Por: Jackeline Silva Oliveira
“Ser uma mulher transexual no Brasil é maravilhoso”, conta “Ser uma mulher transexual no Brasil é maravilhoso”, conta Natasha, de 36 anos, moradora de Itatiba interior de São Paulo, que acredita que a sociedade não respeita as pessoas que se identificam com quaisquer das orientações sexuais da sigla LGBTQIA+, mas que afirma gostar da vida em que leva como transexual.
Sobre a escolha do nome Natasha, ela revela que se inspirou em uma das personagens de uma novela chamada “Vamp” e, a partir daí, também percebeu que se identificava com uma definição de gênero distinta daquela com a qual nasceu.
Natasha relata os preconceitos vivenciados, “Tem aqueles olhares maldosos, e olhares maliciosos”, diz. A transexual afirma que antes se defendia com agressividade e tentava conquistar o respeito dessa forma, impulsionada pela raiva que sentia no momento.
Mas hoje, admite que a aceitação deve vir somente de si mesma e que o próximo não possui a obrigação de aceitar a forma diferente que as pessoas LGBT’s vivem. “Aprendi a lidar com olhares e assim a gente vai vivendo a vida, sem confusão e sabendo lidar com o que a gente quis para a gente, né”, conclui.
Para ela, o processo de transição não foi uma descoberta. Ela afirma que desde a infância tinha um jeito afeminado, mas foi somente aos 13 anos que resolveu se assumir: “Eu contei para a minha mãe, a minha segurança”, relata Natasha, que teve somente o respeito de sua mãe, afirmando que a família virou as costas para ela, pois não a aceitavam.
Assim que ela se assumiu, começou a sofrer violência física e verbal. “Foi terrível a minha relação com meu pai, ele me bateu e queria bater na minha mãe quando eu me assumi com 13 anos”, lembra. Após ter sido expulsa de casa, conta que anos mais tarde até agradeceu ao pai, pois se sentia presa, infeliz e escondida da verdadeira identidade. Natasha conta que cortou as relações com o pai por cerca de 10 anos, e que, quando ele a via na rua, atravessava para o outro lado para evitar qualquer contato.
Apesar da situação difícil com a família, Natasha conta que quando se tornou mais velha, transformada e com um namorado, a relação com seu pai melhorou. A mulher afirma se sentir grata por isso pois, logo em seguida, o pai faleceu. Ela relata não ter sentido qualquer remorso pela figura paterna, pois conseguiu perdoar e ser perdoada também. “Ele pediu perdão, e eu acabei perdoando pois quando ele precisou de mim, eu fui o único filho que estava lá e mesmo desprezado como fui, eu queria ajudar”, explica.
Reprodução: Acervo Pessoal
A moça conta que apesar das dificuldades enfrentadas ao se assumir, hoje acredita ser maravilhoso e que ao se identificar como uma mulher trans, em nenhum momento dependeu dos familiares, o que ajudou na sua construção de caráter e da vida pessoal, como moradia, trabalho, e até mesmo na autoaceitação. “Hoje é maravilhoso, é churrasco, é almoço, hoje sou bem recebida”, completa. Ela concorda que ninguém deve aceitar o estilo de vida além dela mesma, e que precisa ser forte para não deixar críticas e julgamentos interferirem em sua decisão.
Natasha foi expulsa de casa com 17 anos, ela diz que a maior dificuldade foi ter que dormir na rua e se prostituir. “Marcante foi eu ter que fazer sexo para matar minha fome, fazer sexo em troca de lanche”, recorda. Após ter passado dois dias nessa situação, conta que encontrou uma amiga que passava pelo mesmo processo, mas que a diferença entre as duas é que a família dessa amiga aceitava a sua transição e a de Natasha não. A transexual conta que foi bem recebida e acolhida, e que se sentia feliz por ter uma cama para poder dormir.
Ao ter que se prostituir para conseguir dinheiro, Natasha conta que acreditava que iria fazer o que gostava e que em troca receberia muito dinheiro. Mas, na verdade, só entendeu a realidade quando já se encontrava na prostituição. Foi então que ela percebeu o quanto era perigoso e procurou ao máximo se defender, porque relata que já teve clientes que não pagavam e que a expulsavam do carro. “Eu tinha que fazer porque eu tinha que ter dinheiro”, completa.
Em 2017, Natasha relata que sofreu um grave acidente, que dificultou sua rotina por mais de três anos. Após sua evolução de vida, ter colocado silicone, mudado o cabelo e modificado o que mais queria, conta ter conhecido uma cafetina¹ que confiou nela, e a pôs para tomar conta de uma rua², tornando-se a gerente direta dessa mulher. “Eu era gerente dela, mas nesse mundo muitas pessoas têm raiva, ódio e eu estava na rua”, conta Natasha que não se lembra inteiramente do ocorrido, mas que contaram para ela após ter acordado no hospital.
“Eu só lembro uma luz forte e que veio um carro em alta velocidade, me atropelou e me arrastou por mais de 10 metros debaixo do carro”, relembra. Após a investigação, ela soube o que havia acontecido e relata como ficou após o acidente. “Fiquei 5 dias em coma, 5 meses em cadeira de rodas, 8 meses de muleta e para voltar a andar normalmente foi quase 1 ano”, afirma. Após o ocorrido ela percebeu que essa vida não a ajudava a progredir, e após ter passado por esse susto, resolveu sair da vida de prostituição que levava e focar nos estudos. “Não era um dinheiro limpo, e graças a esse acidente eu tomei iniciativa de ser uma pessoa melhor, voltar a estudar, cursar enfermagem, trabalhar e ser alguém na vida”, conclui.
Hoje Natasha está terminando o Ensino Médio, faz curso básico de cuidadora de idosos e pretende cursar enfermagem daqui 2 anos. Ela acredita que é através do estudo, da determinação e da autoaceitação que vencerá o preconceito.
A realidade de Natasha é semelhante à de muitas jovens por todo Brasil e ela explica que pretende usar seu aprendizado como inspiração para outras pessoas.
cafetina¹: Mulher que exerce o caftinismo; mulher que é dona de prostíbulo ou que arranja prostituta para o homem, mediante pagamento
tomar conta de uma rua²: gerenciar as demais prostitutas que trabalham naquela rua.