"A identidade não existe solitariamente.
É sempre uma relação, na qual alguém é reconhecido por outros, por alguns dos traços e qualidades que porta. Sem o aval desse reconhecimento, os traços e qualidades que alguém se atribui não são ratificados e, desse modo, também não se sustenta a auto atribuição identitária que faz a seu respeito. A confirmação da identidade de alguém só é possível por intermédio da identidade de outrem que o reconhece; do mesmo modo, a identidade desse outro também é dependente de reconhecimento."
Maria Helena Oliva Augusto em "TEMPO, MEMÓRIA E IDENTIDADE: Algumas considerações"
Arquivos históricos são espaços ocupados e constituídos de memórias. Seu fazer cotidiano é a preservação, a guarda, o acesso e a difusão dos fundos documentais. Estes, por sua vez, carregam as marcas e os vestígios do passado que os produziu e também as marcas do tempo presente no momento da apropriação. São registros forjados por um passado que, muitas vezes, constrói imagens de si mesmo e endossa a cena pública de grandes feitos, grandes homens e grandes grupos. E quando esses suportes das memórias coletivas reservam o apagamento ou o esquecimento de determinados grupos sociais, onde e como buscar outras vozes legítimas da história?
A 7ª Semana Nacional de Arquivos, lançada com o tema "Arquivos - Territórios de Vidas", é um convite para estimular este debate e inspirar ações e práticas arquivísticas que evidenciem a pluralidade dos sujeitos históricos e, no caso do Arquivo Histórico Municipal João Spadari Adami, como participam da construção da cidade de Caxias do Sul.
O Arquivo Histórico Municipal foi criado na década 1970, no marco das comemorações do Centenário da Imigração Italiana e reflete em seus acervos as narrativas históricas que contam sobre Caxias do Sul, esse município gaúcho de matriz acentuadamente branca. Ao longo dos anos, a instituição incorporou diferentes documentações, como aquelas referentes à história social do trabalho, das mulheres e dos movimentos sociais, além de produzir entrevistas e publicações que versam sobre histórias de vida de sujeitos e comunidades periféricas da cidade. Apesar da sua crescente diversidade de grupos e culturas, as memórias das experiências negras e indígenas são ainda uma grande lacuna quando consideramos o conjunto do patrimônio documental da instituição.
Como ação integrativa da 7ª Semana Nacional de Arquivos, o Arquivo Histórico Municipal reuniu nesta exposição virtual, registros das ações alusivas às datas que rememoram o protagonismo afro-brasileiro e dos povos indígenas, além de atividades de Educação Patrimonial proporcionadas a estudantes secundaristas e de licenciatura em História. Às brechas da memória, cabe refletir sobre a formação de arquivos plurais e o lugar das instituições arquivísticas nas políticas antirracistas e de reconhecimento dos direitos dos povos indígenas.
A exposição é uma homenagem aos moradores do bairro Euzébio Beltrão de Queiróz, à Comunidade Indígena Kaingang Pãnónh Mág, de Farroupilha (RS), aos estudantes e profissionais que ocuparam o Arquivo Histórico Municipal e contaram histórias de vida atravessadas por memórias mais amplas.
Registrar estas ações é narrar outro imaginário social da região e exercitar pequenas práticas que falem sobre pluralidade territorial.
Referências:
"TEMPO, MEMÓRIA E IDENTIDADE: Algumas considerações". AUGUSTO, Maria Helena Oliva. POLÍTICA & TRABALHO; Revista de Ciências Sociais, n. 34. Abril de 2011 - p.41-72. Acessado em 29/05/2023, em periodicos.ufpb.br/index.php/politicaetrabalho/article/view/12183/7048
Imagem de capa: BR.RS.AHMJSA.JSA 01.02.23 PO. Retrato de João Spadari Adami. Local, autoria e data não identificados. Fundo João Spadari Adami. Acervo da Unidade Arquivos Privados.