito tempo para despertar ali novamente o espírito infausto do Sr. Severiano e continuou ali sua sina de grileiro. Quando o Coronel Otacílio descobriu, ele já tinha levado jagunços e vendido terras de sua fazenda como fosse dele. Como a documentação das terras do Sr. Otacílio fora expedita pelo próprio Estado, não delongou muito o Sr. Severiano foi novamente despejado da Martinlândia Nova, onde residia numa das melhores casas do patrimônio, bondosamente cedida pelo Sr. Otacílio.

"No dia em que o Severiano foi despejado de suas terras o Otacílio o acolheu, para depois receber em troca a traição. O meu sogro criou a própria cobra para lhe picar. Esse homem criou um clima de terror na Martinlândia. O Otacílio teve um prejuízo muito grande com ele, pois compradores de terras ficaram assustados. Ele foi um atraso de vida, ficou tudo parado por quase dois anos e em muito contribuiu para a morte do Otacílio". (Maria de Lourdes Camargo Nogueira, 75)

"O Severiano só serviu para dar trabalho, juntando grileiros, dando comida e vendendo terra" (Luiz Pereira Ramos, "Luiz Carroceiro", 75, que trabalhou com o Sr. Severiano na Martinlândia Nova).