A inovação como culto a carga

Lanterna em inovação

Somos lanterna em inovação no ranking do fórum econômico mundial. Últimos colocados de 44 países. Desafio vocês a pensar de cabeça em 43 países, assim, rapidinho, que vocês imaginem que possam estar na nossa frente.


Isso não é nada inesperado: Somos há anos um dos países que menos forma engenheiros. Somos, de modo geral, muito fracos em ciências exatas e matemática como comprova o PISA e conseguimos a proeza de reduzir tanto nosso índice de complexidade econômica quanto nossa produtividade nas últimas décadas.


Tudo isso é uma cultura. Somos um pais de castas, quase feudal. Onde trabalhar e produzir algo com as mãos é feio. Coisa de escravo. Quem tem acesso ao conhecimento que dá capacidade de inovar aqui não têm acesso a recursos. E quem tem recursos, herdeiros e fidalgos em geral, não se deu ao trabalho de buscar uma formação mais técnica e difícil, que é a que ensina como fazer as coisas.

Ponto fora da curva, para baixo

Quase um terço dos mexicanos que faz faculdade cursa engenharia. Vocês ouviram bem: dá para se dizer que se Chaves, Chiquinha e Kiko fizessem faculdade um deles estaria em engenharia*. Isso não é excessão: quase metade dos chineses que conclui ensino superior opta por carreiras em engenharia e tecnologia. A população de engenheiros do Brasil é proporcionalmente menos da metade da do México e significativamente menor que a da Turquia.**


Somos um país em que um número desproporcionalmente pequeno de pessoas se interessa por carreiras tecnológicas. Quem não sabe fazer coisas, quem nunca produziu nada, quem não sabe como as coisas funcionam, como vai propor fazer alguma coisas de forma melhor? Alguma coisa inovadora? Falta até referência...

Empreendedores e inovadores

É por isso que brasileiro acha que empreendedor é quem monta uma franquia (empreendedor não é o mesmo que dono de empresa). Também por isso o papo de inovação aqui é tão vazio e desqualificado. Apenas mais uma "buzzword" que foi adicionada ao repertório dos gurus de comunicação e negócios e repetida até ficar desprovida de todo o sentido.


Já ouvi milhares de matérias brasileiras falando que inovação nem sempre é tecnológica (como essa, ou essa, ou essa). Por outro lado, se contam nos dedos as matérias brasileiras sobre inovações de cunho tecnológico. É literalmente o mundo de cabeça para baixo: A vitória da aparência sobre a essência.


É verdade que inovação nem sempre é tecnológica, só o que esquecem de dizer é que a imensa maioria das inovações bem sucedidas é técnica, senão tecnológica. Embora famosas, pouquíssimas são as sacadas geniais de pessoas "comuns". Quem inova costuma estar na cadeia de produção.

A inovação como powerpoint

Empregamos poucos engenheiros para o tamanho da nossa indústria e temos pouquíssimos setores que conseguem exportar manufaturados. Dois claros indicadores de um setor empresarial de baixa tecnologia que importa equipamentos antigos e produz apenas para o mercado interno. Nossos principais lideres empresariais são herdeiros de setores de baixo valor agregado. São também os primeiros a fazer amplos discursos contra as formações tecnológicas e a favor de cursos rápidos e operacionais.


No Brasil, quem fala de inovação é porque tem o capital e os contatos e se acha inovador. Por isso vemos milhares de planos de negócios "inovadores", PowerPoints lindos e muitos, muitos, muitos Apps calcados em ideias que deram certo lá fora. Ou seja, tudo aquilo que alguém poderia pensar se sua única fonte de referência fosse a literatura popular de negócios e sem nunca pisar em uma planta industrial, laboratório ou empresa que produza algo.


Parafraseando Feynman***, não é porque tem gente falando em inovação, com planos de negócios, aceleradoras e gurus que todas essas coisas sejam de verdade.



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* Curiosamente Roberto Bolaños, o Chaves, cursou Engenharia Elétrica, embora sem concluir.


** Mais assustador que isso é que não há escassez mesmo assim. Pior que termos desproporcionalmente poucos engenheiros é imaginar que, por alguma razão, nossas industrias não os demandam. Não é de se estranhar a baixa produtividade: criamos uma cultura em que ela não é necessária. Pensem nos Pólos Navais: se por decreto se constroi quase que um estaleiro por plataforma, a busca da produtividade aparece bem abaixo na escala de prioridades.


*** Falando sobre a baixa qualidade do ensino de ciências no Brasil o Nobel de física Richard Feynman comentou que uma dada pessoa era "... naive to think that because he saw a university with a list of courses and descriptions, that’s what it was." A idéia é de que não a aparência e a burocracia de uma universidade não faz dela uma universidade. O título do post é uma referência a outro texto famoso dele sobre o tema similar "Cargo Cult Science" em que ele fala que não são os rituais e a aparência de ciência que a faz ser ciência. Nos dois casos o que vale é o conhecimento que funciona. Digo que o mesmo se aplica a inovação.


Para ler mais:

Entre a inovação e o rentismo

A falta de inovação

Tecnologias que pulam etapa

De onde vem a riqueza