Mestres e alunos
“A educação formal ocorreu na família, nas aulas comunitárias, nas escolas de sociedades (associativas), formadas por moradores mais próximos, nas escolas paroquiais que eram controladas pela Mitra, nas escolas religiosas (masculinas e femininas), nas escolas mantidas pelo governo da Itália, da Província / Estado e pela Intendência / Prefeitura."¹
O início da imigração na Região Colonial Italiana foi marcado por diversas tentativas dos colonos em organizar um ambiente dedicado ao ensino, a princípio com aulas ministradas na língua italiana, nas denominadas escolas étnicas. Esses espaços eram criados pelos pais, com funcionamento “na sala da casa de uma das famílias da comunidade, junto à capela ou na casa do professor”. Muitas vezes, o professor era, dentro da comunidade, quem melhor sabia ler, escrever e calcular.² Em termos gerais, os colonos tinham um olhar pragmático no que concerne à instrução, que era percebida como um instrumento de manutenção do sustento e da propriedade. Nesse sentido, o princípio da organização escolar partir da comunidade deve-se, em grande parte, à ausência de compromisso do governo provincial com essa pauta.
"A escolha dos professores era feita através de uma entrevista com o Intendente, que avaliava o candidato, quase sempre indicado pela comunidade que queria a escola.
A formação do professor era, de certa forma, precária, uma vez que não existia escola complementar em Caxias, para formação mínima dos professores, o que refletia a falta de apoio do poder público à educação escolar.”¹
É preciso ressaltar que muitas escolas na região colonial eram subvencionadas pelo governo italiano. .³ Em detrimento dessas circunstâncias, a criação de escolas públicas se tornou uma demanda cada vez mais frequente, devido à gratuidade e ao ensino da língua portuguesa, fundamental para a inserção na sociedade brasileira. No entanto, por muito tempo, os elementos étnicos estiveram presentes, visto que muitas crianças e adolescentes não falavam português e eram educados em uma cultura distinta.4
Até o início do século XX, o ensino no Rio Grande do Sul ainda se caracterizava por escolas isoladas, com diferentes níveis de adiantamentos de alunos, ensinados por um único professor em salas alugadas. Aos poucos esse panorama se transformava com a promulgação de leis inerentes à educação, o aumento da demanda por estabelecimentos de ensino e a destinação de recursos públicos.
O ensino no território rio-grandense ganha um novo olhar a partir da Proclamação da República, em 15 de novembro de 1889. A ascensão de republicanos vinculados ao positivismo imprime uma nova marca: a escola passa a ter um papel de modernização, mesmo que sob um viés conservador. Segundo Luchese e Rech (2018), de 1889 a 1930, “as políticas públicas educacionais estiveram intrinsecamente relacionadas com a influência positivista.” 5
Esse período caracterizou-se também pela expansão do ensino primário.
Em 1930, Caxias do Sul passou a contar com a Escola Complementar, pública e de caráter oficial, direcionada à formação de professores primários. Posteriormente, em 1943, a instituição passou a se chamar Escola Normal Duque de Caxias. O intendente Thomaz Beltrão de Queiroz foi um dos responsáveis pela conquista que possibilitou a formação sistemática de professores e a profissionalização docente. A presença feminina no magistério era preponderante, em consonância com os preceitos da Igreja Católica, a herança vitoriana, decorrente da hegemonia britânica advinda da Revolução Industrial, e os ideais positivistas. Dos bancos dessa escola saíram muitas “alunas-mestras”, como Alice Gasperin, Esther Troian Benvenutti, Aura Ribeiro Mendes da Silva, e tantas outras que contribuíram ativamente para levar conhecimento aos jovens do meio rural e do meio urbano.
O período abarcado pela Era Vargas (1930-1945) destacou-se por reformas importantes no âmbito da educação. A Campanha da Nacionalização do Ensino (1939), promovida pelo regime, implicou em uma mudança cultural, com a exaltação do civismo e de outros símbolos inerentes à ideologia governamental. Nesse sentido, vale ressaltar o decreto-lei que, em 1938, proibia o uso de línguas estrangeiras nas escolas, o que impactou fortemente os alunos de origem europeia. Esperava-se dos educadores uma postura que exaltasse a ordem, a disciplina e o amor à Pátria, o que ia de encontro às manifestações culturais híbridas que eram predominantes na região.
Trecho de entrevista concedida por
Suely Bascú na década de 1990.
Trecho de entrevista concedida por
Suely Bascú na década de 1990.
Referências
Nota: no título do painel, utilizamos a denominação do período a fim de evitarmos uma nomenclatura anacrônica.
1 Retratos de um Saber – 100 anos de história da Rede Municipal de Ensino de Caxias do Sul – páginas 89 e 104, respectivamente.
2 RECH, Gelson L.; LUCHESE, Terciane A. Escolas italianas no Rio Grande do Sul: pesquisa e documentos. Caxias do Sul, Educs. 2018. p. 27.
3 DALLA VECCHIA, Marisa V.; HERÉDIA, Vânia B.M.; RAMOS, Felisbela. Retratos de um saber – 100 anos de história da rede municipal de ensino de Caxias do Sul. Porto Alegre: EST, 1998, p.89.
4 RECH, Gelson L; LUCHESE, Terciane A., 2018, p. 37.
5 De Escola Complementar a Escola Normal: histórias da primeira instituição pública para formação de professores na cidade de Caxias do sul. In: In: LUCHESE, Terciane A.; FERNANDES, Cassiane C., BELUSSO, Gisele (Orgs.). Instituições, escolas e culturas escolares. Caxias do Sul, Educs, 2018.