Apresentação

Silvia Lane, ao propor uma nova concepção de indivíduo e examinar a consciência como categoria fundamental da Psicologia Social Crítica brasileira afirmava que, parafraseando a décima primeira tese a Feuerbach redigida por Marx em 1845, não bastava à Psicologia Social descrever a realidade, mas que ela tivesse em seu horizonte a possibilidade de colaborar com a transformação da sociedade. Assim, Lane sumariou o movimento de crítica teórica, metodológica e ética que alcançou parte significativa da Psicologia Social na América Latina, como oposição ao fatalismo constituído pela violência dos processos coloniais e neocoloniais estruturantes do modo de produção e subjetivação capitalista. Fatalismo que, segundo Martin-Baró, como parte do processo de exploração e dominação, exige a sua superação e com isso a possibilidade de florescimento de novas relações sociais e de produção que colaborem para sobrepujar a sociedade capitalista. A produção de um novo futuro possui diferentes dimensões, refletir sobre elas, diante das insuficiências que se colocam nos projetos políticos  reformistas, se torna urgente.

Tendo na memória essas proposições das esferas críticas da Psicologia Social Latino-Americana, o tema do XVII Encontro da Abrapso Regional São Paulo é "Psicologia social na produção de um outro futuro: modos de (re)existência, lutas sociais e vida cotidiana". Com ele temos o objetivo ensejar reflexões a respeito da práxis de psicóloges sociais em seus diferentes espaços de atuação, oferecendo ao público participante do evento contribuições academicamente informadas e socialmente situadas sobre as possiblidades de edificação de um futuro efetivamente marcado pela ruptura com as formas de opressão e exploração capitalistas, elementos indissociáveis à categoria de sofrimento ético-político, conforme a sua elaboração por Bader Sawaia. 

Em outras palavras, o debate teórico, metodológico e ético possibilita  compreender elementos que modulam a prática e a produção de novas perspectivas e categorias sobre o sujeito psicológico e a relação dialética indivíduo e sociedade. Nesse movimento, a afirmação do compromisso ético-político da Psicologia e da Psicologia Social Crítica com a transformação da sociedade demanda avançar na elaboração desses termos e na compreensão de sua determinação em nossa prática cotidiana. Em oposição ao fatalismo, o Encontro da Abrapso Regional São Paulo se apresenta num movimento que reacende o debate sobre nosso futuro que reconhece na Psicologia Social alguma contribuição no sentido da construção de e um novo mundo. Assim, duas perguntas ecoarão em todo o Encontro: Qual Psicologia Social queremos e qual mundo ela, reconhecendo os seus limites, intenta produzir?  

O futuro se materializa na produção do presente, cuja conjuntura está demarcada por investidas do capital contra a classe trabalhadora, as quais se manifestam concretamente por meio de processos tais como a precarização do trabalho, redução dos direitos civis e sociais, gentrificação e segregação urbana, privatização dos recursos essenciais à vida, genocídios, explorações e desastres ambientais, perseguições e violências político-ideológicas, insegurança alimentar, encarceramento em massa das populações empobrecidas, medicalização e institucionalização de pessoas com sofrimentos mentais, machismos, LGBTQIAP+fobia entre tantas outras brutalidades e desumanidades.  Assim sendo a Abrapso São Paulo propõe que o seu Encontro seja dedicado ao exame e à dialogia acerca da transversalidade dos movimentos coletivos, sociais, políticos e comunitários, bem como os seus nexos com as políticas públicas, e que, sobretudo o evento seja capaz de ocasionar a produção, o registro e a difusão de saberes orientados para a construção e o fortalecimento de lutas coletivas e  modos de enfrentamentos, resistências e existências contrários ao capitalismo e suas estratégias de dominação e exploração, as quais forjam subjetividades e produzem sofrimentos psíquicos que atravessam a vida cotidiana e individualizam as questões ligadas à pobreza e às desigualdades sociais.