A concepção de linguagem escrita na Psicologia Histórico-Cultural 

A título de reflexão sobre a concepção de linguagem escrita para a psicologia histórico-cultural, vemos neste momento a necessidade de abordar dois aspectos considerados relevantes. O primeiro consiste em entender a linguagem escrita como objetivação cultural da atividade vital humana, o trabalho. Como suporte da experiência humana acumulada, a escrita e a leitura instituem-se como processos culturais complexos e demandam a transmissão-assimilação da atividade humana condensada em tais processos para as gerações sucessoras. 

Cinco momentos...

Apoiado em Marx, Saviani (2010) afirma que “o movimento que vai da  síncrese  à síntese, por mediação da análise constitui um caminho seguro tanto para a pesquisa científica quanto para o processo de ensino-aprendizagem”, e, sob essa concepção metodológica, estabelece cinco momentos de um método pedagógico que superaria os conhecidos métodos indutivo e experimental levados a cabo pelas pedagogias tradicional e nova, respectivamente.  Os cinco momentos desse método pedagógico, sumariamente, seriam: 1) a prática social (ponto de partida), em que professor e alunos compartilham da mesma prática social, mas posicionam-se e possuem nível de compreensão diferenciado dessa prática social; 2) a problematização, que se caracteriza pela identificação dos problemas mais relevantes postos pela prática social e, consequentemente, pelo levantamento dos conhecimentos necessários para compreender e solucionar esses problemas; 3) a instrumentalização, que se trata da apropriação dos elementos teóricos e práticos necessários ao “equacionamento” dos problemas identificados na prática social; 4) a catarse, isto é, a “efetiva incorporação dos instrumentos culturais, transformados agora em elementos ativos de transformação social” (SAVIANI, 2000, p. 72); e 5) a prática social (ponto de chegada), que se refere à própria prática social, entretanto compreendida não mais de forma sincrética pelos alunos como no ponto de partida, mas num nível sintético, pois sua compreensão alterou-se qualitativamente pela mediação do ato pedagógico. Outro aspecto metodológico relevante para nossa investigação encontra-se na já referida obra “Pedagogia Histórico-Crítica: primeiras aproximações”. Ao abordar o fenômeno da aprendizagem escolar, Saviani afirma a necessidade de se formarem certos automatismos, cuja finalidade é garantir a verdadeira apropriação do conteúdo escolar pelo aluno. A repetição de certos mecanismos é condição necessária para que o saber escolar se automatize no ser do aluno e se converta numa espécie de segunda natureza o objeto de aprendizagem. E é exatamente o exemplo da alfabetização que o autor utiliza: 

Ora, esse fenômeno está presente também no processo de aprendizagem  dizagem através do qual se dá a assimilação do saber sistematizado, como o ilustra, de modo eloquente, o exemplo da alfabetização. Também aqui é necessário dominar os mecanismos da linguagem escrita. Também aqui é preciso fixar certos mecanismos, incorporá-los, isto é, torná-los parte de nosso corpo, de nosso organismo, integrá-los em nosso próprio ser. Dominadas as formas básicas, a leitura e a escrita podem fluir com segurança e desenvoltura. À medida que se vai libertando dos aspectos mecânicos, o alfabetizando pode, progressivamente, ir concentrando cada vez mais sua atenção no conteúdo, isto é, no significado daquilo que é lido ou escrito. Note-se que se libertar, aqui, não tem o sentido de se livrar, quer dizer, abandonar, deixar de lado os ditos aspectos mecânicos. A libertação só se dá porque tais aspectos foram apropriados, dominados e internalizados, passando, em consequência, a operar no interior de nossa própria estrutura orgânica. Poder-se-ia dizer que o que ocorre, neste caso, é uma superação no sentido dialético da palavra. Os aspectos mecânicos foram negados por incorporação e não por exclusão. Foram superados porque negados enquanto elementos externos e afirmados como elementos internos (SAVIANI, 2013, p. 18 grifos nossos). 

COELHO, IZAC TRINDADE Pedagogia Histórico-Crítica e Alfabetização: elementos para uma perspectiva histórico–crítica do ensino da leitura e da escrita/Izac.  Trindade Coelho – 2016