Escritas acadêmicas

Poemas Narciso Nilo Sebastiany


Solidão


Longe de tudo, longe do amor,

Sem vê-la um momento o meu coração,

Transforma-se em cenário e um mágico pintor,

Faz uma tela e é solidão.


A imagem de alguém com todo esplendor,

Vê-se na tela em um curto clarão,

Mas tudo escurece para ela se pôr,

Fora da vista e é solidão.

Penso, reflito, onde é que estão,

As alegrias? Vem a incerteza,

Leva-me a um ponto que é solidão.


Continuo, procuro em m,eu coração,

Mas ele apresenta somente tristeza,

Amarga tristeza que é solidão.


Pensando em ti


Em paisagens de beleza incomparável,

Em dias de alegria ou de tristeza castelos ergui

Pensando em ti.


Custam meus olhos a fechar ao se aproximar o sono,

Sonho, sim sonho de olhos abertos quando estou

Pensando em ti


Minha boca murmura o nome mais belo,

Meus olhos se fecham e eu durmo,

Pensando em ti



Mil vezes ao dia me vêm à mente os teus olhos

E neles um amor sólido construí

Pensando em ti


Escreve-me


Porque não me escreves querida?

Porque me deixas sofrer assim?

Uma cartinha tua me trará uma nova vida,

Amor, alegria, de tudo um poço enfim.


Escreva-me uma, mil cartas,

Em todas eles diz que me amas,

Eu as guardarei, as deixarei intactas,

E meu coração então arderá em chamas.


De amor por ti e mutuamente,

Nos comunicaremos sem sussurros, sem gemidos,

Nas linhas de nossas cartas, somente.


O amor predominará, distantes embora,

Um do outro, estaremos unidos,

E mais que nunca te quererei agora.


A janela


Naquela janela eu sempre via,

Num raio de sol que a banhava,

Teus olhos, tua fronte luzidia,

A silueta que eu tanto amava


Todos os dias à mesma hora,

Eu sentia felicidade,

Ao ver-te , o tempo passou e agora?

Que me resta senão saudade?


Estás longe, mas tua sombra,

Paira na janela, extingue minha dor,

Quando o passado de ti me lembra.


Penso, olho e sempre espero,

Ver-te uma vez mais, amor!

Pois sabes quanto te quero!


Você


Quem é você para maltratar-me?

Quem é você para me fazer sofrer?

Talvez não basta somente odiar-me,

Talvez não basta nunca mais me ver.


Com tantos outros pelo mundo afora,

Logo a mim vens procurar,

Para despedaçar o coração que outrora,

Nada mais fez do que te amar.


Bem sabes, mais paga o justo que o pecador,

E assim magoado e com desilusão, não penso em vingar-me da minha dor.


Mas estes versos a todos dirão,

Que és satírica e sabes te impor,

Que não tens alma e nem coração.


Ao luar


Ao luar olho o céu, espero,

Que uma estrela me ilumine,

Que a lua me diga eu quero,

Ver-te feliz, não desanime.


Um raio mui tênue, mas belo,

Ilumina uma árvore de folhas de ouro,

Que agitadas pelo vento eterno,

Sussurram uma canção, um gemido(eu choro).


A amargura envolve a alma,

As recordações são as lágrimas a brilhar,

E o pensamento flutua, procura a calma.


Mas o amor, a vontade de amar,

As recordações, tudo castiga a alma,

Numa noite bela, numa noite de luar.


Desconhecida


Que sois? É desconhecida!

Simples, bela e de olhos tristonhos.

Será a realidade querida?

Ou o pensamento mergulhado em sonho?


Em passos largos passas pela rua,

Teu insistente olhar ao meu atinge,

E pareces dizer-me: “sou tua”!

Eu sorrio...já a vejo longe.


Mas, sempre a olhar fico na solidão,

Tentando descobrir que sois...

Já sei, agora, e vou dizer-te então.


Nem princesa, nem deusa és,

És uma ladra, deliciosa ladra,

Não roubastes jóias, mas um coração.


À noite


Noite inquieta e suspirosa,

A dor pungente só em ti se aninha,

Berço és da tristeza minha,

És escura e feia, mas também formosa.


Só tu ouves amargos queixumes,

Embora muda, tu nos consola,

A um amor cego dás uma esmola,

A um amor perdido emprestas o lume.


Tu que envolves todas as ânsias,

Tu que ensinas a constância,

Não me negues um só favor.


Leva em teu manto minha amargura,

Leva toda a imagem impura,

E traze a imagem do meu amor.


Pequena história


Tu me escreveste, eu te escrevi,

A amizade crescia só tua e minha,

Nas primeiras cartas, nas primeiras linhas,

Assim tu me conheceste e eu te conheci.


Mas a flor que vivia, tão logo morreu.

Morreu meu prazer, morreu minha alegria,

Pois tuas cartas eu não mais recebia.

Dissolveram-se os sonhos tão meus como teus.


Porém, agora tudo voltou,

A flor que morreu de novo brotou.

Toda a amargura foi-se de mim.


É como se a noite levasse a tristeza,

E o dia trouxesse em sua beleza,

Ventura, felicidade, alegria sem fim.



Minha alma é triste


Minha alma é triste,

Como uma saudade insistente,

Que fere, que fere a gente,

Quando se afasta do amor.

Minha alma é triste,

Como um pássaro ferido,

Que à morte solta um gemido,

Chorando a sua dor.

Minha alma é triste,

Como o vento que assovia,

Nas noites sem alegria,

Soprando aqui e ali.

Minha alma é triste,

Pela dor que me comove,

Quando digo o teu nome,

Pensando, pensando em ti.


Menina

Menina! (permite ainda eu te chamar assim!)

Sinto um vazio e sei que é por não tê-la,

Aquela tua imagem bem juntinho a mim,

Sabendo também que poderei perdê-la.


Amar eu sei e tu sabes “não é só receber, é dar”.

E sendo o amor a melhor coisa do mundo,

Ele demonstra a singularidade de se amar,

Não dividindo aquilo que é tão profundo.


E mesmo sem dividir ele partilha

E superando as leis naturais, ele se humilha,

Mas fica cada vez mais rico “se doando”.


Na vida vale a simplicidade, o respeito e a liberdade,

Vale tudo o que é bom e belo, e na realidade,

Vale os momentos em que se está amando.

(“Narciso: janeiro de1981.”)


Sonho


Triste sozinho fico pensando,

Horas e horas sem nenhum lamento,

E as recordações esvoaçando o vento,

Envolvem minha alma num sussurro brando.


Assim como a luz deixa de brilhar,

Deixo o mundo, deixo o meu tormento,

A vida eu ponho no esquecimento,

Um momento só, para sonhar.


Na estrada do meu sonho, então,

Percorre meu pensamento e meu coração,

Tudo é alegria, não existe dor.


E nela eu vejo felicidade.

Vejo a beleza, vejo a doçura, vejo a bondade;

Vejo alguém que é o meu amor.



A corrente


A água brota a murmurar tristeza,

Corre depressa sem destino certo,

Mas a natureza, sábia natureza,

Designa seu curso para longe ou perto.


A corrente passa por entre a mata,

Num sussurro leve que é incerteza,

Mas desce abrupta a formar cascata

Num murmúrio forte que traduz beleza.


Mas, a bela corrente deixa a montanha,

Sente o calor que não sentiu na mata,

Vê a claridade vê coisas estranhas.


Já não corre como na mocidade,

Já não desce abrupta a formar cascata,

Sua vida agora é murmurar saudade.


Eu quisera


Sempre a sorrir e num sorris amigo,

Estavas sempre, sempre que eu te via.

Agora distante, já sem alegria,

Sou como o pássaro que não tem abrigo.


Minha alma agora triste sempre chora,

As amarguras de um viver tão longe,

E neste extremo que o amor atinge,

Fica a saudade e tudo vai embora.


Esta saudade que em minha alma habita,

É como o lenho que ao arder crepita,

Eleva as chamas de um amor sem fim.


Meu coração o teu amor reclama,

E num a bater proclama,

Quisera eu ter-te sempre junto a mim.


Uma flor


Vejo uma flor em minha vida,

É uma linda rosa entre espinhos,

Que em vão eu tento com carinho,

Transplantá-la salva a minha hermida.


Essa hermida eu te ofereço ó flor querida,

É um pobre coração desconsolado,

Chorando sempre abandonado...

Clama incessante que lhe tragam vida.


Sei que não sou digno de ti e no entanto,

Venho a teus pés sem ocultar meu pranto,

Pedir que ocupes este humilde altar.


Se não aceitas meu pedido ó flor,

Minha alma triste sofrerá a dor,

E meu coração deixará de amar.


Saudade, amor, esperança


Quando da terra o sol já longe desce,

Surge no céu um fulgurar estranho,

Brilham estrelas, mais parece um sonho,

É a saudade que em minha alma nasce.


O coração antes tão distante da dor padece,

E o pensamento num vagar conflito,

Verga sob o amor que julgou extinto,

Mas que serve quando à vida esquece.


Assim a alma ao coração repete,

A mesma história que ao amor compete

A mesma dor que a saudade lança.


Junto à tristeza algo há porém,

Que me diz baixinho como fosse alguém:

“Enquanto houver amor, há esperança”.


Dor interior


Por que tão longe, por que amor?

Por que o tormento que aflige e que devora?

Bem sabes que te quero dantes e agora...

Por que não me respondes se eu te chamo com fervor?


Roubou-me a distância que de ti separa,

O doce afago de um carinho amigo,

Horas e horas de passar contigo,

No sublime enlevo que o amor encara.


Não, não posso deixar de em ti pensar,

E quanto mais desejo e penso, sei que não basta

Viver sem sofrer ao relembrar-te agora.


Assim a vida vai passar sem cessar,

E enquanto a saudade da alma se arrebata,

Os lábios riem, mas o coração chora.


Procuro o amor


Procuro o amor e em vão sinto,

Este desejo que consome e que estremece

Encontrei-o algum dia ao que parece,

Mas todo o deslumbrar que foi, é quase extinto.


Revivo os sonhos que o orgulho apaga,

Pesam-me a fronte, dobram-me o ser,

Lembro que foram todo o meu viver,

Vejo que morram sob a mão que esmaga.


Deixo o pensamento, fito o horizonte,

Procuro com os olhos sempre mais adiante,

Até prostrar-me em confuso estado.


Procuro o amor, sempre procuro e entanto,

Sinto pasmar, sinto com espanto,

Que só encontro o amor passado.


Amor


Amor que emerge das profundezas da alma,

Amor que vive tão satisfatório assim,

Amor que ruge, treme, calma,

Amor que habita dentro de mim.


Amor que espera, amor que sofre, amor que pena,

Amor que transborda, amor sem fim.

Amor que enleva e que a pureza externa,

Amor que habita dentro de mim.


Amor tão simples, mas tão tristonho,

Amor que procura um outro amor,

Para viver não somente um sonho.


Amor que é amor, que tudo é enfim,

Amor sincero, oração, fervor,

Amor que habita dentro de mim.


Mundo dos sonhos


O mundo dos sonhos é um regaço,

Que acolhe a mais humilde criatura,

Oculta o sentimento e a formosura,

Da alma que vaga sozinha pelo espaço.


Mundo que sempre compreende (as vezes guia),

Os anseios contidos na mente humana,

Mundo que é belo e se ufana,

De ser do amor a fonte que extasia.


Mundo povoado de desejos,

Mundo que brilha e tem nos seus lampejos,

A imagem fiel do pensamento.


Mundo escondido, silencioso,

Que o coração procura esperançoso,

Quando sente o que chamamos sofrimento.



Oração


Sombria senda em que viaja ao mundo,

Pobre andarilho, desgraçado e só,

Sombria sim, íngreme, sem dó,

A cada passo um abismo profundo.


Mas um ideal forte se levanta,

Naquele peito sofredor, mas conformado,

Naqueles olhos que conserva fixados,

No horizonte que ainda lhe suplanta.


Olhai Senhor! Vede que tão puro ele deseja,

Não as riquezas que o mundo inveja,

Mas o amor, o ideal...o fim daquela estrada.


Senhor, vós que compreendeis bem esse tormento,

Deixai ao andarilho a dor, o sofrimento,

Mas ajudai-o completar a sua jornada.


Esperar


Duas foram as paixões que me arrastaram,

A um sedento abismo de desilusão constante,

E já meus olhos que pouco choram,

Sentem-se úmidos num divagar distante.


O amor me deserdou e já não canto,

Aquele júbilo fantástico que se desenhava,

Quando em minha alma airosa nunca em pranto,

Um sonho, só um sonho a inundava.


O ideal que é vida, que é vencer no mundo,

Também faz sonhar e eu sonhei, idealizei,

A sorte foi adversa e agora um moribundo

Espera a morte ou renascer a vida... e repete, esperarei.


Esperar! Esperar! Talvez não canso,

Pelo rostinho pálido, sorridente e emoldurado,

Por cabelos loiros em ondular tão manso,

Qual claro regato de luar juncado.


Esperar! Esperar! Esperar é a pena

Que a vida impôs no ideal querido,

E ao coração assim ela condena,

De viver sozinho, de viver ferido.


Ideal


Perdido na incerteza de um amanhã distante,

Sentindo enfraquecer-me pouco a pouco,

Não mais sei se é belo esse sonho louco

Que vivi até agora, sempre a cada instante.


Já nem me resta aquele amor sincero,

Que serviu de estímulo à vitória, um dia,

E não me resta senão a fantasia,

De pensar alcançar tudo quanto quero.


Esperar assim, sonhando ou acordado,

É como o amor, às vezes encapelado,

Outras cansado, límpido, claro e manso.


Nunca, porém, nasceu desejo assim tão forte,

Que lança o ser, perdido à sua sorte,

Nos caminhos que busca sem descanso.



Dúvida


Passei meus olhos sobre os teus um dia,

E senti sublime êxtase que perdura ainda,

Não baixaste a fronte e uma carícia infinda,

Despertou minha alma que tão só jazia.


Teus olhos brilhavam como a luz da lua,

Naquele momento que meu coração vivia,

E a tua boca para mim sorria,

Como a dizer “aqui me tens só tua”.


Os olhos refletem o que a alma sente,

Mas os teus que dizem? Dizem piedade ou amor ardente?

Do teu coração nada ouvi jamais.


Agora, não sei o que pensar quando te vejo,

Se de teus lábios sinto um doce beijo,

Ou a sentença: “não te amo mais”.


Vai levando


Quem sabe levar a vida que merece,

É simples, é sóbrio e desencanta,

Da sutileza do seu viver que encanta,

O encanto que toda a vida lhe parece.


O acúleo que faz falar o pensamento,

Vêm, de sentir o afeto aquela gente,

Que fala, bafeja, invectiva sempre inerente,

Ao que outro dia fez.... “com algum aumento”.


Não é objurgação, como essa ideia parece,

Mas a verdade que apenas estremece,

Quando o pensar se eleva um pouco alto.


Julga-se tudo a todos sobre asfalto.

Mas, passa tudo, tudo passa sempre andando,

Que podemos dizer, senão: “vai levando...”.


Helnita


Já sentiste, por certo, quanta beleza

Há no calmo vislumbre de um sonho teu,

E já tiveste, eu sei, muita tristeza

Quando pediste e a vida não te deu.


Mas, o bem que a gente quer a gente alcança,

Lutando com coragem, com denodo e com fervor.

A beleza, querida, é uma esperança

E o bem que a gente quer é sempre o amor.


E se um momento te trouxer tristeza

E te fugir a calma numa incerteza,

Não deixes sucumbir o teu pensar.


A dor, meu bem, não é só tormento!

Nem só desgraça, nem só amargura ou desalento!

A dor também ensina a gente amar!


Tua ausência


Noite escura.

O vento batendo nas folhagens altas

Traz o murmúrio confuso de um queixume

E o ruído da queda das folhas mortas.


Estranhas coisas dizem as folhas e o vento,

E a noite que envolve o infinito,

Consome pouco a pouco esse lamento.


A tua ausência, amor, a tua ausência,

É noite sem luar.

Sofrer um momento é sofrer anos,

Se não existe a luz do teu olhar.


A tua ausência, amor, a tua ausência,

Não é sonhar.

É pensar, pedir, querer e não ter nada,

É vagar a esmo na amplidão do mar.


A tua ausência, amor, a tua ausência

É vacilar.

É fugir do amor por um instante

Sem poder deixar de te amar.


...Um sussurro só traz, amor, a tua ausência.

É a voz com que a alma fala ao pensamento,

Para dizer coisas estranhas como dizem

As folhagens batidas pelo vento.

Jary Schirmer

O embrião da cultura


O primeiro fato cultural foi um fato artesanal. O artesanato foi o primeiro passo para o caminho da evolução cultural do homem, o embrião da cultura.

Na estrutura humana, a estrutura da mão, oposição do polegar aos demais dedos, ajudou o homem no trabalho manual. O homem fez porque a sua estrutura manual ajudou e, assim, desenvolveu a inteligência. Ao usar a mão, o homem adquiriu a capacidade de pensar (o que o levou a pensar), desenvolveu a inteligência e a razão.

O homem pensa porque tem mãos. Ao fazer, o homem desenvolveu a inteligência e adquiriu a razão. Em seguida, ele não apenas fez, ele inovou. Então, ele passou a criar e surge a arte. A ação de fazer é anterior à ação de criar. O fazer procura o útil. O criar procura o belo.

O artesanato renasce na atualidade, conquista espaços no progresso da ciência e da tecnologia apresentando Arte e Qualidade: valorizando suas raízes, preservando, estimulando, documentando e divulgando as manifestações culturais do nosso povo que possui nas suas formas mais simples, mais sensíveis e mais ingênuas, a beleza autêntica das coisas naturais.

O artesanato torna-se agente dinâmico capaz de contribuir para o surgimento econômico social de muitas regiões, influindo, também, no equilíbrio de valores culturais adquiridos nos mais diversos pontos do país, nesses contínuos fluxos migratórios: o artesanato é um marco significativo de criação e vida de nossa gente.

O artesanato é um estímulo e uma resposta para o pró-social através do trabalho, tanto quanto o é para a melhoria econômica do indivíduo.

O artesão é um homem que sabe fazer alguma coisa e que pelos requisitos de seu ofício, passa a entender de muitas coisas.

Tem suas teorias e os seus métodos com um pouco de misticismo e muita experiência.

O artesanato não é um fim em si mesmo, mas um meio e, como tantos outros, serve para o crescimento do indivíduo dentro de um determinado contexto de possibilidades e de perspectivas em que se situe segundo as suas aptidões e sua potencialidade.


Jary Schirmer

Lauro Carlos Sebastiany

Até os pássaros choraram

Depois de tantos dias de chuva, o sol apareceu esplendoroso e radiante. Era sábado à tarde. O silêncio do labor semanal já começava a se fazer presente. De repente, um barulho ensurdecedor de motosserra invade a janela da casa com o angustiante prenúncio de morte a alguma madeira que se interpunha à vontade do homem. Sábado à tarde? Mais uma motosserra? Fui ver o que estava acontecendo. No outro lado da rua, um cipreste quase centenário tomba ante a lâmina que atravessa a base de seu caule vetusto.

Seus galhos invadem a rua e alcançam o canteiro central onde roseiras plantadas por mãos femininas da redondeza eram encimadas pelas rosas lindas da primavera. Pássaros aturdidos levantam voo ante a invasão de seus lares. Seis mãos humanas de motosserra em punho desmancharam a galharia, que foi depositada num caminhão ali estacionado. Boquiaberto, fico olhando o início da devastação. Depois foram duas araucárias, um guapuru, mais outros ciprestes, eucaliptos cidró, castanheira etc. num total de mais ou menos vinte árvores entre nativas e ornamentais. Todas com um século de existência e altura de vinte a trinta metros. Uma a uma foram tombando ante a voracidade da máquina e do homem. Diante da visão daqueles gigantes tombando, parecia ver a floresta amazônica caindo aos pés da ganância dos exploradores da natureza.

E recordava de minha infância, quando os aventureiros devastavam as araucárias da minha Sobradinho em troca de um fausto de riqueza e perversidade contra a mãe natureza e ganância por dinheiro. Os vizinhos recordavam o nome dos que plantaram aquelas árvores. Relembravam os momentos de alegria sentados à sombra daquelas árvores tão familiares. Olhavam para os pássaros que voavam sem rumo ante grotesco assassinato e tomada à força de seus lares. Eram homens, mulheres, crianças, pássaros, gatos, cães a externar seu repúdio através de gritos e gestos contra aquele ato discricionário à memória de tantos que viram essas árvores crescerem; abrigar os pássaros e a curvar seus galhos ante o vento que refrescava a Rua 15 de Novembro. Cada árvores que caía levava no seu caule as lembranças de histórias, alegrias, tristezas e recordações de momentos bons, alegres e felizes de uma geração que se despede aos poucos com lágrimas nos olhos pelo tempo que passou e pela dor de ver a seiva escorrendo de seus troncos num último suspiro de vida.

Até os pássaros pareciam lacrimejar à procura de seus ninhos destruídos exatamente no momento da desova. A galharada ficou no chão, mas as toras foram levadas incontinente à serraria para serem transformadas em cifrões.

A tarde caiu, e a natureza voltou a chorar, e os pássaros a voar na dor da saudade.


Pensando em voz alta


Existem seres humanos que, como atletas participantes de uma maratona, percorrem espaços sem parar e transpõem obstáculos sem pensar na ânsia de chegar à meta pretendida num esforço cego de conquistar sua premiação. Existem outros que, nessa caminhada, param, às vezes, para ver, para pensar a respeito do caminho já percorrido, apreciando a paisagem que os acolhe ou para conjecturar sobre o caminho que resta percorrer.

Os homens, muitas vezes, apesar dos dias sombrios que tenham feito, encobrindo os raios de sol, abrem a janela na esperança de uma nova vida e de dias melhores. Momentos existem em que desejaríamos dias mais ensolarados, um céu mais azul, um verde mais verde e, em cada rosto, um sorriso para emoldurar nossas lembranças.

Em outras ocasiões, passando em revista o passado, quando houve tanta coisa que nos fez exultar de felicidade e tantas outras que abateram nosso ânimo, chegamos à conclusão de que não vale a pena viver, se formos pessimistas. Mas, se o otimismo habitar nossos corações, desejaremos viver mais intensamente os dias que virão. Nesse dilema podemos nos perguntar: será que teríamos o direito de acabar com nossas vidas, na ânsia de uma solução definitiva e imediata para nossos problemas existenciais?

Mesmos em nossos piores momentos, se pararmos para pensar, veremos que sempre há uma razão para continuar a caminhada e um motivo para enfrentar as asperezas da vida, pois sempre existirá um regato de águas cristalinas para saciar a nossa sede, uma sombra amiga para amenizar nosso cansaço, ou um amor para ser conquistado.

Nesses momentos de reflexão, muitas vezes reconhecemos que poderíamos ter sido melhores, mais compreensivos, mais amantes, mais ternos, mais humanos... Acontece que carregamos junto, nesta jornada, nossas tragédias íntimas e, muitas vezes, lançamos contra os outros o nosso descontentamento, mais num gesto de defesa do que de uma agressão pré-concebida.

Nessa altura do que escrevo, paro à margem da minha estrada e me pergunto, como se fora uma confissão: Por que estou desnudando meu interior diante de todos, nessas minhas lucubrações? Por que não falo de flores, de fé, de Natal, de Ano Novo, em vez de mostrar o vazio de meu coração? Vazio do viajor que deixou tantas coisas boas pela estrada, sem vê-las, sem senti-las, sem amá-las, como se seus olhos estivessem fechados para o mundo? Volto, no entanto, a abrir a janela da esperança e do otimismo constatando como as árvores estão floridas, como o céu está azul, como a luminosidade é mais intensa e como os pássaros voam céleres por entre os telhados e prédios em mergulhos ousados sem medo dos obstáculos.

Daí concluo que: se até os pássaros são audazes, por que o ser humano não deve ter a coragem de viver uma vida perigosamente em que pesem as adversidades e percalços da vida?

Na despedida deste ano, deixamos a nossa mensagem para um ano melhor com a seguinte afirmação:

Tenhamos a coragem de sermos verdadeiros colibris para sugar todo o néctar que as flores da vida nos proporcionam. Para isso, basta termos a estabilidade emocional nas asas de nossa imaginação.

(Publicado no Jornal Gazeta da Serra de 21/12/1993)


As Lojas e as Flores


Chegou a primavera e com ela a estação das flores. Chegou setembro e, para as lojas, a estagnação comercial.

Em Sobradinho, nessa época, os agricultores terminam o plantio do feijão e iniciam o transplante das mudas de fumo. É uma atividade tão intensa nos minifúndios da região que as lojas abrem apenas para fazer horário. Seus proprietários, ou empregados, ficam tomando mate junto ao balcão ou na calçada na esperança de que alguém sofra a tentação de comprar alguma coisa. Faz anos que é assim.

Passa ano e entra ano, só se fala na época da roseta e, o pior, os produtores agrícolas dessa região que são os consumidores em potencial do nosso comércio, estão ficando cada vez mais pobres e cada vez seu número diminui. Aliás, nossa população rural, hoje, é constituída de crianças e velhos. Os jovens ou foram para a periferia das grandes cidades ou montaram uma lojinha em alguma porta comercial na cidade. Tanto isso é verdade que, só de lojas que trabalham com confecções, temos mais de cinquenta na nossa “urbe”, para uma população citadina em torno de doze mil almas.

Há duas conclusões chegamos com esses dados. A primeira é em relação às roupas estocadas nas lojas de Sobradinho, com elas daria para toda a população do município trocar uma muda por dia e ainda sobraria roupa. Em segundo lugar, constata-se que o dinheiro de Sobradinho foi parar em Brusque, São Paulo ou em Ciudad Del Este, no Paraguai, em troca de bens, cujo giro comercial será lento e cuja rentabilidade da mesma mercadoria só é viável pela existência de valores fiscais da microempresa, pela sonegação e pelo trabalho em regime familiar não computado como despesa.

Se fizermos uma confrontação, Gramado que se cuide. Logo, logo Sobradinho ultrapassará em estabelecimentos comerciais, em números, não em comercialização.

Por falar em zona turística, Gramado ficou famosa pelas suas orquídeas e pela profusão de flores em suas praças, jardins e estradas. Pois, meus conterrâneos, vamos procurar enxergar além do verde da erva-mate e olhar para nossas praças e jardins. Na Praça da Bandeira, tem um ipê roxo que encanta nossa visão. Se passarmos pelas casas que têm jardins fronteiriços, podemos ver flores dos mais diferentes matizes. Vemos aveludadas azaléias, perfumadas rosas de diversas cores, camélias, margaridas e tantas outras flores mais. Se alguém se der ao trabalho de circular pelas proximidades da Corsan, poderá ver o seu jardim. Está uma coisa deslumbrante! A variedade de cores é tanta que você fica maravilhado pelo arco-íris cromático que enxerga.

Talvez, aproveitássemos essa época de recessão comercial para plantar flores em nossa cidade, desde a entrada, em seus trevos, até na soleira de nossas janelas. Pode ser que algum incauto viajante as aprecie e conte, por onde passar, que lá em cima da serra, existe uma cidadezinha chamada Sobradinho, que é um verdadeiro jardim. Aqueles que esta mensagem lerem, movidos pela curiosidade, poderão aqui aportar e, talvez, entrar na sua loja durante a primavera para, com seu dinheirinho de turista, terminar com as rosetas que espinham nossa região nesta fase do ano.

(Publicado no Jornal Gazeta da Serra, em 24/09/1993)





Estágios da vida


Dizia-me um dos membros piadistas da família Sebastiany que o homem tem várias fases que identificam sua idade pelas suas preferências. Diz ele que, quando jovens, costumamos nos gabar das conquistas de namoradas: “Já viste com que garota bonita saí ontem à noite?” Depois de uns anos ele já muda a frase interrogativa por: “Encontrei uma mulher que é um pedaço de mau caminho!” Mais tarde sua conversa já é outra: “Pô, velho. Conheci um restaurante nestas férias que dá água na boca. Que strogonnof!” Passam-se os anos e lá está novamente nosso amigo mudando de preferência. Na fase do declínio físico, a conversa já é outra: ”Sabes, irmão, encontrei um médico cardiologista que é um espetáculo. O meu batedor está que é um relógio. Fui a um proctologista e melhorei uma barbaridade. Agora mesmo saí da nutricionista com uma dieta que me levará ao centenário. Só falta consultar um psicólogo para que me adapte melhor à situação de aposentado”.

Ainda não cumpri todas estas etapas, mas aproveito o ensejo para transmitir algumas recomendações aos meus colegas sexagenários:

“Em matéria de dieta e disciplina, devemos fazer as refeições em horas certas e pré-determinadas, caminhar, no mínimo, uma hora por dia de maneira acelerada, substituir o açúcar por adoçantes à base de “aspartame”, diminuir o consumo de carnes vermelhas, café, álcool, chá preto, cigarros, gorduras e frituras, evitar o toucinho, manteiga, maionese, nata, creme de leite e queijos amarelos, afastar-se de embutidos de qualquer espécie e de pele de aves, começar a educar a fome, esquecendo-se do apetite e fazendo exercícios”.

Bom, não pensem que com essas dicas estou dizendo que vocês estejam dispensados de consultar seu médico e os diversos especialistas do setor que possam contribuir para uma vida mais sadia e uma longevidade que faça inveja aos demais vizinhos. De uma coisa podem estar certos: se fizerem tudo o que lhes recomendarem, ficarão tão velhos que a esclerose vai se encarregar de fazê-los esquecer de tudo que aprenderam e só então vai terminar a tortura de viver uma vida em função de viver mais.

(Publicado no Jornal Gazeta da Serra em 08/04/1993)




Morta ou viva


Em todos os hospitais do mundo devem acontecer casos pitorescos, mas no interior do Brasil e, mormente, no interior do Rio Grande do Sul, o inusitado se faz presente.

Este é um fato que aconteceu em uma localidade do interior, onde o hospital é de pequeno porte e foi construído graças à liderança e à imposição de um religioso, que queria dotar sua localidade com algum recurso no setor da saúde. Certo dia,entra no hospital uma menina de uns 12 anos de idade trazendo meio de arrasto sua avó, com dificuldade respiratória e trôpega pelos avançados anos. Foram diretamente atrás da enfermeira que, de imediato, a pôs num leito e foi medindo a pressão, a temperatura e escutando seu coração. Dado o quadro assustador, mandou chamar o médico com urgência, enquanto a neta via na fisionomia de sua avó a expressão de que partiria desta para uma vida melhor.

Enquanto o médico chegava, a menina partia em desabalada carreira para informar sua mãe, nora da velha, que a avó estava se despedindo. De um lado, o médico tomava providência para cancelar a viagem da velhinha para o além. De outro lado, a neta fazia o estardalhaço próprio dos incautos, dando a velha por morta e tomando todas as providências necessárias e imprescindíveis no interior: chamar a funerária, mandar um aviso para a rádio local sobre o fúnebre evento e telefonar para os parentes moradores da periferia de Porto Alegre, para que todos tivessem tempo de estar no enterro da bondosa velhinha.

Antes de a vovozinha estar fora de perigo, tudo estava pronto. Meia hora depois, o agente funerário adentrava ao hospital com a mortalha nos braços, a procurar a defunta do dia. Foi muito difícil convencer o dito cujo que naquele hospital ainda não tinha morrido nenhuma velhinha, ao menos naquele dia.

Chegou a nora da vovozinha em prantos e somente o médico pode convencê-la de que sua sogra ainda estava viva e que, provavelmente, este não seria o dia dela embarcar para uma entrevista com São Pedro.

Passou a noite e no outro dia a velhinha estava lépida e faceira para voltar à sua casa, quando chegou um táxi trazendo uma senhora que se dizia filha da falecida.

Entrou no quarto e encontrou sua mãe, fumando um crioulo e contando vantagens a respeito de sua possível morte. O médico estava presente, quando a visita botou a boca no mundo: “Este médico é um irresponsável. Fez-me viajar de Porto Alegre para chegar aqui e ver minha mãe toda alegrona numa cama de hospital. Eu vou pôr na rádio, exigindo que paguem a passagem de ida e de volta, mais o dia que perdi de serviço”. E saiu esbravejando contra o médico, enfermeira e hospital.

O médico ficou pensando com seus botões: “Se a velhinha tivesse morrido, amanhã sairiam uns dez avisos de agradecimentos ao médico, enfermeiras e demais pessoas que, de uma ou outra maneira, auxiliariam a família enlutada e acompanhariam a falecida até sua última morada”.

(Publicas do no Jornal Gazeta da Serra de 19/12/1991)



Casa Vazia


Vinícius de Moraes certa feita escreveu: ”Filhos são o demo/ melhor não tê-los/ mas se não os temos/ como sabê-los?/ como saber/ que macieza/ nos seus cabelos/ que cheiro morno/ na sua carne/ que gosto doce/ na sua cabeça/ chupam chicletes/ bebem xampu/ ateiam fogo no quarteirão/ porém, que coisa/ que coisa louca/ que coisa linda/ que os filhos são”.

Quando eram crianças, a casa estava sempre cheia. Cheia de gritos, de brigas, de choros, de alegrias, de pedidos, de desejos, de vida. Nada permanecia no lugar certo. O banheiro nunca estava seco. As toalhas sempre úmidas e penduradas uma em cima das outras. Sabonete pelo chão, para não falar do papel higiênico fora da lixeira. Na cozinha, uma eterna confusão. Ao fritar uns pastéis, sempre tinha um ladrão. O prato das comidas a fritar esvaziavam e o das fritas nunca enchia. Eram copos pela pia e farelos de pão pelo chão. No pátio, bicicletas e brinquedos em profusão. Muitas vezes tive que me cuidar ao entrar pelo portão. Senão, logo, logo, estaria estendido no chão. Eram os braços da mãe, cansados de tanto servir a seus senhores, os filhos; eram as empregadas estarrecidas diante da confusão. Era o pai cansado que mal chegava à casa e já tinha que voltar, porque faltava um bico para o neném chorão.

O passado que existiu volta à nossa mente, fazendo lembrar aquele terror diante de um risco de febre em qualquer criança, a dor sentida nos dedos mordidos do filho que está com a boca de dentinho novo e afiado. E o medo da responsabilidade de ser pai de tantos filhos e de que a casa está sempre cheia. Mas de repente, o tempo passa e os filhos que integram nossas vidas partem para os estudos, para a casa dos amigos, para o trabalho, para construir novas famílias e, então, pensava eu que poderia dormir melhor e sentir a melodia do silêncio a vagar pela casa.

“- Que silêncio! Que calmaria! Que falta de vida nesta casa!”

Lá pelos corredores, vaga o velho de cabelos brancos e testa crescida a procurar em todas as peças os filhos que lá já não moram.

Procura encontrar nas camas, nas vestes, nas paredes, o sinal da existência de seus barulhentos filhos, mas só encontra o nada (o vazio) e se põe a meditar.

Onde estarão meus filhos? Será que são felizes? Será que ainda se lembram dos pais? Nada mais importante senão a felicidade deles, seja onde estiverem, seja onde morem, seja no céu ou nesta terra cada vez mais difícil de entender.

E encontramos consolo nas palavras do grande mestre Khalil Gibran*: “Vossas crianças não são vossas. São os filhos e as filhas do próprio desejo da vida por si mesma. Vêm através de vós, mas não são vossas, embora estejam convosco, não vos pertencem...”

Em que instante da vida os perdemos? Em que momento eles se afastaram de nós? Gostaríamos tanto de ter-lhes ensinado tanta coisa e não o fizemos. Na verdade, somos nós que aprendemos muito com eles. Agora que a casa está toda em ordem e o silêncio tomou conta de todas as peças, eu olho e digo para mim mesmo: “como era boa toda aquela bagunça, aquela gritaria, aquela algazarra, aqueles choros forçados para chamar atenção. Como era linda nossa casa quando estava cheia de amores e ilusões!”

(Publicado no Jornal Gazeta da Serra de 20/12/2000)


Deus existe?


Certo dia fiz esta pergunta a mim mesmo: Deus existe? Saí por aí a procurar uma resposta sem consultar os doutores da Igreja, os profetas e os pensadores das mais diferentes religiões e credos.

Na minha idade, essa pesquisa não só é necessária como fundamental em termos de fé. Afinal, sempre ouvira dizer que Deus vê tudo e que um dia virá para julgar nossa conduta nesta terra.

Subi no alto da montanha e fiquei a olhar, ora para o céu, ora para baixo. Vi vales, rios, montanhas, matas e nada d’Ele. Procurei-o nas águas dos lagos e nas profundezas dos mares e só encontrei escuridão e silêncio, embora lá tenha também encontrado vida nos peixes, nas algas e nos plânctons.

Mas Deus não estava lá. Então resolvi me embrenhar na mais intensa mata onde encontrei árvores frondosas, parasitas floridas, solo úmido e muitos animais silvestres. Vi feras, vi aranhas, vi formigas, vi lagartos, vi cobras e vi javalis. Só Deus é que não vi. Certo dia, uma tempestade varreu a cidade em que estava. O vento assobiava, os relâmpagos incendiavam o céu com seus coriscos e o trovão fazia tremer toda natureza com sua fúria. Mas, Deus eu não vi. Então resolvi perscrutar o espaço sideral. Vi planetas, vi satélites a circundarem seus astros mestres. Vi estrelas a brilharem e até um cometa passou com sua luminosa cauda a rasgar os céus. Mas lá também não encontrei Deus. Então, em desespero, gritei para os quatro ventos que neste mundo não existe amor. Pois se não existe Deus, não existe amor. E chorei minha desilusão em não saber encontrar Deus e provar que Ele existe. Será que eu não teria a capacidade de perceber, na natureza, a existência de Deus?

Mas a Terra continuava a girar sem parar. Os dias continuavam a suceder as noites. As ondas do mar continuavam a lamber as areias das praias num vaivém incessante. O vento ia e vinha, umas vezes do Norte, outras vezes do Sul. A chuva caía irrigando as plantas, dando vida aos vegetais e aos animais. Os rios continuavam levando suas águas doces para o mar salgado. Então me perguntei: quem será que criou a vida? E quem criou a Terra? E quem criou o Universo? Quem fez as estrelas cintilarem e a Lua acompanhar, tão metodicamente, a Terra? E mais... Quem pôs o amor no coração dos seres humanos? Quem fez os pássaros voarem?

Quem fez as plantas crescerem, as crianças nascerem? Será que foi Deus ou quem será?

Meio mundo finge não perceber Sua presença. Mas Ele está na erva que cresce, na água que corre, na flor que perfuma, na criança que nasce, na dor que sentimos, no sorriso que damos, nas lágrimas que derramamos e na felicidade que tanto almejamos.

(Publicado no Jornal Gazeta da Serra de 11/10/2004)



Alda Madalena Goettems Dos Santos

Subscritos de Clarissa

Infância

Era o dia 27 de Fevereiro de 2012, ano em que os budistas comemoravam o início do ano de 2135. Na cidade de Três Pedrinhas, perto dali, o povo festejava a chegada do Ano Novo com muita beleza, com suas danças e movimentos leves, ao som do Ghanta – sino usado como foco sonoro para as meditações.

Clarissa, lembrando e contando seu passado, encontrava-se, agora, sentada em sua cadeira de balanço, de madeira de carvalho, cuja relíquia herdara do pai. A mesma já pertencera a seu avô, comprada em uma daquelas viagens sem fim, que realizavam para Porto Alegre. A compra acontecera em um leilão na capital. O avô contava fatos inusitados que escutava na capital, como a história dos budistas que já comemoravam a entrada do Ano bem mais para a frente.

As lembranças de Clarissa a levavam até os seus tenros seis anos de idade. Com um leve balanço da cadeira, Clarissa se lembrava de sua mãe Johana, uma mulher calma, loura, de olhos muito azuis, de porte médio, muito linda, descendente de imigrantes alemães, assim como seu pai Rudolph. A mãe, portadora de uma voz muito bem postada, suave e afinada, cantarolava belas canções de ninar, na mesma cadeira que hoje Clarissa usava. Lembrava-se da mãe Johana embalando, o irmãozinho menor, ao som de uma melodia encantadora, até o menino adormecer.

Certa manhã, sentada em uma das pernas da mãe, em frente ao fogão à lenha, com o fogo a crepitar, inicialmente fraco, porém, logo tomando força, cuidadosamente observado pelo pai - digo, sentada em uma das pernas, porque na outra encontrava-se, enrolado em alguns cueiros e alguns cobertores, o irmãozinho. Os pais, Rudolph e Johana, conversavam e tomavam o chimarrão, costumeiro na região Sul. Falavam a Língua Alemã, com um acentuado dialeto da região, e a conversa se priorizava sobre a lida roceira do dia. Tudo era planejado, pela manhã, cedinho. Os irmãos de mais idade estavam nos galpões tratando a bicharada e ordenhando as vacas, cujo leite era trazido para a cozinha, em grandes tarros de madeira. O desjejum era farto. Logo depois, cada qual seguia para a lida a que fora destinado.

Entre uma conversa e outra, certa vez ouvira sua mãe comentar com seu pai, sobre a escola que Clarissa deveria frequentar, pois completaria logo sete aninhos. Clarissa demonstrava grande aptidão para aprender e possuía um dom especial para a música. Era costume ouvir os ensaios das músicas que se realizavam na casa. O avô, que aprendera a tocar vários instrumentos com a mãe Anna, imigrante vinda da Alemanha, mais precisamente da região de Salzburg, ensinara também aos filhos a tocarem os instrumentos. Assim, haviam formado um conjunto musical, o qual animava as festas e bailes que aconteciam na região.

A escola. Clarissa já sabia o que era uma escola, pois ouvia o que os irmãos mais velhos comentavam. Clarissa estava aflita, pois o que ouvia lhe enchia de medo e insegurança. Ouvira, certo dia, os irmãos falarem que um colega teria sido açoitado com uma vara de marmelo, por não ter acertado algumas contas de matemática. Todos temiam o professor, contudo não podiam levar o fato aos pais, com medo de outro castigo.

A imaginação de Clarissa era fértil, e o medo a deixava abalada. No entanto, havia o outro lado da moeda. Aprenderia a ler, a escrever e a falar a Língua Portuguesa corretamente, pois até então só falavam a Língua Alemã.

Os dias passavam, e Clarissa brincava no pátio da casa, que era enorme, com muitas árvores frutíferas e um parreiral de uvas suculentas. Cercavam o pátio dezenas de plátanos, os quais eram frondosos e muito altos, com grossos galhos, o que facilitava a subida. Subir no plátano era uma instigante aventura, porém muito perigosa. Seguia-se ao pátio uma área grande com vasto gramado. Uma área de mata nativa separava o gramado em duas partes. Nela havia muitas frutas silvestres, como pitangas, sete-capotes, araticum, guabirobas e muitas outras. Um riacho de águas cristalinas cortava a mata com vários poços próprios para o banho, onde mais tarde Clarissa aprenderia a nadar. Observando os plátanos tão majestosos, Clarissa não pensou duas vezes e começou a escalada entre os galhos, subindo o mais alto que pôde. Sentou-se em um dos galhos e começou a cantar. Quando a mãe Johana percebeu e ouviu a voz da filha, vinda do alto, ficou com muito medo de que uma fatalidade pudesse acontecer. Clarissa nunca tinha subido antes e a mãe começou a rezar, pedindo a Deus que pusesse suas mãos e segurasse Clarissa, a fim de que ela descesse e chegasse ao chão com segurança. Em suas rezas fez uma promessa: colocaria Clarissa para estudar em uma Instituição Religiosa, onde receberia a educação digna para uma menina do seu talento. Enquanto Johana rezava, angustiada, Clarissa começou a descer calmamente, galho por galho e chegou ao chão com um salto malicioso e alegre. Só então, sua mãe chegou perto e pediu à filha que não subisse mais na árvore, pelo perigo que isso representava, principalmente para uma menina tão pequena.


Infância no colégio


Enfim, Clarissa completou sete anos, e a promessa que a mãe fizera deveria ser cumprida. Alguns dias depois do aniversário, sua mãe a levou para o Colégio. De normas muito rígidas, em regime de internato, dirigido por uma instituição religiosa. Naquelas décadas, era comum as famílias colocarem os filhos em um colégio interno para o estudo. Os filhos estudavam e moravam no colégio, pois tudo era distante. Johana pensara o melhor para sua filha, porém, a vida da pequena Clarissa começaria a sofrer fortes mudanças. A mãe a deixou no Colégio, sem explicar a ela, que daquele dia em diante passaria a morar ali. Deixou-a na Secretaria com as professoras religiosas, que a levaram para conhecer as dependências do Educandário e principalmente o dormitório. Enquanto Clarissa era entretida, sua mãe voltava para casa, deixando-a no meio dos estranhos. A mãe pensava: é para o bem dela. No entanto, não imaginava que a vida no Colégio deixaria marcas profundas de desgosto e tristeza. Hoje, chamariam de bullying o que Clarissa sofrera lá. As internas veteranas faziam com que a culpa de tudo o que acontecesse de errado, ou fora das normas, recaísse sobre ela. – Ah! Foi a Clarissa! E ela sofria vários castigos sem saber por quê. Humilde e inibida, sentia sempre o medo de enfrentar as colegas que eram muito espertas em driblarem as religiosas.

Certo dia, a professora chamou Clarissa em frente à fila, para a entrada das aulas. Ela deveria rezar a Ave Maria, sozinha e em voz alta, para que todos pudessem ouvi-la. Mas ela não sabia toda a Ave-Maria, porque em sua casa, as rezas eram efetuadas na Língua Alemã. Clarissa começou a chorar de constrangimento e medo de levar outro castigo. Então a Madre Superiora convocou todos os colegas a gritarem em coro: Maria Chorona... Maria Chorona! E aquele coro ecoou nos ouvidos de Clarissa, naquele dia e por muitos e muitos outros que se sucederam. Os sons de “Maria Chorona” não lhe saíam da mente, e não havia ninguém com quem ela pudesse contar e desabafar. Aliás, naqueles tempos não se conhecia muito a palavra desabafo. Os castigos eram brutais, como ajoelhar-se em grãos de milho, ou ajoelhar-se e ficar de braços estendidos na horizontal, na sala de estudos e, a cada dez minutos, viria uma das religiosas para bater, com uma vara, aqueles pequenos bracinhos estendidos.

O tempo passava, e a família de Clarissa ficou quase como esquecida – não era permitido às internas visitas familiares. Assim, sua família e sua casa, agora seria o Colégio. Só iria para casa nas férias. No entanto, apesar desses acontecimentos ruins, havia o lado bom. Aprendera a ler e escrever com uma professora que viera de outra cidade. Seu nome era Tereza. Ela era magra, loira e muito alta. Ou talvez lhe parecesse tão alta, pelo fato de Clarissa ainda ser tão pequena. Esta, sim, era meiga, carinhosa e muito atenciosa. Sua pedagogia era excelente, nunca levantou a voz. Em três meses, Clarissa já podia ler, escrever e falar com mais fluência o Português. A música se fazia muito presente. Aprendiam muitas canções, todas ligadas à educação. Algumas também na Língua Alemã. O mundo artístico era muito enfatizado, e Clarissa aprendera a representar, participando, assim, de muitas apresentações teatrais, as quais se realizavam no Salão Paroquial, que fora construído ao lado da Igreja Matriz. O teatro era algo extraordinário, e toda a comunidade comparecia. Também era uma oportunidade em que poderiam ver seus pais. O abrir das cortinas vermelhas era uma expectativa gostosa, e os aplausos do público faziam acelerar os corações das estudantes que procuravam avistar seus pais no meio do público. Enfim, neste grande dia, era tudo maravilhoso. O teatro, a dança, a música, tudo arrancava aplausos calorosos de uma plateia não menos maravilhosa.

Passaram-se, assim, três anos no Colégio. No transcorrer do terceiro ano, o prédio estava sendo ampliado. Clarissa lembrava que todos os alunos ajudaram a carregar tijolos. Os mesmos eram transportados do caminhão até a construção, em fila indiana. O trabalho era uma tradição no colégio. Os alunos adaptavam-se fácil a ele, e cada qual era responsável por alguma tarefa diária. Clarissa, por sua vez, ajudava a varrer o pátio, que era todo calçado, com plantações de coqueiros ao seu redor. O que mais a impressionava era que esses coqueiros eram perfeitamente iguais uns aos outros. Bem ao fundo do pátio, uma gruta com a imagem de Nossa Senhora de Lourdes. As rezas ali eram constantes. A religião era pregada com fervor, e todos a seguiam com muita fé, incutida nas aulas da disciplina.

Todos os domingos as internas eram levadas até a Matriz para a missa dominical, a qual era rezada em Latim. O padre ficava de costas para o povo, com um coroinha de cada lado, respondendo as partes do rito, cuidadosamente decoradas. O povo, por sua vez, ficava rezando o terço, passando as continhas, de dezena em dezena. Alguns anos depois, essa prática passaria a ser celebrada na Língua Portuguesa. Com certeza, para a satisfação de uma grande maioria, apesar de que seria de uma importância ímpar a permanência do ensino do Latim, nas escolas, o que facilitaria, em grande parte, a fala e a gramática do nosso idioma. Enfim, apesar da dureza da Instituição, aprenderam-se muitas coisas, e, certamente, quem não passou por lá, deixou de obter grandes conhecimentos. Clarissa, que havia chegado ao colégio falando com fluência a Língua Alemã e balbuciando poucas palavras na Língua Portuguesa, aprendera rápido. As orações, os teatros, as canções, os contos de histórias, as parábolas da Bíblia, tudo fazia parte do aprendizado.

Era o ano de 1964. O então governador do Estado, Leonel Brizola, criava escolas em todos os recantos do território gaúcho. Terminado o Ano Letivo, Clarissa poderia, enfim, ir para casa. Havia agora, uma escola perto da sua residência, onde poderia terminar a Escola Primária. Eram chamadas de Brizoletas essas escolas, as quais seriam coordenadas pelo município. A vila, na qual se situava o Colégio, agora se tornara município.


Adolescência em casa


Infelizmente, os estudos na escolinha não se igualavam às do colégio, porém, o entrosamento com as crianças da região era compensador. Estudava-se pela manhã e, à tarde, todos ajudavam em alguma tarefa, quer na lavoura, ou, em casa, com afazeres domésticos. Andar sobre o lombo de um cavalo, a puxar uma capinadeira, o dia inteiro, era comum para os filhos de todos os colonizadores.

À Clarissa, agora com doze anos, sempre coubera a feliz tarefa de cuidar de sua irmãzinha caçula, a qual era muito querida e amada. Cuidava da princesinha com muito zelo e carinho. Seu nome era Lúcia e havia completado dois aninhos há poucos dias. Ao contrário de Clarissa, havia herdado do pai os olhos e cabelos castanhos, porém, não menos encantadores, com cachinhos tão perfeitos, que mais pareciam ter sido arrumados por mãos especializadas.

Os dias passavam sempre na mesma rotina. Certa tarde, sua mãe preparava-se para comprar mantimentos, o que sempre era feito a cavalo, pois a venda mais próxima localizava-se mais ou menos a vinte quilômetros de distância. Saíra montada no selim, pequena montaria rasa, fabricada especialmente para a mulher. Lúcia dormia, e Clarissa terminava de arrumar a cozinha. Passaram-se alguns minutos (ou teriam sido muitos minutos ) quando resolveu ver a irmãzinha no quarto. Porém, para o seu desespero, não a encontrou na cama. Procurou-a por todos os cantos do quarto, dentro dos guarda-roupas, abriu o baú e nada. Foi para os outros aposentos. Revirou a casa inteira e nada de encontrar Lúcia. O desespero foi aumentando e passou a procurá-la pelo pátio, nas árvores, nos galpões, nas tuias, atrás das pilhas de milho, mas nada. O coração de Clarissa batia forte e parecia-lhe saltar pela boca. Correu até o poço de água e com uma vara comprida vasculhava o fundo. Nenhum sinal. Então, lembrou-se do rio, que corria logo abaixo da casa. Percorreu toda a extensão do mesmo. Apalpou cada fundo dos poços. Nada.

Em meio ao desespero, uma centelha lhe faiscou o pensamento: Lúcia acordou e viu a mãe saindo e a seguiu. Então, Clarissa correu estrada afora, que eram apenas dois trilhos com um canteiro de capim espinhento pelo meio. Percorreu um longo trecho sem encontrá-la, pensando que mais longe a menina não poderia ter ido. Assim, voltou e passou a repetir a procura por tudo onde já havia procurado. Tudo era vasculhado novamente, mas nada. Muito angustiada, chamava Lúcia pelo nome, com voz alta, porém já rouca de tanto chorar. Não sentia mais a sola dos pés, correndo descalça, pois os chinelos estavam lhe atrapalhando. Resolveu, então, repetir a procura pela estrada afora. Saiu correndo. As pedras, as gramíneas espinhentas não eram empecilho para a sua corrida. Desta vez correu até mais longe. De repente, em meio às lágrimas, viu ao longe um montinho no meio do capim, entre os trilhos. Correu velozmente, gritando: Lúciaaaaa! Lúciaaaa! Lá estava ela deitadinha entre o capim, toda arranhada, pois o mesmo era um tanto seco e cortante, num pranto que era somente um fiozinho de voz. Há quanto tempo ela estava ali? Como podia ter chegado tão longe, se mal caminhava? Clarissa apressou-se a pegar Lúcia, abraçou-a muito forte e chorou copiosamente as lágrimas que ainda lhe restavam. Levou-a para casa.

As duas choravam muito, e Lúcia deveria estar com muita fome. A procura durara pelo menos três horas, no entanto, parecia-lhe mais, uma eternidade. Enfim, Lúcia estava a salvo. Clarissa lhe preparou um banho morninho e fez a mamadeira, cujo leite foi degustado lentamente. Em seguida, adormeceu no colo de Clarissa, que ainda soluçava e sentia muita angústia e remorso pelo descuido. Este sentimento a atormentou por muito tempo e não entendia como Lúcia pôde ter saído do quarto e ter pego o rumo que sua mãe tomara sem que o tivesse percebido. Clarissa nunca contou o fato para ninguém de sua família, pois temia a represália. Os dias passavam, e a rotina da casa transcorria normalmente.

Essa lembrança acompanha Clarissa até os dias atuais, sendo difícil passar-se um dia em que não se lembre do ocorrido.



Terezinha Ferreira Laner

SELFIE, EU, VOCÊ

Gosto de livros. Gosto de leitura online, também. Gosto de crônicas. Gosto de poesia, também. Gosto de História. Gosto de atualidade, também. Gosto do ontem. Gosto do hoje e do amanhã, também. Gosto da 3ª idade. Gosto da juventude e de outras faixas etárias, também. E você?

No mundo atual, especialmente dos jovens, as mudanças e atualizações são rápidas e constantes. Cabendo a nós, não jovens, acompanhar cada um do seu jeito, as novidades atuais. Quem sabe assim poderemos entender ainda melhor nossos filhos, nossos netos, nossos amigos ...

E nesta atualização, surge a SELFIE. Mas o que é a selfie? Segundo o dicionário online de Oxford, selfie é “ uma fotografia que uma pessoa tirou de si própria com um smartphone ou webcam.” Selfie é uma palavra inglesa que significa autorretrato; é uma foto tirada e compartilhada na rede social, na internet. Normalmente, é tirada pela pessoa de si, pode ser, contudo, tirada com outra pessoa, com um grupo de pessoas ou celebridades. Em 2013, o dicionário de Oxford, escolheu selfie como a palavra do ano . A utilização da palavra cresceu na internet, 17.000 % em 2013.

A selfie, febre gerada pela mistura entre tecnologia e redes sociais, afetou até os personagens da Disney, os contos de fada... No futuro, até pode que a selfie seja substituída por outra ferramenta mais moderna, assim como foi desativado o famoso Orkut.

Selfie faz a mania dos jovens que usam redes sociais. Conquistou este público, principalmente, e está desafiando outras faixas etárias.

Penso que a selfie pode positivamente, contribuir para a autoestima das pessoas que utilizam esta ferramenta, fazendo com que elas se sintam mais integradas esteticamente no mundo virtual. Praticamente, é um autorretratado em boa performance, ou junto a uma pessoa que lhe é especial, e quiçá uma pessoa famosa. Dificilmente, alguém vai postar selfie que não goste, não ache bom. É autoestima, é coerência , é fortalecimento de laços de amizade. Mas devido a rapidez das informações nas redes sociais, julgo que o bom senso, o senso crítico devem estar presentes a cada selfie, a cada postagem.

Penso, também, que tudo que contribui para que o ser humano se sinta feliz, mais realizado, mais de bem com a vida, é bem-vindo. Gosto de um mundo de sonhos e de conquistas. E você?

Gosto de ver pessoas alegres, satisfeitas, felizes. E a busca da felicidade é um anseio do individuo; é uma conquista pessoal; sendo que outra ou outras pessoas podem contribuir muito com esta busca incansável do homem.

Nesta busca da felicidade, que a alegria, as conquistas, os sonhos sejam uma constante no coração de cada pessoa, especialmente de você que está lendo esta crônica e este livro.

Arroio do Tigre, querido cinquentão

É uma crônica? É um artigo? É uma homenagem? Só sei que foi escrita com os olhos e a linguagem do coração.

Uma caçada, organizada pelo primeiro morador: Antonio Bento Pereira, de uma onça que não era onça, e sim um tigre, deu o nome ao próspero município gaúcho de ARROIO DO TIGRE, que um dia já foi Vila Tigre.

Com sonhos, dedicação, perspicácia e otimismo de uma comissão pró-emancipação (Dr. Nilton Beck, Jacob Pasa, Antonio Pedro Schuster, Franscico Carlos Ensslin, Bruno Carlos Werner e Armidório Oscar Pasa) apoiada pelo povo, nasce em 06 de novembro de 1963, pela Lei Estadual 4.605–A, o município de Arroio do Tigre, emancipando-se do município-mãe Sobradinho, recebendo áreas também de Soledade e Espumoso. Em 22 denovembro de 1963, Eduardo Oliveira Vinhas, o Castelhano, noticiou no Repórter Wilke, da Rádio Sobradinho, que o governador Meneghetti sancionou e promulgou a Lei, criando o novel município de Arroio do Tigre, uma nova estância na querência rio-grandense.

Alguns dados relevantes fazem parte desta pequena retrospectiva histórica.

Em primeiro lugar, marcos de religiosidade. O primeiro pároco, Guilherme Müller, reza a primeira missa, em 1906, na localidade. Surge a primeira capela – Sagrado Coração de Jesus – e, em 1917, a Igreja Sagrada Família (inicialmente, chamada Sagrada Família de Sobradinho). O Padre (depois Dom) Guilherme Müller, no lombo de um burro, atendia a região. O pastor Wilhelm Osterkamp celebra o primeiro culto evangélico em 1905, fundando assim a Igreja de Confissão Luterana em nossa cidade. E eis que, em 1º de fevereiro de 1928, chegam as quatro primeiras irmãs religiosas Franciscanas da Imaculada Conceição de Bolanden, da Alemanha, e fundam o reconhecido Colégio Sagrado Coração de Jesus. Infelizmente, uma das irmãs pioneiras morre, nos primeiros dias, envenenada, acidentalmente, com veneno para ratos. E que dizer do Padre (Monsenhor) Benno Reis, prestando mais de 55 anos de serviços sacerdotais à Paroquia?

Em se tratando de saúde, aponta-se o abnegado primeiro médico de Arroio do Tigre, Dr. Reinaldo Seitenfus, e sua dedicada esposa dona Laura Noll Seitenfus, e sua Vila Independência. No dia 30 de agosto - dia de Santa Rosa de Lima – de 1928, duas irmãs da mesma congregação assumem a administração do Hospital Sta Rosa de Lima.

E educacionalmente, também, a Escola Estadual de Ensino Médio Arroio do Tigre, fundada em 1942, com sua Banda dos Tigres, e todas as demais escolas tigrenses, juntamente com a Faculdade.

E o plebiscito, então, em 25 de agosto de 1963, com as 03 urnas que naufragaram, no rio Jacuizinho....

E a 1ª sede da Prefeitura Municipal na Secretaria Paroquial Católica, onde o 1º prefeito, começando em 22 de março de 1964, com apenas uma caneta e uma picareta. O prédio próprio - um antigo hotel, onde hoje está a Casa da Cultura – e o atual e moderno Centro Administrativo, inaugurado em 06 de novembro de 1988. A Biblioteca Municipal. E por que não lembrar, também,os modernos prédios da Câmara de Vereadores, do Fórum, o Ginásio Tigrão, o Parque Municipal de Eventos, a quadra society, as Olímpiadas Rurais, o Clube 25 de julho, o CTG Pousada das Carretas, o CTG Herdeiros da Tradição, e musicalmente, o Coral Municipal, o Canto Livre, a Banda Akasos, a Bandinha da Alegria, a Banda Marco Polo; os lendários times do Farroupilha e do Fluminense, o Cine Tamoio, entre tantos outros, também merecedores de referência.

E as Rainhas e Princesas do Município, a Bandeira e o Escudo Municipais, nas cores azul, branco e preto, estampando um tigre e a bíblia. E falando em bíblia, por que não lembrar a Bíblia da Família Ensslin, uma das mais antigas do Brasil?

E que dizer da população inicial de 4.050 habitantes para uma área de 726 km2 e a atual, de aproximadamente 12.843, para 314,6 km2?

E as administrações municipais? Nos seus 50 anos, Arroio do Tigre registra as administrações feitas com garra, coragem e determinação dos prefeitos: Rodolfo Spacil, Francisco Carlos Ensslin, João Dalci Costa Ferreira (eleito quatro vezes), Atillio Pasa (por três vezes), Renildo Schneider, Marciano Ravanello e Gilberto Rathke. Não esquecendo os vice-prefeitos: Benjamim Mainardi, Antonio Pedro Schuster, Rodolfo Spacil. Lauro Billig de Castilhos, Roberto Billig, Nilton Tutchnagen, Saulo Ceolin, Pio Antonio Ravanello, José Roque Hackenhaar, Gilberto Rathke, Vanderlei Hermes e Vânia Pasa. Todas administrações acompanhadas pelo Poder Legislativo, que registram em torno de 137 dinâmicos vereadores e suplentes até 2013.

E na referência nominal aos prefeitos e vice-prefeitos, homenagem extensiva a suas famílias, aos funcionários municipais; ao Poder Legislativo, ao Poder Judiciário e ao povo arroio-tigrense que, com trabalho e cidadania, contribuíram para o desenvolvimento de nosso querido cinquentão.

O tempo passou .... e este querido cinquentão foi firmando-se como um município gaúcho de pleno e crescente desenvolvimento e progresso, tornando-se o CELEIRO DO CENTRO SERRA. Houve muitas dificuldades também, que, somadas, resultaram em realizações e conquistas. E talvez, por isso o arroio-tigrense não tem medo de trabalhar e recomeçar sempre.

Com certeza, muitos outros fatos, outras pessoas, que também fazem parte da história tigrense, merecem seu relato histórico. Os fatos aqui relatados são vírgulas; a história de Arroio do Tigre merece um belo ponto de exclamação, a ser dado por um historiador competente que faça o resgate fiel desta saga, quiçá um livro à altura de nosso querido cinquentão. Há tantos fatos, tantas pessoas, tantas coisas mais para serem narradas, tantas lembranças mais no coração de cada arroio-tigrense.....

De 1963 a 2013, são 50 anos, muitas outras histórias podem ser lembradas e contadas desta querida terra, tão bem letradas no Hino do Município que versa “Imigrantes chegaram com garra/ com coragem e muito labor/ enfrentando perigos constantes/mas sempre avante para recomeçar”. (profa. Acadêmica Alda G. dos Santos).

E afinal quanto vale um sonho que se sonha juntos? Vale um município próspero e altaneiro, de pessoas batalhadoras, de um passado e de um presente glorioso e de um futuro alvissareiro: Arroio do Tigre, nosso querido cinquentão.

“Todos sabem fazer histórias, mas só os grandes sabem escrevê-la”. (Oscar Wilde). Arroio do Tigre, como grande município, sabe escrever sua história.




Redes sociais e o cotidiano


“Rede Social é uma estrutura social composta por pessoas ou organizações, conectadas por um ou vários tipos de relações que partilham valore se objetivos comuns”. “Os limites das redes não são limites de separação mas limites de identidade. (...) Não é um limite físico, mas um limite de expectativas, de confiança e lealdade....” (Wikipédia).

As redes sociais tecem sua teia de informações, pela internet, e passam a fazer parte do cotidiano, especialmente dos adolescentes e jovens (que vivem literalmente conectados) e também da Terceira Idade. Quer por sua estrutura social, quer pela partilha de objetivos e identificação, sem limites de tempo e espaço, entrelaçam ideias comuns ou não, criam e fortalecem vínculos humanos e virtuais no dia-a-dia.

Nas redes sociais virtuais, pelo seu poder de interação, não há distância entre perto e o longe. E assim todos opinam, acham bom, acham ruim; assim como na vida.

E as redes sociais (Facebook, Flicker, Twitter, Orkut, YouTube, Instagram, Linkedin etc), assim, aproximam, efluem da linguagem, do conhecimento, da cortesia, da cumplicidade, da aceitação, da negação, até do desafeto. É postar, é curtir, é comentar, é compartilhar, é utilizar a correção ortográfica que embeleza, ensina e engrandece. E esta magia vai tomando conta, e faz com que as redes sociais sejam o encanto de adolescente e jovens e o desafio da Terceira Idade (meu caso), estabelecendo laços de amizade, de convívio, de informação, que interagem no nosso cotidiano.

“Redes Sociais representam gente, interação, uma troca social” (Raquel Recuero). E por representar gente, vinculam sentimentos, acontecimentos do dia-a-dia, perdas, conquistas, alegrias, tristezas, de várias formas: textos, arquivos, fotos...

Penso que as redes sociais, por representar gente, deveriam fortalecer elos de amizade, de carinho (um abraço aos meus amigos virtuais), de gentileza, de partilha, de apoio, de sabedoria, de confiança e lealdade, num cotidiano virtual mais solidário e mais fraterno, aproximando ainda mais as pessoas no afeto e no conhecimento partilhados e contribuindo para um mundo mais humano, mais justo e mais feliz.





Leitura: um mundo novo

“Durante a leitura descobrimos um mundo novo, cheio de coisas desconhecidas” (Eliene Percilia).


A leitura abre novas portas para um mundo novo, conhecido ou desconhecido. Torna o leitor um cidadão do mundo – um cosmopolita. Leva a descobrir, ou encontrar, ou criar um mundo novo com as matizes do conhecimento e da imaginação, com novas ou antigas ideias, cheio de coisas desconhecidas, cheio de sonhos e projetos.

É a construção, é a reconstrução do mundo da informação de acordo com a visão, com a capacidade de cada leitor. É um mundo novo a cada leitura ou releitura, com novas descobertas, novas ideias. Ler é importante, é prazeroso, torna-nos mais culto, mais atualizado, amplia nosso horizonte e nossa imaginação.

E plagiando o grande Mario Quintana: não corra atrás da informação, leia muito e todas as informações virão até você.

Vivemos, hoje, sem dúvida, um mundo novo literário: a era da informática, da Internet, aonde a leitura e o livro virtuais chegam até nós, especialmente, na faixa etária jovem. E os livros impressos (que eu gosto tanto) têm perdido, um pouco, de seu espaço para a tecnologia virtual. A leitura, contudo, independente da maneira – impressa ou virtual – em livros, revistas, jornais, etc - enrique o mundo do conhecimento e da imaginação, ou fornece novas informações, ou solidificando-as, ou ratificando-as ou retificando-as. “Navegar é preciso” já dizia Fernando Pessoa.

A leitura, também, contribui, decisivamente, para a correção gramatical, produção de textos, troca de ideias, diálogo e aprimoramento individual. A leitura é um dos maiores prazeres conhecido das pessoas.

“Ler é viajar sem sair de casa” . É conhecer o mundo dentro da nossa própria casa. Então, vamos “viajar” muito... Vamos em busca do novo... Vamos conhecer um mundo novo conhecido ou desconhecido, distante ou próximo, imaginário ou real... Vamos ler graficamente ou virtualmente, a escolha é nossa.... Vamos viajar no mundo novo, mágico e fascinante da LEITURA. Boa viagem!



Miguel Limberger

DESGOVERNADOS


Não sou altivo. Apenas vivo. Vivemos. Buscando a sorte. Fingindo. Fugindo. Da morte. Até que o fardo nos suporte.

Nos tecem caminhos. Esquecem carinhos. Sozinhos. Perdemos o trem. Vem. Buscar guarida. A vida. Minha. Tua. Na solidão. Da rua. Vidas. Na contramão.

Arrancam raízes. Diretrizes. Da mata. Mata Maria. O Tonho. Soterram o sonho. Sentados no trono. Emitem. Vomitam. Carbono. Destruindo razões. Secando pulmões.

Falam em glória. Fingem. Tingem. Vitórias. Sem terem calos. Se fazem reis. Ralos. Ruminam as leis. Nem perdem o sono. Nesta desordem. Ditam ordem. Confortavelmente no trono.

Sujos de pó. Sem dó. Doloridos são. Seguem em vão. O povo. Alquebrado ovo. Calejando a mão. Ao matadouro vão. Tristonhos. Buscarem sonhos. Horizontes. Um dia. Nesta legada agonia. Surgirão aos montes. Como fadas. Empunhando espadas.

Legados a sorte. Sem clemência. Gritam independência. Ou morte. Ou morrem. Abandonados. Fustigados. Na estrada. Nem sobem. Nem sabem. Sorrir.

Canetas sujas. Descrevem. Nos pergaminhos. Escrevem. A história. Sem guarida. Na desvida. Nem glória. Ancorados na ilha. Esboçam lá. Latidos. Ladrões. Ou anões. De Brasília.

Seguimos tolos. Estilhaçam os bolos. Nós. Nostalgia. Nem Revidamos. Atenas. Apenas. Continuamos. A face salgamos. Gaviões. Lá. Ladrões. Na lama. Apagam a chama. Que arde. Covarde.

Somos desatinos. Desestimuladas destinos. Ou crendice. Burrice. Cremos. Nunca aprendemos. Assim morremos. Nos caminhos. Apanhando. Calejados rostos. Desgostos. Até quando. Rimos. Seguimos. Agüentando. E... votando!

Luciano Tiaraju Turcato

Redomão

Envidei no meu destino

Num medonho marca passo.

Fiz descaso do alheio,

Andando num só compasso.


Alma e corpo é bagagem

Que levo no caminhar,

Sentindo cheiro do campo,

Tendo céu pra me abrigar.


Não me abate o vento norte,

Nem me assusto facilmente.

Conheço carta marcada

E o bote da serpente.


Consolei muita chinoca

Em bailanta rotineira.

Nunca perdi o aprumo

Pra uma prenda cabresteira.


Nas águas da minha vida,

Não nado contra a corrente.

Nunca andei fora de margem,

Isto basta pra ser gente.


Sou o rio que segue curso,

Vence quedas e barreiras,

Se tornando forte e grande,

No mar velho sem fronteiras.


Êta, cavalo crinudo,

Difícil de se domar.

O destino é caborteiro

Ninguém pode pealar.


Na cavalgada da vida,

Vou selando a minha sorte,

Confiando no meu braço,

Enfrentando a própria morte.


Música classificada na 5ª Gauderiada da canção nativa de Rosário do Sul defendida pelo Canto Piá de Santa Maria e posteriormente gravada por Cizoni Dal Ri (Gaúcho Pachola)


Tropel de patas

Façam apostas, senhores, vai ser dada a largada,

Os matungos estão nas caixas, a penca foi confirmada.

Corre o zoio no tordilho, o ruano é descarte,

Fazer frente pro lubuno, o baio é caso à parte.


Atenção da gauchada voltada pro partidor,

O guri que está montado tem jeito de corredor.

Bate casco, bufa alto, os animais já vão correr,

Não sabe o que vem na frente, o que pode acontecer.


Foi dada a largada, que vai por conta da sorte.

O juiz não se descuida, tem assessoria forte.

Alternância lá na ponta, mui bonita esta parelha,

Não tem nada decidido, é orelha com orelha.


Grita forte o piazito, pro cavalo responder,

Nesta parada só ganha quem tem jeito pra correr.

Cruzam a reta final, não se sabe quem ganhou,

O retrato é que confirma, o baio é que despontou.


Num tropel de patas, cada um faz o que acha,

Nos aprontes dos cavalos, chegar primeiro na faixa.

Vai, mocinha, se endireita, se quer ser minha guria

Na cancha reta do Amor, vou contigo à sacristia.


Música gravada por Adelar Rosa no Cd

Quero matear com meu povo


Cesar Roberto Brixner

Cronos


O culto aos escritos é um exercício atemporal.

Pontual é a apologia cosmética aos corpos.

A beleza física mudará, gastará, passará.

Somente a palavra impressa terá a eterna juventude.


Lábias

(escrevo o que não quero ler nos outros)


Gosto de me lambuzar com palavras.

Sem regras, sem censuras e com paladares.


Às vezes, escrevo o que nem visível está,

Porque, assim, me descubro mistérios

e me revelo em espantos.


Releio e provo de novos sabores,

diferentes, porque quero sempre a primeira vez.

O inesperado me seduz, vitaliza,

o previsível é que desgasta, enfastia.


Por vício, coloco a caneta na boca.

A língua é que pensa, quando tocada,

e responde com excitação.


Faço preliminares com as letras

e o texto se deflora, devasso,

mas sempre prazeroso.


Gosto de possuir as palavras como só minhas fossem.

É o egoísmo de querer sentir tudo.

Me importo com a inspiração para saber-me fértil

nessa mania que tenho de fazer sexo verbal.


Ventura


A jangada parte, levando troncos

e galhos amputados.


Outras árvores ficam para trás

e esperam a próxima jornada.


Viver é o constante sem regresso,

e viajar é a incerteza da chegada.


Mas nortes transportam rumos

de quem conhece o segredo das bússolas.

Não aprendi a rota certa

e fico vagando sem cantis,

nem sequer bengalas,

nesse deserto urbano e árido.


O asfalto esconde o pó

e arrasta os remos

nessa estrada a ser transpassada.


Não tenho rios que me suportam,

só tenho poemas que me navegam .


Ser feliz

ou não ser

nem importa.


Isso é algo egoísta

muito de dentro.


Parecer feliz

importa.

a felicidade

que os outros possam ver.


Aqueduto


Somos moles transeuntes,

úmidas criaturas musculares,

feitas de muitos líquidos

e algum tecido ósseo.


Frágeis veículos gelatinosos,

transportando esqueletos,

é o que somos.


A vaidade é nosso corpo

e também o combustível.


O egoísmo é a partida,

o umbigo é o ponto de chegada.

É para ele a convergência das fontes.


É o umbigo nosso nascedouro

e também o afogamento.

Banquete


Os dias são douros,

plenos de grãos e talos,

tesos ao sol,

germinados nos luares da noite.


Vamos juntos colher os dias

e transformar o pó dos grãos

em farta tulha de sustento.


O pó dos dias esmagados

com os pés na pedra mó

que é o ofício das safras.


Vamos juntos para a mesa de nossa fome.


Depois, a gente replanta nas férteis luas

lançando palavras, semeando poemas

e escrevendo novas lavouras

nas palhas dos dias.


Seivas


Me inspira a persistência dos plátanos

a cada ano refazendo suas folhas

sabendo que irão perdê-las.


Me encoraja que a força

está entranhada, escondida,

porque os plátanos

têm sua vontade nas raízes.


Me conforta saber-me árvore viva,

refazendo as palavras

a cada dia, a cada verso

amadurecendo,

perdidas tais folhas

e também caindo ao vento,

mas juntadas e abraçadas

pelas mãos de quem colhe poemas.


Revoada


As borboletas que canto

são versos sem pouso.


Não é rima carregada em ventos

é o voo da palavra solta

levada em sopros.


Os versos e as borboletas levitam

alheios ao trânsito dos destinos

como adivinharem viagens sem volta.


As borboletas modulam a paisagem

na dança dos acasos

como desenharem pipas coloridas.


Os versos que canto são imagens vivas,

são borboletas libertas

que não aprenderam a pousar.


Retrorgânica


As academias corporais proliferam

e cultuam o cérebro dentro dos músculos.

A inteligência se substitui com formas,

perfeitas no exterior, na casca.


A razão está solta, mas é mais visível

no abdômen, nas ancas,

nos bíceps, nos tríceps,

e nos quadrúpedes.


O juízo malhou as nádegas

e o senso deformou os seios.


O silicone é o veículo, a seiva, a terapia.


Estica-se a pele, é elástica.

Os lábios edemaciam, sem contornos.

O nariz e os olhos são corpo-estranho, postiços.

O cabelo, uma matéria sem vida.


As pessoas se miram nos espelhos

e enxergam máscaras sorrindo, repuxadas,

e pensam que estão em algum museu de cera.


É a glória final! E a pose para os registros dos flashes!


Ia me esquecendo: tudo isso, e ainda

com os dentes cerâmicos esbranquiçados.


Com a falência dessa genética, desses códigos,

os deuses procuram outros barros,

sem esmaltes, sem neurônios.


Vendalhas


Guardo meus olhos

um do lado do outro

de modo que não se entreolhem.


Guardo meus olhos

sem olhar para trás

sem olhar para frente

de modo que não se afastem.


Guardo meus olhos

a vagarem na mesma direção

sempre para dentro.


Nessa travessia pela via do meio

entre as dualidades que somos:


direita - esquerda

inferno - paraíso

razão - loucura

público - privado

corpo – espírito

o bem e o mal.


E não resta nada

além da infinita reta da solidão.


A imagem vazia que quebra,

mas só quebra porque está vazia

no silêncio onde as dúvidas repousam.


E o possível é uma escolha a ser vista,

um horizonte a ser mastigado.


Safras


Sou assim,

sanguíneo e orgânico,

vertendo poesia

se me cortarem a alma.


Almas feridas

derramam ilusões

que brotam viçosas

nas areias entre pedras

e crescem

aos olhos das ceifas.


Palavras solitárias são órfãs,

mas quando abraçadas

são imensidão.


Não tem fim

essa seara

que me enche de dedos

como fossem pincéis

a plantar poemas.


Minha alma ainda é verde

colhida somente quando florescerem coloridos versos.


Contei até três:

no um contei a ausência,

no dois contei a espera,

no três contei a fadiga.


De tanto contar

pratico agora

a rotina dos números cansados

e me invento em memórias

de tudo que não vivi.


Só me resta contar quantas vezes retornei ao abandono.


Fadigas


No desgaste das esponjas

que nos dá a cama e o colo dos estofados,

dormimos, cochilamos e pensamos.


A rotina dos neurônios, de tanto usar,

o mesmo lugar para dormir, cochilar e pensar,

estica o elástico,

fica cansado e não retorna mais.


O elástico que é de ação viril, motora,

se transforma em cordão flácido, estático.


O amor é elástico, enquanto força.

Um amor cansado é barbante.


A relação entre os amores é puramente física.

O namoro é elástico. O casamento é barbante.

O elástico é flexível, o limite é a força.

O barbante já está no limite. Se forçar arrebenta.


Os elásticos são maleáveis, aventureiros,

acreditam que nunca serão barbantes.


Os barbantes são obedientes, irredutíveis,

comprovam que nunca voltarão elásticos.


Escuto que o casamento está em crise. Ingovernável.

E digo que o casamento está igual como sempre foi.

Penso que o complicador é apenas a relação entre as partes.

E a relação, entre as partes, continua como sempre é. Inegociável.


Gravidade


Penso demais.

Até me perder.


Sou abstrato,

invisível, quando fujo.


Quando livre,

sou presentemente outro,

insatisfeito e só.


Solitário como esse vazio

que não sabe o que olhar,

só vê a paisagem muda.


Corajoso é o destino do pássaro

que sente o rumo

e desconhece o vento.


Me fixo em pernas plantadas

na raiz do medo,

distante do lugar onde alçar meu voo.


Altas nuvens me olham

a dizer que os pássaros voam

em novos mirantes porque confiam.


Dá-me um beijo, um beijo apenas,

e saberei que não preciso de asas.


Dispersos


Na origem não diferem criaturas nem criadores,

a existência por si é o ofício.

O ovo quebra para a obra ser imitada

e nada surge,

tudo continua.


A arte encontra o artista

e retorna presença,

transparente como a clara,

gestante como a gema.


Não existem aprendizes do lirismo

nem mestres.

Os poetas já nascem versos.


O poema só dá forma real

e palavras

ao mágico dos instantes.


Que é ser alegre feito criança livre,

não saber ter medo,

não pensar em parar,

andar para o desconhecido

e ser um morrer de ir.


Uma eternidade juvenil,

leve como uma travessia,

carregada em lento corpo

para não voltar

e ser sempre passagem.


Envelhecer é nossa adulta culpa interior

porque a vida não tem rosto.


Somos a própria máscara,

feitos de espelhos quebrados,

feitos de verdades ocultas.

.

Autoral


Opinião é diferente de boca fechada.

Na opinião entra e sai mosca.


Não precisam mentir sobre mim.

Isso, eu mesmo já faço, em demasia.


Gosto muito de mim.

Mas o que fazer se gosto muito de mim?

E ainda

navego nesses versos

que choro para dentro,

que sorrio quando volto.


Provérbio


Ninguém ama mais nem melhor.

O amor é o que nos faz iguais.


REVÉS: pior que amar errado é não errar por amor.


Felicidade e paz não caminham juntas.

A felicidade está sempre procurando outras mãos,

e a paz se basta com as mãos que carrega.



O verbo me chama, me queima.

O poema é o próprio incêndio vivo,

sempre ardente e nunca cinzas.


Só existe o que escrevemos,

só sobrevive o que de nós é escrito.


Veludo


Quando saudamos a sedução,

usamos palavras destiladas, espumantes.


Quando bocas ávidas brindam,

tocam em taças frágeis

e nenhuma gota se perde.


Palavras justas encorpam os instintos.

Palavras quentes temperam os olhares.

As macias quebram e derretem o gelo.


A bandeja solidária e fiel

oferece as últimas confidências.

Os vinhos gelados aquecem os lábios

e acariciam os ouvidos.


A música é lenta e apropriadamente escorregadia

para o deslize dos inevitáveis gestos.

De mornas, só minha taça vazia

e a sua com a borra sutil do batom nas bordas.


Todas as palavras silenciam,

sentem as velas trêmulas,

e escutam as respostas ao toque das peles.


Baixela


Como posso vê-la sem o desejo?

Minha fome e sede não têm culpa

de seres a entrada, o prato principal

o vinho e, ainda, a sobremesa.


Te quero porque não provarei da falência

antes do teu banquete.


Derrrame


Há pouco, aqui na meia tarde,

no convite aberto de meu terraço

uma visita de andorinhas.


Algumas andorinhas

a fazer verão

nesse domingo de carnaval

que já estranham o céu,

há pouco tão ensolarado e azul,

agora de soturnas nuvens

e de andorinhas apressadas a me abandonarem.


E chuvas molharão saudades ressequidas,

já sem lágrimas

por tantos choros de ausências.


Essa chuva que vem dos céus

banhará as ásperas lavouras

que não choram,

mas se ressentem da carícia das águas.


Não teremos inveja,

ciúme, sim,

da felicidade das brotações.


E apenas queremos dos céus

a compaixão pelos tristes poetas que somos.


Fácil entender a chuva

que é macia, úmida e confortante

e quando nos toca, não machuca.


Difícil entender um sentimento,

feridas lembranças ainda sem cicatrizes

que teimam curar solidão derramando esperas.


E empurro minhas nuvens e meus dias

até perguntarem razão da melancolia.


Respondo que, quando feliz, saio de mim,

festejo com a alegria que encontro nos outros.


Quando triste, me recolho, covardemente,

derramando culpa no refúgio dos versos.


Reversos


Não se surpreenda

se num surto

eu expuser franquezas.


Meus medos são transparentes,

não precisam de maquiagem.


Está na cara que não disfarço

o temor que tenho do bem escondido.

Só ele, o bem visível, pode nos remediar.


Mas o mal é nossa saúde coletiva,

é o que nos estimula a competir

e sermos o pior entre os egoístas.


Sou franco porque cedo aos excessos,

à tentação das carnes,

ao convite dos etílicos,

à sedução dos proibidos.


Carrego pedaços de pecados

e confesso a culpa inteira.


Mas não juntarei os cacos da poesia

nas sobras pisoteadas no corredor

dessa surda pressa e cega ambição.


Não vou garimpar metáforas e palavras preciosas

entre as mazelas dos flagelos e desconfortos sociais.


E não sangrarei minhas dores

com os espinhos que me ferem

quando quero chegar até o domicílio das rosas.


O poeta um dia cansa e desiste

dos versos inócuos e imaginários.


O poema precisa escolher sua verdade,

aceitar a falta que ele não faz

nessa estéril realidade, onde viver

é uma página covardemente branca.


E a poesia arrastando o vazio

dos versos que emudeceram.


Enólico


Ao místico do sabor,

Baco se fez boêmio,

bebendo a alma do vinho.

Não encontrou mais o corpo para o completo deguste.


Que o vinho tem alma já se sabia.

Mas como encorpar o líquido que é sempre volátil?


A alma, enquanto engarrafada tem paladar, tem vida.

Tem quem deixa a alma fugir de suas taças, sem nunca prová-la.

Desperdiça o buquê. E depois, a encontra já ácida.


Fino e seco, suave, branco, rosê ou tinto, é a roupa dos rótulos.

Mas isso é só o casco.

É a alma que precisa ser descoberta!


Cada ébrio procura o corpo dos deuses dentro de si mesmo.

O divino não tem lugar, nem lucidez.


Arremate


Ainda coloco cadeiras de balanço na lua,

completo a mobília com o silêncio

e com a sombra das estrelas.


Seco minhas chuvas e filtro o sol

no quintal da poesia que me habita,

mastigo o gosto das auroras

e bebo o som das cachoeiras.


Levo a saudade no orvalho das asas,

me embriago na vertigem dos penhascos,

colorindo nuvens em aquarelas.


A vagar com agudo bico de pássaro,

cravado na alma que sonha

e voa.

Christiane Branco Barbosa

E viva o povo brasileiro!


Escrevo isso enquanto assisto aos telejornais que noticiam as imprescindíveis manifestações de protesto que eclodiram no Brasil. É um grito que há muito vem trancado na garganta dos brasileiros. Um movimento que ganhou muita força em pouco tempo, inclusive no exterior.

A leitura que se faz disso é que o Brasil, que hoje está representado nas pessoas que estão nas ruas, saiu do armário e decidiu dar um basta a tanto descalabro. O povo está cansado. E cansado do descaso, da corrupção, da dissimulação, eis que o gigante desperta de anos de inércia e resignação e vai á luta.

As manifestações iniciaram-se por causa do aumento de vinte centavos nas passagens de ônibus em São Paulo, mas isso era apenas a ponta do iceberg.

O que se traduz desse movimento é que o povo, que um dia pintou a cara exigindo o impeachment de um presidente da república, quer novas cores para a nação. Dar um basta ao nariz vermelho de palhaço que nos imputam é uma das bandeiras que se carrega hoje. O povo que perdeu sua dignidade em alguma esquina volta às ruas para reencontrá-la.

Não sei quando ou como essa marcha vai terminar, mas desejo profundamente que dure o tempo necessário para que nossos políticos entendam que, com o povo, ninguém pode brincar.

Pacificamente todos os cidadãos brasileiros estão convocados a sair às ruas e mudar novamente os rumos da história do país. Mesmo quem não ande de ônibus, deve fazer-se presente, porque a grande luta não é por causa de centavos. É por causa de direitos!




Exercitar-se

O neuropsiquiatra John Ratey, da Universidade de Harvard, afirmou que os exercícios nos deixam mais inteligentes. Ratey refere-se aos exercícios do corpo, como dança, musculação ou artes marciais, por exemplo. Afirma que, ao nos exercitarmos, estamos estimulando conexões nervosas e liberando um neurotrófico que atua como um fertilizante para o cérebro, pois encoraja nossas células nervosas no processo de aprendizagem.

Não são todos que conseguem adaptar-se à rotina de uma malhação ou ter a disciplina necessária para praticar qualquer exercício. Há que se vencer a aparente intransponível barreira do sedentarismo para colher os louros que a atividade física produz.

Mas... Nem só do corpo vive o homem. Infinitamente mais complexo é manter uma mente ativa, viva, desperta, uma mente que não envelhece e por isso recicla constantemente seus conceitos. Uma mente que não se fecha ao novo e que se mantém conectada com todo o avanço dos tempos modernos. Uma mente que não se prende a preconceitos e busca sempre novas respostas para novas perguntas. Uma mente ávida por cultura e cerrada para futilidades. Uma mente com sede de saber e fastiada de falsos moralismos.

Um corpo malhado em uma mente sedentária só tem valor nas revistas, e olhe lá! No entanto, uma mente sarada em um corpo em constante movimento torna-se irresistível, mesmo que, neste corpo, perceba-se uma saliência abdominal.

Dentre todos os exercícios físicos, considero os agachamentos os mais ‘indigestos’, mas difícil mesmo é correr e colocar-se no lugar do outro. Este, sim, é um exercício que evitaria muitos malefícios à saúde de todos nós.




Fome emocional

Aos 43 anos ela já havia feito sete cirurgias plásticas. Arrisco dizer que duas eram, de fato, necessárias. As outras se fariam imprescindíveis ao longo de mais alguns pares de anos. Todos a achavam muito bem, mas vai saber qual era a imagem que ela própria via refletida no espelho.

Saímos para almoçar. Diante dos meus olhos, eu via uma linda mulher de quarenta e poucos anos, filhos pré-adolescentes e uma vida financeira, matrimonial e emocional estabilizada, e somente por isso fiz minhas ponderações, uma vez que eu jamais deixaria de incentivá-la caso percebesse sinais que maculassem sua beleza. Afinal, sou a favor de dar uma mãozinha para a mãe natureza, sim. A única coisa com a qual não concordo é com a propaganda enganosa que “vende” corpos perfeitos e não “trata” almas tão adoecidas.

Tive a oportunidade de ler uma entrevista da psicanalista Ângela Vilella, sob o título de As velhas doenças da alma, em que ela questiona, por exemplo: O que é ser poderosa hoje? O que um salto alto sustenta? O que um vestido de grife garante?

Sim, está instalado o império da superficialidade. E por tratar apenas do corpo, deixando as emoções em um segundo plano, a ditadura da beleza provoca um vazio existencial profundo. Daí a fome emocional imensa, apresentando-se sob diversas formas de adição: alimentos, álcool, objetos de grife, intervenções cirúrgicas etc.

“A bolsa de grife não vai suprir um vazio que é de outra ordem. Botox não aplaca a angústia da passagem do tempo. Uma lipo não aspira ‘gorduras’ psíquicas ... E aí as pessoas saem gastando seu precioso tempo e dinheiro para tentar, nem que seja momentaneamente, anestesiar o incômodo sentimento de não ser como se sonhou”, disse Ângela.

O preço a se pagar por deixar as emoções em um segundo plano está aí para quem quiser ou puder ver: tanta gente bem vestida, bem malhada, bem lipada, e, ainda assim, bem feia!

Ainda não há cirurgia que ofereça charme e elegância a quem não tem.

Todos os cremes faciais existentes no mercado jamais darão o brilho no olhar e a pele iluminada que só possuem aqueles que, mais do que alimentos para o corpo, buscam sustentação para sua autoestima.

A psicanalista ainda adverte para o triste fato de que, depois de tantas lutas, certas mulheres estão caindo no engodo de permanecerem como objetos de consumo, ao invés de virarem protagonistas de suas próprias aspirações, o que configura um retrocesso: agora são as “novas Amélias com bíceps superlativos e silicone jorrando pelos poros”.

Depois do delicioso sorvete de amora que nos fora servido como sobremesa já pode perceber melhor que a estabilidade que julgava enxergar na vida da minha amiga não é tão estável assim. Há nela uma inquietação que a impede de formar uma imagem positiva de si, que é de suma importância para que possamos sobreviver com galhardia a todos os percalços que porventura venhamos a ter.

No entanto, tão focada que está na busca inútil da juventude eterna, despreza o fato de que os desabamentos existenciais nos arrasam muito mais do que a flacidez da pele. Por tudo isso, estou seriamente desconfiada que a alma da minha amiga esteja muito mais envelhecida do que ela pode supor.

Para pele enrugada há soluções que o dinheiro pode comprar, mas, para uma alma com rugas, o tratamento é muito mais doloroso, demorado e dispendioso, sem contar que requer muito mais coragem. Enfrentar um bisturi é para qualquer um. Deitar-se num divã, para muito poucos.




Lição dos peixes


Fui pescar. Ao contrário do que reza a lenda, pescar me enerva.

A Baía de Ilha Grande é um pedaço do paraíso na Terra e, como o local fora escolhido a dedo, os cardumes acabaram por envolver nossa embarcação.

Sob um céu pintado de azul e um mar transparente aos meus pés até me entusiasmei e joguei a isca.

Em pouco tempo já estávamos comendo o que havíamos pescado, comprovando o que eu sempre soube: o melhor peixe é o peixe fresco.

Eram peixes de todas as cores e de todos os tamanhos, mas um detalhe me chamou atenção: um peixinho vermelho que fora propositalmente preso perto do motor. Observando melhor, percebi que os outros da sua espécie ficavam em volta dele. Questionei o porquê disso, e me explicaram que é uma característica daquela espécie. Enquanto houver um deles, os outros não vão embora.

A pescaria seguia animada, mas meu coração entristeceu. Lembrei-me de uma amiga que um dia foi embora e me deixou sozinha com todo o sentimento bom e verdadeiro que eu sentia por ela.

Ouvi gritos eufóricos porque um dos nossos pescadores havia pego uma imensa arraia! E naquele instante, minha angústia, que também era enorme, dera lugar a uma oração silenciosa, quando então agradeci por não ter sido eu a cometer tamanha ingratidão.

Pescar pode não acalmar, mas faz um bem enorme à saúde emocional, e quem porventura cruzar com aquela que largou minha mão e partiu, avise- a que os peixinhos vermelhos da Baia da Ilha Grande têm muito a lhe ensinar.

Fim de pescaria e um saldo bastante positivo: dezenas de peixinhos para o almoço e uma lição que muita gente ignora: amigo não abandona amigo!




Fuga geográfica


A história é real: um rapaz foi abandonado por sua mãe biológica dentro de uma caixa de papelão quando ainda era bebê. Fora adotado, mas, aos 13 anos, o naufrágio de uma embarcação no Amazonas matou seus pais, irmãos e avós, roubando-lhe novamente a chance de ter uma família.

Em 1999, após o acidente, o jovem decide deixar sua cidade natal e percorreu o país de bicicleta em busca do sonho de entrar para o Guiness Book como o ciclista que mais rodou por ruas e estradas.

O jovem ainda tem sonhos, apesar de todos os traumas que sofreu. A decisão de rodar todo o Brasil para nunca mais ter que voltar para casa e deparar-se com as lembranças que o faziam sofrer foi a válvula de escape que encontrou para fugir da solidão. É o que se pode chamar de um feliz encontro entre uma boa ideia e a conveniência.

Os psicanalistas chamariam essa aventura de fuga geográfica, e, de fato, não deixa de ser. Ao abandonarmos o lugar que tristemente nos marcou, acreditamos que toda a tristeza ficará para trás.

Ledo engano. Assim como não nos largam as doces lembranças, as amargas igualmente não saem de nossas vidas por uma simples mudança de território. Para qualquer lugar que se vá, ao chegar e abrir sua pequena sacola de viagem, pimba! As lembranças estarão ali, como um jeans surrado que teima em não arranjar outro dono.

É disso que nós somos feitos: de perdas e de ganhos. De encontros e de despedidas. De doçura e de amargura. E, ao colocarmos a vida na balança, devemos, obrigatoriamente, optar pelo melhor ângulo para enxergá-la. Sempre haverá um.

O rapaz é um exemplo de superação. Ele afirma que, após a jornada, escreverá um livro contando tudo o que fez para fugir da sua solidão. Diz que ainda não escolheu em qual cidade irá morar, no dia em que, enfim, já tiver pedalado por todo o nosso imenso país. No entanto, o que ele tem mesmo que saber é que não importa a cidade, se grande ou pequena, perto do mar ou no alto da montanha. O que ele precisa saber para ser feliz é que não se foge da tristeza como quem foge de um touro bravo, porque, assim como o animal, a tristeza um dia o alcançará.

Infinitamente mais urgente que um lugar para morar, o que o menino que se reinventa a cada dia precisa achar é, dentro de si, um lugar para aquietar a sua dor.




A banalização da vida


Certa vez, ouvi de um advogado que algumas cadeias são piores que o zoológico, dando a entender que os animais recebiam melhor tratamento que os detentos. Concordo que o nosso sistema prisional é uma lástima, porém há que se fazer uma ressalva: alguns animais são superiores a muitos seres humanos.

Nesse sentido, vemos que a mente humana ainda é um mistério a ser desvendado. Temos certeza disso, quando, de tempos em tempos, nos deparamos com crimes que ferem a nossa alma. Sabemos que o amor não nasce de fora para dentro, devendo ele brotar naturalmente no coração dos homens. O dever de zelar pelo bem-estar físico e emocional daqueles que se encontram sob nossos cuidados é inerente. Por isso, ficamos chocados se alguém age como algoz quando deveria ser um porto seguro de afeto. É uma rasteira do destino quando percebemos que homens e mulheres ditos racionais agem como feras insanas.

O assassinato de vidas frágeis e indefesas é crime inominável que desafia o entendimento humano, restando a indagação: o bicho homem tem matado tanto por quê?

Tenho pavor das feras do zoológico, mas seria capaz de passar a tarde em uma jaula muito mais tranquila do que se estivesse na companhia de homens e mulheres que matam seres inocentes, uma vez que o animal só me atacaria caso se sentisse ameaçado ou com fome.

Devemos preservar a fé na vida, na humanidade e no futuro, pois não podemos perder a esperança jamais. No entanto, quando vejo famílias mutiladas, vidas precocemente ceifadas e uma sociedade incrédula esperando pela próxima cena de banalização da vida, sou levada a concordar com o que escreveu o psiquiatra suíço Carl Jung: “A única coisa que devemos temer é o homem”.

Infelizmente.


Comum


Sabe quando você vai a um espetáculo esperando uma coisa e assiste a outra? Isso aconteceu comigo. Fui ao teatro assistir a uma comédia e, embora tenha dado boas gargalhadas, confesso que não vi ali nada de muito cômico. A peça “Razões para ser bonita” poderia enquadrar-se perfeitamente na categoria de drama.

“Ocorre que Greg, o namorido de Stephanie, em uma conversa com o amigo Leo, diz que sua mulher não é lá uma ‘Brastemp”, que tem um rosto comum, mas que ele está satisfeito com ela. Carla, a mulher de Leo, liga para a amiga e conta tudo o que ouviu da conversa dos dois. É o que basta para Stephanie surtar, uma vez que sempre teve consciência de que nunca foi muito nada: nem muito bonita, nem muito gostosa, nem muito atraente. Greg tenta, sem sucesso, convencer a mulher de que a ama, independente dela ser bela ou não, mas Stephanie está irredutível. Isola-se em sua dor e separa-se de Greg. Conhece um homem que a pede em casamento, sem que ela nunca tenha deixado de amar aquele que lhe disse uma verdade tão desnecessária quanto fatal.

Em contrapartida, o amigo Leo é um garanhão, mesmo sendo casado com Carla, uma mulher linda e assediada por todos. Assim, o dilema de Carla é diametralmente oposto ao de Stephanie. Ao contrário do que se imagina, a beleza não lhe trouxe apenas benefícios, e, entre os seus maiores ressentimentos, está o fato de quase sempre ser julgada primeiro pela sua aparência, sem que muitas vezes tenha tempo de mostrar quem é, o que pensa, o que deseja, sentindo-se meramente um objeto de desejo descartável.

Tudo isso foi contado em meio a muitas risadas, mas a ditadura da beleza que hoje se impõe foi fortemente questionada.

O desenrolar da peça nos mostra que Greg, o marido da mulher comum, sempre a respeitou e a amava como era, enquanto Leo, o marido da bonitona, era um traidor inveterado, deixando para todos a impressão de que, quando não nos enxergam por completo, o problema pode estar nos outros e não necessariamente em nós.

Stephanie jogou fora um amor que a chamou de comum porque levou a sério demais o fato de não se enquadrar no modelo de beleza que está sendo vendido, mesmo ciente de que a beleza de hoje é altamente manipulada: cabelo, cílios, glúteos, peitos, tudo vendido em suaves prestações!

Dificilmente, Stephanie ainda terá a chance de tornar-se uma mulher de beleza estonteante, restando-lhe somente uma alternativa: aumentar sua autoestima para que todos a sua volta inebriem-se com uma mulher tão comum, mas dona de um encanto que não sabem ao certo de onde vem.

Ou e isso, ou nós, mulheres comuns, perderemos mais do que nossos amores. Perdemos a capacidade de amarmos a nós mesmos, capacidade esta que é a varinha de condão que nos transforma em quem queremos ser..

Sem amor próprio, até as belas viram comuns, enquanto que, com ele, as comuns transformam-se em mulheres muito ... muito interessantes!

Despertar o interesse de alguém é um laço que pode ser eterno, enquanto a beleza carrega a fama de ser passageira, o que nos leva a crer que o invólucro é muito menos importante que o conteúdo.




Politicamente correto?

Há muito tempo estou com vontade de defenestrar essa onda do politicamente correto e, observando mais atentamente, pude perceber que não sou a única que considera essa modernidade um horror, tendo inclusive o “apoio” de gente como Lya Luft, que bem escreveu: ”... numa mistura de arrogância e ignorância, resolveram jogar no baú do ‘politicamente correto’ tudo aquilo que incomoda alguns preconceituosos”. Detalhe: muitas vezes o preconceito surge primeiro na cabeça daqueles que querem bani-lo.

Respeito os gays e os negros, assim como os brancos, nisseis e heterossexuais. Respeito a diferença de credo e de opinião e assim o faço não pelo fato de que alguém me impôs a condição de que eu não devesse excluí-los. Assim eu faço porque desde cedo aprendi que o corpo é apenas uma roupagem para a alma e que das diferenças podem advir experiências enriquecedoras.

Acusam Monteiro Lobato de preconceituoso por Tia Nastácia, a cozinheira do Sítio do Pica-pau Amarelo, ser negra. Desejam suspender a circulação do dicionário HOUAISS porque no verbete “cigano” consta também o seu uso pejorativo. O jogador Neymar teve que se explicar por ter feito um comercial onde ele aparece só de cuecas e foge quando um homem dá pinta de que se agradou dele. A presidente da Associação Nacional dos Grupos de Apoio à Adoção enviou carta ao autor da extinta novela “Fina Estampa”, dizendo que ele era preconceituoso por ter transformado a personagem de Christiane Torloni em uma pessoa maquiavélica devido ao fato dela ter sido adotada.

Quanto blá-blá-blá! Tanto por fazer, e o azedume de uns contaminando os outros.

Muito me vesti de caipira, pintando os dentes de preto e rasgando minhas calças e nem por isso zombei de quem teve uma vida diferente da minha. Cantei, e ainda canto “Atirei um pau no gato” e tampouco impingi qualquer ato violento contra os animais. Entende-se por política a habilidade no trato das relações humanas, e por correto aquilo que é íntegro, honesto, honrado. Com base nas definições, não acho que “politicamente correto” seja uma habilidade honrosa que certas pessoas/entidades adotam ao tentar invadir a esfera da liberdade de expressão de qualquer cidadão, sob o pretexto de lhe ensinar o que pode e o que não pode ser dito.

Abusos, de qualquer natureza, devem ser coibidos, inclusive o abuso de enfiar esse politicamente correto goela abaixo da gente, mesmo ciente de que existem pessoas que realmente abusam da falta de bom senso.

Ficou chato viver sob essa patrulha ideológica. Era muito mais instrutivo quando nossos pais, professores e responsáveis nos ensinavam aquela surrada, porém valiosa lição, de que não fazer ao outro aquilo que não gostaríamos que ele fizesse conosco.

Simples assim. Eficaz uma barbaridade! E funcionava tão bem talvez porque o cerne da questão não fosse política. Era uma questão de educação.




A pior dor


Foi feita uma pesquisa numa clínica na Europa com pacientes portadores de câncer, com o objetivo de quantificar a dor dos pacientes, atribuindo notas de 5 a 10. Certo dia, observando os dados, um médico percebeu que um paciente havia dado nota 1 e mandou que a equipe o chamasse para que pudesse interrogá-lo a respeito do suposto equívoco. Chegando à clínica, o senhor de idade avançada esclareceu que nada havia de errado e que de fato ele não sentia dor significativa com sua doença. O médico então retrucou, dizendo-lhe que ele nem deveria ter participado da pesquisa por apresentar dor tão insignificante. O paciente prontamente confirmou que, de fato, sentia pouca ou quase nenhuma dor em função da sua doença, mas, como era sozinho e não tinha família, que naquele momento o cuidasse e o amparasse, pois ele sentia intensamente a dor da solidão, e concluiu afirmando que esta sim, era a pior dor que alguém poderia sentir. Diante da confissão, o doutor calou-se.

De fato, a solidão ainda não foi reconhecida pela medicina como uma doença, mas dizem os estudiosos que ela é a grande enfermidade da atualidade.

Vários fatores são atribuídos a isso, como, por exemplo, a promiscuidade afetiva da vida moderna, que nada mais é do que a experiência dos relacionamentos superficiais e a fantástica capacidade de interagir instantaneamente nas redes sociais, criando a sensação de não estarmos (tão) sozinhos.

Quem se debruçou sobre o tema afirma que a equação é muito simples de resolver: amor para dar gerando amor para se receber, constatando que os ricos de afeto ultrapassam todas as expectativas de sobrevida porque lhes encanta viver.

A solidão dói, e embora tenhamos à disposição eficazes remédios para os males físicos, sabemos que, quando a dor é na alma, o bom mesmo é ter alguém ao nosso lado para nos amparar, dividindo as alegrias e os momentos difíceis, porque todos sabemos bem que alegria dividida é alegria em dobro, e tristeza compartilhada é tristeza pela metade.

Portanto, previna-se contra a solidão. Ela pode matar você por dentro enquanto seu corpo ainda viver.



Essência


“Quer ostentar sua riqueza, que ostente em casa. Na rua, vale o princípio da igualdade”, declarou uma mulher muçulmana nos esclarecendo que, em público, as muçulmanas evitam se sobressair, salientando ainda que o fato delas andarem todas com o mesmo tipo de roupa é até motivo de orgulho.

Sabemos que isso é uma questão cultural, e lembrei-me de que em terras tupiniquins tem quem faça exatamente o contrário. Gente que vive numa pindaíba de dar gosto, mas quando sai de casa tem pose de rainha. O cara está com todos os cartões de crédito estourados, não tem mais banco para pegar empréstimo, mas, quando entra no seu carro financiado a perder de vista, se acha o rei da cocada preta!

Não estamos em Dubai, onde mora a mulher que proferiu a frase acima, no entanto, mesmo aqui no Brasil essa cultura de querer ser mais do que o outro soa, no mínimo, como esquisito.

Com certeza não leram uma interessante passagem que li, segundo a qual, ao morrermos, deveríamos ser colocados no caixão com as mãos penduradas para fora. Assim, a cada enterro que formos, lembremos que da vida não levamos nada do que juntamos.

No entanto, pior do que parecer ter o que não se tem é parecer ser o que não se é. Já repararam que quem é feliz não procura o tempo todo mostrar isso aos quatro cantos do mundo? Que a pessoa inteligente é aquela que não humilha o inculto? Que os verdadeiramente ricos não ostentam aquilo que têm, neste país tão carente de segurança? E que quem é generoso faz suas caridades preservando sua identidade? Logo, quem fica todo o tempo tentando provar alguma coisa para alguém, na certa, aplica o cretino “ princípio da falsa superioridade”.

A vida é dinâmica e as situações podem mudar. Por isso, as pessoas deveriam ser valorizadas muito mais pelo que são do que pelo que têm, pois quem tem grande valor conserva sua essência inalterada, independente do momento de vida em que ela se encontre.



Ninho vazio


O início do ano letivo me leva a pensar no difícil momento pelo qual passam inúmeras famílias que moram em cidades do interior quando os filhos saem de casa, muitas vezes prematuramente, rumo à construção de seu futuro, buscando, dentre outras coisas, melhores condições de ensino, deixando naqueles que ficam uma enorme sensação de vazio.

Aquilo que se vivencia nas pequenas cidades é diametralmente oposto a uma tendência que vem se disseminando nas cidades grandes, onde os filhos permanecem morando na casa dos pais mesmo depois de adultos, criando assim a chamada “geração canguru”, que já deu origem ao termo oposto, qual seja, ‘ninho cheio’.

Quando nossos filhos, por vontade ou por necessidade, batem as asinhas e dão os primeiros voos, dói, embora esse momento faça parte da evolução natural da vida.

Desde que nasceram, nós, pais, orientamos nossos meninos e nossas meninas para que ganhem o mundo, para que sejam bem resolvidos e independentes e para que possam, mesmo longe de nós, trilhar um caminho de felicidade. No entanto, quando eles chegam perto da tal independência que ajudamos a construir, parece que fomos pegos de surpresa, por mais que tenhamos nos preparado para esse dia.

É o ciclo da vida. Nunca estaremos preparados para termos a distância quem um dia esteve bem debaixo de nossas asas.

O escritor libanês Gibran Khalil Gibran escreveu brilhantemente sobre o assunto quando disse que nossos filhos chegam através de nós, mas não de nós: “Vossos filhos não são vossos filhos. São os filhos e as filhas da ânsia da vida por si mesmo”. Ele diz ainda que, embora nossos filhos vivam conosco, eles não nos pertencem. Dura constatação!

Hoje muitos adolescentes estão partindo para dar início a uma fase de buscas, de aprendizado, de novas experiências. Vendo-os carregar suas enormes mochilas, lembramo-nos de suas lancheiras, da primeira separação na creche, quando não se sabia quem sofria mais se mãe ou se filho, das apresentações no colégio, das festas dos amiguinhos, da casa cheia de crianças correndo, da cara espantada olhando para Papai Noel. Flagramo-nos, por fim, com um nó na garganta, olhos umedecidos e o peito apertado de saudades do filho que, muito provavelmente, encontra-se alheio ao vazio que deixou em seu ninho .

E Gibran Khalil arremata com maestria: “Vós sois os arcos dos quais vossos filhos serão arremessados ainda como flechas vivas”. Nós, pais, somos os arqueiros que lançamos nossos filhos para grandes voos, porém curvamo-nos no momento do arremesso. No entanto, logo nos reerguemos, não sem dor, mas, sobretudo, porque sabemos que, dormindo no berço ao lado de nossas camas ou em algum albergue no interior da Inglaterra, nossos filhos serão sempre nossos filhos.

Flechas vivas buscando um lugar no mundo.


Cultura na praça

Assim como as crianças esperam pela chegada do Papai Noel, os amantes da leitura esperam pela Feira do Livro. Sobradinho mostra sua preocupação com o futuro quando reserva em seu calendário anual um espaço para se plantar a base do conhecimento.

Minha alegria renova-se a cada ano quando participo desse nobre evento. Em meio ao colorido do artesanato, a alegria das apresentações teatrais e musicais no coreto, avista-se ele, o dono da festa, o livro, que, mesmo em silêncio, grita aos quatro cantos o imenso poder que possui de “abrir horizontes e ampliar a visão de mundo”, como já perfeitamente escreveu Eda Bridi.

Corro os olhos pela praça tão linda e percebo uma quantidade expressiva de gente alegre e muito à vontade entre livros, histórias, poesias. Há que se acreditar num futuro melhor sempre que se percebam crianças com livros em sua sacolinha. Parabéns a todas as famílias que reconhecem a importância da leitura e levam seus filhos, netos ou sobrinhos à praça nesses dias em que a cultura se esparrama sem cerimônia e reina soberana.

Reconfortante constatar que nossa cidade tem maturidade suficiente para saber que “gasto em cultura” é um termo ultrapassado. Tudo que se faz em cultura denomina-se investimento, porque é uma aposta certeira que se faz para um porvir sempre mais promissor. “Sobradinho abre as portas para o futuro”, muito bem salientou Luiz Coronel, o patrono da 19ª Feira do Livro de Sobradinho.

Pode-se tomar gosto pela leitura em qualquer fase da vida, mas as estatísticas comprovam que crianças cujos pais leram para elas na primeira infância tornaram-se adultos muito mais inclinados a desenvolver o hábito da leitura do que aquelas que não vivenciaram essa sensacional experiência. Logo, vale a pena incluir a compra de livro na despesa mensal, mesmo sabendo que o preço do livro no Brasil é um absurdo.

Com um livro em mãos, o pensamento ganha asas e agiganta-se. E uma vez pensando grande, nunca mais se pensa pequeno, porque uma mente que se abre nunca mais se fecha.

O livro tem esse poder. Acredite. Invista.

Eduardo Luiz Zago

Harpejos da alma


Os harpejos da minha alma

São cordas desafinadas

São harpas enferrujadas

Que o tempo já esqueceu,

Passado que ao vento se perdeu.


São canções que a voz

Não canta mais.

É viola, harpa, violão

Que só choram meus ais.

Já não têm mais afinação

Acordes não mais existem

Apenas o que ainda insiste

É a vontade de viver

Mesmo que desafinada

Minha vida em solidão

Toco harpejos da paixão

Nas cordas do pensamento

E na partitura da dor

Nas notas de um coração

Que sangra de puro amor.


Manto de estrelas


O céu salpicado de estrelas

É um manto na distância a nos encobrir

Na imensidão da hora morta,

Cada estrela é um pirilampo

Que nos empresta sua luz,

Que brilha no infinito

Manto tão bonito é o céu

É teto dos que não têm,

É visão do além perdido no horizonte

Onde o céu se une aos montes

Ali se estreitam e se confundem.

Estrelas e pirilampos, céu e montes

Linda paisagem essa nobre confusão

De encantos da natureza,

Que mais parecem miragem

Que surgem na noite escura.

Feliz daquele que deixa aflorar a sensibilidade

Para ver neste quadro a pintura tão real

De beleza sem igual,

Que Deus criou com enorme perfeição

Num momento de inteira inspiração

E fez da mãe natureza encanto

Um paraíso de grande e eterna beleza.

Céu, nos dê teu manto, mande as estrelas brilharem,

Mande-as nos guiarem além do horizonte

E nos faça cruzar montes

Por mais escura que seja a noite.

Por mais que possamos nos perder,

Enquanto houver estrelas brilhando,

Os caminhos se tornam mais claros

E o céu que nos conduz

Para sempre nos levará

Para um caminho de luz.


Saudades do que não tive


Viajo nas asas do vento

Revivendo meus momentos

Que vivi e não vivi

Paisagens que nunca vi

Amores que nunca tive

E mesmo assim os perdi.

De lugares a que nunca fui

De lágrimas que não sequei

De beijos que não dei,

De noites que não passei

Com quem queria passar,

De um amor que ainda quero ter.

Saudade de um amor que adormeceu,

Que não é meu, nem teu.

Saudade, por que só agora bateu?

Saudade, fica comigo,

Meu coração já muito sofreu.

E hoje, saudade, esse meigo coração é teu

E para sempre será teu.

Agora sinto saudade de paixões que não vivi,

De carinhos que nunca tive, mas mesmo assim senti,

Onde foi não lembro,

Quando foi também não sei,

Só sei que tenho saudades

De alguém que não foi meu ...


Tristezas repartidas


Vi o teu olhar, olhando para o nada,

Tua vista cansada de tanto chorar,

Teu olhar para o horizonte parece esperando a volta de alguém.

Te vendo tão triste também fraquejei

E prantos sentidos com a alma chorei.


Por você e por mim chorei

Pois ao te ver assim tão triste

Da minha própria tristeza naquela hora chorei

E apenas lamentei não poder estar ao teu lado

Para chorarmos abraçados a nossa dor parecida

Repartindo um pouco a tristeza de nossas vidas.


Viola do coração


Nas cordas da minha viola

Ouço o som da minha vida,

O eco da minha alma

E o pulsar do meu coração.

Nos acordes, eu acordo

Minha dormente paixão

Desde o mi até o dó

Meu pensamento é um só.

Então nas cordas que choram

Minhas dores que afloram

De dentro do peito meu.

E quando geme a viola

São os gemidos meus.

Aí meus dedos se perdem

Entre as quintas e oitavas

E fazem chorar ainda mais.

Parecem estar dizendo

Que quem foi não volta mais.

Entre sussuros e ais,

Choramos juntos abraçados,

Eu, a viola e meu coração “xonado”.

As cordas chorando

Vão levando minha canção

Para quem, talvez,

Nunca mais venha me ouvir.

Mas só em saber que toco,

Pensando em minha querida,

Minha viola tem mais vida

E a canção tem mais amor

E, nesse abraço sereno,

Diminuir a minha dor.


Saudades e lembranças


Quando a saudade bater

na porta do coração,

Deixo que ela entre,

e pergunto: por que veio?

Não me responde a malvada,

Porque saudade é silêncio,

Então deixo que fique como intrusa visita,

Indesejada, mas que insiste em ficar.

Aproveito sua presença,

tomo-a por companhia,

Viajamos abraçados, volto no tempo,

Ruminando meu passado.

Assim que ela me deixa,

Volto aos meus devaneios,

E sinto por meus anseios

Que a saudade que sinto

Nem é tão indesejada

É parte da minha vida que volta

Revestida de tantas lembranças

Tantas ...

Que por vezes me fazem mal

E outras me fazem bem

Mas sempre que ela volta

Só me resta recebê-la

E suas razões aceitar

Porque saudades e lembranças

São eternas em nossas vidas

E sempre irão nos acompanhar.


Mundo de sonhos


Se sofro sozinho,

É porque não consigo,

Ao menos de longe,

Agora te ver.

E nesse calvário

Entendo que a vida

Também é vivida

Pra gente sofrer.


Mas restam os sonhos

E neles ainda posso

Sempre te ver.

É esse o único direito

Que posso ter.


Nos sonhos te abraço,

Te amo, te tenho,

Nos sonhos venho

Ao teu lado ficar,

Ao menos ainda,

Consigo sonhar.


Nem sei se dormindo,

Não sei se acordado

Num mundo fechado

De sonhos somente

Ao mundo não ouso

Dizer que sonhei.


São sonhos fiéis

Que guardam pra si

Momentos distantes

Trazidos pra perto,

Tão perto de mim.


Se agora posso

Olhar nos olhos teus

Pegar tuas mãos

Deixar na tua face

A doçura de um beijo.


Matar o desejo,

A fome e a sede

Que causa o amor.


O mesmo desejo

Que fere e mata

A gente de dor.


Mas sonho contigo

E posso sonhar.

Então sou feliz

Pois tenho guardado

Em tudo que vivo

Os sonhos que tenho

Os sonhos que tive

O sonho vive

Ardendo em mim.


A chama que arde

O sonho não conta,

O sonho é segredo

Em cofre escondido

E o amor reprimido

No sonho se esvai.

Amo você

Feroz e voraz

Com ganas de alguém

Que amasse outro alguém

Pela última vez.


O sonho não conta,

É fiel confidente,

É amigo da gente,

Que escuta e entende

A mágoa e a dor

Daquele que sonha

Dormindo, acordado,

Que sofre, que chora,

Que ama e aceita

O destino que tem

De sofrer por amor.



Sentido da vida


Quem disse que existe

Um começo, um meio

E também um fim?


Será que é assim

Se, às vezes, o fim

Nem chegou a começar?


Se, às vezes, se morre

Sem antes nascer,

Se, às vezes, se nasce

Para nunca viver?


Se, às vezes, se ganha

Sem nunca jogar?

Às vezes, se perde

Sem ter que apostar.


Os meios que temos,

Se eles são tantos,

Poemas, canções,

Por vezes são poucos

E insuficientes

Para a voz da razão,

Mas para o coração

Já são o bastante

Para se começar,

Embora sabendo

Que possam ser poucos

Vale a pena ainda tentar.


Se falta o começo,

Quem disse que falta?

E os meios são poucos,

Quem disse são poucos?

Então o fim

Pode não chegar.

Afinal, dizem,

O que não começa,

Não pode acabar.


Mas como não pode?


Se há tantos no mundo

Que apenas nasceram,

Mas nunca viveram,

Passaram pela vida

Que foi tão sofrida,

Amor não recebeu,

A vida morreu.

Acabou-se, enfim,

Pra quem nunca teve

Da vida um começo,

Não teve um meio,

Mas teve tão triste

Da vida o seu fim.


Encruzilhadas


Caminho cansado,

Meus pés já nem sinto,

Me vou devagar

Pra onde não sei.

Caminhos trilhei,

Meu ratro disperso

O tempo apagou

E a vida passou,

Passou sem parar.

A vida não para,

E o tempo se vai,

Meu sangue se esvai,

Manchando o destino

Da vida cruel.

As chagas do tempo

Se perdem ao vento

E são tão amargas,

Com gosto de fel.

Ao longo da estrada

Vejo encruzilhadas,

Onde, indeciso,

Não sei qual seguir,

Não sei pra onde ir,

Meu rumo é incerto,

Meu mundo um deserto,

Ruínas e pó,

Que o tempo esqueceu.



Loucura, minha parceira


Se um dia a loucura bater

Junto à porta do meu coração,

Direi que seja bem vinda,

Contanto que me traga compaixão,

Contanto que seja parceira

Das horas insanas,

Que traga com ela alento

E conforto para a alma

Que traga a calma

E a paz da loucura

Que seja tão louca

Que seja tão pura

Seja verdadeira, sem falsidade

Que me seja a eterna loucura

Do amor, do afeto e sinceridade.


Definição


Tentei definir você

Em versos numa canção

E a maior inspiração

Encontrei no teu olhar

E então me pus a pensar

Quantos e quantos mistérios

Guardados nos olhos teus

Que já não posso querer,

Sequer, tentar desvendá-los.

Não posso tampouco imaginá-los,

Pois fogem dos olhos meus.


Tentei definir você

Na mais doce quimera.

Vi em teu sorriso as estrelas

A brilhar no infinito,

Tão distantes estavam elas

Que não pude alcançar

E fiquem a imaginar

Do teu sorriso o esplendor,

Suavidade e encanto.

É por isso que em meu canto

Quero cantar teu sorriso,

Pois é dele que preciso

Para buscar inspiração

E definir através de canção

Teus encantos de princesa

Presente que a natureza

Regalou só para ti,

Pois tens do anjo a candura

E a graça do colibri

E tudo em você sorri

Com meiguice e ternura.


Tentei definir você

Com um milhão de palavras.

Não achei no dicionário,

Me faltou vocabulário

Para descrever teus encantos

E assim não fiz cantos,

Não fiz versos,

Nem canções.

Também não encontrei

Nas perfeitas belezas,

Alegrias e tristezas,

Nas coisas da natureza

Do vasto mundo sem fim

Algo que pudesse, enfim,

Ser comparado a você.


Não há nada neste mundo

Que hoje eu possa fazer

E nem ao menos dizer

Palavras, versos, canções,

Para mostrar teus encantos

E para definir você.






Escuta-me!


Se um dia ouvires na voz do vento

Como se alguém te chamasse,

Não liga para isso não,

Pois serei eu que te chamo

Na voz do vento que passa,

Levando o meu lamento.


Se já disse que te amo,

Que te adoro e venero,

Se já disse que te espero

E não viste para mim,

De que adianta o sopro do vento

Levar a ti o meu lamento?


Se não queres escutar,

Se não puderes me amar,

Nem o vento, nem o mar,

Nem estrelas, sol, luar,

Nem um jardim pra ti,

Nada vai te trazer aqui,

E eu sigo meu caminho.



Canção da chuva


A chuva mansa parece cantar,

Os pingos caem e se põem a rolar,

São gotas serenas que vêm do céu,

Trazendo cantigas que fazem pensar.


Quando trovoadas rugem no espaço

Feito o rugir de bravo leão,

Bate no meu peito triste saudade

E fico entediado com a solidão.


Mas ouço de novo da chuva a canção,

Então me alegro, pois eu tenho,

na chuva, uma grande parceira.

Seus pingos molhados que caem do céu

Às lágrimas se juntam dos olhos meus.


Lágrimas que caem do infinito choram por mim.

Então nesta hora, a chuva que chora,

Que canta e que rola nas pedras do chão,

Levam consigo um pouco de mim,

Pois levam pedaços do meu coração.

Índio Cândido

Uma aventura na Amazônia


Seria uma viagem longa, mas segura, segundo todas as indicações. Era um avião de seis lugares e confortável, apesar de parecer um tanto velho, descuidado, com aspecto de sujo. O piloto era gordo, mal vestido e suava muito, mas tinha ótimas referências quanto ao conhecimento técnico, ciência da região, o que era fundamental para aquele tipo de viagem sobre a floresta amazônica.

Nosso roteiro era de Rio Branco, no Acre, até Tabatinga, no Amazonas, bem na confluência da tríplice fronteira: Brasil, Colômbia e Peru. Deveríamos fazer uma escala para reabastecimento em Rodrigues Alves ou Cruzeiro do Sul, no Acre, cidades bem próximas uma da outra, na fronteira com o Estado do Amazonas. Ao aproximarmos dessas cidades, a informação por rádio sobre combustível, situação de pista e facilidade de pouso definiria onde seria o abastecimento. Essa era a perna mais longa de nosso trajeto; daí até o destino final poderíamos ir com o abastecimento completo dos tanques após essa parada.

Levantamos voo às 12 horas de uma sexta-feira, com a carga máxima permitida para aquele tipo de aeronave, seis pessoas mais as bagagens. Eu era o único brasileiro; todos os demais eram estrangeiros: um casal americano, que estava em viagem exploratória pela Amazônia, dois homens peruanos e mais o piloto. Todos nós tínhamos compleição física avantajada, o que aumentava o peso. Parte da bagagem dos americanos não pôde ser embarcada, ficou no aeroporto de Rio Branco pelo excesso de peso.

O tempo de voo previsto entre Rio Branco e Cruzeiro do Sul era de aproximadamente três horas e meia até quatro horas em voo de cruzeiro, baixo, sem forçar os motores para economizar combustível, com controle visual. Os aparelhos de segurança eram: comunicação por rádio, radar e GPS de bordo que indicava a direção segura para voar, caso fosse necessário, pois o piloto conhecia muito bem a região.

As primeiras duas horas e meia de voo foram excelentes. Sentei ao lado do piloto e tive a oportunidade de assistir às manobras e procedimentos de taxiamento, comunicação, leitura do radar de bordo e outras ações do piloto, Sr. Romero. Logo identifiquei que ele era boliviano com situação irregular no país, mas pilotava aviões com licença especial, segundo ele, ao justificar o porquê estava pilotando aviões sobre a Amazônia e transportando passageiros. Fiquei com medo da situação, mas relaxei, afinal a viagem estava perfeita. Os demais passageiros estavam atrás, isolados da cabina de comando por um vidro.

A partir da terceira hora nossa tranquilidade acabou ao enfrentarmos uma chuva forte com vento, raios, trovões e pouca visibilidade. Tínhamos passado sobre a cidade de Feijó, que fica na fronteira do Acre com o Amazonas; ali o tempo ainda estava muito bom, com ótima visibilidade. Dez minutos depois, a situação ficou diferente, a chuva surgiu de repente sem muitos anúncios, surgiram nuvens escuras e o vento parecia soprar de todos os lados balançando a aeronave. O piloto informou que deveríamos subir um pouco para tentar escapar dos ventos fortes. Foi nesse momento que um raio iluminou toda a aeronave e o balanço foi forte. Notei o piloto preocupado, muito suado, falando palavras em código e muito agitado. Perguntei o que havia acontecido, mas não obtive resposta, só um olhar apavorado, parecia raivoso. O tempo mudou rapidamente para uma cerração, com nuvens plúmbeas bem baixas, e às 15 horas e trinta minutos parecia noite.

Insisti com o piloto e obtive uma lacônica informação: perdemos os instrumentos, não temos mais direção, agora vale tudo. Senti meu corpo amolecer, olhei para baixo e não via nada além de nuvens, coriscos de raios e chuva, muita chuva com cerração baixa. A chuva forte entrava pelas borrachas de fechamento das portas que estavam gastas. O ronco do motor da asa direita, mais próxima de mim, mudou o ruído, ficou um ruído intenso parecendo acelerado. A sensação de insegurança e de possibilidade de acidente era real. O voo continuou por muito tempo naquela situação, pouca visibilidade a não ser em alguns momentos um rasgo de nuvens nos indicava as árvores, sempre elas logo abaixo. O tempo de voo já tinha extrapolado quatro horas desde que decolamos em Rio Branco, e o pouco conhecimento adquirido com o piloto indicava que o ponteiro do combustível já tinha colado na esquerda, ou seja, os tanques estavam secos, mais em função do forçar dos motores para desviar da tempestade.

O Sr. Romero falou baixo, junto de meu ouvido: “vamos tentar a última cartada, vou baixar e passar as nuvens e tentar ver algo, pois podemos bater nas árvores”. Rezei um Pai Nosso e uma Ave Maria com um fervor que nunca soube que eu tinha. Foram longos cinco minutos. O ronco dos motores ficou mais suave, o avião começou a planar e descer. Segurei forte a maçaneta da porta e continuei rezando. O avião parecia voar em círculos, sem sair do lugar e embicou bastante. Consegui olhar para baixo e ver as árvores, a chuva tinha amainado um pouco, já era apenas uma garoa fina. Logo depois o piloto gritou alguns palavrões em espanhol, continuou gritando e o aparelho foi baixando. Vislumbrei uma nesga de terra roxa que parecia uma ravina entre as árvores, e o avião balançou muito, desceu planando e foi ali na pista de terra improvisada, muito pequena e estreita, que ele bateu no solo com bastante força. Foi um ruído estranho. Depois de pipocar na pista por muitos metros a asa esquerda tocou no chão e se quebrou. O avião rodopiou e ficou de frente para onde estávamos vindo, não sei quantos rodopios ele deu até parar.

Depois soubemos que estávamos entre os municípios amazonenses de Envira e Eirunepé, próximo do rio Tarauacá. A pista era clandestina, entendi logo que era uma pista de traficantes. O avião planou por falta total de combustível. Os traficantes que cuidavam da pista surgiram não se sabe de onde. Eram cinco, fortemente armados. Inicialmente foram hostis, mas logo compreenderam que nós éramos de paz. Os estrangeiros não notaram nosso acidente quase fatal, só depois de sentir o avião sem uma asa e com o trem de pouso danificado perceberam o quão perto da morte estivemos.


Uma noite terrível


Os homens que cuidavam da pista, ou estavam ali à espera de algum avião, pouco falaram, a não ser para dizer que, pela manhã, deveríamos desocupar a pista, pois chegariam dois aviões. Eram de pouca conversa e todos os cinco estavam armados com revólveres e duas armas longas, que depois eu soube se tratarem de fuzis, pois eles usavam um pano para escondê-las.

A noite chegou, e não tínhamos nenhuma decisão do que fazer. Pouca comida, alguns pacotes de biscoitos que foram trazidos pela senhora americana, que gentilmente ofereceu para todos, e este foi nosso jantar. Tinha água mineral em boa quantidade.

Resolvemos coletivamente que deveríamos dormir no avião, sentados porque não havia outro jeito. Os traficantes avisaram que era perigoso se afastar muito do avião. As necessidades fisiológicas, se necessárias, deveríamos fazer sob a asa esquerda que estava levantada e sobre a qual colocamos uma lona preta para fazer uma improvisada barraca, e era nosso banheiro. Foi uma noite terrível, com muitos mosquitos, ruídos diferentes, afinal estávamos na floresta amazônica, longe de tudo e sem saber onde estávamos. Os ruídos vindos da floresta eram aterradores, não conseguíamos identificar quem os produzia. O certo é que eram animais, e pela manhã nos informaram tratar-se de onças e macacos, mas não vimos nada.

Eu fui picado por mosquitos; só nos braços e rosto contei mais de cem pintas vermelhas no dia seguinte. Durante a noite tentei improvisar um repelente com pasta de dente mastigada com água e saliva espalhada nos braços e rosto, fiquei coberto de pasta dental e foi o que amenizou as picadas dos mosquitos.

Consegui dormir depois de muito tempo, e o amanhecer foi tranquilo. O sol irrompeu muito cedo, eram 5 horas da manhã. Os homens controladores da pista já estavam a postos, pressionando para arrastarmos o nosso avião para a beira da pista, e assim foi feito; eles nos ajudaram e conseguimos liberar a pista de pouso.

O nosso piloto, Sr. Romero, era conhecido de dois dos homens. Pela manhã, com a luz do dia, conseguiram se reconhecer e, a partir daí, tudo começou a melhorar para nós.

Depois de uma longa conversa com os homens, o Sr. Romero nos informou que teríamos que dividir o grupo e, quando da chegada dos dois aviões, teríamos possibilidade, dependendo dos pilotos das aeronaves que viriam, ter uma carona até a cidade de Cruzeiro do Sul.

Aproximadamente às 10 horas da manhã, a primeira aeronave pousou. Era um avião pequeno, monomotor, muito barulhento, parecia novo.

O piloto, Sr. Arthur, era amigo íntimo do Sr. Romero, e as coisas foram facilitadas. O casal americano e um peruano partiram nesse avião logo que descarregaram a carga: caixas de papelão pequenas, mas pesadas, que posteriormente eu soube tratar-se de armas desmontadas, contrabando, é claro.

Era quase meio-dia quando a segunda aeronave pousou. Eu e o outro peruano fomos convidados a entrar no avião acidentado com a recomendação de não olharmos para não vermos o que descarregavam. Não deu para esconder, era cocaína em grande quantidade, além de maconha e outras ervas que não conseguimos identificar. Só o Sr. Romero pôde ficar junto com os homens, e o piloto da aeronave que chegou, chamado João Batista, que inclusive ajudou a descarregar os pacotes.

Imediatamente fomos informados de que iríamos de carona nessa aeronave, só eu e o peruano; o Sr. Romero não poderia deixar o avião acidentado e ficou na mata.

Tivemos um voo bem tranquilo até Cruzeiro do Sul. Era um avião pequeno, monomotor, não havia bancos para sentar, ficamos acocorados na parte traseira, muito desconfortável, o teto era baixo, o odor era característico de maconha, segundo fui informado pelo piloto que gracejou: “Não dá barato, senhor, é só um cheirinho”.

Na chegada ao aeroporto de Cruzeiro do Sul, reencontramos nossos companheiros de viagem. A companhia proprietária do avião acidentado já tinha providenciado tudo. Nova aeronave chegaria de tarde a Rio Branco para continuarmos a viagem, o que de fato aconteceu. A outra parte da bagagem dos americanos, que havia ficado em Rio Branco, estava na aeronave que chegou às 14 horas. Embarcamos nesse avião de seis lugares, novo e muito bem conservado, com um piloto jovem, brasileiro, parecendo muito competente, se chamava Raul.

Quando todos estavam prontos para levantar voo, o piloto saiu do avião e voltou com um senhor grisalho, acompanhado de um mulato forte. Chegou junto da porta do avião e falou: “Solicito aos senhores que esqueçam e não comentem nada do que viram na selva, afinal suas vidas em primeiro lugar. Se a polícia for avisada, nós temos seus registros na companhia, não será nada bom para nós todos”.

Entendemos a mensagem, ele sorriu, não esperou resposta e saiu. O piloto aproximou-se novamente, tomou seu lugar e levantamos voo para Tabatinga, no Amazonas. Foi uma viagem boa, segura e tranquila. Chegamos a Tabatinga, nosso destino, às 18 horas, precisamente vinte e quatro horas após a previsão de chegada, a qual deveria ter ocorrido no dia anterior.

Eu nunca relatei antes esse fato de minha vida, somente para poucas pessoas. Passei um medo muito grande nessa viagem, mas entendi e tenho certeza, estive muito perto da morte. Tive grande dificuldade em continuar voando na Amazônia a partir dessa data para avaliar locais para construção de novos Resorts e Hotéis de Selva.


Juscélia Teresinha Da Cas Prade

O tombo d’água


Não sei ao certo

a origem desse nome,

tombo, queda ou cascata.


Não lembro o dia que a vi

pela primeira vez...

Só sei que é linda!


Recanto que desperta

vontade de sorrir, cantar, gritar...

um lugar perdido,

não consta no mapa,

também pra que?


É tão puro

quando desce o morro,

mis parece um véu de noiva

tamanha a brancura de sua espuma.


Tem o encanto de suas águas

que sussurram felizes

sobre as pedras claras

perseguindo caminhos que são só delas.


Pode-se ouvir o barulho da torrente

que rola doce e fria morro abaixo,

jorrando respingos de alegria sobre nós.


Toda atmosfera é um convite à paz.

Nada fala de nada.

Deixem-me ficar ouvindo o murmúrio de suas águas.

Murmúrio desse momento de rara alegria.



Percepção


Vejo-te com o olho oculto da percepção,

um olho que contém um misto de clínico,

de mágico que percebe as dores do coração

e da alma, também o sutil e o cínico.


Sinceramente prontifico-me a te analisar,

auscultar...sentir...perceber as tristezas,

mas não tenho condição

porque, sinceramente, não é a minha profissão.


Da natureza, do amor e do conforto

tenho todos os remédios atinentes,

o mais nobre e sentimental coração,

mas ajudar é impossível,

pois somos todos uma grande confusão.


Tenho vontade amar a toda hora, a todo segundo,

o desejo de ver a todos mais felizes e contentes

como se vivêssemos em um outro mundo,

mas me vejo alegre e feliz,

pois amo incondicionalmente.




Uma linda carta de amor


Toda noite,

do alto da montanha,

a luz do horizonte

aponta o meu caminho,

te sinto nos ares,

te procuro em pensamentos

e ouço teus passos,

correndo de estrela em estrela,

cansado de correr adormeço,

no frio da madrugada.


De repente sinto meu peito bater mais forte,

é você que me abraça,

então acordo

e te vejo tão lindo,

saltando de estrela em estrela,

então corro

e cansado de correr adormeço novamente,

no frio da madrugada,

sentindo o teu grande amor.



Tão comum


Ó Deus, procuro um emprego

já não tenho mais sossego,

já li o Salmo 23

que o homem tão bem o fez.


Quero ter fé no Senhor,

não compreendo isso tudo,

neste país miserável,

perdi a noção de tudo.


Sei que somos os culpados,

brasileiros não se esforçam,

pois somos nós os votantes

e aí está o resultado.


Brasil na Constituinte

vamos fazer o seguinte

à presidente na explanada

vai começar a chamada.


Enorme quantia de homens,

andando no dia a dia

tentando tirar dos homens

o que chamo de saberia.


Criam-se programas políticos

para eleger os safados,

enquanto os professores formados

são aos milhões desempregados.

Lisielle Zanella

E de repente ... a vida


Um dia você acorda, olha para seus filhos, e se dá conta que o tempo passou. Sim, é isso ai, os filhos cresceram. Você resolve apreciar as fotografias de seu casamento e percebe que as fisionomias e aparência de ambos são muito distintas, afinal, surgiram rugas, cabelos grisalhos (ou a falta deles), a estética apresenta alterações “brutais” entre tantas mudanças próprias de um testemunho que o tempo se foi, passou. No entanto, constituiu-se um patrimônio familiar com a vinda de filhos saudáveis e vigorosos, que lhe representam esperança pelo próprio seguimento do ciclo da vida. Veio a maturidade de entender muitas coisas de forma ampla e diferente que o tempo da juventude. Enfim, as experiências da vida dura ou jeitosa nos guinaram para a evolução. A forma física mudou vertiginosamente. Além do corpo, as relações também mudaram, as atenções são outras.

Quem de nós já não testemunhou o fim de um casamento de quinze, vinte, trinta anos por razões diversas? Encantamento por outra pessoa, incapacidade em superar diferenças, falta de tolerância. Tudo que foi construído conjuntamente ao longo de anos passa a perder por inteiro o seu valor e se realizam novas opções. A possibilidade de outra biografia é algo tentador, seja pessoal ou profissionalmente.

Então, impressiona o fato do quanto a vida nos surpreende com suas façanhas e nos faz refletir sobre as tendências que temos em adiar a nossa felicidade. Quem disse que felicidade é manter um casamento onde uma das partes já não tem mais amor? Felicidade por acaso é conservar um emprego enfadonho, que não proporciona qualquer tipo de prazer profissional ou pessoal? Felicidade é manter nossos filhos “em baixo das asas” sem dar- lhes a possibilidade de despontar para o mundo? Tenhamos claro: FELICIDADE nem sempre está relacionada a PERMANÊNCIA, ainda mais quando permanecer se torna uma prisão consentida. Afinal, a vida é maravilhosa, basta que não tenhamos medo dela. Embora o medo faça parte, ele não pode se tornar sensação rotineira.

O namoro acabou, o filho foi embora de casa, o emprego que parecia tão estável já era, o casamento não lhe serve mais. Tudo o que era tão sólido começa a desmoronar, e nos sentimos impotentes frente a tantas questões que independem de nossa vontade. Calma, o velho ditado ainda se aplica. Não há “mal” que não venha acompanhado de uma sensação de crescimento para o bem. Normalmente esses momentos permitem fazer uma análise justa e leal das nossas relações pessoais, pensar no quanto somos permeáveis e frágeis perante as decisões que precisamos tomar (ou que foram tomadas por outros e nos atingiram) e dos fatos que, cedo ou tarde, vamos enfrentar. É fácil nos escondermos atrás de nossos disfarces ou de conceitos que internalizamos e consideramos verdades absolutas. Mas quando nossa armadura não protege mais, ela escancara o ser frágil que a habitava.

Saber lidar com o inesperado é habilidade indispensável. Afinal, ninguém vai consertar o seu mundo sozinho. Ninguém é responsável pela sua má sorte, pela sua falta de tempo ou pela sua inabilidade em lidar com as imprevisibilidades da vida. Aquilo que é seu, só você pode resolver. E as soluções? Pode ter certeza, todas podem ser encontradas dentro de você mesmo.



Faxina interior

Preciso jogar tanta coisa fora. Sinto-me apreensiva antes mesmo de começar. Organizar roupas, calçados, livros. Roupas que usei em momentos de tamanha felicidade ou em momentos de tristeza. Calçados que tenho guardado há mais de 15 anos, aqueles com os solados gastos de passos que foram dados para alcançar lugares extremamente agradáveis ou lugares de desagrado total. Mas uma coisa é certa: as roupas, não voltarei a usar; os calçados, não calçarei mais. Passou, não quero mais.

E os livros? Aqueles que comprei por impulso e nunca li e aqueles que de que jamais me desfarei, pois são parte da minha essência. Seguidamente abro suas páginas e releio, pois eles me dão prazer e enchem minha vida de contentamento, sua leitura me proporciona prazer a satisfação. Acertei em comprá-los.

Além disso, antes dessa faxina exterior, por vezes é necessário realizar uma faxina interior, e jogar fora: sentimentos ruins, pensamentos inadequados, coisas que não servem mais (não apenas para o corpo) para a mente e para o nosso equilíbrio pessoal.

Essa faxina interior serve para nos livrar dos aborrecimentos e das máscaras, que muitas vezes insistem em permanecer conosco para proporcionar a sensação de força e poder. Pouco adianta jogar coisas (roupas, calçados, objetos) fora se insistirmos em manter em nós aquilo que não podemos mais conter em nossos sentimentos e em nossos corações.

A roupa ajustou, o sapato apertou, jogue fora. Jogue fora tudo aquilo que não lhe serve, aquilo que não cabe mais. Que não funciona mais. Há coisas que não merecem conserto. Aquilo que precisa ser salvo, não merece mais ser salvo.

Ter consciência do que precisamos e merecemos é essencial para alcançarmos o equilíbrio emocional e físico, corpo e mente precisam caminhar juntos, estar em plena sintonia. FAXINAR É PRECISO.



Educar é preciso

A educação é o bem mais precioso que a Nação pode oferecer a seus filhos. Um grande país só pode se fazer com pessoas educadas. Então, há de se pensar no papel das instituições de ensino e nas inúmeras experiências que permeiam as atividades docentes neste Brasil inteiro, seja nas escolas mais simples dos rincões deste Brasil, aquelas onde só se estuda até a metade do Ensino Fundamental, ou aquelas onde milhares de alunos se empilham em salas de aulas apertadas de Ensino Médio nos grandes centros urbanos. Não importa a escola, o que importa é o que se aprende nela, e o que ela representa na vida de seus alunos.

Todos sabem dos problemas educacionais e deles falam. Difícil tem sido acertar, mesmo após tantas ações tomadas pelos governos, uma medida coerente para sanar problemáticas estruturais que se arrastam por décadas.

Educadora há 10 anos (e com uma modesta experiência na área educacional) não posso dizer que nossa profissão é só de prazeres. Não, não é. Todos sabem que dificuldades, desafios, salários baixos, infraestrutura inadequada, poucos recursos tecnológicos, colegas desmotivados e desvocacionados fazem parte da nossa rotina. Mas, para além dos problemas, é uma profissão de compromissos assumidos.

Mas sabe o que não nos deixa desistir?

O olhar curioso, a saudação diária, o abraço apertado e sincero daqueles que deveriam ser o nosso maior bem e o centro do processo educativo: os alunos. Educar pessoas e saber que somos referência para muitos deles nos faz seguir na caminhada. Creio que ao invés de tanto investimento em cursos teóricos seria muito eficaz um curso intensivo para professores “treinarem o olhar”. Existem muitos colegas insensíveis às necessidades dos alunos, aos pedidos de ajuda, aos anseios daqueles que clamam por ser apenas “vistos e ouvidos”.

Aqui cabe uma reflexão simples, mas muito eficaz: alunos aprendem mais e melhor quando gostam de seu professor. Pode parecer simples, mas nem sempre o é. Despertar amor, respeito e sensibilidade pode ser algo difícil para professores inundados em um mundo onde tais valores estão escassos. Não podemos educar sem planejar uma educação para os valores vitais. Afinal, a escola é uma etapa da vida que tem a incumbência de preparar para as próximas.

Não pode haver um amadurecimento da Pátria sem educação qualificada, sem acreditarmos no sonho, sem a construção de vínculos e afetos. Os alunos podem obter conhecimento em múltiplas esferas, mas quem os prepara para serem cidadãos somos nós professores, apoiados pela família. Jamais podemos nos eximir de tamanha responsabilidade, nada pode se sobrepor à significância das causas educacionais. EDUCAR É PRECISO.

PROFESSORES! Sejamos grandes em nossas pequenas ações. Nosso orgulho, nossa batalha: educar para a vida, para a esperança e para uma Nação sustentável.