Norte e Nordeste 2021 - Parte 03

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Dia 14 - de Santarém PA a Belém PA, de navio


Acordamos bem cedo e o café já estava feito pelo caprichoso Zé Santarém. Aqui aproveito para mais uma vez agradecer o Zé por tudo, a companhia, a recepção e tudo o que nos proveu, foi muito especial.

Fomos para o cais do porto hidroviário do DER debaixo de bastante calor, e aí começou o caos… é uma bagunça o cais, muvucado. Depois de conseguirmos encontrar o navio paramos as motos junto com outro grupo de motociclistas de Anápolis GO, acho que 6 motociclistas, um deles sem moto que deu problema na estrada (furou o radiador) e prosseguiu a viagem na garupa de um companheiro, até reencontrar a moto mais adiante.

Ali já vimos as tábuas para o embarque, frio na espinha...

Um outro Sr. com uma Honda, acho que uma NC700 foi tentar subir sozinho, por teimosia, desobedecendo a tripulação. Resultado: quando ele estava já com a roda dianteira dentro do navio, a rampa caiu e o impacto causou um furo no cárter, vazando todo o óleo. Chegando em Belém levou na concessionária Honda e repararam o carter para que ele pudesse continuar a viagem.

E seguiu por muito tempo o caos organizado das mercadorias, o embarque e desembarque de tudo que se pode imaginar. A saída que era 10h, foi para 11h e realizou as 13h. Nesse meio tempo eu e o Vitor fomos comprar algumas coisas pra viagem, água, bolacha e frutas, fomos de taxi por não ser tão próximo.

Enquanto aguardávamos a hora de subir as motos fomos levando as bagagens para os camarotes. Tiramos no 2 ou 1 a divisão dos camarotes, que eram dois simples com beliche e um com cama de casal e frigobar. Eu e Vitor pegamos um simples, Adelar e Zé outro e o Rubem ficou no maior.

A subida das motos foi obviamente muito tensa, por causa do desnível e as tábuas que se envergam com o pesa da moto, mas acabou tudo certo.

área do redário e banheiros coletivos

a cabine simples ;[

Para entender: como tem mais de 50m de comprimento é chamada de navio. Pode considerar 5 andares, o mais baixo o porão de mercadorias, acima o estacionamento e mais mercadorias, o primeiro andar tem as cabines, a área de redário, banheiros coletivos e ao fundo o espaço do restaurante (a cozinha é no porão :(), acima mais cabines, redário, ao fundo uma lanchonete e a frente a cabine de comando. Ainda um quinto andar que é terraço do teto do navio. As cabines são apertadas, beliche estreito só com um lençol e um pequeno travesseiro. O banheiro assustador, bacio, pia e o chuveiro são da água retirada diretamente do Amazonas, apenas filtrada pelo que disseram. Baratinhas e muita umidade nos dutos do ar condicionado (que no caso ali era uma benção).

E assim iniciou sua navegação, tuc tuc tuc, muito tranquila, pouco tem turbulência, o barulho do motor e da estrutura do navio é grave e contínua.

Logo depois da partida, eles avisaram com um sino o almoço. Uma marmita de isopor com arroz, feijão e macarrão, tudo meio misturado, e uns pedaços de carne, que no dia era frango ou pirarucu, ao custo de R$15,00. O Zé teve a curiosidade de ver a cozinha… e desistiu de fazer as refeições no restaurante.

Na imagem acima o caminho que percorremos durante cerca de 50 horas de navegação pelas águas do Rio Amazonas. O navio passa por dentro da Ilha de Marajó, a maior ilha fluviomarinha do mundo, que é banhada pelo oceano Atlântico e pelos rios Amazonas e Tocantins.

Depois, bem cansado, fui dormir um pouco.

O navio vai fazendo umas paradas no caminho, embarque e desembarque de mercadorias, que são o faturamento principal deles.

Na parada em Monte Alegre descemos e aproveitei para comprar um lençol, pois o ar ficava bem em cima da cama superior. Colocamos um varal na frente e penduramos uma toalha para bloquear o vento, assim ficou bom. Ah, toalha também não tem no navio, tem que levar, eu já tinha comprado na Decathlon e foi ótima. O Vitor e o Adelar compraram redes, por R$ 50,00 cada, que foram muito bem aproveitadas nos dias de viagem. A cidade tem 50mil habitantes, e um bom território.

No por do sol fomos ao terraço da embarcação para bater um papo e tomar uma cerveja. Ali encostou um garimpeiro, tremendo tagarela, disse estar anos na Guiana Inglesa ilegalmente, que voltava para se tratar de alguma coisa, andou 8 dias comendo rapadura até chegar ao Brasil lá em Roraima, que tinha ouro pra vender, e muito mais coisas ficou contando. Sinceramente nunca saberemos se tudo que falou era verdade, mas o tipo dele não permitia duvidar.

Tem todo tipo de pessoas no navio, famílias, trabalhadores, alguns bem suspeitos, e poucos turistas. Uma das família tinha até um filhote de cachorro, que quase foi adotado pelo amigo Adelar (brincadeira). Aqui vale comentar a atitude do amigo em ajudar os pequenos animais durante toda a viagem. Ele leva junto ração, remédios, e uns adesivos que pedem atenção aos pequeninos. Sempre que avistávamos um animalzinho abandonado, era prontamente atendido pelo Adelar.

Jantei na cabine bolachinhas e pão de forma com geleia de cupuaçu.

Dia 15 - Rio Amazonas

Acordei pelas 6h, nada fácil dormir naquela cabine, colchão ruim, barulhos etc

Até para descer do beliche e mijar de noite foi um estresse gigante, aproveitei pra ver, e estávamos atracados em Almeirim, com o nascer do sol.

nascer do sol em Almerim PA

Voltei a deitar e umas 7h30 troquei de roupa e fui pra fora. Na cabine de comando, o comandante ofereceu cafezinho preto e ficou conversando com a gente. Nos mostrou o roteiro do barco até Belém passando pela Ilha de Marajó. Falou dos práticos e práticas e suas habilidades e dificuldades.

a direita o capitão da embarcação, a esquerda... medo!

rede adaptada da tenda Guepardo

Depois adaptei a tenda de nylon guepardo numa rede e fui dar uma esticada ou não... todos aproveitamos para matar tempo curtindo o rio Amazonas e suas belezas.

Numa próxima parada em Gurupá comprei uma rede, bem suspeita mas funcional.

Essas paradas são bem interativas. Enquanto são feitas as cargas e descargas pelos tripulantes e contratados, os nativos aproveitam para vender suas mercadorias, quase sempre alimentos. Marmitas diversas, camarão salgado e açaí foi o que mais vimos.

Eu não curto açaí, mas a turma sim, e muito. O açaí de lá é o "original", puro, sem mistura nenhuma (para comercio é diluído e adoçado). O gosto desse é bem forte, terra forte. O pessoal comeu com frutas.

Até então a navegação era pelo Rio Amazonas em sua largura total que parece um mar, a tarde entramos pelos canais menores, incluindo os da Ilha do Marajó.

Muitos casebres e pequenas vilas nas margens, imaginamos que são alimentadas por esse intenso fluxo de barcos e navios que ali passam. Uma vida muito diferente do que conhecemos.

Lá é onde as crianças chegam em canoas motorizadas ou no remo para ganhar presentes que são jogados no navio. Nós já sabíamos disso e levamos uns kit de chinelo, camiseta e balas. É diferente, triste e ao mesmo tempo gratificante, difícil explicar.

Mas meu sentimento é que não são infelizes, são simples, mas vivem bem tirando o que precisam das águas e da floresta.

Mais um por do sol no terraço e o lanchinho da tarde na cabine com a turma.

À noite fomos jogar um dominó lá na lanchonete até as 22h quando apareceu um sinal de internet. Isso só acontecia quando chegava perto das cidades. A última cidade que o navio parou foi em Breves, depois de atravessar um dos menores canais do percurso, o estreito de Breves.

Depois de trocar umas mensagens com a família fui dormir.

dessa vez foi quase mesmo, só a barbatana... botos

Dia 16 - de Rio Amazona a Belém PA

Novo dia no navio, e último, graças! Continuamos a travessia pelos canais menores. Interessante a diversidade das canoas, o “tipo”, algumas com formato bem diferenciado, merece uma pesquisa. As casas também tem estilo que me surpreendeu, com desenhos e cortes curvos na madeira, charmosas!!!

o cão

algum tipo de arapuca para peixes? tinha muitas delas

fofas...

mais fofas...

versão amazônica da Torre Guinigi de Lucca IT

Chegamos 15h30 em Belém, mas a encrenca foi longe ainda… Primeiro aguardamos umas 2h até desembarcarem mercadorias e os carros que estavam na frente das motos, tudo pelas malditas tábuas e no local lá, acreditem, com uma diferença de mais de um metro de altura. O capitão explicou que era por causa da maré baixa.

A retirada dos carros é muito tensa, postarei vídeo mostrando, ajudamos a segurar as tabuas enquanto os carros sobem na tábua e calçam ela, depois é quase uma queda livre... teve até incidente, uma SW4 acabou pegando o teto e esmagando a luminária, no carro quase não fez nada, pelo menos aparente.

Na sequencia fomos descendo uma a uma as motos, com todos ajudando, e só depois que sujei a cueca, alguém teve a brilhante ideia de colocar palets embaixo das pranchas para elas não envergarem, bingo! Muito mais seguro agora... Graças, mais uma vez, tudo foi bem. E não achem que foi fácil…

Aqui chegamos no ponto mais ao norte da nossa viagem! Cerca de 3400km de Blumenau.


Fomos até o Hotel Sagres, não muito próximo do centro mas muito bom, pegamos quartos individuais, lógico! Merecido depois de três dias naquele caos do navio.

Tomei um bom banho, daqueles de desinfecção mesmo, organizei as coisa, separei algo para a lavanderia e me arrumei para jantar.

Acho que só eu não conhecia Belém, os demais já, então eles foram meus cicerones. Fomos jantar na Estação das Docas, uma área muito legal que foi criada com a revitalização do antigo cais do porto. Lembrou bastante Puerto Madero lá de Buenos Aires.

Eu comi um saborosíssimo caldo de caranguejo, creio com tucupi, que é popular lá.

Belém é uma mistura do horrível com o lindo, do lixo com o moderno… vou explicar. Uma cidade fundada em 1616, quando uma expedição foi expulsar os franceses que estavam por ali. Assim, a arquitetura da cidade velha é predominante portuguesa, com lindos casarões, alguns muito bem conservados, outros abandonados. Puteiros e drogas nas vielas perto do cais, lixo, urubus e muito mal cheiro no cais antigo contrastam com outros prédios, novos e outros restaurados.

... continua

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