Eixos Temáticos
Eixo 1: Por um outro futuro: História e Memória da Psicologia Social Crítica no Brasil
Ao escrever sobre a possibilidade de produzir uma Psicologia da libertação capaz de contribuir com a transformação da sociedade, Martin-Baró apontava para a recuperação da memória histórica dos povos oprimidos como elemento fundamental para a produção de novos modos de identificação que poderiam abrir horizontes para a sua libertação coletiva. Mas isso não significava a busca por reviver no presente um passado supostamente idílico, mas justamente a afirmação da possibilidade de produzir um futuro que supere as formas de exploração e opressão da sociedade capitalista. Ao retomar essa perspectiva delimitamos com ela nosso olhar sobre a História da Psicologia em dois sentidos: uma história do presente que nos coloca no caminho para o futuro, o que implica refletir sobre sua produção teórica e metodológica; e com isso reacender o debate a respeito do seu compromisso ético-político e de sua perspectiva sobre a transformação social. Em resumo: que Psicologia produzimos e para qual mundo ela aponta como supostamente possível? Se a Psicologia nas primeiras décadas do século XX esteve ligada às discussões sobre o ajustamento da população ao modo de produção capitalista e à subjetividade exigida por ele, a Psicologia Social Crítica marcava uma ruptura não somente pela elaboração de novas categorias para a análise da dialética indivíduo-sociedade, mas principalmente, por manter em seu horizonte ético-político a autonomia, a emancipação e a superação das formas de dominação capitalista. Em nosso tempo, diante da repetida impossibilidade de imaginar um mundo que supere as formas de dominação capitalista, torna-se importante abandonar os clichês, as palavras tantas vezes repetidas e quase esvaziadas de sentido para reacender não antigos debates, mas lançar-nos a um futuro. Em nosso tempo, faz-se necessário retomar o sentido da crítica e sua importância para a resistência e a ofensiva para uma práxis libertadora. Assim, esse eixo de trabalho tem o objetivo de acolher Rodas de Conversa que dialoguem sobre a História e o futuro da Psicologia e da Psicologia Social Crítica no Brasil diante da exigência e urgências da vida cotidiana e das lutas sociais.
Eixo 2 - “Tente mudar o amanhã”: compromisso ético-político na formação, ensino, pesquisa e práticas atuais
No final do século passado as manifestações artísticas brasileiras impulsionadas ainda pelo fim da ditadura civil-militar, identificaram a necessidade de crítica ao futuro que se anunciava e considerando o acirramento do modelo tardio do capitalismo no país. Tente mudar o amanhã, o primeiro álbum, de 1985, do Cólera, banda paulistana de punk rock, convidava a pensar sobre a escalada autoritária e, no álbum seguinte, sobre a busca Pela paz em todo mundo (1986). Essas discussões eram pertinentes à Psicologia Social à época e atualmente, quando novamente olhamos para a possibilidade de um outro futuro. O que a arte, a ciência e as produções humanas podem ter em comum é seu compromisso ético-político, como horizonte revolucionário. Considerando que o avanço do capitalismo produz ainda mais desigualdades sociais e, associada ao desmonte das políticas públicas, intensifica a miserabilidade da população e impulsiona antigas e novas formas de sofrimento ético-político, considera-se que esse processo possui nexos com as políticas públicas de Assistência Social, Educação, Saúde e Trabalho, entre outras, as quais registram a precarização da atuação dos profissionais dessas áreas, o que dificulta o acesso da população aos serviços de qualidade socialmente referenciada. Este eixo tem como objetivo reunir propostas acerca da formação, ensino, pesquisa e práticas atuais em Psicologia Social, que tragam reflexões teóricas e metodológicas sobre a constituição da práxis crítica, orientadas para a produção de uma sociedade democrática, mais justa e igualitária. Espera-se acolher relatos de pesquisa e experiências que apontem para a superação de concepções baseadas em preconceitos, estigmas e perpetuação da exclusão social e do sofrimento ético-político. Saberes que rompam com visões naturalizantes dos fenômenos psicológicos, que colaboram para a manutenção das relações de dominação e opressão, negando a responsabilidade do Estado e da sociedade em fenômenos de ordem psicossocial. Os trabalhos submetidos neste eixo poderão ser para qualquer das áreas e suas interfaces, em forma de resultados de pesquisas, relatos de experiência, propostas de atuação, estratégias de enfrentamento ao desmonte de políticas públicas, propostas para políticas públicas, dentre outros.
Eixo 3 - Um futuro pra chamar de nosso: coletivos sociais e seus movimentos de transformação
Em alusão ao título do livro Um teto todo seu, da escritora Virginia Woolf (1929), este eixo se inspira na práxis psicossocial de ações coletivas que, por princípio e ação, exigem e lutam por um futuro inclusivo - diante de tanta desigualdade social - e digno, para toda a diversidade humana. Poder ter um teto todo seu refere-se a conquistas em termos de autonomia e individuação que, por uma perspectiva materialista-dialética, implica na vigorosa defesa das instâncias coletivas que precipitam direitos e garantias à humanização dentro do processo civilizatório. Dessa forma, compreendemos os movimentos sociais como campo de produção de saberes, atividade política e de interesse coletivo que muitas vezes visam um projeto societário diametralmente oposto à sociedade capitalista, heteronormativa e patriarcal. Pois, como a autora negra e ativista Audre Lorde (2019) nos alerta, as ferramentas do senhor não desmantelarão a Casa-grande, o que significa que cotidianamente esses movimentos, comunidades e coletividades também se colocam frente a possibilidade de transformação da sociedade para além dos espaços institucionalizados e modulados pela lógica do capital. Dessa forma, convidamos estudantes, pesquisadoras(es), profissionais, militantes e demais interessades para refletir sobre saberes e práticas de ações coletivas e movimentos sociais que expressem uma práxis psicossocial de garantia de direitos e transformação das condições de opressão, discriminação e violência que a classe trabalhadora, especialmente os grupos sociais mais precarizados, e em intersecção com os marcadores discriminatórios, estão estrutural e sistematicamente submetidos. Assim, este eixo pretende fomentar discussões sobre reconhecimento, abarcando pluralidades, subjetividades, identidades, narrativas, epistemologias e métodos de interesse crítico-emancipatório e que, nas margens do status quo e da heteronormatividade, produzam deslocamentos, rupturas e metamorfoses emancipatórias. As disputas políticas e conquistas sociais exigem a assunção de uma perspectiva abolicionista, anticapitalista, antifascista, antirracista, antipatriarcal e anti-imperialista. A produção acadêmica e o exercício profissional não estão isentos destes domínios, como condição estrutural e também demanda para intervenção. As práticas autoritárias, coloniais e patriarcais, históricas em nosso país, solicitam que nos organizemos em torno do enfrentamento das violências, para a garantia de um Estado de Direitos que reconheça as nossas diferenças e pela distribuição equitativa dos recursos sociais.
Eixo 4 - Presente sitiado: Desigualdades sociais, pobreza, violências estruturais e sofrimentos no neoliberalismo
O atual cenário político-institucional brasileiro apresenta a urgência em discutir as contradições estruturais de nossa sociedade, as quais se revelam em pautas específicas ou na necessidade de produção de políticas públicas: entre as necessidades de defesa da classe trabalhadora e a legitimação de direitos civis, entre interesses internacionais e as demandas territoriais, entre medidas de distribuição de renda e reivindicações identitárias. Os desdobramentos dessas violências e segregações revelam as mais diferentes vulnerabilidades em nosso país e atingem toda a vida social, caracterizada pela lógica colonialista e neocolonialista que enfraquece a organização coletiva e os vínculos sociais. É no espaço da vida cotidiana que observamos as consequências das medidas governamentais e das políticas socioeconômicas, como a produção da fome, do sofrimento psicossocial, dos abusos no exercício de poder e das tantas formas de exploração e de violência. Neste contexto, a Psicologia Social pode se apresentar como uma ferramenta ético-política, aliada à profissionais, militantes e instituições, para o entendimento destes fenômenos históricos e também na elaboração de ações de superação e transformação das atuais condições de vida. Assim, este eixo propõe-se a acolher discussões, pesquisas, apresentações e experiências que tratem das questões relativas à desigualdade, à violência e ao sofrimento desencadeados no contexto das contradições históricas e estruturais da nossa sociedade. Serão aceitas proposições que possam contribuir para a compreensão da complexidade das violências estruturais, dos sofrimentos ético-políticos e de seu enfrentamento apontando as suas intersecções e transversalidades, e com a elaboração de subsídios para o desenvolvimento de práticas psicossociais que se coloquem em compasso com a transformação dessa realidade.
Eixo 5 - Os mundos do trabalho no presente capitalista e suas possibilidades de um futuro livre e emancipado
A contemporaneidade se revela como etapa da história da humanidade, que resultou da consolidação do modo de produção capitalista como sistema de relações econômico-produtivas, sociopolíticas e culturais, engendrado pela burguesia, intencionando garantir a sua hegemonia e o acúmulo de riquezas por meio da exploração e dominação de outras classes sociais, em especial, daqueles que são despossuídos e que sobrevivem do labor em suas distintas expressões. Neste contexto, as múltiplas formas de trabalho, observadas sob o capitalismo, se caracterizam pela destituição de pessoas e coletividades daquilo que constitui a humanidade, que é a atividade como práxis e como autoatividade. Os mundos do trabalho, erigidos sob o capitalismo, privaram as massas populacionais da sua atividade vital, própria do gênero humano, em favor da acumulação e expansão de riquezas obtidas e mantidas pela burguesia. Em síntese, como o oposto da autoatividade e da práxis temos, na atualidade, os trabalhos que se consubstanciam como desefetivação das pessoas, despojadas de liberdade, autonomia e consciência, em face da realização de uma laboralidade sem sentido concreto e subjetivo, realizada somente como meio de obtenção da subsistência e produtora de sofrimentos biopsicossociais. Este eixo pretende abrigar comunicações de práticas e de produções teórico-metodológicas sobre: a) os mundos do trabalho sob o capitalismo, incluindo as suas metamorfoses, a redução de direitos laborais, padecimentos, etc; b) o empoderamento de sujeitos para a reunião de forças coletivas capazes de ensejar a resistência, a rebeldia e o enfrentamento ao capitalismo e suas mazelas expressadas no universo da laboralidade; c) outras experiências que tenham como objeto o labor e a atividade humanas em perspectiva crítica e revolucionária aos contextos ocupacionais contemporâneos tencionando criar condições para a transformação do trabalho e da sociedade de maneira geral. Desta forma, o eixo acolherá relatos de investigações acadêmico-científicas, ações extensionistas e de estágios, vivências no campo das movimentações sociais e registros de experiências laborais em Psicologia e áreas conexas.