SUDENE

1.- SUDENE - Divisão de Geologia

1.1.- A VINGANÇA DO NOVINHO

Esta história ocorreu nos primórdios da divisão de geologia da SUDENE nos idos de 1963. Havia informações de importante mina de amianto no interior de Alagoas. Os geólogos Adel e Walfredo foram designados para uma visita de reconhecimento com o intuito de obter dados, visando a implantação de um projeto na região. Jipe preparado, lá se foram os dois geólogos, tendo como motorista um rapaz com pinta de “play boy” apelidado de Novinho.

Adel, nervoso e preocupado com a segurança da viagem, a cada momento dava instruções ao motorista:

- Mais devagar! Mantenha a direita! Não freie tão bruscamente!

E assim a viagem continuava. Walfredo muito calado e Adel, a toda hora, instruindo e criticando o motorista. E lá vinha o Adel novamente:

- Cuidado com o buraco! Dobre a esquerdaa!

O Novinho ia aumentando sua irritação. Alguns dias se passaram, a viagem prosseguia e o Adel cada vez mais agitado, com falta de confiança no piloto. Walfredo ao contrário, continuava calado ou falando muito pouco. Aliás, por isso, já tinha o apelido de Misterinho.

E Adel não desistia:

- Ainda não ultrapasse! Estacione melhorr!

O Novinho espumando de raiva já planejava vingança.

Aqui e acolá os afloramentos a beira da estrada eram examinados. Num desses afloramentos a dupla resolveu fazer um incursão para forra da estrada. Adel deu ordem clara ao motorista:

- Aguarda aqui até nosso regresso!

Sim senhor, respondeu o Novinho com um sorriso de ironia. Chegava a hora da vingança. Ele pensava: “o motorista sou eu, este doutorzinho de merda vai me pagar por tanto enchimento de saco”.

Quando Adel e Walfredo desapareceram no mato. O Novinho simplesmente deu partida no jipe e mandou-se sozinho de volta para o Recife.

1.2.- MEDO DE PRISÃO

Logo após a revolução de 1964, o clima de apreensão reinante no país, em função de muitas prisões efetuadas, fazia gerar muito medo. Foi nesse clima que aconteceu esta história. Plínio e Farina geólogos da SUDENE, realizavam uma viagem no interior de Pernambuco, objetivando cadastrar as ocorrências de Bária.

Naquela época, muitos geólogos usavam botas, camisas caqui de dois bolsos, boné e outras indumentárias e apetrechos assemelhados com aqueles dos militares.

Disse o Farina:

- Plínio, temos que tomar informações. Perguntar aos moradores se conhecem ocorrências de barita e se sabem onde estão situadas.

- OK, vamos perguntar.

Respondeu o Plínio.

A dupla, com aquela vestimenta toda, chegou numa vila onde havia um morador parado à porta de sua casa.

- Vai Farina, pergunta.

O Farina com sotaque gaúcho carregado, bem alto irrompeu:

- Você conhece barita?

- O Barita não sou eu!

Respondeu o morador, fugindo a correr.

1.3.- PROFISSÃO DEFINIDA

Hartmut, filho do famoso Professor Beurlen, era geólogo da SUDENE e seus trabalhos de campo eram na Bahia.

Quando chegou a pequena cidade do interior despertou muita curiosidade nos moradores locais. Era uma figura nova na cidade. Porte germânico, sisudo, não levava papo com os pacatos e curiosos “habitues” dos botecos.

Discutia-se qual a profissão do novo doutor que trabalhava percorrendo as estradas e as fazendas da redondeza. Carro preto de placa oficial, usando instrumentos misteriosos...

- Deve ser algum veterinário vacinando gado!

- Que nada, deve ser a reforma agrária chegando!

Outros também na duvida diziam que deveria tratar-se de um pastor protestante.

Foi quando o guia de campo do Beurlen chegou ao boteco onde os palpites se multiplicavam sobre a profissão desconhecida.

O guia falou:

Olhem! O doutor anda procurando metais!

Daí a conclusão saiu instantaneamente da boca de um dos baianos presentes:

- Claro homem! É um “engenheiro metálico”!

1.4.- PARA LÁ OU PARA CÁ

Na década de 60, a Chefia da divisão de Geologia da SUDENE foi ocupada por diversos profissionais. Esta historia se passou no tempo do Gildo, do Grande Gildo como era conhecido. Bonachão, inteligente, às vezes meio desligado...

O geólogo Adriano trabalhava na Divisão e não era um exemplo de boa freqüência. Por vezes era difícil encontrá-lo ou saber onde ele andava.

O Gildo estava procurando o Adriano, apesar de que como chefe deveria saber de suas andanças.

Gildo indagava:

- Vocês viram o Adriano? Vocês sabem onde ele se encontra?

Ninguém informava, ninguém sabia.

Finalmente chegou a noticia trazida pelo geólogo Everaldo:

-Gildo, encontrei o Adriano na estrada de João Pessoa!

Foi quando o chefe perguntou:

- Indo ou vindo?

1.5.- DESAPARECIMENTO DE PIQUETES

Na década de 60 a SUDENE fazia prospecção de amianto próximo a cidade de Batalha em Alagoas. O geólogo Farina trabalhava lá, fazendo mapeamento detalhado com abertura de trincheiras. Os serviços incluíam um levantamento topográfico com colocação de piquetes de madeira em malha de 40 metros.

O local era bastante habitado, principalmente por operários da mina. Cada família fazia seu fogo doméstico para a preparação de seus alimentos. Como naquelas cercanias era obter lenha, os piquetes começaram a desaparecer. Prontamente a equipe de prospecção ia fazendo a devida reposição. Diversas tentativas, junto aos moradores, foram feitas no sentido de que não mais fossem arrancados os piquetes. Nada dava certo.

Foi quando o Farina teve uma idéia interessante. Dirigiu-se a delegacia de policia de Batalha e relatou o caso. Consegui, então, um soldado que teve a seguinte missão: com um piquete na mão, ir de casa em casa ameaçando:

- Quem arrancar um piquete igual a este, vai ser considerado comunista!

O medo das conseqüências de ser comunista funcionou e nunca mais arrancaram os piquetes.

Estávamos em 1965, bem logo após a Revolução de 1964.

1.6.- PEDRA DE CAL

O nome do personagem desta história perdeu-se no tempo, mas era um geólogo da SUDENE que na década de 60 trabalhava mapeando no sertão baiano.

O mapeamento avançava, mas como o mapa apresentava-se monótono: só tinha xistos e gnaisses. O nosso herói, conseguindo com o colega que mapeava a folha vizinha informações da existência de calcários, resolveu ir à busca deles. Para isso contratou um guia de campo. Importante dizer que os calcários popularmente eram chamados de “pedra de cal” naquela região.

O guia contratado afirmou saber onde havia a presença de “pedra de cal”. Geólogo e guia partiram de jipe em busca de calcários. Chegando em determinado ponto, o guia falou:

- Doutor! Agora temos que ir a pés! Vamos subir a serra!

E assim fizeram. Estacionaram o jipe e iniciaram a caminhada. O sol quente da tarde nordestina aumentava o sacrifício.

Vou ter uns “calcariozinhos” no meu mapa, pensava o geólogo.

Ia na frente o seu Zé, de facão em punho, abrindo caminho entre a vegetação espinhosa.

Muito suor, aranhões, medo de cobra venenosa. O geólogo começava a mostrar sinais de cansaço e desânimo.

- Seu Zé! Tem certeza que esta serra tem “pedra de cal”?

- Tenho doutor. Eu mesmo já vi!

Quando finalmente chegaram bem no topo da serra, o guia apontou para o chão e disse:

- Pronto doutor! Aqui está a “pedra de cal”!

O geólogo quase desmaiou de raiva. Era um marco do IBGE.

1.7.- TERMOADELEX

O Adel, apesar de ser geólogo, era estudioso de eletrônica, engenharia, física e outras matérias. Sempre tinha novidades para apresentar a seus colegas da SUDENE. Esta historia aconteceu lá pelos primeiros anos da década de 60.

Adel tinha dois filhos em idade infantil que frequentemente tinham resfriados, inflamação da garganta, tosse, etc. As despesas com médicos e remédios aumentavam e o Adel chegou a conclusão que estava tratando das conseqüências. Havia necessidade de descobrir as causas e após tratá-las.

A cidade onde moravam era Recife, de clima quente com leve queda da temperatura à noite. O nosso cientista resolveu levantar de madrugada para colocar cobertores nos garotos. Com isto estaria evitando novas gripes causadas pela queda de temperatura. A tarefa diária mostrou-se pouco pratica e muito sacrificante. Foi ai que o Adel concebeu o “termoadelex”.

O curioso aparato estava baseado no principio físico da dilatação e retração dos metais com a variação da temperatura. O problema era evitar a queda da temperatura na madrugada, fator considerado decisivo para o controle das causas dos resfriados.

O “termoadelex” era composto por um fio metálico colocado diagonalmente na parte superior do quarto de dormir das crianças. Uma de suas extremidades era fixada na parede e a outra conectada a um interruptor que acionava um aquecedor elétrico do ar. O engenho funcionava assim: a regulagem normal para a temperatura quente correspondia ao aquecedor desligado. Quando de madrugada a temperatura caia, o fio metálico contraia e consequentemente o aquecedor era acionado. Caso a temperatura atingisse um determinado nível superior, o sistema funcionava de maneira inversa.

Adel nunca revelou os exatos resultados desse seu aparato, tão pouco de outros assemelhados por ele bolados.

1.8.- MERTHIOLATE X MERCÚRIO CROMO

Nos primeiros anos da Divisão de Geologia da SUDENE eram comuns os trabalhos de campo ser realizados por duplas de geólogos. Uma dessas duplas ficou muito famosa. Foi a de Porcher e Aderaldo. Ambos de opiniões firmes, princípios rígidos, em outras palavras dois durões.

Lá foram os dois juntos para o campo. Perfis geológicos a pé no calor nordestino, eram realizados diariamente. Chegou a necessidade de atravessarem uma cerca de arame farpado. Na passagem, entre os arames farpados, eis que a perna do Aderaldo foi ferida pelas farpas. Abriu-se um corte e o sangue verteu.

Voltaram para i jipe imediatamente a fim de tratar do ferimento. Instalou-se, então, acirrada discussão. Porcher recomendava energicamente a aplicação de merthiolate, mas Aderaldo argumentava firmemente que era caso para mercúrio cromo.

- Tem que ser obrigatoriamente merthiolate!

- Não! Não! É caso para merthiolate. Vou colocar mercúrio cromo!

Partiram os dois para enunciar os méritos de cada um dos medicamentos. A discussão foi ficando cada vez mais acalorada e longe de qualquer acordo, quase provocando agressões físicas.

1.9.- MINÉRIO DE NÍQUEL

O geólogo Farina fazia um trabalho de prospecção num corpo ultramáfico, em Catingueira, na Paraíba, lá pelas voltas de 1968, em projeto da SUDENE.

O proprietário da terra sonhava com a descoberta de minério, alimentando a esperança de assim ficar rico.

Os esforços concentravam-se na busca de mineralizações niquelíferas. Para satisfazer a curiosidade do proprietário, o geólogo Farina tentava explicar a existência de dois tipos de minério de níquel: um onde o níquel estava associado ao enxofre (níquel sulfetado) e o outro relativo ao níquel laterítico de valor inferior.

Logo o dono das terras mostrou interesse em indicar locais onde poderiam estar evidencias da presença de minério. Um belo dia chegou a informação de que um peão da fazenda sabia onde havia enxofre. O proprietário queria de qualquer maneira fazer crer ao Farina que sua terra era promissora e tinha instruído o peão para montar um esquema neste sentido. O proprietário falou:

- Doutor, posso levá-lo ao local onde existe enxofre!

O geólogo aceitou o convite e lá foram eles para o tal local. Ao chegarem num riacho, seco por sinal, o sonhador falou:

- O local é aqui na areia deste riacho!

E logo foi mostrando, por sobre a aluvião, alguns fragmentos angulosos e de cor amarelo forte.

O geólogo tomou o material na mão e imediatamente deduziu:

- Enxofre do bom, comprado na farmácia!

1.10.- COLÍRIO

Na época áurea da SUDENE, o geólogo Walfredo trabalhava no interior de Alagoas. Ele tinha um guia de campo muito esperto, curioso e cheio de iniciativas, às vezes danosas.

Na rural que era utilizada para os trabalhos de campo, Walfredo costumava deixar algum material como: sacos de amostras, esparadrapo para etiquetas, ácido clorídrico, imã, escala de dureza, etc.

Num certo dia, de volta do campo, Walfredo solicitou ao guia que fizesse uma limpeza no interior do carro. Nessa oportunidade o guia olhou e revirou o material contido num estojo, tendo sua atenção voltada para um pequeno fraco plástico de deduziu tratar-se de colírio. Imediatamente pingou o liquido lá contido em um de seus olhos.

Gritos de horror foram ouvidos. O geólogo acorreu perguntando:

- Que houve? Por que esses gritos?

- Estou com o olho em fogo por usar o seu colírio!

O guia tinha, na realidade, aplicado acido clorídrico.

Depois de muita lavagem o problema foi contornado, não havendo dano irremediável do olho.

Daí para diante, o guia ficou conhecido, em toda a cidade, pelo apelido de “Colírio”.

1.11.- ATROPELAMENTO DO JEGUE

Esta é mais uma historia do tempo da Divisão de Geologia da SUDENE e ocorreu lá pelo ano de 1954. Os geólogos Porcher e Plínio trabalhavam na região do Araripe, fazendo mapeamento geológico e cadastramento de jazimentos de gipsita. Vinham os dois numa rural. Porcher dirigindo e o Plínio atento ao seu lado.

Plínio deparou ao longe, bem no meio da estrada, um jegue parado.

- Pocher, olha o jegue, diminua a velocidade!

Como não foi atendido, o Plínio insistiu:

- Cuidado! Bota o pé no freio!

Porcher teimosamente nem deu bola e continuou acelerando. Só quando o carro chegou bem próximo do jegue, que continuava imóvel, foi Pocher finalmente resolveu frear. Foi tarde demais e ocorreu o choque.

Plínio falou:

Você amassou a rural e quase mata o jegue!

E o Porcher retrucou:

- O culpado foi ele que deu uma guinada inesperada e um coice no carro!

1.12.- PEDRA CABELUDA

Na década de 1960, Adel, então geólogo da SUDENE, foi incumbido de avaliar as potencialidades das jazidas de amianto em Alagoas, que um empresário local ( Mineração Barreto) pretendia explorar com o auxílio desse órgão de desenvolvimento regional. Chegando à região dos jazimentos, pela primeira vez e sem conhecimento da localização exata das ocorrências, Adel partiu para a verificação “ In loco “ das mineralizações . Pergunta aqui, pergunta acolá, Adel enveredou pôr caminhos tortuosos em plena caatinga alagoana e se deparou defronte a uma rústica habitação, Bateu palmas e passados alguns minutos apareceu, desconfiada, na soleira da porta do casebre, uma jovem mulher , desenrolando-se, então, a seguir, o seguinte diálogo:

- “Boa tarde, minha senhora.”

- “ ‘ tarde.

- “Eu sou geólogo da SUDENE e estou procurando uns minérios nesta região.”

- “Eu não Intendo de minero não sinhô “. “Acuma é esse minero qui o sinhô percura ? “

- “ Olha, são como pedras cabeludas... “

E neste ponto o diálogo foi interrompido e a sertaneja, talvez entendendo “pernas cabeludas “ gritou em direção ao fundo da casa :

- “ Biu, vem cá ligêro qui tem um moço aqui se ingraçando cumigo”.

1.13.- MAS COMO? CARLOS PORCHER SOU EU!

Em 1965 a SUDENE desenvolvia o Projeto Chumbo na região centro-oeste da Bahia. Nesta época , quando estava mapeando a Folha de Brotas de Macaúbas-BA, Porcher arranjou uma namorada na cidade. Saindo para trabalhar em um ponto distante, resolveu passar uns dias pôr lá, ate concluir aquela porção da área. Casualmente, esse período coincidiu com a visita de Alfeu, que periodicamente percorria as áreas dos demais integrantes do projeto, procurando suprir as necessidades financeiras e administrativas. Quando Porcher retornou a Brotas, saudoso, foi procurar a namorada e, passado algum tempo, transcorreu o seguinte dialogo entre os dois:

- Ontem conheci um colega seu.

- Ah é? E como era o nome dele ?

- Ele disse que se chamava Dr. Carlos Porcher.

- Mas como? Carlos Porcher sou eu!

1.14.- PORONGUINHO COM BOSTA DE VACA

Porcher, recém formado, logo após ter chegado para trabalhar na SUDENE, foi designado pelo chefe da Divisão de Geologia (Dália), a estudar uns lagos salgados na foz do Parnaíba, lá no Piauí, juntamente com Aderaldo, geólogo paraibano, igualmente teimoso.

O jipe que os conduzia era dirigido pôr Oliveira, um moreno gaiato, que já estava cheio do ufanismo gaúcho de Porcher, assim como de ouvir as mazelas nordestinas a todo momento comentadas pôr ele ( Porcher ) e rechaçadas com veemência pôr Aderaldo.

No segundo pernoite da viagem, durante a penosa tarefa de descarregar o jipe e levar as tralhas para o quarto da hospedaria, Porcher recomendou:

- Oliveira, cuidado com a minha cuia de chimarrão!

Nem bem tinha proferido a ordem, Oliveira de pronto retrucou:

- Aquele poronguinho com bosta de vaca?!, Noite passada joguei no mato.

1.15.- CONTATO BAMBUÍ COM TOMBADOR

Embora tenha começado suas atividades profissionais na Divisão de Hidrogeologia da SUDENE, Bley nunca descurou de suas preferências pela geologia regional. Logo que foi transferido para Morro do Chapeu-BA, lá pelos idos de l965, descobriu que os litótipos do Bambuí assentavam-se estratigraficamente sobre os arenitos Tombador, ao contrário do que constava nos trabalhos anteriores. E para provar sua assertiva, mandou cavar uma trincheira no contato. Logo após, Alfeu a caminho do oeste baiano, resolveu passar pôr Morro do Chapéu para visitar o amigo. Nem bem chegou, Bley o convenceu para visitar a tal trincheira. Saíram os dois de jipe, a sol à pino, sacolejando pôr uma estradinha pedregosa e esburacada. Meia hora depois deixaram o jipe e enveredaram pôr uma trilha da caatinga. Após se defender dos chique-chiques e macumbeiras pôr mais meia hora e vindo a saber que ainda restava cerca de uma “legüinha”, Alfeu saiu-se com esta:

- Bley, pensando bem, é melhor voltarmos para a cidade, pois seria uma afronta à nossa amizade eu duvidar da tua palavra..

1.16.- SE TU QUISERES, É ASSIM

No início dos anos sessenta, encontrava-se Carlos Porcher mapeando a borda sudoeste da Chapada do Araripe pela SUDENE, sediado em Araripina-PE. Nesta cidade, como na maioria das cidades do sertão nordestino, na época, as moças costumavam dar em cima dos homens recém chegados, estranhos ao local. Embora Porcher tivesse deixado noiva no Rio Grande do Sul, seu espírito germânico não resistiu aos encantos de uma determinada jovem local. Certo fim de semana, a jovem insistiu com Porcher para passearem pela praça da cidade, pois certamente queria desfilar para as amigas seu louro namorado gaúcho e, alem do mais, doutor da SUDENE. Antes de iniciar o corso pela praça, a jovem pediu:

- Carlinhos, pôr favor, tira a aliança de noivado. Ao que Porcher retrucou:

- Não tiro! Se tu quiseres, é assim.

1.17.- O MAR VIROU SERTÃO

Egmar (já falecido, que Deus o tenha), se caracterizava pôr seu extremo ufanismo pelas realizações brasileiras e pelo acentuado grau de avareza. Outra de suas características era a comunicabilidade, abordando prolixamente os mais diferentes temas. No início dos anos sessenta, estando mapeando os sedimentos da Chapada do Araripe, no sul do Ceará, resolveu economizar na alimentação e estadia. Comprou na feira de Juazeiro um distintivo característico dos adeptos do Padre Cícero e procurou guarida na casa de um matuto da região. Obviamente, foi bem recebido, tanto devido à costumeira hospitalidade sertaneja, como pôr identificar-se como fiel de “Padim Ciço”. Diariamente, voltando do trabalho, Egmar punha-se a contar lorotas para seu anfitrião, e o saco do sertanejo já estava quase cheio. Certo dia, Egmar enveredou pela explicação científica e explanou que aquela região, há muito tempo atrás, já tinha sido um mar, etc. Foi demais para o caboclo, que retrucou:

- Escuta aqui seu moço! Já estou cheio de suas estórias. Pois fique sabendo que isto aqui sempre foi sertão brabo, desde o tempo do avô de meu avô.

1.18.- PEDIDO DE CASAMENTO

Egmar, embora de grande comunicabilidade, já andava avançado na idade e ainda não havia se casado, em parte devido ao aspecto físico. Antes que a família Fontenelle, de suas relações, tivesse lhe arranjado uma noiva lá de Aracati-CE, andou apaixonado pela Glauce, a secretária da Divisão de Geologia, no início da SUDENE Certo dia, estando Glauce escrevendo à máquina, Egmar chegou perto e perguntou de sopetão:

- Dona Glauce, a senhora quer casar comigo? Glauce, moça muito atenciosa e educada, mas pega de surpresa respondeu:

- Agora não posso Dr. Egmar. Estou batendo um memorando urgente para o Dr. Dália.

1.19.- O JUMENTO FICOU RINDO

Logo depois de formado, Alfeu estava mapeando a porção sul da Chapada do Araripe, no sertão pernambucano. Tinha pôr fiel escudeiro o motorista Nazaré, caboclo amante da natureza e dos bichos em geral, enquanto Alfeu, o Caçador, vivia atirando nos urubus e noutros bichos. Estando Alfeu aprendendo a dirigir, certo dia na volta do trabalho de campo, entre Ouricuri e Bodocó, Nazaré propôs:

- Doutor, nesta estrada nova e de pouco movimento, acho que o senhor pode dar uma treinadinha. Alfeu assumiu a direção do jipe e saiu aos pulos, ziguezagueando pela estrada. E Nazaré recomendando:

- Olha o buraco! Tira da beira da estrada! E lá pelas tantas:

- Olha o jumento! Desvia! Freia! E bimba, Alfeu atropelou o jumento, que passou a zurar de dor. Aí Nazaré não se conteve e disse:

- Pô doutor, o senhor é um bárbaro, arrebentou o animal. E Alfeu retrucou:

- Não foi nada, o bicho até ficou rindo.

1.20.- VINGANÇA PREMEDITADA

Nos anos de l969 a 1971 a SUDENE desenvolveu, em cooperação com a Missão Geológica Alemã, o estudo dos jazimentos de scheelita dos estados da Paraíba e Rio Grande do Norte. Pela SUDENE atuavam Aderaldo, Adriano, Alfeu e Júlio Siqueira, além de outro tanto de topógrafos e motoristas e pela MGA, três ou quatro geólogos alemães. A sede do projeto era a cidadezinha de Santa Luzia, terra natal de Aderaldo. A cidade, na época, encontrava-se, no dizer gaiato de Da. Maria, dona do restaurante, toda “esbagaçada”. Segundo sua narrativa jocosa, com a construção da estrada teriam ocorrido as seguintes fases:

- Primeiro vieram os “engenheiros”, quando ocorreram dezenas de “casamentos”; depois vieram os trabalhadores, que acabaram com o resto das moças donzelas; e, finalmente, a “turma do capim”, arrematou o resto do rebutalho. E finalizou assim o seu relato:

- Agora com a chegada da “FUDENE”, o mulherio voltou a se assanhar.

Pois bem, dentro deste contexto, parte do pessoal da SUDENE e da MGA acasalava-se com facilidade e freqüência. Na turma da SUDENE atuava o motorista Robertão, moreno forte, metido a conquistador e a brigão, que se vangloriava de conquistar as namoradas dos outros. Certa ocasião, um dos geólogos da SUDENE foi alertado pelo colega Aderaldo que o pai e os irmãos de uma determinada galega, com quem namorava, sempre que sabiam , costumavam bater em quem andava com ela e que naquele fim de semana eles estavam na cidade. Sabendo disso, o geólogo comentou, casualmente, com Roberto:

- Hoje vai ter baile no clube e a galega vai estar lá. Infelizmente vou ter que viajar para Recife ...

Aí Robertão se assanhou todo e à noite lá estava no baile, na maior agarração com a galega, quando chegaram os três parentes e o pau cantou. Robertão apanhou, tanto dentro e fora do salão, quanto em todos os pátios das casas em que procurou se refugiar. Segunda-feira, Roberto reclamou:

- Pô, sacanagem doutor! Hoje não posso nem trabalhar.

1.21.- BOM DIA, SE QUISEREM.

No final dos anos sessenta a Divisão de Geologia da SUDENE passou pôr mudanças administrativas. Judson, o popular C... dos tempos de escola, cultivava um apurado censo crítico em relação às chefias e aos colegas em geral, embora fosse de poucas palavras. Em suma, só se manifestava para atirar pedras, granjeando com isso uma elevada dose de antipatia pôr parte dos colegas. Devido a sua inequívoca capacidade de trabalho, foi guindado à chefe da divisão, passando a fazer marcação cerrada sobre os subordinados, quanto ao cumprimento de horário e de prazos. Obviamente o grau de antipatia cresceu e os colegas resolveram dar-lhe um gelo pôr uns tempos. Resolveram, além disso, pregarem-lhe uma peça. Um grupo de geólogos combinou chegar, determinado dia, antes do horário, para aguardar a chegada do chefe, no pátio pela manhã. Logo que Judson chegou, notou a presença inusual daquele magote de colegas, com ar de zombaria e cumprimentou-os na passagem:

- Bom dia, se quiserem!

1.22.- UMA COBRA NO GALHO

Araújo, motorista da SUDENE, era conhecido pôr seu pavor pelas cobras, embora tivesse sido criado no interior da Paraíba. Muito solícito e educado, só não colaborava com os geólogos quando instado a deixar a viatura e adentrar na caatinga. Seu medo pelas cobras era tamanho, que quando encontrava uma na estrada, instintivamente, levantava os pés dos comandos do carro. Certa ocasião, na região de Soledade/Cabaceiras-PB, Araújo ia dirigindo e Alfeu atento na foto aérea e nas curvas da estrada. De repente, Araújo freou bruscamente e Alfeu bateu com a cabeça no pára-brisa do jipe, abrindo-lhe um corte na testa.

- Que merda foi essa, cara? Esbravejou Alfeu e Araújo respondeu ainda apavorado:

- Uma cobra no galho daquela árvore!

1.23.- DISTINTIVO DO TOURING CLUB

Nos primeiros anos da década de sessenta a maioria dos geólogos da SUDENE, que haviam se formado nas turmas de l960 a l962, não tinham nada além do salário. Como o preço dos automóveis era relativamente alto na época, apenas alguns poucos tinham conseguido adquirir o seu. Esses felizardos passaram a ser importunados pelos vendedores de títulos patrimoniais do Touring Clube. Porcher, ainda não tinha carro, mas pretendia comprá-lo no futuro. Aproveitando a oferta promocional do vendedor, adquiriu um titulo patrimonial, recebendo um distintivo metálico para ser afixado no veículo. Então Aderaldo, que tinha suas implicâncias com Porcher, desde a primeira viagem que fizeram juntos ao Piauí, perguntou de modo sarcástico:

- Porcher, você vai pregar a plaquinha do Touring na bunda, é?

1.24.- NORDESTE VELHO, FUDIDO DE GUERRA.

No final da década de l960, Adel estava pesquisando rutilo na região oeste do Ceará pela SUDENE. No início do projeto, convocou Alfeu, como supervisor, à visitar a área. Após mais de uma hora de DC-3 de Fortaleza a Crateús, à baixa altitude e com forte turbulência, Alfeu já desceu branco do avião. Adel que o esperava no campo de pouso, foi animando o colega:

- Olha Alfeu, o clima daqui é saudável, faz forte calor durante o dia, é verdade, mas à noite sopra o aracati(*) e refresca.

Saíram os dois de jipe em direção à área de trabalho. Após duas horas em estradas poeirentas, Alfeu estava achando tudo uma merda, já arrependido de ter vindo. Lá pelas duas da tarde, com fome e sede, chegaram a uma vila e pôr falta de local melhor, encomendaram um almoço numa casa que preparava refeições nos dias de feira ou para forasteiros eventuais. Enquanto esperavam, Adel ia desfilando as qualidades da terra e de seus habitantes, sem sensibilizar Alfeu, que não estava em dia de bom humor. Quando a dona da casa trouxe a comida, uma galinha que ciscava pela sala, pulou em cima da mesa e serviu-se com avidez. Adel, então, caindo na real, proferiu:

- Eta Nordeste velho, fudido de guerra.

(*) Aracati – vento que sopra na região, à noitinha, sempre no mesmo horário.

1.25.- APROVEITA E BOTA NA PANELA

Uma das coisas que mais chamou a atenção de Alfeu, logo que chegou ao Nordeste, era a grande quantidade de urubus mansos, quase domesticados, que viviam entre as casas dos povoados do interior. Quando estava sediado em Ouricuri, no alto sertão pernambucano, parava num hotelzinho , onde a convivência com os urubus era normal. Todo dia, para tomar seu banho de cuia, no fundo do pátio do hotel, passava pôr dezenas dessas aves, que ficavam limpando o resto das panelas colocadas sobre um jirau. Num determinado fim de semana, Alfeu estava sesteando em seu quarto, de janela aberta. Quando acordou, viu um urubu pousado no telhado da frente, observando-o atentamente. Aí Alfeu pensou, este urubu me agourando, já é demais. Pegou sua espingarda e sapecou uma carga de chumbo no bicho, que caiu no corredor da frente. Então, o dono do estabelecimento veio verificar o acontecido e Alfeu, antecipando-se, apontou para o urubu e disse:

- Aproveita e bota na panela.

1.26.- ROLARAM OS OVOS

Era uma excursão do Projeto Chumbo da SUDENE. Viajavam juntos diversos geólogos e o Dr. Nico, um visitante da ONU. Plínio e Knijnik não cansavam de encher o saco um ao outro. A noite chegaram em Livramento de Brumado e logo foram para o jantar,onde as discussões e gozações continuaram entre os dois.

Chegou a comida: feijão, arroz e uma imensa travessa contendo dezenas de ovos cozidos descascados.Kinijnik puxou a travessa e o Plínio, para irritar, também puxou.

Aí foi muito ovo rolando por cima da mesa, por baixo da mesa e das cadeiras com a virada da travessa.

1.27.- FUSCA EMPORCALHADO

Mais uma do tempo da Divisão de Geologia da SUDENE, também na década de 60.

Adriano tinha um fusca que usava para ir trabalhar, mas também em alguns serviços de uma granja que possuía

O carrinho não era um exemplo de asseio e limpeza. Plínio vivia mexendo no fusca, dizendo que tinha até teia de aranha e o óleo do motor estava preto e mal cheiroso, pois nunca tinha sido trocado.

Um belo dia, a turma estava reunida no estacionamento dos carros e o Plínio resolveu mostrar para todos como estava o famoso fusca. Levantou a tampa do porta-malas e para surpresa geral o que se viu foi um porco amarado e vivo. Adriano teve que ser contido, pois foi para cima do baiano gozador.

1.28.- SALTANDO PAREDES

Era um dia de reunião geral dos geólogos da SUDENE, onde todos apresentariam os resultados de seus trabalhos. Quando chegou a vez do Adel ele lembrou que tinha deixado o resumo da apresentação na sua sala de trabalho. E para dirigiu-se. O Gislan foi atrás e quando Adel entrou na sala, ele trancou a porta por fora, deixando o Adel desesperado sem poder sair.

Adel não teve outro jeito, pulou por cima das paredes divisórias para voltar ao local da reunião, onde chegou espumando de raiva.

1.29.- ENFEITE RUBRO-NEGRO

Roberto, engenheiro de minas da SUDENE era torcedor do Sport e Gislan torcia cegamente pelo Náutico, chegando mesmo a ser Diretor daquele clube.

No estacionamento dos carros da Divisão de Geologia da SUDENE juntaram-se Robero e Plínio. O primeiro disse:

- Plínio, tenho uma idéia par gozar a cara do Gislan. Vamos enfeitar o carro dele com fitas de máquina de datilografia - aquelas vermelhas e pretas(cores do Sport).

Plínio topou a idéia e lá se foram os dois enfeitar o carro do Gislan.Foi fita por cima de todo o carro.

Quando o Gislan chegou e viu a decoração, não teve dúvida e pensou logo que tinha sido obra do Plínio e ficou ameaçando pintar o carro dele...

1.30.- INGRATIDÃO

Rolava um papo da turma de geólogos da SUDENE, lá na Conde da Boa Vista. Os papos eram habituais nos intervalos dos trabalhos e quase todo mundo participava.

Naquele dia discutia-se a situação do Brasil; política, economia, tudo.

O Hartmut Beurlen, sem nenhuma finesse, metia o pau em tudo, dizendo que no Brasil tudo estava errado, que nada funcionava que era uma vergonha para o povo brasileiro.Dizia, inclusive, que a SUDENE de muito pouco servia.

De lado, Aderaldo só ouvia calado, mas já começa a fazer caretas de irritação.

E o Hartmut continuava batendo na mesma tecla. Foi quando o Aderaldo explodiu. Apontou para o crítico e disse gritando:

- Você é um ingrato e está cuspindo no prato que come !

O outro baixou a cabeça e engoliu em seco...

1.31.- NO FRIO DE TRIUNFO

Edilton e Farina, sempre atentos as possibilidades minerais do Nordeste, planejaram uma viagem de reconhecimento para a região de Triunfo, no Estado de Pernambuco, onde ocorriam algumas rochas sieníticas com chances de terem alcalinas associadas e talvez depósitos minerais correlatos . Eram na realidade sienitos em posições bastante elevadas na topografia, permitindo-se cogitar em alguma bauxitização.

Rural preparada, lá se foram os dois rumo ao campo. Chegando em Triunfo hospedaram-se num convento de freiras, já que em matéria de hotel a coisa era fraquíssima. A cidade, por sua altitude, talvez uns 600 a 700 metros, é bastante fria para os padrões da região - frio este que se acentuava bastante a noite.

Edilton, granitólogo de elevada sabedoria geológica, tinha também como especialização a fotogeologia. A noite, no quarto do convento, munido de estereoscópio e luminária examinava minuciosa e incansavelmente as fotografias aéreas. Numa certa ocasião quando a noite já ia alta, Farina acordou e olhando para a cama ao lado onde dormia o friorento Edilton, deparou-se com um estranho quadro: a luminária acessa e posicionada bem rente da cabeça de Edilton que dormia devidamente aquecido. Era uma luminária portátil dessas que tem um suporte metálico espiralado e flexível, ajustável na posição desejada.

Na manhã seguinte, interpelado pelo Farina, Edilton disse: estava com muito frio...

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