Os Perigos Potenciais da Instrução Informal

Data de postagem: Aug 25, 2011 3:55:51 AM

Autor: Fábio de Cristo, psicólogo (CRP-17/1296), doutor em psicologia e pesquisador colaborador na Universidade de Brasília, onde desenvolve pós-doutorado sobre o comportamento no trânsito. Administrador do Portal de Psicologia do Trânsito (www.portalpsitran.com.br) e coordenador da Rede Latino-Americana de Psicologia do Trânsito. Autor do livro "Psicologia e trânsito: Reflexões para pais, educadores e (futuros) condutores".

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De acordo com o Código de Trânsito Brasileiro, cabe às auto-escolas, através de um instrutor devidamente capacitado e autorizado pelo órgão executivo de trânsito, a formação dos novos condutores. Todavia, quase dez anos depois da entrada do código, ainda é bastante comum os jovens aprenderem a dirigir através da instrução informal, que é o aprendizado através de pessoa não qualificada, geralmente um amigo, irmão, pai ou outra pessoa mais próxima.

Outro dia, enquanto estava na fila de um caixa eletrônico, observava um grupo de jovens que conversavam alto. Eles comentavam que tinham aprendido a dirigir entre os quinze, dezesseis anos com amigos, e seus pais consentiam, liberando os veículos para as “aulas” e para dirigirem nas praias, no veraneio; afinal de contas, "não devia chegar à auto-escola sem saber de nada!", dizia um jovem.

Este exemplo deve fazer-nos pensar seriamente sobre a “formação” do nosso futuro condutor. Se, por um lado, o fato de termos um amigo, um tio ou um pai nos ensinando facilita o processo de aprendizagem, por outro, pode ser bastante perigoso, uma vez que esses instrutores informais não são devidamente capacitados para auxiliar nas dificuldades dos aprendizes, nem sabem, muitas vezes, passar as instruções adequadamente. Desse modo, eles podem transmitir aos seus “alunos” uma série de vícios e valores pessoais incompatíveis com um convívio harmônico no trânsito, possibilitando a perpetuação de muitos erros e comportamentos inadequados que observamos nas ruas.

Alguns instrutores de auto-escolas reclamam, por exemplo, que muitos dos seus alunos chegam com vícios comportamentais variando entre aspectos considerados pouco graves, de fácil correção (como dirigir com o pé esquerdo em cima da embreagem, deixar o veículo em ponto morto nas ladeiras, não olhar para trás ao dar a ré no veículo) e outros considerados graves e bastante difíceis de serem modificados, devido a resistência à mudança (como andar em alta velocidade, andar na contra-mão de direção, estacionar em local proibido, entre outros). Segundo os instrutores, alguns alunos chegam a questioná-los, dizendo: “como estou errado, se aprendi assim com meu pai? Não vou fazer assim, como você disse!”. Situações como esta têm exigido bastante cautela por parte dos instrutores de auto-escolas mais responsáveis, requerendo, nesse sentido, um diálogo paciente sobre os porquês de sua orientação para a modificação da forma de pensar e agir do aluno.

Diversos fatores concorrem para a manutenção desta cultura de aprender a dirigir com pessoas que nos são próximas (instrutores informais). Analisar esta questão não é simples, mas um fator que merece atenção especial é a crença difundida em nossa sociedade de que “dirigir é um ato banal e que não é perigoso”.

Psicologicamente falando, crença quer dizer algo que pensamos ser o real, correto, verdadeiro e direciona muitas das nossas ações no dia-a-dia. É o que acontece com a crença compartilhada socialmente a qual me referi acima. De acordo com ela, "se considerarmos que dirigir é um ato simples e banal, certamente não haverá razões para tomarmos maiores precauções ou cuidados, uma vez que dirigir não é perigoso!". Desse modo, é possível compreender o porquê de muitos pais entregarem as chaves dos veículos aos seus filhos antes dos 18 anos.

Todavia, é oportuno reconhecer que dirigir não é uma atividade tão simples quanto se imagina; isto porque, conduzir seguramente depende do desenvolvimento de algumas competências psicológicas e comportamentais importantes a fim de que o novo condutor possa: tomar e processar corretamente as informações, julgar e decidir rapidamente o procedimento mais adequado para o momento, responder prontamente conforme sua decisão e obter o feedback (retorno) de suas próprias ações no trânsito para a necessária correção ou adaptação; enfim, uma série de processos que não nos damos conta que estão ocorrendo quando estamos dirigindo...

Caro leitor, possivelmente, algum dia, você poderá ser convocado a ser um instrutor informal, e assim, não pense que ensinar alguém a dirigir será um tarefa fácil! Quando lhe chamarem para dar “aquelas aulinhas para o seu irmão mais novo não chegar à auto-escola sem saber de nada”, recorde dos perigos potenciais da instrução informal e da necessidade de se desenvolver as competências dos alunos. Haja, então, com responsabilidade, colocando sua decisão na balança do bom senso, porque, afinal, também depende de você zelar por uma circulação cada vez mais livre de perigos.