Um convite inesperado

Por Lorde Milio do Outono


         - Fuemigos, levem, por favor, os convites do Snow Ball para os cidadãos selecionados deste ano. – Disse uma voz travessa e alegre de um menino pardo, de estatura média, com cabelos lisos e volumosos, de tom púrpura, com olhos um tom mais claro que o tom dos cabelos.

         - Deixa com a gente, Milio! – Responderam em uníssono as duzentas bolinhas de fogo, cada um com seu rostinho e personalidade estampada, às suas maneiras, todas obedientes ao seu mestre. Cada uma pegou um convite e desapareceu, deixando para trás um rastro luminoso e cintilante no espaço que ocupavam.

         O convite entregue aos cidadãos de Fey indicava a estalagem Fada do Dante como ponto de encontro, em data e horário informados. Essa estalagem é famosa em todo território de Fey, visto que Dante foi um grande orc aventureiro dos tempos de outrora. Cada Fuemigo certificou-se da entrega do convite ao convidado e retornou sua confirmação (ou recusa) ao convite até seu mestre Milio.

         Chegada a iminente data, ao cair da noite, formou-se uma fila enorme de convidados na porta da estalagem, onde foram recebidos por dois ogros grandões, um verde, de nome Shrek, e outro azul, irmão do primeiro, chamado Churek. Esses dois faziam a conferência e liberavam a entrada daqueles que detinham o convite. Dentre os vários convidados, alguns chamam a atenção, como, por exemplo, o contraste entre a gigantesca centaura, chamada Alpha Centauri - com cabelos fartos, ondulados, da cor azul como a noite e com múltiplos olhos no rosto - e a pequena moreau descendente de lobo-guará, Kûara, com orelhas treinadas, faro apurado e pelagem alaranjada. Logo atrás delas, dois usuários arcanos de elemento fogo também se destacaram, o golem de pedra Ruhtra, cujas placas de rochas acinzentadas revestem seu núcleo reluzente avermelhado e que extravasam chamas, e o Kaiser, um qareen de cabelo escuro, curto e arrepiado, com olhos fundos e faixa nas mãos, carregando um grimório a tiracolo. Duas figuras elegantes e nitidamente empoderadas surgem, uma delas é Meyla, trajando seu capuz, escondendo seus traços e pinturas indígenas, mas reluzindo seus olhos vermelhos, e a outra, Lilith, com longos cabelos pretos e lisos, presos em um coque, vestindo um quimono largo e elegante, de cores rosa e lilás, que esconde suas asas, reclusas, adornadas como se fossem penas de pavão.

         À medida em que os convidados foram sendo admitidos pelos ogros porteiros, mais dois indivíduos chamaram a atenção, um guerreiro, Cinder, de armadura com aspecto carbonizado, cujos espaços entre as articulações e as placas deixavam escapar chamas, além de suas mãos, que se destacam por serem esqueléticas e seguravam uma espada; o outro emana uma energia dual, ora luz, ora sombra, com cabelos curtos e volumosos, com feição séria e também segurando uma espada. Quase desapercebidos ao passar pela entrada, duas figuras se destacam: o ágil Zozo, um jovem negro, com pontos de vitiligo ao redor da boca e na testa, com cabelos encaracolados brancos, trazendo em si uma furtividade necessária à sobrevivência dos quilombolas; e outro rapaz, totalmente reservado, NTI, de cabelos pretos médios, bagunçados, trajando uma jaqueta de couro com uma camisa branca por baixo. Chegando com suas presas afiadas e seu sabre com resquício de sangue de sua última caçada, avista-se um dahllan, com aspecto de onça-pintada bípede, Meltic, exibindo a flor amarela, símbolo de Camélia da Primavera em suas vestes e acompanhado de sua onça-pintada companheira, Rudá; e por último, o desatento e desafortunado Zahir, um osteon simpático e distraído, cujo capuz recobre os ossos de seu crânio, e que teve seu convite furtado (por um halfling habilidoso), tendo que pagar para garantir sua entrada na recepção.

         A estalagem tinha um amplo saguão, com mesas de madeira bem distribuídas e um segundo andar com uma sacada ampla e arredondada, uma espécie de camarote. Da parte central do teto pendia um enorme candelabro, que quase iluminava o recinto totalmente. Havia rumores de que uma idol iria realizar uma performance nessa noite. Os doze aventureiros descritos adentraram o espaço, uns agruparam-se naturalmente e outros preferiram ficar reservados, observando. Em meio ao mar de gente espalhada na estalagem, festejando, comendo, bebendo, farreando, destacavam-se três figuras: o proprietário Dante - um orc alto, forte, com caninos inferiores sobressalentes, e cabelo longo preto amarrado com um coque prendendo parte dele e, magicamente, servindo a todos no recinto, esbanjando simpatia e eficiência com sua voz de trovão que se destacava-; Aluá - a bartender, filha de Dante, uma meio-orc, de cabelos trançados brancos e com um olhar penetrante e intimidador, mas ágil na preparação dos drinks; e o chef Adrian Pamplona - um goblin gastrônomo renomado que assinaria o menu da noite, trajando seu dólmã completo, sendo possível ver apenas parte de seu chapéu por detrás do elevado balcão de bebidas, quando vinha da cozinha trazendo suas saborosas refeições.

         Em meio a performances artísticas, a canções, a declamações de poemas e à muita festança, em dado momento, as luzes dos candelabros menores foram diminuídas e anunciou-se a apresentação de Hator, uma moreau com face de vaca, chifres afiados e vestimentas leves. Ela levantou-se de uma das mesas situadas no canto da estalagem, carregando uma pequena lira, na qual começou a entoar um fervoroso cântico, animando ainda mais a todos os presentes. Hator rodopiava, cantava e dançava por entre as mesas, acompanhada de sua bolsa de moedas levitando a seu redor, pronta para receber uma gorjeta, alegrando o ambiente, os cidadãos e, claro, os aventureiros. Inspirados, alguns contribuíram com a apresentação e outros preferiram se reservar e observar, mas curtindo o espetáculo. Ao findar a apresentação de Hator, o grande candelabro central foi sendo hasteado, ao passo que ia subindo em direção ao teto. A luminosidade restante foi diminuindo, restando apenas um grande círculo escuro no teto. Percebeu-se um silêncio absoluto e uma atenção para o que viria a seguir.

         Do teto, veio descendo uma espécie de palco, com luzes multicoloridas na base, que se encaixava perfeitamente no vão deixado pelo candelabro, adornado com caixas de som mágicas embutidas. Sobre ele, vinha descendo uma fada, cujos cabelos eram lisos e muito volumosos, de cor verde-jade com pontas rosas e de um comprimento que terminava na panturrilha. Ela trajava uma vestimenta de flores em tons de azul, bordô e lilás, o conjunto perfeitamente ornado com os acessórios de asas de borboletas, incluindo seu microfone. Era ela, a idol reconhecida por seu grande sucesso e carisma por toda Fey:

         “SERAPHINE, SERAPHINE, SERAPHINE...!” – Exclamou a multidão quase que em uníssono. “Não acredito que finalmente posso estar tão perto dela.” – Disse um bárbaro brutamontes ao reconhecer sua ídola. Em polvorosa, a legião de fãs da fada ficou ainda mais eufórica ao ouvir os primeiros acordes da música que ela iria cantar a seguir.

         - Vai, quero ouvir vocês! – Disse Seraphine devolvendo carinho a seu público. -Essa música vai encantar cada um!

         Chegando ao refrão, entretanto, todos os presentes, embalados pela melodia, começaram, um a um, a adormecer sobre suas mesas, seus acentos e nos ombros dos companheiros de farra. Alguns aventureiros tentaram resistir, mesmo sendo imunes aos efeitos de sono; mas essa não era a manifestação de uma habilidade qualquer.


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Referências:

[1] A música entoada por Hator foi “Fall of the Magister”, de Canção de Raney Shockne, interpretada por Elizaveta Khripounova do álbum Dragon Age: Inquisition - Songs of the Exalted Council – EP. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=1xGb-DfHM9E&ab_channel=RaneyShockne-Topic>. Acesso em 04 de out. de 2023.

[2] A música cantada por Seraphine foi POP/STARS (K/DA Cover), de K/DA, interpretada por Seraphine -League of Legends. Disponível em: < https://www.youtube.com/watch?v=jrvxezoQobc&ab_channel=Seraphine>. Acesso em 04 de out. de 2023.

[3] MUSZKAT, Mauro; CORREIA, Cleo MF; CAMPOS, Sandra M. Música e neurociências. Revista Neurociências, v. 8, n. 2, p. 70-75, 2000.