Other writings

Work on a technological institution in the frontier is usually a challenge. There are many aspects of local culture, logistics and society that may cloud and even, sometimes, get in the way of the entire purpose of your work. I have been with tech education and R&D collaborations here, in the extreme south, for more then a decade. While doing so, specially when your institution has the regional and technological development as a mission, you get yourself asking some questions like: What is actually technological developmente?

In this page I keep some articles I wrote for a general audience, some of which were published elsewhere but are no longer available. In these writings I tried to organize my own ideas discussing some of these issues that are more about how technology, development and society interact than about the technology proper. It is probably something very few people will find interesting.

You have been warned.

O exército dos heróis do passado (junho, 2014)

Já tinha lido esse texto do Neil Gaiman, mas vendo de novo aqui, faço questão de compartilhar. Quem me conhece bem sabe que leio e gosto muito de ler. A maior parte dos livros na minha casa é ficção. Boa parte de minha visão de mundo veio da leitura de mundos imaginados por pessoas que não conheci.


Não sou chato quanto ao que leio. Nem pretendo ser letrado... (CONTINUAR>>>)

Engenharias em baixa? Não, apenas preconceitos em alta ... (junho, 2014)

O que se espera quando um editorial de um grande jornal coloca como título "Engenharias em baixa"? Dados mostrando a redução da procura de egressos do curso era o que eu esperava. Alguma tragédia, alguma catástrofe. No mínimo, eu esperava alguma pálida indicação de que o mercado de trabalho poderia estar desacelerando...


Mas, como eu descobri após ler preocupado, não vai achar nada disso quem ler o recente editorial da Folha de São Paulo com esse título... (CONTINUAR>>>)

O capital no século XXI e a renda imobiliária (fevereiro, 2020)

A ilusão de profundidade explanatória (maio, 2013)

Estava lendo sobre "ilusão de profundidade explanatória', que é o fenômeno segundo o qual o enquadramento de uma pergunta pode te fazer ter a falsa noção de que entende profundamente o assunto.


Achei muito curioso como isso me lembrou uma passagem do Feynman (o famoso físico e prêmio Nobel) quando lecionou no Brasil por um ano na década de cinquenta e ficou muito chocado ... (CONTINUAR>>>)


A inovação como culto a carga (maio, 2015)

Lanterna em inovação

Somos lanterna em inovação no ranking do fórum econômico mundial. Últimos colocados de 44 países. Desafio vocês a pensar de cabeça em 43 países, assim, rapidinho, que vocês imaginem que possam estar na nossa frente (CONTINUAR>>>).



Um Aeromóvel vitoriano (outubro, 2012)

De onde vem a riqueza (outubro, 2012)

Muitas vezes vemos o peso que ainda tem na nossa forma de ver o mundo aquela noção de que as coisas que tem valor são aquelas que vêm da terra. As chamadas riquezas naturais. Essa visão não é nova: Dona Maria, a louca, na carta em que desautoriza manufaturas no Brasil dizia isso claramente e com todas as letras. Para ela, a indústria era uma perda de tempo já que o valor real estava nos bens que provinham da terra.


Quando vemos um ministro de ciência e tecnologia dizer que a Amazônia é uma grande fonte de riqueza biotecnológica vemos a persistência dessa visão "extrativista" do valor. (CONTINUAR>>>)

<><><><><SÓ REORGANIZEI OS TEXTOS ATÉ AQUI><><><><>

O primeiro computador pessoal produzido em massa na América Latina (novembro, 2015)

"In Brazil several manufacturers developed clones for models I/III/IV. Dismac series D8000/D8001/D8002 (all three Model I clones) were the first personal computers manufactured in industrial scale in South America."


Eu aprendi a programar em um D8001 comprado em 1982. BASIC embutido, monitor de 64 colunas em fósforo verde, 16 KBytes de memória. Vinha com um manual de operação (amarelo) um manual de Basic (marrom) e um manual técnico em branco com todos os esquemáticos da eletrônica do micro em tamanho A2.


A compra foi feita pelo meu pai, engenheiro civil, que o usava para algumas coisas em cálculo estrutural. Foi adquirido naquela na maior loja de informática do estado. No fim era pouco útil e o principal usuário fui eu. Mas seus 16Kbytes de memória RAM eram muito limitados. Depois de me incentivar a seguir esse caminho seu uso foi caindo. Parei de usa-lo quando o monitor começou a ter problemas de sincronia e ele foi para o quartinho de depósito em alguma das nossas mudanças de casa.


Ficou guardado por décadas. A última vez que liguei ele, em uma visita a meus pais e já em pleno século XXI ele ligou o monitor e exibiu o prompt "Ready>", por alguns instantes mesmo com problemas de sincronia de monitor. Agora procurando online descobri que foi o primeiro computador pessoal que foi manufaturado em escala industrial na América latina. Até fotos dele são difíceis de encontrar. A foto mais comum na rede é de um modelo diferente, o D8002 e usando uma tevê como monitor.


Soube recentemente que o D8001 de minha infância foi descartado há pouco mais de um ano. Já então tinha trinta e dois anos e era provavelmente um dos últimos remanescentes do modelo. Talvez o último que ainda ligava.


Nele aprendi Basic e Assembly Z-80. Nele aprendi a codificar e escrevi meus primeiros jogos. Por causa dele aprendi mapa de memória e fui ler um livro de álgebra booleana antes de completar o primeiro grau. Foi tentando entender os seus diagramas técnicos que decidi que seria um engenheiro eletrônico.


Durante anos tive a ideia de ressuscita-lo para fazer um terminal retro em fósforo verde apenas para acessar algum single board PC. Um player de música com interface texto seria um belo projeto de férias e era essa a razão de eu estar atrás dele no depósito da casa de meus país.


Fiquei triste que o caminhão do lixo tenha sido o seu destino. Era um dos poucos objetos de memorabillia que eu queria ter quando comprasse uma casa.


No final era apenas um objeto, mas poucas vezes senti tão claramente a volatilidade do passado


Carros, elevadores e cidades (maio, 2015)


Segundo o professor Edward Gleisser em seu livro Triumph of The City, cidades se estruturam e constroem de forma determinante pela maneira como as pessoas se transportam. Assim, algumas cidades são densas e verticais como Nova Iorque, totalmente estruturadas em cima de elevadores e metrô. São, de modo geral, cidades onde pessoas vivem em apartamentos e as compras são feitas na rua, em belas lojas tradicionais e calçadões. Nessas cidades os metrôs são extensos, APMs (Automatic People Mover), tramway (nosso velho bonde) e calçadas rolantes são comuns e os prédios são altos. Muito altos. É possível ser adulto sem saber dirigir em cidades como Vancouver ou Nova Iorque.


Outras cidades se espalham por uma vasta área de prédios não muito altos com pessoas vivendo em subúrbios e se deslocando principalmente de carro. Nessas cidades (como Los Angeles) autopistas, elevadas e garagens publicas são fundamentais, os deslocamentos são quase todos feitos em carros ou veículos dedicados (ônibus da empresa, ônibus escolar). Nelas também, os centros abertos e ricos em comercio foram substituídos por vários concentradores comerciais fechados, localizados próximos aos grandes bairros e com estacionamento. Esses concentradores são o que chamamos de Shopping Centers (e os americanos chamam de Shopping Mall).


A escolha de um modelo ou de outro traz consequências: Se queremos um transporte predominantemente baseado em metrô, temos que pensar em uma cidade de área mais compacta, ou formada por um conjunto de núcleos compactos e densos. Se queremos uma cidade onde todos moram em casas no subúrbio precisamos de autoestradas e garagens públicas.


Apostar em espalhamento urbano e depois dificultar o veiculo individual com a desculpa de que se quer privilegiar o coletivo, é uma contradição em termos. E, se levado a sério, uma farsa. Uma cidade espalhada nunca vai viabilizar transporte coletivo de qualidade. A conta não fecha. O que fazemos é, na verdade jogar para os cantos, sem pensar a população que trabalha, sem lhe dar qualquer alternativa decente de locomoção.


Como cidades não são planejadas tudo o que se pode fazer é incentivar um modelo ou outro com políticas que privilegiem a densidade ou o espalhamento. O efeito dessas políticas é bastante rápido e, em parte, isso pode ser visto nas trajetórias divergentes em termos da urbanização de Pelotas e da região metropolitana de Porto Alegre.


O primeiro passo quando se pensa em transporte é se pensar naquilo que não se move: onde estão os prédios, casas e trabalhos de todos.


Para ler mais:

REW: Manchas urbanas

Cidades que encolheram

Cidades Fantasma

A cidade em minutos e horas

A chaminé e a formação profissional (novembro, 2012)

Sou de Canoas, na região metropolitana. Ao vir para o CEFET-RS, em 2005, abracei de forma integral a proposta de educação profissional abarcando todos os níveis de ensino. Meu concurso era para lecionar disciplinas de comunicações digitais na então graduação em Sistemas de Telecomunicações (TST), que mais tarde foi incorporada a Engenharia Elétrica. Além de lecionar a noite no TST, complementava a carga horaria com aulas diurnas no Curso Técnico de Eletrônica e, mais tarde, na graduação em Automação Industrial (TAI)*


Minha formação é de engenheiro. Me formei no centenário da Escola de Engenharia da UFRGS. Por conta das celebrações da data fiquei sabendo de algo que poucos enfatizam: que a Escola de Engenharia é mais antiga que a UFRGS. Foi fundada no final do século XIX e se chamava Escola de Engenharia de Porto Alegre.


Também poucos sabem que a Escola de Engenharia foi criada junto com um Instituto Técnico Profissional e um Ginásio. Essas instituições que eram uma só foram desmembradas durante a federalização da antiga URGS. A Escola de Engenharia foi incorporada a universidade federal**, o ITP se tornou a Escola Técnica Parobé e a Escola Julio de Castilhos foram mantidas sob controle estadual.


A chaminé


Tive aulas no Instituto Eletrotécnico da UFRGS, que é o mais antigo da América Latina. É desse prédio a foto que abre esse post. O prédio, onde ainda hoje se ensina engenharia elétrica, foi construído no século XIX para abrigar uma geradora termoelétrica que abastecia a escola e todo o campus.


Ao lado da geradora foram construídos pavilhões de manutenção no térreo e salas de aula em um andar acima. Ali eram ensinados os técnicos de manutenção e os, então chamados, Engenheiros Mecânicos Eletricistas. Não havia a noção de um nível de ensino ser mais teórico e outro mais prático. Até porque os fundadores da Escola de Engenharia eram positivistas e fortes defensores do conhecimento prático.


Na foto se vê que a antiga chaminé da geradora se foi. O campus é hoje atendido pela companhia de energia elétrica, como qualquer outro local da cidade. Um terceiro andar, dedicado a salas de aula foi adicionado. No local onde ficavam as máquinas hoje fica o salão de eventos onde são apresentados os trabalhos de graduação e pós-graduação. As árvores em frente a entrada a escondem dos passantes.


Desvalidos da sorte


Na sociedade do estado no inicio do século XX e na qual a Escola de Engenharia e o instituto que se tornaria o Parobé foram criados, o que definia se alguém seria técnico ou faria graduação era o preconceito de classe. Não estou falando nada de novo aqui. Esse preconceito, pecado de origem da nossa educação profissional e provável herança do nosso escravismo tardio, é conhecido por todos que estudaram a história da educação no país***.


Meu avô era mineiro de carvão em Butiá e morreu cedo de doença do ofício. Meu pai, como muitos, migrou para a região metropolitana ainda adolescente para morar na Mathias Velho em Canoas e trabalhar na construção civil. Foi lá, sempre trabalhando, que completou o ensino fundamental depois de maior de idade. Lá ainda, conseguiu ingressar na faculdade privada que pagava trabalhando como azulejista. Mas foi graças a universidade pública (UFSM) que conseguiu se formar Engenheiro Civil. Foi em Santa Maria que eu nasci, e, anos mais tarde, foi graças a universidade pública que fiz minha graduação em Engenharia Elétrica na UFRGS.


A instituições publicas federais tem hoje papel fundamental em ajudar o país a superar essa cultura de preconceito contra o conhecimento e o trabalho. Infelizmente, nesse processo histórico não se superou a cisão entre o ensino fundamental e o de graduação.


A reconstrução do que se perdeu


Na ocasião da minha formatura, essa instituição passada onde graduações, ensino técnico e ensino médio eram ofertados, era muito citada e relembrada. Recordo ter ficado muito impressionado que essa tradição tenha sido perdida. A antiga Escola teve atuação fortíssima na definição dos planos diretores e na modernização de Porto Alegre e do estado. Com todas as peculiaridades da época era uma instituição profundamente envolvida com os problemas de sua região.


Graças a trajetória da minha família sempre tive muito clara a importância da educação pública e da possibilidade de se trabalhar enquanto se estuda. Não tive como deixar de pensar que meu pai, nas enormes dificuldades para poder completar sua educação básica e nos muitos que não conseguiram seguir o caminho que ele seguiu. Pensar que todos teriam muito mais chances se houvesse acesso a educação profissional, educação de qualidade. Me parecia então, como ainda me parece hoje, que o afastamento entre o Parobé e a UFRGS foi uma grande perda para todo o estado.


Essa opinião mantenho e foi o que anos mais tarde, em 2000, me influenciou quando decidi me tornar professor****. Foi a oportunidade de trabalhar em instituição que mantinha essa tradição de atuação nos dois níveis de ensino que, em 2005, me atraiu para o então CEFET-RS.


Dentro dessa instituição, até hoje, tive a oportunidade de acompanhar a trajetória de muitos dos nossos alunos. Alunos do ensino técnico, de graduação e pós-graduação. Há aqueles que recebem assistência estudantil, os que viram bolsistas, os que completam seus cursos e se tornam grande profissionais e os que se tornam colegas. Vejo o quanto a instituição tem sido importante e mudado a vida de cada um. Ter acompanhado isso é o que reforça minha convicção de que a Rede Federal de Educação Tecnológica é hoje o local correto para se estar. É onde se busca a solução dos problemas de nossa realidade através da construção, valorização e aplicação do conhecimento.


É essa, a meu ver, a nossa missão.


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* Que hoje também compõe a Engenharia Elétrica

** De fato o processo foi mais longo: a Escola de Engenharia originou a Universidade de Porto Alegre, esta foi estadualizada gerando a URGS que teve uma curta existência. A URGS mais tarde foi federalizada e agregou algumas faculdades que já eram federais originando a atual UFRGS.

*** Apenas para colocar uma citação de fonte:

"O sistema de ensino primário e profissional e o sistema de ensino secundário e superior teriam diferentes objetivos culturais e sociais, constituindo-se, por isso mesmo, em instrumentos de estratificação social. A escola primária e a profissional serviriam à classe popular, enquanto que a escola secundária e a superior à burguesia". (CUNHA, L. A. Educação para a democracia: uma lição de política prática. In: TEIXEIRA, A. (Orgs.) Educação para a Democracia: introdução à administração educacional. p. 13. 2.ed. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 1997)

Esse preconceito que diminui o valor do conhecimento em relação ao status social ocorre em todos os níveis e esferas e é muito forte no país. O Brasil possui proporcionalmente um quinto dos engenheiros. Somos também um dos países com mais baixo desempenhos em educação básica (leitura, matemática, ciências) nas avaliações internacionais como o PISA. Comparado com outros países emergentes nosso empresariado tem baixa qualificação profissional e educação geral. Isso explica a dificuldade de nossas empresas inovarem e o grande número de ditos "pensadores" da nossa elite empresarial que tratam o conhecimento tecnológico como uma commoditie: algo que pode ser adquirido a baixo custo em algum outro lugar.

**** Apesar de ter ingressado no CEFET em uma graduação, sempre fui professor de educação profissional. No inicio lecionava em um Curso Técnico em Eletrônica em Canoas do qual me afastei para fazer doutorado.


A cidade em minutos e horas (janeiro, 2020)


O pico da era do automóvel (setembro, 2012)

A era do automóvel

Vivemos a era do automóvel. A boa noticia é que isso pode deixar de ser assim.


Para quem tem frequentado as nossas ruas cada vez mais abarrotadas de veículos essa ideia pode parecer absurda, mas parece que no futuro o automóvel será bem menos onipresente.

Carro e vida social

Há várias possíveis razões incluindo a internet e a pior relação custo beneficio para os jovens que a posse de um carro representa hoje (sobretudo em um cenário de gasolina cara e empregos em baixa).


Lembro com clareza minha vida antes e depois do meu primeiro automóvel. Na época morava em Canoas e ter um veículo próprio era a única alternativa para ter qualquer tipo de convívio social. A cidade vive ao redor da faixa, os jovens se reúnem em postos 24h e todas as alternativas de entretenimento se localizam quarenta quilômetros ao norte ou ao sul através da inescapável BR.


Já faz algum tempo que tenho visto artigos comentarem como a atividade social se deslocou para a rede, e as festas presenciais apenas confirmam relacionamentos já desenhados no espaço virtual. Nesse cenário, alternativas como carsharing tem sido bem populares entre jovens. E aquilo que é popular entre os jovens de hoje, fica.

Limites para o temporário

Outra possível explicação é a questão da barreira de tempo de comutação: cidades se espalham com o uso do carro até que se começa a levar mais de uma hora para chegar ao trabalho. A partir daí começa a valer a pena se mudar para o centro de novo.


Acho isso muito interessante. Já comentei antes que o automóvel é uma tecnologia de saltar etapa (leapfrog). Como o celular ou a rede sem fio, o carro permite acesso a toda uma gama de serviços a um custo muito menor de investimento inicial. No caso, carros permitem que cidades enormes se desenvolvam rapidamente sem grandes planejamentos e infraestrutura.


Mas isso funciona no inicio. A medida que a estrutura da cidade se consolida, é necessário mudar para meios de maior capacidade. A analogia com redes sem fio é precisa: após certo volume de infra-estrutura sem fio é essencial que se invista em troncos de alta densidade ou o sistema inteiro colapsa.


E não é por falta de clareza de que alternativas sejam necessárias: em cidades de rápida urbanização a demanda de alternativas ao transporte de massa é lembrada vezes sem conta. Eventualmente é a própria relação custo benefício que inclina a balança na direção da busca de alternativas.

E o que vem depois?

Talvez seja um pouco decepcionante para alguns* mas o que vem depois nesse mundo em que ter um carro não é tão essencial pode ser algo bem simples e familiar: mais transporte de massa e veículos públicos mais pessoais e usados cada vez menos.


Uma das tendências é o planejamento urbano visando o não-transporte: A ideia de que o zoneamento da cidade deve prever estruturas celulares de oferta de serviços, onde os deslocamentos são simples e podem ser feitos a pé. Veículos, coletivos e privados, seriam usados sobretudo no transporte entre regiões e seriam de alta densidade.


Pode parecer ideia do outro mundo, mas garanto a vocês que já é discutida hoje em cidades até mesmo aqui no estado. Cidades que estão implementando politicas de desenvolvimento urbano de acordo com o estatuto das cidades.


A redução do deslocamento inútil e o renascimento dos centros das metrópoles ira naturalmente reduzir o problema. Sistemas de transporte coletivo** e a facilidade de adoção pelas gerações mais novas do uso de táxis e esquemas de carsharing aponta para a possibilidade de veículos compartilhados, limpos, e talvez até mesmo auto-dirigidos.


No mundo todo as cidades estão se reinventando. Em fóruns e revistas cidadãos discutem como será a cidade em irão viver. Siglas de tecnologias de transporte como APL, VLT e BRT *** são animadamente explicadas por nerds que se deram conta que a cidade é, sim, mais uma tecnologia.


Nas cidades inteligentes sendo discutidas agora, o automóvel ainda terá um papel importante. Deixará, no entanto, de ser a única opção, o obstáculo de aço no centro de toda a vida social urbana.


Nesse futuro papel reduzido, quem sabe um dia ate poderemos vê-lo com o carinho nostálgico que dedicamos àquelas tecnologias que, com todos os seus defeitos, por mais limitadas que fossem, nos trouxeram até aqui.



Em uma palestra TED, Jaime Lerner, falando de desenvolvimento urbano, comparou o automóvel àquele tio chato que todos tem: você não queria que ele aparecesse, você não gosta da sua companhia, mas é inevitável e se têm que saber conviver com ele.


Parece que há fortes indícios de que a expansão do uso do carro chegou a um pico nos países ricos e há tendência de estabilidade e regressão. Países em desenvolvimento ainda tem um bom caminho pela frente, mas há quem creia que vamos passar por um processo bem mais breve.


Vendo a situação de meus parentes mais jovens noto que a situação não é mais a mesma: não mudou apenas a cidade, mudou também a forma como as pessoas interagem.


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* Sou um tremendo fã de Ivan Illich. Li em minha adolescência e teve grande impacto em meu pensamento. Sempre adorei a defesa que ele fazia do uso de bicicletas. Apesar disso, devo dizer que, tendo membros da família com dificuldades de equilíbrio e locomoção, sou sempre lembrado das limitações da bicicleta para o transporte coletivo de massa. Sobretudo quando se pensa em inclusão.


** Sistemas de acesso a informação também podem facilitar muito o uso e a adoção do transporte coletivo.


*** Automatic People Mover, Veiculo Leve sobre Trilhos (light rail), Bus Rapid Transit.



Para ler mais:


Incentivando carreiras em inovação (março, 2012)

Atratividade nas carreiras tecnológicas


Recentemente li uma matéria muito legal na linha de "vamos incentivar pessoas a seguir carreiras em tecnologia".

O artigo é curioso porque nos EUA e UK o incentivo para carreiras cientifico tecnológicas já é feito, mas acham muito pouco pois mais gente quer ser artista que engenheiro. Ele cita como exemplo Natalie Portman, que quando jovem ganhou um prêmio "jovem cientista" da Intel antes de seguir carreira em artes cênicas.


É bom lembrar que isso é em um país onde há cinco vezes mais engenheiros per capita que no Brasil, e onde inventores como Bell, Edison e Tesla são heróis cantados em prosa e verso.


Na base da reclamação dele está o fato de a China ter um percentual maior de engenheiros e tecnólogos que os EUA. Tão maior a ponto de a maior parte das pessoas na alta administração federal ter alguma formação na área.


O autor, que é inventor e milionário devido a suas patentes, sugere que se deve combater a visão de fábricas como locais vitorianos, com fileiras de pessoas fazendo os mesmos trabalhos repetitivos.


Segundo ele fábricas modernas tem laboratórios e equipamentos avançados onde se resolve problemas tão interessantes ou mais do que o que se vê nas modernas series de TV que enfatizam as qualidades racionais, como CSI e mesmo House. De fato, ele cita CSI como um exemplo de influência que aumentou dramaticamente o interesse em uma profissão técnica.


Profissões técnicas são muito interessantes, basta ver o apelo de canais como o canal Discovery. Se há tanta gente que se interessa pelos assuntos técnicos, deveria haver mais gente interessada em carreiras tecnológicas. Seria só o caso de se promover mais essas profissões usando campanhas publicitárias e oferecendo prêmios?


Acredito, sinceramente que isso possa ajudar, mas também creio que há limites para o quanto se pode melhorar apenas com campanhas e incentivos.


É importante aqui fazer uma colocação: há uma razão para que pouca gente se interesse por uma carreira em tecnologia.

A razão é que as pessoas são pragmáticas. Têm de ser para sobreviver.


Se você gosta de algo mas sabe que não tem retorno financeiro isso no máximo se torna seu hobby, ou algo que tu assiste no Discovery Channel.


Nos EUA a inovação é mais valorizada pois é um lugar onde uma patente e uma inovação pode te tornar efetivamente milionário. É uma chance pequena, mas significativa. Assim, o sonho de ser inventor genial co-existe lado a lado com ser astro do esporte ou de cinema.


É quando você se pergunta se é possível viver durante o período em que se luta para alcançar o sonho que se toma a decisão de mudar de rumo ou não.


E é esse meu ponto: nos EUA seguir uma carreira em inovação tecnológica sempre foi um caminho viável para se progredir na vida. Nos dias atuais, em países como a Índia e a China, ter um filho ou filha engenheiros é muitas vezes o passaporte para uma família inteira sair da pobreza. Nesses países não há falta de pessoas querendo seguir carreiras tecnológicas.


Em lugares onde a carreira tecnológica é um caminho de sucesso visível para todos, não surpreende que quase a metade das pessoas que procura educação profissional opte por carreiras em tecnologia.


Isso já foi assim com o Japão, com a Alemanha... e com Estados Unidos. Acredito que grande parte desse desinteresse dos jovens desses países por profissões tecnológicas que hoje gera tanta preocupação se deva a questões objetivas. Dados de realidade.


Hoje, nos países ricos, quem ingressa no mercado de trabalho vê claras vantagens em investir em carreiras financeiras ao invés de tecnológicas. Ao mesmo tempo, a exportação das manufaturas para países asiáticos gerou uma maciça destruição da infraestrutura produtiva, reduzindo oportunidades de profissões de acesso nas áreas técnicas.


Ora, se o interesse em tecnologia não encontrar a oportunidade de se trabalhar desde cedo em áreas correlatas, muito mais gente vai optar por carreiras administrativas onde existem um caminho acessível: O grande financista e agente da bolsa podem iniciar sua carreira como estagiário de pequenos postos burocráticos.


Hoje, nos países ricos, apesar de ainda haver abundância de postos de trabalho técnico (o que os americanos chamam de áreas STEM - Science, Engineering, Techonology and Math), estes postos se concentram em áreas bem mais especializadas e avançadas.


O doutor engenheiro de projeto em área de desenvolvimento avançada muitas vezes iniciou sua carreira como técnico muito cedo em uma empresa de manufatura. Se não ha postos técnicos de entrada em número suficiente no país não haverá gente experiente em números suficientes.


Assim, não é de admirar que os postos mais avançados acabem importando pessoas de outros países, onde ainda existe uma carreira viável para quem quer começar desde a base. Países onde existe manufatura e empregos técnicos de acesso.


Em países onde a produção industrial não é relevante pessoas com talento matemático, técnico e científico irão escolher outros caminhos mesmo sabendo que há ótimos postos de trabalho para gente muito capacitada. E vão fazer isso não apenas porque não houve campanhas o bastante para concientiza-los disso mas porque precisam viver de algo até atingir esse nível de capacitação.



Carreiras Tecnológicas no Brasil


Mas como se explica o caso do Brasil, em que temos um percentual menor de engenheiros do que em países mais desprovidos de indústria, como a Bolívia? Faz sentido termos proporcionalmente menos engenheiros que a média mundial?


É triste, mas faz.


O autor do artigo do Huffington Post é inventor e milionário. Sabe do que está falando.


Mas as pessoas não reagem a realidade, elas reagem a realidade percebida. No Brasil a impressão é de que casos de sucesso financeiro devido a inovação tecnológica aqui não são poucos: são inexistentes.


De modo geral, musica popular, esportes e uma carreira publica são os únicos lugares na cultura popular em que é percebido o mérito técnico ter alguma influência, por mínima que seja, no futuro financeiro da pessoa. Curiosamente são três áreas sujeitas a profundo preconceito cultural, o que vale um outro texto.


Preparo técnico e esforço são essenciais para concurseiros, assim como persistência. Esforço, inventividade e persistência são o segredo do sucesso para cantores populares e desportistas.


Conexões, relações sociais e habilidades interpessoais são as coisas mais relevantes em uma carreira no setor privado. Capitalização, networking e novamente habilidades interpessoais são o necessário para o nosso empresário ser bem sucedido.


Se acreditarmos nas nossas revistas e TV, não há nicho visível para o nerd, o geek e o inventor maluco e eremita na cultura empresarial brasileira.


E isso é fato. Dos muitos indivíduos extremamente competentes tecnicamente que conheci ao longo dos anos pouquíssimos hoje trabalham em pequenas empresas brasileiras inovadoras.


Empresas de tecnologia no exterior, subsidiarias de grandes empresas tecnológicas no Brasil, concessionárias e empreiteiras ligadas ao setor publico, grandes empresas públicas, centros de pesquisa públicos, universidades e o próprio serviço publico não tecnológico são os principais empregadores dos nerds que conheci e com os quais estudei.


Todos, sem exceção, estão bem. Muitos apenas lamentam não poder ter seguido carreiras mais técnicas.

De fato, geek e nerd tem tão pouco espaço que nossa mídia chegou a redefinir as palavras para designar pessoas que, mesmo trabalhando em coisas completamente não tecnológicas, apenas gostam de gastar seu dinheiro em bugigangas de ultimo modelo. Um caso clássico de confundir a aparência com a essência.


Sim, segundo a mídia especializada não há espaço para nerds na cultura empresarial brasileira. Mas isso não significa que a inovação tecnológica não tenha importância.


Há grande número de empresas grandes que surgiram no Brasil graças a inovação tecnológica. É fato que elas apenas raramente mantém a tradição de inovação a medida em que se tornam empresas estabelecidas. A inovação as tira do zero, mas em algum lugar do caminho são obrigadas a lidar com a realidade brasileira de agentes financeiros que preferem negócios sem risco, regulações que evaporam vantagens competitivas e investidores e analistas que acham que ser empresário é ser ou um intermediário ou um prestador de serviços. Eventualmente, se sobrevivem, passam a ser mais uma empresa onde soluções politicas são apregoadas para problemas técnicos.


Isso é triste, mas tem mais a ver com nossa cultura empresarial, legislação e sistema financeiro do que com a ausência de oportunidades em carreiras de inovação tecnológica.

O brasileiro médio, ao olhar apenas o topo da pirâmide e ver os mesmos aristocratas de sempre, com seu natural desdém pelo mérito, sua visão míope de que tecnologia é algum tipo de coisa que se compra e sua ênfase em soluções politicas, perde de vista o essencial.


O que não se pode esquecer é que, sendo um país em intenso processo de construção, e com grandes desafios a enfrentar o Brasil é mais parecido com Índia e com China do que com os EUA. Há um grande número de oportunidades para quem tem boa formação em resolver problemas tecnológicos.


E vai continuar havendo oportunidades nos próximos cinquenta anos. E nos cinquenta depois...


Em um país onde tão poucos sabem resolver problemas minimamente complexos, quem sabe, nunca fica sem ter o que fazer.


O conhecimento valioso é a melhor estabilidade que se pode ter.


Tecnologias que pulam etapa (abril, 2012)

Um conceito muito comum na literatura sobre desenvolvimento tecnológico é o de tecnologia que "pula etapa" (leapfrog technology). Seriam aquelas invenções que permitem se chegar a um tipo de serviço que só seria possível anteriormente com grande investimento prévio em infraestrutura.


Dois exemplos são o telefone celular e a internet 3G que permitiram países com uma cobertura muito pequena de cabeamento telefônico, como Brasil e China realizar uma rápida expansão no acesso aos serviços de telefonia e internet. Antes disso o próprio automóvel permitiu a expansão urbana em regiões do mundo que estavam longe de ter feito seu "dever de casa" em infraestrutura de transporte.


Há varias consequências para as nações que adotam maciçamente essas tecnologias que são interessantes. Duas, no entanto para mim são claras: a primeira é que a medida em que o processo escalona os problemas sistêmicos advindos dessa adoção começam a crescer muito rápido e a pressão por estruturar de forma mais tradicional as áreas mais consolidadas aumenta.


Isso quer dizer o seguinte: até se pode atender telefonia sempre sem fio, mas eventualmente a infraestrutura de base tem que começar a migrar para troncos com maior capacidade, e isso faz com que as empresas tenham que começar a cabear essas regiões. A mesma coisa ocorre com automóveis: soluções de transporte coletivo e de logística de carga multimodal tem que assumir quando a demanda começa a saturar. Assim, tecnologia te permite ter um serviço com mais alcance, mas onde a escala justifica eventualmente a infraestrutura tem de ser consolidada.


A outra consequência interessante é que enormes categorias de serviço que dependem da infraestrutura tradicional nunca chegam a ficar disponíveis ou ter a mesma adoção nos locais que usam soluções que pulam etapa.


Um exemplos disso seria o PVR (gravador tipo Tivo de programa de TV) que completou uma década de sucesso nos países com mais TV paga e nem vai chegar a ser amplamente adotado aqui antes da TV por internet tomar conta. Outro seria a secretária eletrônica, que antes de se tornar tão comum no país foi rapidamente substituída pela bem mais conveniente mensagem de texto.


Acredito que a manufatura personalizada tem potencial para ser uma tecnologia de pular etapa. Em um recente artigo a Economist destacou as mudanças profundas na economia que essa tecnologia pode trazer. Fala em particular da importância crescente da prototipação mecânica com ferramentas como a impressão 3D.


Comentei a respeito desse tipo de tecnologia há algum tempo atrás aqui no blog.




Para ler mais

A inovação como culto a carga

Entre a inovação e o rentismo

A falta de inovação

De onde vem a riqueza

O espaço público (novembro, 2011)

[Esse texto foi originalmente publicado no Amigos de Pelotas em Novembro de 2011]

Recentemente um leitor anônimo de Amigos considerou a proposta de se dar uma finalidade a prédios abandonados no centro uma afronta à propriedade privada.


Quando li essa observação lembrei-me o falecido deputado Roberto Campos, quando dizia que neste país empresa pública era de ninguém e privada aquela em que o governo mandava. Essa oposição categórica entre o público e o privado aparece muito quando o assunto é urbanismo.

Para muitos, o que é publico é de ninguém. Ou é do governo..

No setor imobiliário os limites entre o público e o privado, às vezes, parecem confusos: “O imóvel é meu e faço o que quero”. Quem nunca ouviu isso?

Quem é proprietário de apartamento entende que não pode derrubar todas as suas paredes, construir uma piscina no quarto ou instalar um curtume na sala. Isso não é controverso pois sabemos que geraria um dano muito grande com o qual todos os demais condôminos teriam de arcar.

Na cidade, o espaço público é nossa área de condomínio: uma infraestrutura que todos podem usufruir e que todos pagamos. Quando esquecemos que o espaço urbano é nosso, em geral pagamos caro pelos outros.

Vivi muito tempo na região metropolitana de Porto Alegre, onde a urbanização foi recente, e bastante desorganizada. Como em um filme acelerado pude testemunhar os discursos sendo rapidamente alternados de defesa da iniciativa privada a defesa do interesse comum de acordo com a conveniência dos mesmos antigos donos da cidade.

Gostaria de compartilhar duas histórias em que o uso dessa fronteira entre o publico e o privado por alguns indivíduos influentes é a peça central.

Primeira história: Faça o “empreendimento” como bem entender e deixe a cidade pagar a infraestrutura.

Quando os migrantes do êxodo rural começaram a afluir em massa para Porto Alegre, acabaram parando nas cidades rurais do seu entorno onde ex-proprietários de sítios e fazendas ofereciam loteamentos populares.

Os assim chamados “loteamentos” eram apenas a divisão legal dos lotes e a terraplanagem formando ruas de chão batido. O esgoto corria em valas em frente aos lotes, e cada casinha de madeira tinha um pontilhão sobre o esgoto que lhe dava acesso. Em minha infância, eu e meus primos tínhamos medo de cair naquelas nas valas.

A distribuição de água, de luz, de esgoto pluvial e cloacal, a iluminação pública, o calçamento e a colocação de meio-fio couberam todos ao poder público nas décadas seguintes.

Muitos loteamentos dessa época eram também em regiões baixas e sujeitas a inundações periódicas, inadequadas para ocupação permanente. Após uma série de enchentes nos anos setenta foi necessário construir um extenso sistema de diques e casas de bomba com um grande custo material e em vidas.

Os donos das fazendas que marcaram os lotes tiveram total liberdade para fazer o que bem entendiam. Depois de feito o negócio, entrou o poder público que pagou por décadas os bilhões em impostos necessários a urbanização. Algumas cidades até hoje lidam com as consequências desses “empreendimentos”.

O mais triste é que poucas mudanças na etapa de projeto teriam permitido a execução de loteamentos sem se sobrecarregar os cidadãos por décadas. A falta de planejamento literalmente coloca uns poucos milhares a mais no bolso privado de alguns em troca do desperdício de milhões públicos.

Nunca esqueço que tudo tem custo e é pago por alguém. Dinheiro público é pago por impostos. No espaço urbano quanto maior a área da cidade, maior o custo compartilhado: mais área significa mais metros de canos e de ruas a manter; assim como mais postos de polícia, ambulâncias e bombeiros para garantir a cobertura de todos com serviços essenciais. Se a área cresce demais, alguém fica de fora.

Segunda história: Manipule as regras para não pagar o custo crescente da infraestrutura nas regiões mais valorizadas.

Na mesma época da história anterior em algumas cidades da região metropolitana se observava uma dinâmica curiosa: Enquanto áreas distantes do centro eram ocupadas, regiões mais centrais eram mantidas vazias e classificadas como rurais. Para atender os novos e distantes loteamentos, toda a infraestrutura urbana tinha de contornar as grandes áreas ociosas que valorizavam monstruosamente e, sendo rurais, pagavam pouco.

Áreas urbanas já consolidadas começam a ter problemas de natureza diferente à medida que a cidade cresce. Investimentos públicos em mobilidade urbana e saneamento nessas regiões se tornam muito mais caros. A manutenção de alguns serviços públicos também. É essa diferença de custos que é coberta com os maiores impostos nas áreas mais centrais. A valorização do imóvel decorre de sua localização em uma região com melhores serviços e infraestrutura. Se o dono do imóvel não está custeando isso, o resto dos cidadãos está.

A falta de oferta residencial afastava a crescente classe média para residenciais muito distantes do centro, onde os serviços eram precários. Enquanto isso, no centro da cidade, se viam muitas casinhas e apartamentos velhos. Imóveis de baixíssimo valor recebiam ajuda da baixa tributação para serem mantidos sobre terrenos muito mais valiosos. Era comum o imposto em residenciais ditos “de elite” no meio do nada ser maior que no centro.

Lembro, em minha adolescência, de morarmos em um local tão remoto que era necessário atravessar de bicicleta uma dessas fazendas desertas para poder ir ao armazém mais próximo. Nessa situação era melhor pegar o carro e ir a Porto Alegre. Como muitos nesse bairro nós questionávamos aonde iam os impostos pagos.

Uma escolha municipal

As duas histórias têm como pano de fundo uma mesma escolha política: a opção por uma cidade mais espalhada e com uma infraestrutura urbana mais pobre.

Essa escolha não é uma escolha neutra: favorecer loteamentos distantes e baratos e não cobrar corretamente os imóveis centrais ajuda justamente os grandes proprietários que já não têm capacidade financeira de desenvolver seus bens mais valiosos.

Isso não seria problema se não fossemos todos um grande condomínio. As regiões centrais afetam todos e, tanto os custos de sua infraestrutura quanto o ônus de sua decadência, acabam repartidos. Cidades desnecessariamente espalhadas ficam muito caras para o pouco que a maior parte da população, exilada nas suas franjas, recebe em troca.

A omissão no planejamento urbano não só onera a maioria, mas também ajuda a congelar o desenvolvimento da cidade. Isso porque permite que uns poucos mantenham em suas mãos muito mais imóveis do que realmente teriam condições de sustentar. A falta de bons imóveis no mercado priva de acesso à cidade agentes com verdadeira capacidade de investimento.

É interessante registrar que mudanças nesse estado de coisas são municipais e têm efeito rápido: Ao eliminar falsas zonas rurais e rever as suas políticas de taxação, várias cidades da região metropolitana se renovaram em menos de uma década.

É um ciclo virtuoso: Onde poucos empreendimentos eram longamente arrastados pelas mesmas empresas de sempre, passam a pipocar prédios novos de grandes construtoras nacionais; Imóveis melhor localizados são rapidamente ocupados pela demanda reprimida; Moradores que retornaram a áreas mais centrais dão novo impulso ao seu comercio; Espaços públicos antes abandonados são redescobertos e isso estimula a renovação de parques e praças...

Pessoas que apenas dormiam nas cidades enquanto sonhavam com Porto Alegre, viraram moradores.

O que mais me impressionou foi ver que isso não coincide com o período de crescimento econômico: Algumas das cidades que mais tiveram progressos urbanísticos o fizeram em período de estabilidade, apenas em cima da demanda reprimida.

Então, quando se entra na discussão sobre os limites da propriedade privada de imóveis e planejamento do espaço urbano, o que eu observei foi isso: onde o governo parou os subsídios disfarçados a uma elite falida isso ajudou a devolver a cidade aos seus cidadãos.

Não sei o quanto disso se aplica a Pelotas. A região metropolitana é bem diferente daqui. As mesmas mazelas podem não ter correspondente na realidade local.

Deixo essa reflexão aos leitores.


A vocação de Pelotas e o ano dos sete bilhões (dezembro, 2011)

É fim de ano, e como todo fim de ano se pensa no que de mais relevante se passou e no que se espera para o futuro.

Pois bem, no ano de 2011 chegamos a sete bilhões de habitantes na Terra. Os oito bilhões chegarão em algum momento antes que mais quatorze anos se passem.

Seja lá quem for o bebê oito bilhões ele muito provavelmente será um residente urbano. È provável ainda que esteja vivendo em uma das grandes cidades que hoje ainda são cidades de médio porte: As cidades do próximo bilhão.

A importância das cidades médias para o futuro do Brasil é tamanha que, na semana em que se atingiu a marca dos sete bilhões, a revista Veja dedicou um especial a todas nossas cidades com mais de duzentos mil habitantes do país e suas vocações.

Essa reportagem fala de municípios que se tornaram centros educacionais e tecnológicos, de municípios que se tornaram centros de serviço de saúde e de outros que investiram no turismo. Fala, enfim, das estratégias de futuro dessas cidades para lidar com os desafios das próximas duas décadas.

A reportagem cita Pelotas em um parágrafo onde se fala simplesmente que Pelotas foi conhecida pelas Charqueadas e agora investe no Pólo Naval* tendo aberto dez cursos de Engenharia nos últimos três anos.

Esse salto brusco das Charqueadas para o Pólo Naval que me deu a incrível impressão de que a cidade nada fez desde o século XIX. Só que isso não é verdade!

Mesmo porque uma cidade do porte de Pelotas não consegue viver de renda por um século.

Mas não podemos culpar a revista, pois essa é uma crença generalizada aqui. Se perguntarmos na rua o que é a principal atividade da cidade a resposta não vai ser muito diferente disso: antes eram as charqueadas, hoje é o agronegócio.

Nada poderia ser mais falso. O gráfico que ilustra essa matéria é do IBGE.


de andar pela periferia. É da periferia que vêm boa parte dos médicos, técnicos, engenheiros e outros profissionais que Pelotas exporta. E é isso que mantém nosso pólo de serviços.

Se a cara da cidade não mudou é porque continua influindo desproporcionalmente na política quem pouco contribui com a cadeia produtiva.


Sendo professor de engenharia e de cursos técnicos e tecnológicos vejo para onde vão nossos alunos quando formados e posso dizer em seis anos teremos uma inundação de profissionais competentes em áreas onde o país todo tem carências.

É essa capacidade de trabalho o verdadeiro tesouro da região e não a tão propalada maior poupança do país. Até porque, se essa poupança realmente existe, é totalmente imobilizada.

É o trabalho, e não a renda e a propriedade imóvel que tem mantido Pelotas há um século.

Então, para mim esse final do ano dos sete bilhões coloca uma questão clara: vamos abrir a cidade para o investimento e transformar nossa capacidade de trabalho em riqueza, ou vamos continuar acreditando que nossa elite rentista é capaz e está disposta a fazê-lo.

Falta pouco mais de uma década para o mundo dos oito bilhões com todos seus novos problemas. Se a cidade continuar a se iludir e achar que é a mesma de mais de um século atrás, dificilmente verá as soluções que vai precisar colocar em prática..


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Esses e muitos outros textos podem ser encontrados no meu blog: Faixa de Fronteira. Como blog é algo quase não mais usado nem lido, atualizo pouco, mas há umas duas centenas de artigos nele. Muitos bem mais focados no IFSul e na Rede Federal do que de interesse geral.