Tratamentos e suas promessas

Curas, promessas e charlatanices em 1918

Em 1918, o vírus da influenza espanhola assolou o mundo inteiro, causando aproximadamente 50 milhões de mortes em um curto período de tempo. Com o caos e a desordem generalizada da Primeira Guerra Mundial (1914-1918), a epidemia viajou pelos quatro cantos do planeta em uma época na qual o mundo começa a ficar mais interligado com o aumento nas viagens de navio e as nações mais propensas a novos contatos e descobertas.

Os jornais tiveram grande importância na divulgação de informações e no direcionamento em torno das melhores medidas sanitárias possíveis, sobretudo com o objetivo de conter o contágio por toda população. Mas havia pouca certeza sobre qual era o mal que acometia a todos e como tratar - até cachaça era recomendada como tratamento! 

Médicos e autoridades públicas indicavam diversos remédios, métodos ou técnicas para evitar o alastramento da influenza espanhola. Dr. Ulysses de Nonohay foi autor de um artigo publicado em A Federação antes mesmo dos primeiros casos serem registrados no Rio Grande do Sul tamanho era a apreensão da população perante o mal que se alastrava fazendo vítimas pelo mundo.

"O público está alarmado com a ameaça da invasão na nossa capital da influenza hespanhola. Julguei por isso util escrever este pequeno artigo e oxalá consiga trazer-lhe a calma necessária e indispensável à própria resistência orgânica contra a infecção", diz o texto antes de trazer informações sobre o que se conhecia sobre a doença e as alternativas de prevenção (a limpeza da boca e das fossas nasais, por exemplo). 

No Brasil, as recomendações mais comuns eram comprimidos ou plantas com supostas propriedades regenerativas. Também, acreditava-se que a água contaminada poderia ser um agente de contágio - as condições sanitárias não eram as melhores e, em Porto Alegre, a qualidade da água servida à população era muito baixa. Por isso, os anúncios de filtros e produtos para deixar o líquido mais potável eram comuns nos jornais. 

Conforme a influenza ia se espalhando pelo país e, depois, pela cidade, também se espraiavam cada vez mais anúncios nos jornais oferecendo medicamentos para prevenção e tratamento da doença. Em comum, todos prometiam ação eficaz e cura para o mal ainda pouco conhecido. Para farmácias e laboratórios, a epidemia era uma oportunidade de reforçar o faturamento.

O comprimido Formagen Eka, por exemplo, aparece em diversos anúncios nas páginas do jornal A Federação, o jornal publicado pelo Partido Republicano Riograndense e de que grande importância no Rio Grande do Sul, e da revista semanal Máscara. Prometia desinfetar a boca e as vias respiratórias, além de oferecer um hálito refrescante e ser inofensivo à saúde. Por isso, era recomendada especialmente a médicos, enfermeiros ou quem estivesse exposto ao vírus. Até depoimentos de quem fez uso do medicamento faziam parte de alguns anúncios.

Os comprimidos Oxyform também marcavam presença nas edições de novembro e dezembro, quando a influenza espanhola se espalhava e fazia vítimas em Porto Alegre. A promessa era de um remédio profilático, ou seja, para prevenção, e também curativo. Para garantir sua eficácia, o fabricante anunciava que o remédio era usado diariamente na intendência municipal (a prefeitura), em fábricas, companhias de navegação e repartições públicas e tinham aprovação do "corpo médico" da capital. 

Nas farmácias também era possível encontrar outras opções, como o Chinicum Arsenicosus, que prometia ação preventiva contra a influenza espanhola - pelo nome, é possível inferir que a fórmula incluía arsênico, já que corria pela cidade a recomendação de se misturar um pouco do agente químico na água para purificá-la. 

Além dos remédios, os tratamentos tradicionais para a gripe eram recomendados, em especial o mais conhecido deles: a canja de galinha. A grande procura transformou, segundo os jornais da época, o Mercado Público em um enorme galinheiro. Mesmo assim, não havia animais suficientes para dar conta da necessidade para alimentar as centenas de pessoas enfermas.

Ao lado, as duas primeiras imagens reproduzem trechos do artigo do Dr. Nonohay em A Federação. Na sequência, um texto da revista Máscara em 30/11/18. Os anúncios são recorrentes em edições de ambas as publicações, que fazem parte do acervo do Museu da Comunicação Hipólito José da Costa.

O chargista da revista Máscara brinca com a prática de usar remédios preventivos contra a influenza espanhola

Charlatanices e serviço em 2020 e 2021

Cloroquina, hidroxicloroquina, ivermectina e azitromicina. É muito provável que você não conhecesse esses medicamentos antes da pandemia do coronavírus assolar o mundo, no início de 2020, mas agora eles se tornaram famosos ao integrarem o ineficiente kit covid.

Desde as primeiras notícias sobre a ocorrência de um novo tipo de gripe, que atacava os pulmões com rapidez, levando a morte, o mundo passou a buscar um remédio que fosse eficaz no tratamento. Primeiramente, cientistas tentavam compreender como o vírus agia no organismo, como se transmitia e qual a melhor forma de proteção. Médicos foram testando os remédios disponíveis indicados para o tratamento das moléstias que o coronavírus ia provocando no organismo. 

Foi nesse contexto em que todos buscavam vencer a covid-19 que foram realizados os primeiros usos de cloroquina, um remédio usado no tratamento da malária e do lúpus, por exemplo. Mas cerca de dois meses após o início das pesquisas, médicos perceberam que não havia eficácia no uso desse medicamento. Houve, infelizmente, a constatação de que não havia um remédio isolado ou mesmo uma combinação de fórmulas que vencesse o coronavírus. Ou seja: ainda hoje, não há tratamento específico para a covid-19. 

Por isso, dia após dia a imprensa insistia em explicar para a população como o vírus se transmite, porque é importante usar máscara e limpar as mãos, superfícies e produtos com álcool gel. A prevenção, diziam infectologistas em jornais, sites e emissoras de rádio e TV, é a melhor forma de frear a circulação do coronavírus enquanto não havia vacina.

E o mundo também acompanhou pela imprensa as pesquisas desenvolvidas em diversos países para o desenvolvimento de um imunizante. Laboratórios associaram-se aos mais diversos centros de pesquisa para testar vacinas - em Porto Alegre, foram testadas três delas: CoronaVac, AstraZeneca e Janssen. E quando a vacinação começou, a imprensa se dedicou a informar sobre os locais de vacinação e os grupos atendidos e a estimular a imunização.

Diferentemente dos remédios contra a influenza espanhola, não havia anúncios na mídia para a venda do kit covid - houve apenas anúncio institucional de uma associação de médicos que defende esse tratamento ineficaz. A defesa desses medicamentos vinha de alguns médicos e, especialmente, de grupos políticos que passaram a ser identificados como negacionistas. A imprensa ocupou-se, então, de desmentir e explicar que esses produtos não tinham eficácia comprovada contra o coronavírus, ressaltando os pareceres das mais importantes organizações mundiais da saúde e assumiu, assim, um papel que se tornou cada vez mais comum: checar a veracidade de declarações de autoridades e de informações que circulam principalmente em redes sociais (sobre esse tema, você pode saber mais no material sobre boatos e fake news). 

Reproduções ao lado:

G1 - 12/5/2020

GZH - 25/3/2021

GZH - 12/2/2021

CNN - 2/3/2021

Piauí/Agência Lupa - 23/02/2021

Rádio Guaíba - 11/09/2021

R7 - 03/08/2021