67) Novos maquinários permitem executar paredes diafragmas até em rocha

quinta-feira, 23 de janeiro de 2014

Tecnologia

Fundações e contenções

Novos maquinários permitem executar paredes diafragmas até em solo rochoso

Para reduzir impacto ambiental do serviço, empresas também vêm substituindo a lama bentonítica por polímero biodegradável como fluido estabilizante

Juliana Nakamura

Elementos estruturais de concreto armado concebidos para contenção de empuxos de terra, água e sobrecargas em escavações verticais profundas, as paredes-diafragma são uma solução recorrente nos centros urbanos, onde a falta de área livre dificulta a execução de outros processos.

Nos últimos anos, a demanda por tecnologias mais eficazes e produtivas promoveu avanços nessa área. Equipamentos de grande porte desembarcaram no Brasil, com destaque para as hidrofresas. Ao mesmo tempo, alternativas ao uso da lama bentonítica como fluido estabilizante também apareceram, proporcionando ganhos ambientais e econômicos.

"As paredes-diafragma têm evoluído com o avanço do maquinário. Aumentou-se a capacidade de escavação atingindo maiores profundidades e espessuras de paredes com segurança, velocidade e redução de ruído", comenta o engenheiro Luiz Antônio Naresi Júnior, especialista em fundações pesadas e geotecnia e gerente geral de planejamento da Progeo Engenharia. Ele lembra que este tipo de técnica de contenção é aplicado principalmente em subsolos enterrados. Nesses casos, primeiro se realiza a parede-diafragma tornando o perímetro da construção estanque e contido, para então dar início à escavação dos pavimentos subterrâneos, de forma a garantir a contenção da caixa de escavação. As paredes-diafragma são construídas a partir de lamelas de até 7 m de comprimento e espessura variando entre 0,45 m e 1,50 m (com profundidades de até 100 m).

"A evolução das técnicas de execução tem buscado mitigar problemas, minimizar patologias e transpassar limites anteriormente impenetráveis pelos processos convencionais", resume o engenheiro Luiz Callandrelli Neto, gerente técnico da Costa Fortuna. Tanto é que, recentemente, têm sido introduzidos no País equipamentos diafragmadores hidráulicos de grande porte capazes de auferir maior rapidez executiva, menor exposição de um furo aberto, e maior controle de verticalidade e prumo de escavações, constituindo uma alternativa ao clamshell mecânico, utilizado no Brasil desde a década de 1970.

Até a introdução da hidrofresa nas obras brasileiras, a execução de subsolos em terrenos urbanos era restrita devido à dificuldade de escavação em rocha

Serviços em solo rochoso

Foi em meados de 2009 que chegou ao Brasil a primeira hidrofresa (hydromill, em inglês) com a promessa de permitir a execução de parede- diafragma em qualquer tipo de obra, independentemente da natureza do subsolo local.

A hidrofresa é composta por uma estrutura de aço rígido e por dois motores hidráulicos instalados na parte inferior da estrutura que giram alinhados no sentido horizontal e em direções opostas, além de uma bomba de alta capacidade de sucção. Solo e rocha são triturados por rodas e correntes de corte, ficam em suspensão no fluido estabilizante e são direcionados até a abertura central do equipamento, onde são aspirados pela bomba hidráulica e conduzidos à central de tratamento. "Ao contrário das metodologias utilizadas no Brasil, esta ferramenta só é retirada do furo quando é atingida a cota de ponta estipulada em projeto. Isto devido ao seu princípio de funcionamento, conhecido como circulação reversa", explica Callandrelli. Sensores eletrônicos incorporados ao corpo da ferramenta acompanham toda a operação, registrando informações para o controle de vários parâmetros, como a verticalidade da parede.

Parede-diafragma executada com hidrofresa - componentes

Fonte: Terratest

Parede-diafragma executada com hidrofresa - sequência de execução

Fonte: Brasfond

Parede-diafragma executada com clamshell - sequência de execução

Corte em rocha

Em São Luís (MA), a execução de paredediafragma na construção de uma estrutura subterrânea para descarga de minérios da Vale exigiu o uso da hidrofresa devido à presença de rocha sedimentar. A estrutura enterrada foi dimensionada para receber em sua superfície quatro linhas de trens com vagões carregados de minério de ferro. Nesse caso, o desafio era executar uma contenção profunda capaz de vencer alturas de escavação de 28,50 m e um vão vertical de 24,50 m de extensão, com apenas um travamento superficial. A produtividade média atingida na obra foi de 2,9 mil m² por mês.

Estrutura subterrânea para descarga de minérios - Vale

São Luís

Ano: 2010

Construtora: Camargo Correa

Projeto e execução: Costa Fortuna

Processo tradicional

Nas obras do Metrô de São Paulo, as boas condições geológicas permitiram a execução de fundações e contenções com parede-diafragma e de estacas com técnicas tradicionais. A escavação foi realizada com o uso de clamshell e a estabilização foi feita com lama bentonítica. A obra faz parte da interligação entre as linhas 17 - Ouro (Monotrilho) e a Linha 5 - Lilás. Na ocasião, a execução obteve rendimentos diários superiores a 130 m² graças à qualidade do terreno, formado por camadas de areia com compacidades variando de média a compacta.

Estação Água Espraiada - Interligação entre as linhas 5 e 17 do Metrô

São Paulo

Ano: 2013

Construtora: Mendes Júnior

Projeto e execução: Terratest

"As profundidades possíveis de escavação com este sistema aumentaram substancialmente, podendo atingir valores de até 100 m de profundidade. Além de auferir ganho de desempenho do sistema de paredes- -diafragma, as hidrofresas ainda mitigam ou eliminam a utilização anterior de artifícios construtivos para o atendimento de necessidades de projeto, como submurações, pinagens, rebaixamento de lençol freático, etc.", comenta Luiz Callandrelli Neto.

A hidrofresa encontrou em locais com solo rochoso, caso do Rio de Janeiro, um importante nicho de aplicação. Até então, a execução de subsolos na cidade era restrita devido à dificuldade de escavação em rocha. "Já há vários projetistas concebendo edifícios comerciais com dois, três níveis de subsolo, por conta da disponibilidade dessa tecnologia", revela o engenheiro Carlos Villar, gerente comercial da Terratest.

O engenheiro Luiz Antônio Naresi Júnior acrescenta que o equipamento vem sendo aproveitado nos casos em que o projetista busca a garantia de engastamento na estrutura de rocha. "As restrições no uso são as grandes profundidades de escavação onde a parede pode desalinhar, havendo a necessidade de um rigoroso controle de verticalidade. As vantagens agregadas são a possibilidade de execução de projetos mais robustos, arrojados com paredes de espessuras maiores e mais profundas", avalia o projetista.

A produtividade desse tipo de equipamento é variável em função das características geotécnicas do local. "Mas um índice de produtividade ideal é em torno de 70 m²/dia de escavação e concretagem de parede, valor compatível com solo argiloso", informa Villar.

Inovações no clamshell

Mesmo em obras com uso exclusivo do clamshell para a execução da parede- -diafragma há inovações. Alguns equipamentos permitem, por exemplo, a execução de junta-tubo, de seção circular, em vez da tradicional junta reta. Segundo Villar, com esse sistema, no qual um tubo funciona como guia para o equipamento, é possível reduzir em 50% a diferença entre as lamelas, obtendo maior verticalidade da parede. Por esse método, proveniente da escola alemã, também é possível executar lamelas de maiores dimensões, de até 5 m, reduzindo o número de juntas. No Brasil, o mais usual é usar lamelas de 3 m. "Outra vantagem desse método é a velocidade de execução. A produtividade chega a ser 20% maior em comparação à escavação com clamshell tradicional", garante o engenheiro da Terratest.

No processo de execução de paredes- diafragma com clamshell, a substituição da lama bentonítica por polímeros biodegradáveis como fluido estabilizante vem se firmando como uma tendência. "Essa questão está na ordem do dia, especialmente nos casos de empreendimentos que almejam certificações ambientais", explica o engenheiro Carlos Villar. Embora seja um excelente estabilizante, a restrição ao uso da lama se deve pelo fato de o material ser um potente impermeabilizante, o que cria dificuldades para a penetração de água no solo. Por isso, seu uso requer controle e descarte em aterros próprios, o que costuma ser dispendioso. Os estabilizantes biodegradáveis, por outro lado, podem ser descartados em qualquer bota-fora ou até em galerias de águas pluviais, desde que não haja sólidos (solo) em suspensão.

Segundo Callandrelli, o uso dos polímeros, além de suprir condicionantes ambientais, ainda proporciona maior produtividade à obra, pois são fluidos de alta taxa de decantação, que se misturam muito pouco ao solo local. Consequentemente, estes fluidos não são desarenados em obras antes de concretagens, apenas trocados em casos críticos. "Se ganha por volta de uma hora operacional por furo executado em campo, o que é bastante representativo", compara o engenheiro da Costa Fortuna.

"A concepção do projeto e o processo de execução não se alteram significativamente com a substituição da lama", informa Naresi, lembrando que, independentemente do fluido empregado, uma obra de parede-diafragma requer um estudo sofisticado de logística no canteiro em função dos equipamentos de grande porte utilizados.

O mesmo pode ocorrer com os custos, na maior parte das vezes. Em uma comparação direta, a lama ainda é mais barata que os polímeros. "Mas em uma análise de custos global, que considere a despesa com o descarte do material, o preço das duas soluções fica muito próximo, em alguns casos com vantagem para o polímero", afirma Carlos Villar.

Embora o uso de polímeros também exija a instalação de silos de armazenamento no canteiro, o material biodegradável apresenta percentuais mais baixos de consumo de materiais. "Normalmente utilizamos entre 1% e 3% do volume de água, enquanto a quantidade de bentonita fica entre 2,5% e 7,5% do volume de água", compara Luiz Callandrelli Neto.

De acordo com o engenheiro da Costa Fortuna, para obras convencionais (com clamshell mecânico ou hidráulico) o polímero pode ser utilizado em mais de 85% dos casos de obras com satisfatoriedade. "O uso dos polímeros biodegradáveis é a melhor e mais econômica saída para atendimento a legislações ambientais quando em obras convencionais de paredes-diafragma", avalia Callandrelli. "Contudo, nem em toda obra é possível substituir a lama pelos polímeros", alerta Carlos Villar, ressaltando que a lama ainda é muito mais eficiente em solos mais arenosos. Também ainda não há, no Brasil, tecnologia para utilização de lama polimérica biodegradável com o sistema de desarenação das hidrofresas.

Paralelamente, alternativas vêm sendo exploradas visando à diminuição do volume de bentonita e dos resíduos gerados numa obra de parede- -diafragma. Em obras onde se utiliza a bentonita misturada em água como fluido estabilizante, pode-se promover a redução dos volumes de resíduos e até torná-los inertes ou biodegradáveis. Uma das tecnologias indicadas para isso é o uso de centrifugação. Nesse caso, a lama bentonítica passa por uma centrífuga que separa as partículas sólidas do fluido aquoso. "Este processo é talvez o mais eficaz para tal fim, com reduções de volume de descarte de até 95%", conta Callandrelli.

Outra solução é o uso o de sistema filtro prensa, que consiste em uma grande prensa tipo sanfona dotada de filtros finos que comprime a massa de lama bentonítica contra suas aletas filtrantes separando a água dos sólidos. Dessa forma, reduz-se consideconsideravelmente o volume de descarte de material. Há ainda a opção de realizar o tratamento químico. "O processo consiste na adição de produtos químicos floculadores à lama bentonítica que gera uma concentração das partículas sólidas em flocos, que mais pesados, decantam com maior rapidez e se separam da água", explica Luiz Callandrelli.