Mestres e alunos

“A educação formal ocorreu na família, nas aulas comunitárias, nas escolas de sociedades (associativas), formadas por moradores mais próximos, nas escolas paroquiais que eram controladas pela Mitra, nas escolas religiosas (masculinas e femininas), nas escolas mantidas pelo governo da Itália, da Província / Estado e pela Intendência / Prefeitura."¹

O início da imigração na Região Colonial Italiana foi marcado por diversas tentativas dos colonos em organizar um ambiente dedicado ao ensino, a princípio com aulas ministradas na língua italiana, nas denominadas escolas étnicas. Esses espaços eram criados pelos pais, com funcionamento “na sala da casa de uma das famílias da comunidade, junto à capela ou na casa do professor”. Muitas vezes, o professor era, dentro da comunidade, quem melhor sabia ler, escrever e calcular.² Em termos gerais, os colonos tinham um olhar pragmático no que concerne à instrução, que era percebida como um instrumento de manutenção do sustento e da propriedade. Nesse sentido, o princípio da organização escolar partir da comunidade deve-se, em grande parte, à ausência de compromisso do governo provincial com essa pauta.

Professor Cristiano Ramos e alunos da 19ª Aula Mista de Caxias. Data: [Década de 1920]. Autoria não identificada.







"A escolha dos professores era feita através de uma entrevista com o Intendente, que avaliava o candidato, quase sempre indicado pela comunidade que queria a escola.

A formação do professor era, de certa forma, precária, uma vez que não existia escola complementar em Caxias, para formação mínima dos professores, o que refletia a falta de apoio do poder público à educação escolar.”¹

É preciso ressaltar que muitas escolas na região colonial eram subvencionadas pelo governo italiano. .³ Em detrimento dessas circunstâncias, a criação de escolas públicas se tornou uma demanda cada vez mais frequente, devido à gratuidade e ao ensino da língua portuguesa, fundamental para a inserção na sociedade brasileira. No entanto, por muito tempo, os elementos étnicos estiveram presentes, visto que muitas crianças e adolescentes não falavam português e eram educados em uma cultura distinta.4

Até o início do século XX, o ensino no Rio Grande do Sul ainda se caracterizava por escolas isoladas, com diferentes níveis de adiantamentos de alunos, ensinados por um único professor em salas alugadas. Aos poucos esse panorama se transformava com a promulgação de leis inerentes à educação, o aumento da demanda por estabelecimentos de ensino e a destinação de recursos públicos.

Professores e alunos da escola regida pelo professor Silvio Stalivieri, em Santa Corona, interior de Caxias. Data: 1908. Autoria não identificada.
Alunos do Collegio dos Irmãos de São João Batista de La Salle de Caxias.Data: 20 Maio de 1911. Autoria não identificada.

O ensino no território rio-grandense ganha um novo olhar a partir da Proclamação da República, em 15 de novembro de 1889. A ascensão de republicanos vinculados ao positivismo imprime uma nova marca: a escola passa a ter um papel de modernização, mesmo que sob um viés conservador. Segundo Luchese e Rech (2018), de 1889 a 1930, “as políticas públicas educacionais estiveram intrinsecamente relacionadas com a influência positivista.” 5

Esse período caracterizou-se também pela expansão do ensino primário.

Documento: Quadros estatísticos do município de Caxias (população da vila de Caxias e da sede de Nova Trento, estabelecimentos comerciais, fabris e industriais, recenseamento pessoal e territorial, meios de transporte, quadro de animais domésticos, construções públicas e particulares), produzido por José Domingues de Almeida, Secretário de Secretaria da Intendência Municipal de Caxias. Data de produção: 01 de outubro de 1890
Relatório_1903_1904.pdf
Páginas 08, 39 e 40 do relatório apresentado pelo Intendente Municipal Serafim Terra ao Conselho Municipal em 15 de novembro de 1904, referente ao período de 1903 a 1904. Inclui Lei Orçamentária para o exercício de 1905. Obs.: o documento original tem 62 páginas.
Relatório_1911_1912.pdf
Páginas 07 e 47 a 50 do relatório apresentado pelo Intendente Municipal Major José Penna de Moraes ao Conselho Municipal em 15 de novembro de 1912, referente ao período de 01/12/1911 a 15/11/1912. Obs.: o documento original tem 64 páginas.
Relatório_1921_1923.pdf
Páginas 06, 07, 30 e 31 do relatório apresentado pelo Intendente Municipal Major José Penna de Moraes ao Conselho Municipal em 22 de dezembro de 1923, referente ao período de 01/11/1921 a 31/10/1923. Obs: o documento original tem 70 páginas e apresenta reproduções de fotografias e quadros de funcionários e professores da Intendência.

Em 1930, Caxias do Sul passou a contar com a Escola Complementar, pública e de caráter oficial, direcionada à formação de professores primários. Posteriormente, em 1943, a instituição passou a se chamar Escola Normal Duque de Caxias. O intendente Thomaz Beltrão de Queiroz foi um dos responsáveis pela conquista que possibilitou a formação sistemática de professores e a profissionalização docente. A presença feminina no magistério era preponderante, em consonância com os preceitos da Igreja Católica, a herança vitoriana, decorrente da hegemonia britânica advinda da Revolução Industrial, e os ideais positivistas. Dos bancos dessa escola saíram muitas “alunas-mestras”, como Alice Gasperin, Esther Troian Benvenutti, Aura Ribeiro Mendes da Silva, e tantas outras que contribuíram ativamente para levar conhecimento aos jovens do meio rural e do meio urbano.

Retrato de Alice Gasperin, no dia de sua formatura na Escola Complementar de Caxias.Data: 1942. Autoria não identificada.
[Alunos da professora Alice Gasperin]. Local: [Farroupilha, ex-Colônia Particular Sertorina]. Data e autoria não identificadas.
A professora Alice Gasperin com os alunos da Escolinha da Sertorina, em dia comum de aula. Data e autoria não identificadas.
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Trecho de entrevista concedida por Alice Gasperin em fevereiro de 1995.
Alice_Gasperin_castigo_metodo.wav
Trecho de entrevista concedida por Alice Gasperin em fevereiro de 1995.
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Trecho de entrevista concedida por Alice Gasperin em fevereiro de 1995.

O período abarcado pela Era Vargas (1930-1945) destacou-se por reformas importantes no âmbito da educação. A Campanha da Nacionalização do Ensino (1939), promovida pelo regime, implicou em uma mudança cultural, com a exaltação do civismo e de outros símbolos inerentes à ideologia governamental. Nesse sentido, vale ressaltar o decreto-lei que, em 1938, proibia o uso de línguas estrangeiras nas escolas, o que impactou fortemente os alunos de origem europeia. Esperava-se dos educadores uma postura que exaltasse a ordem, a disciplina e o amor à Pátria, o que ia de encontro às manifestações culturais híbridas que eram predominantes na região.

Diploma de Aprovação da aluna Suely Bascú no Colégio Elementar de Caxias.Data: 27 de Novembro de 1927
Formatura da primeira turma de 1932 da Escola Complementar de Caxias. A partir da esquerda, identifica-se: Yone Rossi, Ligia Rosa, Jurema Ramos, Isaura Rossi, Ilca Fontana, Rosalba Hypolito, Anice Koff, Suely Bascú, Laurencita Chiaradia, [Ioanda Kalazanas], Consuelo Sambaqui, Eugênia Fischer, Yole Festugato, Dulcy Cardoso, Lourdes Machadi. Data: 1933. Autoria não identificada.
Sueli Bascu 1.wav

Trecho de entrevista concedida por

Suely Bascú na década de 1990.

Sueli Bascu 2.wav

Trecho de entrevista concedida por

Suely Bascú na década de 1990.

Professora Nuncia Bascú, com seus alunos, em Santa Lúcia da 9ª Légua, em Caxias.Data e autoria não identificadas.
Alunos da professora Suely Bascú, em sua residência. A partir da esquerda, sentados, foram identificados: 1-Firmino Bonet (Bonett), [Inspetor Escolar]; 2-Suely Bascú; 3-[Santo Ceroni], Inspetor do Município; 4-[Olinto Schmit]. Local: Caxias. Data: 1930. Autoria não identificada.

Referências

  • Nota: no título do painel, utilizamos a denominação do período a fim de evitarmos uma nomenclatura anacrônica.

  • 1 Retratos de um Saber – 100 anos de história da Rede Municipal de Ensino de Caxias do Sul – páginas 89 e 104, respectivamente.

  • 2 RECH, Gelson L.; LUCHESE, Terciane A. Escolas italianas no Rio Grande do Sul: pesquisa e documentos. Caxias do Sul, Educs. 2018. p. 27.

  • 3 DALLA VECCHIA, Marisa V.; HERÉDIA, Vânia B.M.; RAMOS, Felisbela. Retratos de um saber – 100 anos de história da rede municipal de ensino de Caxias do Sul. Porto Alegre: EST, 1998, p.89.

  • 4 RECH, Gelson L; LUCHESE, Terciane A., 2018, p. 37.

  • 5 De Escola Complementar a Escola Normal: histórias da primeira instituição pública para formação de professores na cidade de Caxias do sul. In: In: LUCHESE, Terciane A.; FERNANDES, Cassiane C., BELUSSO, Gisele (Orgs.). Instituições, escolas e culturas escolares. Caxias do Sul, Educs, 2018.

Foto de capa: [Professora Guilhermina Bonalume Chiaradia] e seus alunos, em Caxias. Data: [1910]. Autoria não identificada.