Por: Ana Beatriz Silva Pimenta Gonçalves
Reprodução: Acervo Pessoal
Fernanda Cristina Campos Diniz e W. A. R. têm, respectivamente, 25 e 27 anos de idade, trabalham na área jurídica e administrativa, são mineiras, amigas de infância e lésbicas. Ambas relatam ter enfrentado episódios semelhantes de preconceito social em razão de sua orientação sexual, com a diferença de que Fernanda é assumida para sua família e W., não. O relato de ambas se diferencia neste sentido e demonstra a importância do apoio familiar para a vida de mulheres lésbicas, que permanecem sendo vítimas de violência e preconceito em seu contexto social.
A segunda jovem (W.) concordou em relatar suas vivências desde que seu nome fosse mantido em sigilo, tendo em vista que não é assumida para sua família e não se sente preparada para expor abertamente sua orientação sexual.
Com relação a Fernanda, o processo de entendimento da orientação sexual foi intuitivo. “Desde pequena, eu sempre olhava pras meninas de um jeito diferente”, lembra. Mesmo assim, em razão da pressão social que estabelece padrões heterossexuais, ela tentou viver relacionamentos amorosos com homens, o que ela relata como experiências desconfortáveis e insatisfatórias.
Fernanda contou para a família sobre sua orientação sexual aos 11 anos de idade. “Com 11 anos eu cheguei pra minha mãe e falei que eu gostava de meninas”, conta. Segundo a moça, a família a recebeu com naturalidade. O primeiro namoro durou 11 anos, namorada com quem a família de Fernanda não mantinha boa relação. O segundo namoro durou 8 anos e chegou ao noivado, contudo acabaram se separando. Esta última namorada era querida pela família de Fernanda. “Isso me ajudou na aceitação de quem eu sou hoje”, diz.
Atualmente, Fernanda afirma que sua família não tem qualquer problema com a orientação sexual dela, pelo contrário, relata que pode levar namoradas para conhecer a casa onde reside, pois os familiares as tratam com respeito, sem qualquer oposição. Com o apoio da família, a jovem se sentiu mais forte para viver de acordo com seus valores, crenças e sentimentos, sem reprimendas. “Quem gosta de mim, gosta. Quem não gosta, não vai me acrescentar em nada: paciência!”, conclui.
W. possui uma vivência diferente, tendo em vista que nunca se assumiu lésbica para a família. “Eu não contei. Se eu contar, eu sei como vai ser: não vai ser nada agradável. Então eu acho que eu tenho que estar preparada financeiramente para ter essa conversa”, afirma. W. teme principalmente a reação da mãe, que demonstra desaprovação às pessoas da comunidade LGBTQIA+.
W. acredita que a família sabe que sua orientação sexual é lésbica, mas, pelo fato de não aceitarem, nunca a questionaram sobre isso. O núcleo familiar de W. - com quem ela reside - é formado por pessoas evangélicas radicais, com exceção da própria entrevistada. A irmã de W. é casada com um pastor, o que para ela dificulta que se sinta à vontade para ser quem é no convívio social com outras pessoas.
A religião, segundo ela, colabora para que falas e comportamentos preconceituosos sejam frequentemente ditos pela família. Tal conduta faz com que a jovem se sinta temerosa e reprimida de viver sua sexualidade da forma como gostaria, sem precisar se esconder. “Todo mundo sabe, mas não comenta”, admite.
“Por mais que a gente seja parecida (fisicamente), a gente é totalmente diferente”, afirma W., comparando a vivência dela com a da amiga Fernanda. W. se entendeu lésbica aos 17 anos de idade. “Eu ainda estou em processo”, relata quando questionada acerca da auto aceitação e da relação com a família, no que diz respeito à orientação sexual.
O preconceito, que é recorrente não apenas no Brasil como em diversos outros países, é vivenciado na pele pelas duas jovens. Fernanda diz aflita que sofreu um episódio marcante de preconceito quando estava saindo de mãos dadas de um bar com uma ex-namorada, e um rapaz se aproximou gritando que eram “sapatão” e tentou agredi-las fisicamente. Os amigos de Fernanda seguraram o agressor, o que foi essencial para que ela e a namorada conseguissem fugir, entrando em um dos ônibus que passava naquele momento.
Fernanda e W. residem em uma pequena cidade de Minas Gerais e, por isso, afirmam que o preconceito ainda é constante. “Por exemplo, se somos namoradas e andamos de mãos dadas na rua, o pessoal olha e zomba mesmo”, diz. W. relata que a população do local nomeia os LGBT’s como “servidores de satã”, o que expressa a visão negativa e degradante que ainda existe referente a essa minoria.
Além da agressividade e preconceito que sofrem, Fernanda relata que pelo fato de residir em cidade pequena, sente dificuldade para encontrar empregos. “Todo mundo conhece todo mundo. Se você precisar de um emprego e o dono de lá souber que você fica com mulher, não te contrata, não adianta. Aqui na cidade tem isso”, declara.
Com relação aos avanços legislativos no Brasil para defesa dos interesses LGBT’s, Fernanda e W. não enxergam com otimismo. “Na prática é outra história”, reconhecem se referindo ao preconceito e violência sofridos pela minoria nas ruas de nosso país. Para Fernanda, a mídia veicula avanços que não existem na realidade da maioria das pessoas LGBT’s. “A mídia mostra uma coisa que nem existe, é hipócrita”, garante a jovem.
Tendo em vista o contexto social que é percebido por Fernanda e W., ambas demonstram desesperança nas melhorias de condições para a população LGBTQIA+. “Infelizmente eu acho que vai ser do jeito que está ou pior, porque a gente já pode ver o próprio presidente falando que o Brasil é um país de maricas. Se ele próprio, que é o governante da nação pensa e demonstra assim, ele representa a maioria que o elegeu. Eu acho que infelizmente não muda”, desabafa W.
As diferenças entre as duas jovens demonstra a vulnerabilidade de pessoas que se identificam com a orientação sexual lésbica ou qualquer outra da sigla LGBTQIA+, visto que uma delas recebe apoio familiar para exercer seu direito de liberdade de escolha e a outra se sente reprimida por preconceitos diariamente reforçados pela sociedade.
Apesar dos avanços conquistados no Brasil, ainda há um longo caminho a ser percorrido. A sociedade demonstra que a igualdade não encontra apoio na prática: milhares de seres humanos permanecem sendo reprimidos, perseguidos, mortos e tendo seus direitos violados pelo simples fato de tentarem ser quem são.