prof Jakler Nichele

Instituto Militar de Engenharia - IME

Engenharia Química (SE/5) & Engenharia de Defesa (SE/10)

filosofia da ciência

Platão: TEETETO (séc. IV a.C.)

Fragmentos das seções III, IV, XXXVIII, XLIII e XLIV


(trad. Carlos Alberto Nunes, EdUFPA, 1988)


(...)

Sócrates - Ouvistes, Teeteto, o que disse Teodoro? Creio que não pensas em desobedecer-lhe, além de não ficar bem a um jovem, em assuntos dessa natureza, não acatar as prescrições de um sábio. Cria coragem, pois, e responde à minha pergunta: No teu modo de pensar, que é conhecimento?

Teeteto - Terei de obedecer, Sócrates, uma vez que o ordenais. De qualquer forma, se eu cometer algum erro, vós ambos me corrigireis.


IV

Sócrates - Perfeitamente; no que for possível.

Teeteto - Então, a meu parecer, tudo o que se aprende com Teodoro é conhecimento, geometria e as disciplinas que enumeraste há pouco, como também a arte dos sapateiros e a dos demais artesãos: todas elas e cada uma em particular nada mais são do que conhecimento.

Sócrates - És muito generoso, amigo, e extremamente liberal; pedem-te um, e dás um bando; em vez de algo simples, tamanha variedade.

Teeteto - Que queres dizer com isso?

Sócrates - Talvez nada; porém vou explicar-te o que penso. Quando te referes à arte do sapateiro, tens em inira apenas o conhecimento de confeccionar sapatos, não é verdade?

Teeteto - Exato.

Sócrates - E a marcenaria, será outra coisa além do conhecimento da fabricação de móveis de madeira?

Teeteto - Não.

Sócrates - E em ambos os casos, o que defines não é o objeto do conhecimento de cada um?

Teeteto - Perfeitamente.

Sócrates - Mas o que te perguntei, Teeteto, não foi isso: do que é que há conhecimento, nem quantos conhecimentos particulares pode haver; minha pergunta não visava a enumerá-los um por um; o que desejo saber é o que seja o conhecimento em si mesmo. Será que não me exprimo bem?

Teeteto - Ao contrário; exprimes-te com muita precisão.

(...)


XXXVIII

Sócrates - Então, para começar, que diremos, mais uma vez, que seja conhecimento? Pois estou certo de que não vamos parar. aqui.

Teeteto - De jeito nenhum; salvo se desanimares.

Sócrates - Então, dize qual é a melhor maneira de defini-lo sem nos contradizermos muito.

Teeteto - Precisamente a que tentamos há pouco, Sócrates; não vejo outra saída.

Sócrates - Qual é?

Teeteto - Opinião verdadeira é conhecimento. O pensamento certo está isento de erro, e tudo o que sai dele é belo e bom.

Sócrates - O guia para passar o rio a vau, Teeteto, costuma dizer: É o que ele mesmo vai demonstrar daqui há pouco. Assim estamos nós; se levarmos adiante nosso estudo, talvez iremos bater com os pés no que procuramos; aqui parados é que nada se esclarecerá.

Teeteto - Tens razão; prossigamos e investiguemos.

Sócrates - Não vai ser longa essa investigação. Uma arte inteirinha está a indicar aue conhecimento não é isso.

Teeteto - De que forma? E que arte é essa?

Sócrates - A dos grandes mestres de sabedoria, que denominamos oradores e advogados. Não é com sua arte e ensinando que eles convencem os outros, mas levando-os, por meio da sugestão, a admitir tudo o que eles auerem. Acreditas, mesmo, que haja profissionais tão habilidosos, a ponto de demonstrarem a verdade do fato, para quem não foi testemunha ocular de alguma violência ou roubo de dinheiro, no pouquinho de tempo que a água corre na clepsidra?

Teeteto - De jeito nenhum posso acreditar nisso; o que eles fazem é persuadir.

Sócrates - E persuadir, no teu modo de pensar, não é levar alguém a admitir alguma opinião?

Teeteto - Sem dúvida.

Sócrates - Nesse caso, quando os juízes são persuadidos por maneira justa, com relação a fatos presenciados por uma única· testemunha, ninguém mais, julgam por ouvir dizer, após formarem opinião verdadeira; é um juízo sem conhecimento; porém ficaram bem persuadidos, pois sentenciaram com acerto.

Teeteto - Isso mesmo.

Sócrates - No entanto, amigo, se conhecimento e opinião verdadeira nos tribunais fossem a mesma coisa, nunca o melhor juiz julgaria sem conhecimento. Mas agora parece que são coisas diferentes.

Teeteto - Sobre isso, Sócrates, esquecera-me o que vi alguém dizer; porém agora volto a recordar-me. Disse essa pessoa que conhecimento é opinião verdadeira acompanhada da explicação racional, e que sem esta deixava de ser conhecimento. As coisas que não encontram explicações não podem ser conhecidas - era como ele se expressava - sendo, ao revés disso, objeto do conhecimento todas as que podem ser explicadas.


XLIII

(...)

Sócrates - Meu filho, se a adjunção da explicação racional implica o conhecimento da diferença, não a simples opinião, admirável viria a ser essa bela explicação do conhecimento. Conhecer é adquirir conhecimento, não é isso mesmo?

Teeteto - Certo.

Sócrates - Logo, se perguntarem a esse individuo o que é conhecimento, ele responderá que é a opinião certa aliada ao conhecimento da diferença. Pois a adjunção da explicação racional seria isso mesmo, de acordo com sua explicação.

Teeteto - É evidente.

Sócrates - Ora, seria o cúmulo da simplicidade, estando nós à procura do conhecimento, vir alguém dizer-nos que é a opinião certa aliada ao conhecimento, seja da diferença ou do que for. Desse modo, Teeteto, conhecimento não pode ser nem sensação, nem opinião verdadeira, nem a explicação racional acrescentada a essa opinião verdadeira.

Teeteto - Parece mesmo que não é.

Sócrates - E ainda estaremos, amigo, em estado de gravidez e com dores de parto a respeito do conhecimento, ou já se deu a expulsão de tudo? Teeteto- Sim, por Zeus! Com a tua ajuda, disse mais coisas do que havia em mim.

Sócrates - E não declarou nossa arte maiêutica que tudo isso não passa de vento que não merece ser criado?

Teeteto - Declarou.


XLIV

Sócrates - Se depois disto, Teeteto, voltares a conceber, e conceberes mesmo, ficarás cheio de melhores frutos, graças à presente investigação. Mas se continuares vazio, serás menos incômodo aos de tua companhia, porque mais dócil e compreensivo, visto não imaginares saber o que não sabes. (...)


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