Capítulo 3 – O Alvorecer Vermelho

por Lorde Milio do Outono


- Enfim, lar, doce lar! – Eu falei alegre e acabando de engolir o último pedacinho de pão do Chef Pamplona, enquanto saíamos do portal criado por um dos Fuemigos. – Chegamos à capital de Fey (próximo do que seria Brasília). Estamos diante do castelo da Rainha das Fadas.

No centro da capital, há o grande castelo da Rainha, cravejado por cristais e duas torres laterais altas. Além disso, sobre o salão circular principal nota-se uma imensa turmalina que, por estarmos no inverno, reluz em azul-claro. O jardim do castelo é vasto e já se prepara para o florescer na próxima estação. Vista de cima, a capital é um grande círculo, dividida em cinco distritos, sendo o central onde se localiza o castelo e que se conecta a todos os outros. A oeste temos o Distrito da Primavera, sempre alegre, colorido, formado por muitas flores e cogumelos gigantes, que abrigam os cidadãos. Na região oposta, a leste, há o Distrito do Outono,  é todo construído em mogno brasileiro, em tons amarronzados, verdes-escuros e acinzentados, onde as construções são feitas em cima do tronco e galhos de uma grande árvore. Ao norte, temos um deserto, na verdade, um oásis, com bastante areia e temperaturas elevadas e as construções arredondadas, o nosso Distrito do Verão. Contrário ao oásis, temos o Distrito do Inverno, ao sul, onde as construções são altas, pontiagudas, todas entalhadas em marfim, dando um aspecto esbranquiçado e elegante.

Enquanto nos dirigíamos ao pé da escadaria, que levava à entrada principal do castelo, vinha descendo uma figura esguia, de cabelos pretos, curtos, repicados, na altura dos ombros, com traje completo e alinhado, além de usar luvas brancas, reconhecidamente um mordomo.

- Bom dia, Lorde Milio! Vejo que trouxe os convidados para o baile deste ano. – ==disse, graciosamente e pausadamente, o mordomo, fazendo uma pequena reverência. E continuou:

– Já estão até mesmo trajando a Capa de Outono da Corte das Fadas.

- Não precisa de tanta formalidade comigo, Sebastian. – eu disse totalmente corado e envergonhado. – Eu ainda não me acostumei com esse título. Lady Seraphine já retornou? – Indaguei o mordomo.

- Sim, ela já se encontra na presença de nossa Rainha Karma e das outras Ladies e Lordes das Estações. Estão apenas à sua espera para discutirem os últimos pormenores do baile de hoje à noite. – respondeu Sebastian suavemente.

- Bom, aventureiros, tenho questões e decisões políticas a serem deliberadas. Preciso deixar vocês aos cuidados de Sebastian. – eu disse, já subindo as escadarias. 

– Nos vemos mais tarde no baile. Acrescentei. 

- Aproveitem para descansar e se embelezar. Até mais! – abri um sorrisão e me encaminhei para a entrada principal.

- Vamos aventureiros, me acompanhem até seus aposentos. – disse Sebastian apontando para a entrada do castelo. 

Ao adentrar o castelo, logo no salão principal, cujo chão era porcelanato (bastante reluzente) e cuja escadaria era entalhada em mármore - notavam-se serviçais correndo de um lado para outro, decorando e arrumando o salão para o baile de mais tarde. Mais ao fundo do salão, observava-se um trono imponente, adornado em pedrarias, e ao seu lado, mais quatro assentos menores, sendo um deles de cadeiras duplas, separados em dois conjuntos de cada lado do trono principal. Acima de cada um dos acentos menores, notavam-se quatro estandartes afixados nas paredes, representando cada uma das quatro estações do ano. A capa que os aventureiros receberam de Milio era uma cópia, em menor escala, do estandarte do outono. À frente desse arranjo de lugares, em um nível mais baixo, estavam seis elegantes cadeiras, sendo dispostas três de cada lado, frente a frente. 

Na área central do salão, destacava-se uma grande fonte central, adornada com uma flor de vitória-régia [1], esculpida em pedra sabão, sendo interligada por seis pequenos canais irrigados, que terminavam em aberturas largas, parecendo um espaço para ser preenchido por algo. Em uma vista superior, a fonte lembrava o formato de asterisco, com a vitória-régia no centro conectada por cada um de seus “seis braços”, três de cada lado. Nas laterais do salão, subiam duas escadarias, que terminavam em largos camarotes, de modo a permitir visualizar, integralmente, a parte inferior do salão e onde se ligavam os corredores, que levavam aos aposentos e para onde os aventureiros foram direcionados.

- O Snow Ball deste ano não é apenas comemorativo, possui também um cunho político importante. – falou Sebastian em tom explicativo. E continuou:

– Esse ano, durante o baile, ocorrerá a Cúpula dos Territórios Naturais, reunindo os seis Eremitas dos Biomas, que representam cada um dos grandes seis biomas (Amazônia, Caatinga, Cerrado, Mata Atlântica, Pampa e Pantanal) [2]. Essa reunião é deveras importante, uma vez que os biomas vêm sofrendo devastações intensificadas nos últimos anos [3], especialmente, pelo desequilíbrio ambiental brasileiro, que ocorre do outro lado do véu que separa nossos mundos. – completou o mordomo.

 – Agora, vou deixar vocês se aprontarem para o baile. Tenham uma ótima estadia. – Sebastian fez uma pequena reverência e apontou, com as mãos abertas, as entradas para os quartos.

Após fornecer as devidas informações, Sebastian separou os grupos de aventureiros em dois, de modo que o primeiro grupo, composto por Kaiser, Lilith, Meltic, Meyla, Ruhtra e Zahir, ficou nos aposentos do lado esquerdo do castelo. Alpha Centauri, Cinder, Kûara, NTI, Vlad e Zozo compuseram o segundo grupo e hospedaram-se no lado direito do castelo. Sebastian retirou-se para terminar seus afazeres para o baile.

Por volta das 18 horas, os aventureiros trajavam as vestimentas ornadas, costuradas pelas mãos das melhores costureiras e alfaiates de Fey, carregando jóias e adereços emprestados pela corte. Ao chegarem ao salão principal, ambos os grupos de aventureiros foram conduzidos até o respectivo camarote designado, de acordo com o lado em que estavam seus aposentos. Já se percebia alguma movimentação dos convidados chegando e ocupando seus lugares. A orquestra de bardos já tocava os primeiros acordes[4] para alegrar a festança. Decorrido algum tempo, com o salão já preenchido de convidados, música e fartura de comidas e bebidas, Sebastian assumiu o microfone, em um palco em frente à orquestra, e se preparou para anunciar o mais alto escalão da Corte das Fadas:

- Adentrando nosso salão, temos o primeiro Lorde das Estações, aquele que é responsável por desenvolver as atividades culturais de nossa corte junto ao nosso povo: Lorde Milio do Outono! – anunciou Sebastian.

À proporção que eu caminhava da entrada do salão até o trono, pude ouvir alguns convidados murmurando: “Como pode, uma criança com tão pouca idade assumir um posto tão alto na Corte das Fadas?”; outros ainda disseram: “Não sei se podemos confiar em uma criança para desempenhar esse papel de tamanha responsabilidade”. Mesmo sendo difícil, eu sei da confiança da Rainha em mim e sei que posso ocupar a cadeira do outono. Em meio a dúvidas, cochichos e sussurros, me dirigi até a cadeira da extremidade direita do trono principal, balançando minhas pequenas pernas, que não alcançavam o chão, abaixo do assento com estandarte de cores alaranjadas e roxas, representando o Outono.

- Agora, entrando em nosso salão, temos Lady Fiora da Primavera, aquela que é responsável pelo comando de nosso exército, pela proteção e pela guarda de Fey! – Sebastian a anunciava enquanto fazia continência.

Surge, na entrada principal, uma fada loira, alta, com cabelos loiros reluzentes e curtos, trajando uma armadura completa, porém, aparentemente leve, totalmente moldada a seu corpo. Embainhado na cintura, ela carrega um sabre, que combina perfeitamente com sua postura militar rígida, mantendo sempre uma das mãos para trás, em uma elegante pose de uma exímia esgrimista. Fiora se desloca pelo salão, alguns dos guardas presentes prestam continência enquanto ela desfila e, ao passar por mim, ela faz um pequeno aceno de cabeça e assume o assento ao lado esquerdo do trono principal, sob o estandarte da primavera, decorado em vários tons de azul que ornam com sua armadura. Em resposta a seu aceno, eu prestei também uma rápida continência. 

Tremulamente, Sebastian, encenando calafrios e batendo, um pouco, seu queixo,  exclamou:

- Ela carrega o frio em seu olhar, a responsável pelas relações políticas de Fey e cuja estação é homenageada neste baile, Lady Katarina do Inverno!

Adentrou no salão uma figura imponente, com face severa, que carrega uma cicatriz vertical desde a sobrancelha até abaixo do olho esquerdo, com cabelos grandes, volumosos e brancos, vestindo um macacão de corpo inteiro em tom roxo com pedrarias em tons lilás e azuis. Enquanto desfilava, ela arremessava suas duas adagas como se fossem malabares e cujas lâminas (que pareciam ser bastante afiadas) eram, totalmente, forjadas com pedras preciosas reluzentes. Katarina sentou-se no assento vago entre o meu e o trono principal, sob o estandarte do inverno, de cores pretas, brancas e acinzentadas.

- Assim como os raios de sol nos iluminam, eles se encarregam de propagar e irradiar as informações por toda Fey, afinal são comunicadores eficientes. Eles são os nossos gêmeos do Verão: Lady Seraphine, nossa idol, e seu irmão Lorde Ezreal, que comanda a Gazeta de Fey! – Sebastian entoou de forma empolgada.

 – Quem não gostou do último single de nossa fada cantora e da tirinha sobre os Fuemigos na última edição da Gazeta? – Sebastian completou.

Na medida em que Seraphine entra e desfila pelo salão, os convidados a ovacionam, clamam por seu nome, reconhecendo a grandiosidade de sua presença. Noutra mão, ao seu lado, entra seu irmão, com uma feição séria, sem responder aos cumprimentos dos convidados, mas lançando um olhar comprometido à sua equipe de repórteres que estavam ali para cobrir o grande evento. Apesar de parecer não ligar muito para a plateia a sua volta, Ezreal é uma figura altiva, de estatura média, com cabelos rosados curtos e repicados, carregando uma manopla, na mão esquerda, enfeitada com asas de borboleta que ornam com o microfone de sua irmã. Ambos findaram seu desfile se dirigindo às poltronas de assento duplo na extremidade esquerda do torno principal, sob o estandarte do Verão, que reluz em cores verde-claro e tons rosáceos. 

Logo após cada Lady e Lorde de sua respectiva estação assumirem suas posições, Sebastian fez um sinal para que a orquestra intensificasse o ritmo da balada e, no portal principal do castelo, surgiu a imponente Rainha das Fadas: Karma.  

O único ruído presente era da orquestra, que deveria ser bastante ensaiada para conseguir tocar perante a forte presença da rainha. Todos encontravam-se quase como estátuas, movimentando seus pescoços e dirigindo seu olhar para aquela que cruzava o imenso salão. A figura onipresente carrega um par de asas, semelhantes às de borboletas, furta-cor, que reluziam as cores representantes de cada estação, com o azul e o branco sobressalentes nesse momento. Sobre a cabeça, ela carrega uma coroa flutuante, com o símbolo de uma vitória-régia ao meio, seus cabelos eram rosáceos, curtos e com duas mechas laterais maiores. Seu vestido moldado ao corpo, possui uma parte longa central, com duas fendas laterais, que se encaixam em duas “meias armaduradas”, semelhantes a botas longas, enfeitadas de pedras preciosas, que descem até seus pés. Para compor o vestido, ombreiras longas, com projeções de seda que tremulam como o bater de asas de borboletas, e, em cada pulso, pulseiras combinando com uma gargantilha de ouro.

O baile seguia, à risca, o cronograma previsto.

Mantendo alguma distância da Rainha, logo atrás, via-se uma fada esguia, com cabelos roxos, presos em um alto rabo de cavalo e dois pares de asas, semelhantes às de libélulas, em tons alaranjados, quase translúcidos, trajando uma malha roxa sobreposta por uma armadura dourada completa. Em uma das ombreiras, havia um adorno de asa de borboleta e, na vestimenta, estava espetado uma espécie de broche, o que indicava que aquela criatura era membro da guarda pessoal da Rainha. Kalista era a responsável por ser a salvaguarda de Karma. Empunhava uma comprida lança, adornada com o mesmo broche que carregava em seu ombro, próximo à lâmina, que era forjada de um cristal rosáceo reluzente. À proporção que a Rainha Karma ganhava o salão, Kalista a acompanhava, como um ritual bem ensaiado, até chegarem ao trono central, onde Karma se sentou e Kalista manteve-se prostrada de pé, ao lado direito, uma pouco mais atrás.

Decorrida a entrada triunfal de toda a Corte das Fadas, os convidados voltaram-se para festejarem o baile, e, então, a Rainha Karma ergue sua taça, contendo espumante a base de cupuaçu, e a toca com o dedo indicador, fazendo ressoar e ecoar um tintilar que trouxe silêncio em todo o salão, incluindo a orquestra, tornando-se, novamente o centro das atenções, para proferir um pronunciamento:

- Como todos sabem, esse ano, os Eremitas dos Biomas se reunirão no nosso baile. – disse ela em tom complacente em meio ao absoluto silêncio. 

– A situação de calamidade se instaurou, devido à destruição dos biomas, e a ocorrência da Cúpula dos Territórios Naturais é urgente. Dessa forma, peço que recebam nossos convidados de honra deste ano: Os Eremitas dos Biomas e seus Artefatos da Biodiversidade. – encerrou a Rainha em tom festivo e de receptividade, apesar de seu semblante mostrar preocupação.

Nesse momento a orquestra começa a tocar uma música animada [5], que combina com a grandiosidade dos convidados a serem apresentados. Em dois trios, os Eremitas surgem na entrada do salão, carregando consigo uma urna dourada, com formato de ovo de ema, com uma pequena fita passada ao meio, com um laço simples e cujo conteúdo era o Artefato da Biodiversidade protegido por essa urna adornada. Cada Eremita, antes de se dirigirem aos assentos reservados à frente do trono, depositou seu artefato em um dos seis espaços ao redor da fonte central de vitória-régia. Todos, à sua maneira, vestiam hanfus, um tipo de quimono, em alta-costura, em tons brancos, azuis, rosas e arroxeados, conferindo a eles, os Eremitas, um aspecto místico e esotérico.

O primeiro trio a se apresentar foram os representantes da Amazônia, Caatinga e Cerrado. Soraka possui um longo cabelo verde-água, com um único chifre partindo do meio de sua testa, e carrega um cajado de seringueira adornado. O que chama atenção é que todo o seu corpo contrasta com pinturas tipicamente indígenas amazonenses, que se assemelham a tatuagens. Em seguida, serpenteando pelo salão, surge uma nagah com cabelos escuros e cortados em camadas, pouco abaixo da altura dos ombros, portando um leque enfeitado e unhas de metal recobrindo cada um de seus dedos. As escamas de sua cauda reluziam muitas cores, afinal são escamas de uma cobra-arco-íris, típica da caatinga. Por ser o segundo maior bioma em extensão, o cerrado necessita de patrulheiros eficientes e, dessa forma, os Kindred surgem como agentes duais, um moreau com chifres de ovelhas pantaneiras saindo pelo longo e volumoso cabelo azul, com um casaco de pelos brancos sobre os ombros, mascarada e portando um arco. Ao seu redor, flutua uma grande cabeça com uma imensa bocarra, de um lobo-guará (que muitos afirmam ser um espírito que rodeia esse Eremita). Depois do protocolo de colocar seu Artefato da Biodiversidade na fonte, os três se sentam nas cadeiras indicadas; exceto Cassiopeia, que se enrolou sobre seu assento.

Representando os outros três biomas restantes, Mata Atlântica, Pampa e Pantanal, o segundo trio de Eremitas surge no salão do baile. O primeiro, um moreau caxinguelê, baixinho, com um chapéu de fibra de jerivá, no estilo chinês, de cujo centro saía uma enorme folha de quaresmeira, árvore pioneira da mata atlântica. Em uma das mãos, Teemo carrega uma flauta feita de madeira de pau-brasil, soprando-a alegremente, acompanhando perfeitamente a orquestra. Após ele, aparece Syndra, uma mulher de estatura média, cabelos brancos, longos, cortados totalmente retos nas pontas e com uma franja sobre a testa. Nos punhos, carrega duas pulseiras com flores de pitangueiras, nativas dos pampas, e na altura dos cotovelos, mangas largas que recobrem seus antebraços e deixam seus braços à mostra. Suas calças roxas de cintura alta possuem duas aberturas laterais na região dos quadris, com um laço rosa preso na parte de trás, com fitas que flutuam à medida que ela cruza o salão. Sem dúvidas, a roupa mais detalhada e costurada dentre os Eremitas. Por último, surge um moreau altivo, corpulento, sem camisa e com olhar sisudo e intimidador, de cabelos brancos, grandes e longos, com grandes orelhas de raposa-do-campo (avistadas no pantanal). Carrega um colar de contas grandes no pescoço, veste uma calça roxa, presa por uma meia-capa e sobre a cintura, possui mãos enfaixadas e anda descalço. Assim como o primeiro trio, esses Eremitas depositaram sua urna dourada na fonte e seguiram para seus assentos designados, ao lado direito do trono.

- Assim, damos início à Cúpula dos Territórios Naturais! – disse Karma, imediatamente após o último Eremita assumir sua posição. 

– Declaro que as conversações começarão ao amanhe... – a Rainha foi subitamente silenciada, não completando sua frase.

Nesse momento, a iluminação se apagou brevemente, num literal piscar de olhos e, quando voltou, estávamos todos imóveis, conscientes, mas paralisados. O único movimento e som vinha da orquestra que parecia um bando de marionetes tocando uma música macabra [6]. Espalhados por todo o salão, via-se, agora, pessoas trajando mantos com capuzes vermelhos e máscaras recobrindo seus rostos. Percebia-se, na parte de trás do manto, um emblema circular, dividido ao meio, com um sol alaranjado de um lado e uma lua azul-petróleo na outra metade. Próxima à abóbada exterior desse emblema, notavam-se seis círculos que demonstravam a evolução de um eclipse lunar adornado. Rompendo o silêncio, ouviu-se um grunhido felino se espalhar pelo salão:

- Ora ora, se não é minha Rainha. – miou a figura, que fez uma reverência em direção à Karma, prostrado sobre a fonte central de vitória-régia, retirando seu manto e sua capa, apresentando-se como uma figura gatuna, esguia, com trajes de bobo da corte nas cores acinzentadas e pretas, com uma bufante gola arroxeada. E continuou:

 – Nós, o Alvorecer Vermelho também queremos participar dessa reuniãozinha, miau... miau... – terminou fazendo sua reverência, colocando-se de pé, manhosamente. 

– Eu, Eliaquim, estou aqui para servir à Minha Rainha e à Corte das Fadas. – complementou ironicamente.

Como um vulto vermelho, um dos membros da organização, posicionou-se entre Kalista e a Rainha Karma. Apesar de todos estarem com a mesma vestimenta, esse membro, em específico, possuía uma presença mais amedrontadora. Ele abre a palma de sua mão direita e bate por trás de Karma, empurrando a rainha em uma lufada de vento até a fonte de vitória-régia. Eliaquim toma impulso e salta pelo ar e se dependura pelas pernas no candelabro central, sobre a fonte. Quando Karma atinge o que seria o centro da fonte, bem no centro do botão da flor, brota um rubi que aprisiona a rainha em seu interior, sobre a fonte. Outros seis membros se teletransportam até os Artefatos da Biodiversidade, anteriormente depositados na fonte, e outros seis aparecem atrás de cada um dos Eremitas dos Biomas, executando um movimento no ar e desaparecendo com cada um dos itens e com os prestigiosos Eremitas.

- É como diz o ditado, quando o gato sai, os ratos fazem a festa! Miau, miau... – exclamou Eliaquim fazendo mais uma reverência e invocando ratos gigantes por todo e salão, enquanto executava o movimento de mão para desaparecer junto de seus companheiros do Alvorecer Vermelho.

Num ímpeto de fúria misturado à raiva e à vontade de socorrer a Rainha, Kalista conseguiu se desvencilhar da paralisia e arremessou sua lança em direção à Eliaquim, resvalando no gatuno, mas sem efeito, uma vez que ele conseguiu desaparecer completamente, no mesmo piscar de luzes que iniciou toda a algazarra.

Os convidados corriam e gritavam; a banda guardava, às pressas, seus instrumentos; bandejas eram arremessadas, comida e bebidas derramadas; o caos se instaurou. Em meio ao pandemônio e aos ratos deixados para trás, rapidamente, a Corte das Fadas tomou providências na tentativa de acalmar os ânimos. Seraphine tirou seu microfone de suas vestes e começou a entoar a música, anteriormente ouvida pelos aventureiros na Estalagem Fada do Dante, fazendo com que os convidados caíssem em sono profundo. Para proteger os aventureiros e os membros do exército capazes de enfrentar os ratos, eu logo transformei os Fuemigos em protetores auriculares invernais, evitando o efeito da psicoacústica de Seraphine.

- EQUIPAR! – berrou Fiora, no meio do salão, próximo à fonte, ao erguer seu sabre.

Magicamente, todos os combatentes do exército das fadas trocaram as vestes de gala por seus equipamentos padrões, incluindo os aventureiros, que em posse de seus itens enfrentaram seus oponentes ratos nos camarotes onde estavam. Após revirarem mesas, desferirem golpes de espada, lançarem magias, os aventureiros derrotaram os ratos gigantes e Sebastian conduziu cada grupo até seus aposentos.

Controlada a algazarra deixada pelo Alvorecer Vermelho, Fiora e eu adentramos em cada um dos alojamentos dos aventureiros (primeiro, o da esquerda e, depois, o da direita) e reportamos a situação:

- Vocês estão bem? – indaguei, aflito, os aventureiros, que confirmaram estar tranquilos, na medida do possível.

- A situação é grave e urgente! – exclamou Fiora. – A Rainha encontra-se enclausurada por uma pedra Rubi, os Eremitas dos Biomas e seus respectivos Artefatos da Biodiversidade foram levados e nem sabemos quem são o Alvorecer Vermelho. – complementou em tom preocupado. E complementou:

– Não podemos deixar que os acontecimentos presenciados no Snow Ball vazem para a população. Nosso departamento de comunicações, coordenado por Ezreal e Seraphine, já estão providenciando uma coletiva para explicar o afastamento momentâneo de nossa Rainha Karma.

Fiora ainda completou:

- Kalista me reportou um fato curioso quando foi resgatar sua lança arremessada no tal Eliaquim. Ela encontrou no chão, abaixo de onde estava o inimigo, um broche pertencente aos membros da Corte do Inverno, concedidos por Katarina aos integrantes honoráveis desta corte. – falou em tom melancólico.

 – Isso nos remonta a um enfrentamento que ocorreu entre as antecessoras da Rainha Karma e de Katarina, que disputaram quem governaria Fey, com a vitória da linhagem de nossa rainha, e a outra passando a servi-la. – complementou em tom explicativo.

 - Seria muito precipitado de minha parte tirar qualquer conclusão nesse momento, mas como sou a responsável pelo exército e guarda de Fey, vou instaurar investigações para apurar melhor esses fatos. Podem deixar essa parte sob meus cuidados – disse a fada em tom confiante.

- Dado todo esse panorama, precisamos saber de vocês, aventureiros, se nós, da Corte das Fadas, poderemos contar com sua ajuda? – perguntei me dirigindo a cada membro dos grupos de aventureiros no momento em que nos reunimos. 

– Infelizmente, nós, Ladies e Lordes das Estações, vamos precisar cuidar dos assuntos aqui da capital e vamos precisar de todas as nossas forças para defender Fey caso o Alvorecer Vermelho retorne para esse castelo. Então, pedimos para que vocês partam, imediatamente, para salvar os Eremitas dos Biomas e recuperar os Artefatos da Biodiversidade, pois acreditamos que, reunindo os seis artefatos e colocando-os de volta na fonte da vitória-régia, nossa Rainha será libertada e salva. Além disso, o equilíbrio dos biomas depende da integridade de seu Eremita responsável e de seu respectivo Artefato – expliquei a eles.

- Coincidentemente, há uns cinco dias, o Eremita Kindred reportou ter avistado, no Vale da Lua, localizado na Chapada dos Veadeiros, ao norte do estado de Goiás, homens de robes vermelhos que deixavam rastros de fogo por onde passavam. – Fiora forneceu mais essa informação.

 – Pela descrição de Kindred e pelo ocorrido no evento de hoje, acreditamos que é o Alvorecer Vermelho se movimentando. Peço, por favor, que investiguem essas pistas, salvem os biomas, nossa Rainha e o reino de Fey. – falou em tom encorajador e esperançoso.

Com o assentimento de prestação de socorro solicitado por mim e por Fiora, todos os aventureiros presentes se prepararam, recebendo mantimentos e alguns itens úteis para sua próxima aventura, partindo, então, em direção à Chapada dos Veadeiros.

- Fuemigos, faça as honras, por favor! – eu clamei para  um dos meus companheirinhos, que cresceu e, mais uma vez, sua boca se transformou em um portal, dessa vez para o Cerrado.


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Nota dos autores: a partir daqui cada um dos grupos de aventureiros vivenciará a aventura sob sua perspectiva. O pano de fundo será o mesmo, os eventos importantes serão similares e os personagens do mundo de Fey também. Contudo, a abordagem, a maneira e as relações estabelecidas pelos grupos serão diferentes. Por isso, você, leitor, que deseja acompanhar as aventuras, leia os capítulos do Grupo 1 e do Grupo 2, para saber como eles vão encontrar formas de superar os desafios e obstáculos e se conseguirão salvar (ou não) os biomas brasileiros.


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Referências:


[1]  ROSA-OSMAN, Sônia Maciel da et al. Morfologia da flor, fruto e plântula de Victoria amazonica (Poepp.) JC Sowerby (Nymphaeaceae). Acta amazonica, v. 41, p. 21-28, 2011.


[2] COUTINHO, Leopoldo. Biomas brasileiros. Oficina de Textos, 2016.


[3]  PESSÔA CANDIOTTO, Luciano Zanetti. Ecossistemas brasileiros: degradação e potencialidades. RBPG. Revista Brasileira de Pós-Graduação, v. 13, n. 32, 2016.


[4] A canção tocada pela orquestra foi “Dark Vampire Music - The Vampire Masquerade”, de Peter Gundry do álbum The Edge of Darkness de 2015. Disponível em <https://www.youtube.com/watch?v=dUNOfNad59Q&ab_channel=PeterGundry%7CComposer>. Acesso em 14 de nov. 2023.


[5] A canção tocada pela orquestra foi “Tsuna Awakens”, uma OST (Original Soundtrack) da animação japonesa Katekyo Hitman Reborn!. Disponível em < https://www.youtube.com/watch?v=QK7UP_JFxG8&ab_channel=PitifulHeartless>. Acesso em 22 de nov. 2023.


[6] A canção tocada pela orquestra foi “Grave Of Maria (Innocence of Cross Marian)”, uma OST (Original Soundtrack) da animação japonesa D-Gray Man. Disponível em < https://www.youtube.com/watch?v=-ibd9qued50&ab_channel=JcFerol>. Acesso em 22 de nov. 2023.