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Prof. Dr. Adriano Naves de Brito


Sociedade Brasileira de Filosofia Analítica – SBFA: uma obra em curso


Texto publicado na revista Filosofia, Ciência e Vida. São Paulo, Vol. 9, 2008.
Este texto foi escrito por Adriano Naves de Brito. Para ele contribuíram com seus relatos os professores: Danilo Marcondes Filho, Nelson Gomes, Maria Cecília Moringoni de Carvalho, Luiz Alberto Peluso e Sara Albieri.

Em termos muito genéricos, a Filosofia Analítica chegou ao Brasil no final dos anos 1930, mas começou a ter visibilidade acadêmica tão-somente na segunda metade do século XX. De modo particular, ela desenvolveu-se após a criação dos programas de pós-graduação em filosofia nas universidades brasileiras, a partir dos anos 1970. À época, jovens doutores egressos de centros importantes desta tradição passaram a atuar nesses programas.

Esse relato brevíssimo delata um fato incontestável: a história da Filosofia Analítica no Brasil não encontrou, até o momento, narradores. Permanece, por isso, obra não iniciada, razão pela qual generalidades, como as ditas acima, são o pouco que se pode contar com segurança sobre sua trajetória brasileira. Existem, é verdade, dispersos em publicações variadas, alguns relatos sobre movimentos que tangenciam a Filosofia Analítica, e outros relatos, mais gerais, que a mencionam; mas nenhum dedicado à corrente de pensamento que, feito o balaço, dominou o século XX. O leitor deste fascículo poderá, pelos artigos aqui reunidos, formar alguma idéia de porque a situação é essa. Ela, por certo, se deve a motivos que vão desde às dificuldades em se definir as fronteiras dessa corrente de pensamento, até as raízes culturais que inspiraram a introdução da filosofia profissional e acadêmica no país com a criação da USP. Mas também, arrisco-me a dizer, tem a ver com uma certa relutância dos filósofos brasileiros em se associarem.

De fato, são poucas, em nossa história e mesmo hoje, as agremiações de cunho filosófico de que se poderia dar notícia. E a influência que exerceram ou exercem é tão modesta quanto a população da espécie. A única exceção é a Associação Nacional de Pós-Graduação em Filosofia, a Anpof. Seus membros são os respectivos programas de pós-graduação em filosofia; poucos, portanto. Mas seus encontros, nos quais já se reúnem mais de um milhar de profissionais e estudantes para apresentarem seus trabalhos, são prova contundente de que deveríamos ter muitíssimo mais organismos civis de cunho filosófico. Mas não os temos em quantidade razoável. Mesmo o sucesso da Anpof tem de ser partilhado entre a comunidade filosófica nacional e a própria Capes, com sua bem sucedida política de fomento e qualificação da pós-graduação no país.

De qualquer modo, o caso é que a intensa atividade filosófica no Brasil justifica a criação de entidades representativas. No que segue, registro não mais do que o essencial do processo que, em fins do corrente ano, pode culminar na fundação da Sociedade Brasileira de Filosofia Analítica – SBFA. Essa história, ao contrário do relato da história da corrente que o movimento deseja articular, é uma obra em curso. E, como se verá, há muitos anos! No contexto dos preparativos da fundação dessa Sociedade, esses registros colocam os atuais esforços na adequada perspectiva do legado sobre o qual eles hoje podem produzir os seus resultados.

O primeiro encontro de cunho nacional dedicado explicitamente à Filosofia Analítica aconteceu em Valinhos, SP, em setembro de 1991. Organizado pelos professores Maria Cecília Maringoni de Carvalho, Danilo Marcondes e Alberto Oliva, foi o primeiro evento no qual a idéia de constituição de um organismo civil para articular os simpatizantes da Filosofia Analítica foi explicitamente aventada e discutida. Realizado em homenagem a Rudolf Carnap, rendeu um número especial na Revista Reflexão, da PUC-Campinas, e pode ser visto como a pedra fundamental da Sociedade.

Dois anos depois, na mesma Valinhos, em outubro de 1993, novo encontro teve lugar. O II Encontro de Filosofia Analítica foi organizado, desta vez, apenas por Maria Cecília M de Carvalho, sob os auspícios do PPG em Filosofia da Puccamp. O evento contou com a presença de quase 50 conferencistas, como se pode ler na introdução do livro dele resultante: A Filosofia Analítica no Brasil (CARVALHO, M. C. M. De. SP: Papirus, 1995), e no qual constam 12 dos trabalhos então apresentados. As cogitações sobre um organismo para congregar as iniciativas em torno da Filosofia Analítica avançaram, a esse tempo, para a idéia de fundação da Sociedade Brasileira de Análise Filosófica, inspiração devida à sociedade homônima Argentina, a Sociedad Argentina de Análisis Filosófico (SADAF), fundada em 1972 e muito ativa naquele país até hoje.

A idéia não ganhou substância suficiente para que se tornasse uma realidade, mas novo evento foi realizado, desta vez em Florianópolis, sob a coordenação da Prof. Sara Albieri, em 1995, ao qual outro ainda se seguiria, em 1997. Nesse período, chegou-se até mesmo a delegar ao Prof. Luiz Alberto Peluso, da Puccamp, a tarefa de elaborar os primeiros estatutos da possível agremiação. Por razões que uma história ainda por ser contada poderá esclarecer, a Sociedade Brasileira de Análise Filosófica não resistiu à dinâmica dos acontecimentos que marcaram a filosofia brasileira nos anos 90 e que a fizeram expandir-se significativamente. O V Encontro Nacional de Filosofia Analítica, previsto para acontecer em Santos-SP, em 1999 não aconteceu, e a idéia da Sociedade Analítica ficou adormecida.

A partir daí, a já bastante numérica comunidade de professores e alunos que se dedicavam a temas ligados à tradição analítica, seguiram apresentando seus resultados em eventos vários. Dentre os muitos que freqüentaram a cena filosófica brasileira na virada do milênio, o Simpósio Internacional Principia, realizado em Florianópolis desde 1999, sob o patrocínio da revista de mesmo nome, editada pelo Núcleo de Epistemologia e Lógica, da UFSC, e herdeiro dos quatro encontros havidos sobre filosofia analítica, foi, sem dúvida o que mais adeptos dessa corrente congregou no período. Ali reunidos, seus freqüentadores, por diversas vezes, tentaram rearticular a sociedade, sem que fossem capazes de canalizar o esforço dos vários grupos envolvidos numa direção comum. As iniciativas se multiplicaram, e articulações de diferentes matizes e dimensões deram seus frutos em eventos menores, alguns de vida mais breve e outros com atividades ainda em curso.

Em 2001, numa reunião durante o II Simpósio Internacional Principia, um grupo de professores tomou a iniciativa de organizar o I Colóquio Nacional de Filosofia da Linguagem (I CNFL), num claro esforço de dar dimensões nacionais às articulações da área. A iniciativa vicejou, e o I CNFL foi realizado em Goiânia, em 2002. Outros dois se seguiram a esse, sem que, contudo, uma associação chegasse a ser seriamente pensada em suas edições até 2007. O IV Colóquio Nacional de Filosofia da Linguagem, realizado na Unisinos, em São Leopoldo (RS), em novembro de 2007, marcou um ponto de inflexão nessa história. Ele trouxe, já em seu programa, a previsão de uma reunião para se discutir a conveniência da formação de uma Sociedade Brasileira de Filosofia Analítica, a SBFA, e procurou congregar alguns dos pioneiros que foram os responsáveis pelas primeiras tentativas de organizar a Filosofia Analítica no Brasil. O modesto grupo, reunido na Unisinos, tomou então a decisão de estabelecer uma comissão pró-fundação da SBFA, cuja missão, durante o ano que se seguiria até a realização do XIII Encontro Nacional de Filosofia, seria alargar ao máximo a representatividade da comissão para, em fim, levar a termo o projeto acalentado já há 16 anos por muitos dos que, no Brasil, se dedicam a fazer filosofia em sintonia com a tradição analítica.

O espírito que orienta o estabelecimento da sociedade é o de uma agremiação aberta, civil, auto-sustentada e de caráter científico. No texto, defende-se a oportunidade de fundar uma Sociedade em torno da Filosofia Analítica, mas tentou-se evitar definições excludentes, mostrando que a corrente está hoje aberta a todos os campos da atividade filosófica e se define melhor por um modo de fazer filosofia do que por algum tema específico. Também se quis deixar claro o respeito da Sociedade para com outras correntes de pensamento em filosofia. Num momento em que outras associações ligadas à Filosofia Analítica são fundadas ou ganham força para além do mundo anglo-saxão, e cite-se a título de exemplo a Sociedade Européia de Filosofia Analítica (ESAP, em sua sigla em inglês) e a Sociedade Latino-americana – ALFAn, fundada em 2007, no México, a expectativa é que a SBFA venha a cumprir papel relevante e positivo no desenvolvimento da filosofia em nosso país. Nessas condições, são todos bem-vindos.