Estudo da obra Der logische Aufbau der Welt (1928), de Rudolf Carnap.
A. O objetivo (1-5)
A teoria da construção envolve-se em investigações formais (lógicas) e substantivas (epistemológicas) que levam à formação de um sistema construcional. Um sistema construcional é um sistema em que (em princípio) compreende conceitos (ou objetos) da ciência, na verdade não como um sistema classificatório, mas como um sistema derivacional (genealogia): cada conceito é construído a partir daqueles que o precedem no sistema (1). Um conceito é dito ser redutível a outros se todas as afirmações sobre ele podem ser transformadas em afirmações sobre estes outros conceitos; a regra geral para essa transformação de afirmações para um dado conceito é chamada a construção do conceito (2). A lógica, em particular seu ramo mais importante, a saber, a teoria das relações, serve de auxílio metodológico (3). Consequência da possibilidade de um sistema construcional: todos os conceitos são elementos de uma estrutura; logo, há só uma ciência de todos os objetos; a única diferença entre "conceitos" e "objetos" é uma diferença no modo de se falar (5).
B. O Plano da investigação (6-9)
(Uma indicação preliminar dos conteúdos dos capítulos individuais)
A. A forma das afirmações científicas
Uma descrição por propriedades de um domínio indica as propriedades dos objetos individuais daquele domínio; uma descrição relacional indica meramente as relações entre os objetos. A teoria construcional concebe a última como mais fundamental (10). Duas relações são ditas serem "isomórficas" ou "com a mesma estrutura" se elas concordam em suas propriedades formais, mais precisamente, se há uma correspondência biunívoca entre elas (para ajudar a visualizar isto: duas relações são isomórficas se elas possuem o mesmo diagrama de setes). Aquilo que é comum à relações isomórficas (na terminologia dos lógicos: a classe dessas relações) é chamada sua estrutura (11). Uma descrição relacional é chamada uma descrição estrutural se as próprias relações que ocorrem não são mencionadas, mas só sua estrutura indicada. Uma descrição estrutural é dada seja por intermédio de um diagrama de setes (sem nomes) ou por uma lista de pares de números. A descrição estrutural forma o mais alto nível de formalização na representação de um domínio. Tese: a representação do mundo na ciência é fundamentalmente uma descrição estrutural (12). Por descrição definida de um objeto quer-se dizer uma caracterização unívoca daquele objeto, i.e., uma caracterização que permite uma identificação unívoca daquele objeto no domínio de objetos em questão (13). Tese: todo objeto da ciência pode ser unicamente caracterizado dentro de seu domínio de objetos por meio de meras afirmações estruturais (14, 15). Disso se segue que é possível em princípio transformar todas as afirmações da ciência em afirmações estruturais; em verdade, essa transformação é necessária se a ciência precisa avançar do subjetivo ao objetivo: toda ciência genuína é ciência estrutural (16).
B. Inventário dos tipos de objeto e de suas relações
Para obter uma divisão preliminar e aproximada, distinguimos entre objetos físicos, psicológicos e culturais. A expressão "físico" e "psicológico" são tomadas aqui em seu sentido habitual; com objetos "culturais" queremos nos referir aos objetos das ciências culturais (ou ciências do espírito): eventos, estados e entidades culturais ou sociológicos (18, 23). A relação psicofísica é a relação entre um processo psicológico e o processo paralelo no sistema nervoso. A relação de expressão é a relação entre um movimento, uma expressão facial, ou um enunciado vocal de uma pessoa, e o processo psicológico que pode ser reconhecido nesse enunciado. A relação de designação é a relação entre um signo físico (símbolo escrito, som, distintivo, etc.) e aquilo que é designado (19). Para cada relação, surge um problema da correlação (que objetos mantêm essa relação com que outros objetos) e um problema da essência (qual é a natureza da relação? o que é que conecta os objetos relacionados? (20)) Investigar os problemas de correlação das relações mencionadas acima é parte da tarefa da ciência (a saber, da psicologia e fisiologia; psicologia e caracterologia; e vários ramos da semiótica, respectivamente). Por outro lado, a solução dos problemas de essência dessas relações não consiste na averiguação de fatos, mas em sua interpretação; não é uma tarefa da ciência. Isso já é indicado pelo fato de que várias soluções contraditórias foram proferidas entre as quais nenhuma experiência (concebível) poderia decidir. Assim, problemas de essência devem ser transferidos da ciência à metafísica; isso é particularmente óbvio no que tange ao problema psicofísico (21, 22).
Os eventos psicológicos em que um objeto cultural (evento cultural) aparece são chamados de suas manifestações; os objetos físicos em que um objeto cultural é refletido são as suas documentações. O problema da correlação dessas duas relações é investigado nas ciências culturais, ao passo que o problema de essência é, novamente, transferido para a metafísica (24). Os três tipos indicados de objeto são meramente os exemplos mais importantes; há um grande número de outros tipos autônomos de objetos (25).
A. As formas de ascensão (26-45)
Frequentemente, sinais são introduzidos para tornar possível falar sobre objetos de um certo tipo abreviadamente, onde o sinal em questão não designa um objeto (daquele tipo). Nesse caso, fala-se com frequência do sinal como se ele designasse um objeto de um novo tipo, ainda que, em sentido estrito, ele não designe nada; se esse é o caso, diremos que o sinal designa um quasi-objeto (“quasi” relativamente ao tipo de objeto primeiramente dado) (27). A partir de uma frase, que é o sinal de uma proposição, geramos o sinal de uma função proposicional introduzindo variáveis, ou lacunas, no lugar de sinais parciais; podemos então colocar “argumentos” nas “posições de argumento”. Cada função proposicional representa um conceito: se ela tem uma posição de argumento, ela representa uma propriedade; se muitas, uma relação (28). Se colocarmos um argumento “permissível”, uma frase (verdadeira ou falsa) é gerada; caso contrário, um signo sem sentido é produzido. Se dois objetos são argumentos permissíveis para uma e a mesma posição de qualquer função proposicional, eles são chamados “isógenos”; caso contrário, “alógenos”. A esfera objetual de um objeto é a classe de todos os objetos que são isógenos com relação a ele (29). Um tipo objetual é chamado de “puro” se todos seus objetos são isógenos uns em relação aos outros. A maioria dos tipos objetuais são impuros: nenhum conceito logicamente inobjetável lhes corresponde. Na linguagem comum (até mesmo na ciência), quase toda palavra designa diversos conceitos de esferas diferentes. A “confusão de esferas” cria muitas perplexidades lógicas e, consequentemente, filosóficas (30, 31).
Funções proposicionais que são satisfeitas pelos mesmos argumentos são chamadas de “universalmente equivalentes” ou “coextensionais”. A tais funções são designados “símbolos de extensão” idênticos. Diz-se que tal símbolo designa a extensão de uma função. Portanto, extensões são quasi-objetos (32). A extensão de uma propriedade é uma classe, a de uma relação, uma extensão de relação. Assim, classe e extensão de relação são quasi-objetos (relativamente aos elementos da classe e aos termos da extensão de relação, respectivamente) (33, 34). Um conceito a é construído a partir de b, c pela produção de sua “definição construcional”, i.e., pela produção de uma regra de tradução que indica, para todos os casos, como um função proposicional sobre a pode ser transformada em uma função proposicional coextensional sobre b, c. Se essa regra existe, então diz-se que a é redutível a b, c ou que é um “complexo (lógico)” de b, c. Portanto, classe e extensão de relação são complexos de seus elementos ou membros, respectivamente (35). Um todo (extensional) é isógeno com respeito a suas partes independentemente de ser um “todo verdadeiro” (“todo orgânico”, Gestalt) ou uma mera “coleção”. Como uma classe e seus elementos são alógenos, segue-se que ela não é o todo, muito menos a mera coleção, de seus elementos; mas ela é um quasi-objeto cuja serventia é a de representar o que os elementos têm em comum (36, 37).
O caso mais simples de definição construcional de a a partir de b, c consiste na indicação de uma expressão em termos de b, c que é equivalente a a: definição explícita. Se tal definição é impossível, então deve-se fornecer uma regra para a tradução das formais das frases inteiras (funções proposicionais) em que a ocorre para formais em que b, c ocorrem: definição em uso (ambas as formas são chamadas “definições explícitas em sentido lato”, para distingui-las de definições implícitas) (38, 39). Na formulação de um sistema construcional, falamos de ascender a um novo nível sempre que um objeto alógeno aos objetos precedentes é construído. Isso só pode ocorrer por meio de definições em uso. Por meio de tal definição, um símbolo para uma extensão, i.e., o sinal de uma classe ou extensão de relação, é introduzido. Portanto, classe e extensão de relação são as formas de ascensão do sistema construcional (40). Por meio da aplicação repetida e, por vezes, mesclada das formas de ascensão, construímos, dentro do sistema construcional, todos os objetos a partir dos objetos básicos do sistema; daí a unidade do domínio de objetos (devida à unidade do sistema) e, em contrapartida, a pluralidade de tipos (alógenos) objetuais que se segue da multiplicidade das formas de construção (41). A relação ser-manter se dá entre cada nível construcional e o próximo (42). Contra o método extensional da teoria construcional (cada conceito é representado por uma extensão), levanta-se a objeção de que pode haver afirmações sobre conceitos que não podem ser expressos com o auxílio de símbolos extensionais do conceito, a saber, “afirmações intencionais”. A objeção é superada pela tese da extensionalidade: não há afirmações intencionais, mas tão somente extensionais (i.e., afirmações que podem ser transformadas em afirmações sobre extensões) (43, 45). Essa tese funda-se na distinção entre “sinal proposicional”, “sentido proposicional”, e “nominatum proposicional”; revela-se que as proposições extensionais e as alegadamente intencionais sobre um conceito não se referem ao mesmo objeto (44).
B. As formas do sistema (46-60)
Investigações Formais (46-53)
O problema da forma do sistema: como formular o sistema construcional de modo que todos os objetos científicos encontrem nele um lugar? (46). Para solucionar esse problema, as relações de redutibilidade dos objetos deve ser investigada. Na linguagem realística, ou factual, que é costumeira nas ciências empíricas, "a é redutível a b, c" quer dizer o mesmo que "para todo estado de coisas relativo a a (b, c), pode-se indicar uma condição necessária e suficiente que depende só de b e de c" (47), ou "há um indicador infalível e sempre presente que pode ser expresso por meio de b e c". Uma vez que, em princípio, a ciência pode produzir tal indicador para cada conceito, segue-se que todos os objetos científicos são construtíveis (48, 49). A "transformação construcional", i.e., a transformação de uma afirmação ou de uma função proposicional com o auxílio de uma definição construcional é uma "tradução lógica", não uma "tradução de sentido", i.e., ela deixa o valor lógico intocado (a saber, o valor de verdade de uma proposição ou a extensão de uma função proposicional), mas nem sempre o valor epistêmico (50, 51).
Investigações Materiais (54-60)
Um objeto a é chamado de epistemicamente primário relativo a b (em que b é chamado de epistemicamente secundário) se o reconhecimento de b pressupõe o de a. Para um esboço do sistema construcional, queremos escolher a forma epistêmica do sistema: todo objeto é construído a partir daqueles outros objetos que são epistemicamente primários relativos a ele. Portanto, além de sua redutibilidade, a primazia epistêmica dos tipos de objeto também deve ser investigada (54). Objetos culturais não são somente redutíveis a, mas também são reconhecidos pelas, suas manifestações e documentações. Mas todas documentações são redutíveis a manifestações. Logo, todos os objetos culturais podem, ao fim e ao cabo, ser reduzidos a objetos psicológicos e são epistemicamente secundários com respeito a eles (55, 56). Todos os objetos físicos são redutíveis (direta ou mediante outros objetos físicos) a qualidades sensoriais (de atos de percepção). Por outro lado, todos os objetos psicológicos são redutíveis a objetos físicos (mediante a relação psicofísica ou a relação de expressão) (57). Logo, há várias formas possíveis de sistema: a base (o domínio de objetos básicos) é ou física ou psicológica. Devemos dividir os objetos psicológicos em duas classes com respeito à primazia epistêmica: os objetos autopsicológicos são epistemologicamente primários relativamente aos objetos físicos, ao passo que os objetos heteropsicológicos são secundários relativamente aos mesmos. Portanto, na forma epistêmica do sistema, os tipos de objeto mais importantes ocorrem na seguinte sequência: autopsicológicos, físicos, heteropsicológicos e culturais (58). Há outra forma de sistema com base física (forma materialista do sistema) (59). A base da forma epistêmica do sistema repousa no domínio autopsicológico; ainda outra forma possui uma base psicológica geral (60).
C. A base
Os elementos básicos (61-74)
Os objetos básicos a partir dos quais todos os outros são construídos são as relações básicas; seus membros são chamados elementos básicos do sistema (61). A forma epistêmica do sistema que escolhemos tem sua base do domínio autopsicológico ("solipsismo metodológico") (64). Porém, o conceito de um "eu" não pertence ao inicialmente dado (65). A despeito da base autopsicológica, a cognição pode alcançar um estatuto intersubjetivo ou objetivo (66). Como elementos básicos dentro do domínio autopsicológico, escolheremos as experiências elementares (67), que são tomadas como unidades não-analisáveis (68). Entretanto, a formação de conceitos deve chegar aos assim chamados constituintes de experiências. O método requerido para isso é a quasi-análise. Essencialmente, trata-se de um procedimento sintético travestido na linguagem da análise. Ele leva a estruturas que são substitutos para os constituintes (na realidade não há constituintes), e que são portanto chamados quasi-constituintes. A quasi-análise consiste no seguinte: os objetos (não-analisáveis) são colocados em várias estruturas de parentesco com base numa descrição relacional; as várias estruturas a que um objeto pertence são então seus "quasi-constituintes" (69-71). A depender das propriedades formais da relação na qual se baseia, a quasi-análise toma formas diferentes. A forma mais simples ocorre em conexão com relações transitivas: Princípio de abstração. Nesse caso, os quasi-constituintes são chamadas "classes abstrativas" (72-74).
As relações básicas (75-83)
Duas experiências elementares são ditas serem "parcialmente idênticas" se elas concordam em uma parte, "parcialmente similares", se concordam aproximadamente em uma parte. Deve-se pressupor que essas duas relações são reconhecíveis em qualquer percepção (76, 77). Porém, enquanto relação básica, escolhemos a relação assimétrica, recordação de similaridade, que corresponde à similaridade parcial e contém nela a direção do tempo: essa relação se dá entre experiências x e y se x e y são reconhecidas como parcialmente similares por meio de uma comparação de y com uma imagem mnemônica de x. Dessa relação básica, a similaridade parcial pode ser derivada de uma maneira relativamente simples (78). Por meio da aplicação da quasi-análise à recordação de similaridade, "círculos de similaridade" podem ser derivados (80), e "classes de qualidades" podem ser derivadas dos círculos de similaridade. As classes de qualidades representam qualidades sensoriais (incluindo emoções). A identidade parcial é facilmente derivada das classes de qualidades (81). Uma inspeção de derivações subsequentes leva à suposição de que nenhuma outra relação básica é exigida (82). Num sentido, as relações básicas correspondem às "categorias" da filosofia tradicional (83).
D. As formas objetuais
O problema das formas dos objetos: em que forma os objetos individuais devem ser construídos? As formas de objeto são aqui consideradas apenas a título de exemplo; eles não pertencem propriamente à tese da teoria construcional, que se preocupa apenas com a escolha da base, forma do sistema e formas de ascensão (84). Os objetos dos níveis mais baixos já foram mencionados e sua derivabilidade foi investigada; os seguintes objetos adicionais são derivados deles: a relação de similaridade entre classes de qualidade; as classes sensoriais como classes de qualidades das modalidades sensoriais individuais (85); a descrição definida do sentido visual com a ajuda de seu número de dimensão (86); a ordem de tempo preliminar (87); os lugares do campo visual e sua ordem no campo visual (88, 89); as cores e sua ordem na cor sólida (90-92). A separação construtiva da ordem do campo visual e da ordem das cores depende de uma diferença formal entre as duas ordens: é impossível que em uma única experiência duas cores diferentes apareçam no mesmo local do campo visual, mas dois locais do campo visual podem muito bem bem tem a mesma cor. Por causa dessa diferença formal, é possível que a ordem do campo visual e a ordem espacial que dela resulta, mas não a ordem da cor, sirvam de princípio de individuação para a realidade (91). Além disso, é possível derivar as sensações no sentido de constituintes individuais das experiências (93). A partir dos objetos indicados é possível derivar os outros objetos do domínio autopsicológico, destes o físico, e então os objetos heteropsicológicos e culturais (94).
E. Formas de Representação para um Sistema Construcional (95-105)
O sistema construcional consiste em uma estrutura de cadeias definicionais. A pureza conceitual dessa estrutura pode ser melhor preservada por meio do uso de um simbolismo. Portanto, na estrutura que formulamos como exemplo, utilizamos o simbolismo da lógica como linguagem básica. Traduções paralelas em outras três línguas auxiliam na facilidade de compreensão (95). A linguagem lógica é baseada no sistema de Russell e Whitehead, pois é o único sistema que possui uma teoria detalhada de relações (96, 97). A primeira tradução é uma paráfrase (das definições construtivas individuais e teoremas) para a linguagem comum; em segundo lugar, fornecemos uma tradução para a linguagem realista, que descreve os estados de coisas em questão (98). A quarta linguagem é a linguagem de operações construtivas fictícias: aqui, cada definição construtiva é expressa como uma regra de operação em um procedimento construtivo (99). Imaginamos, nesse caso, que o "dado" é apresentado na forma de uma "lista de relações básicas", ou seja, uma lista de pares de números das relações básicas; as regras de operação conduzem dessa lista para outras "listas de inventário" para todos os objetos (102). Portanto, nessa ficção, o conteúdo das experiências dadas é separado de sua síntese; devemos fazer a suposição fictícia adicional de que o dado pode ser retido indefinidamente (101). A formulação do sistema construtivo não tenta representar a forma como vários conteúdos experienciais são experimentados, mas deve ser apenas um relato das relações lógicas contidas neles; isso é feito por meio de uma reconstrução racional da síntese dos conteúdos da experiência, que na experiência real é em grande parte intuitiva (100). Uma vez que os objetos individuais são construídos, surge um problema adicional (aqui não resolvido): as construções devem ser reconhecidas como aplicações especiais de regras formais gerais (103-105).
A. Os níveis inferiores: objetos autopsicológicos (106-122)
O único propósito deste esboço é fornecer um exemplo para o esclarecimento da teoria construcional. Os níveis mais baixos serão dados com um pouco mais de detalhes, com base nas investigações formais e materiais anteriores. Além das definições construcionais, damos alguns teoremas como exemplos; estes são analíticos, isto é, dedutíveis das definições, ou empíricos. Como todas as outras proposições científicas, esses teoremas podem ser traduzidos em proposições apenas sobre a relação básica: um teorema analítico resultará então em uma tautologia, um teorema empírico em uma proposição sobre uma propriedade formal e empírica da relação básica (106) .
Para começar, os conceitos lógicos e matemáticos (estes últimos fazem parte do primeiro) devem ser definidos. Eles pressupõem apenas os conceitos lógicos fundamentais, não a relação básica; eles não são conceitos no sentido de conceitos empíricos (107). Com base na relação básica (recordação de similaridade, 108), são dadas as construções dos seguintes conceitos (as construções correspondem às derivações em §§67-94 e são dadas nas linguagens indicadas anteriormente, §§95-102): as experiências elementares (109), semelhança parcial (110), círculos de semelhança (111), classes de qualidade (112), identidade parcial (113), semelhança entre qualidades (114), classes sensoriais, sentido visual (115), as sensações, análise de experiências em seus constituintes individuais e gerais (116), lugares do campo visual e sua ordem no campo visual (117), as cores e sua ordem no sólido de cores (118), a ordem do tempo preliminar (120).
A tese de que todo conceito científico é uma classe ou uma extensão de relação que pode ser expressa apenas por meio da relação básica é esclarecida tomando como exemplo o conceito das modalidades de sentido. A tese de que toda proposição científica pode ser transformada em uma proposição apenas sobre a relação básica é exemplificada pela proposição empírica sobre a tridimensionalidade do sólido colorido (119).
Por relação de derivação de um objeto entendemos uma certa expressão que indica como o objeto é derivado da relação básica; designa um conceito puramente lógico. Se substituirmos cada construção pela relação de derivação correspondente, formulamos o sistema construcional na forma de um sistema puramente lógico; ao substituir a relação básica, esse sistema é então transformado no sistema de construção apropriado de todos os conceitos empíricos (121).
B. Os níveis intermediários: objetos físicos (123-138)
Existem várias maneiras de construir o espaço tridimensional (para começar com coisas visuais) a partir da ordem bidimensional do campo visual (124). Escolhemos a forma que utiliza apenas a sequência temporal dos campos visuais que ocorrem nas experiências (não usamos sensações cinestésicas); o "mundo visual" tetradimensional resulta através da atribuição de cores aos "pontos do mundo" (125-127). Certas partes desse mundo visual são as "coisas visuais" (128). Uma delas é especialmente importante: meu corpo; ele possui certas propriedades únicas que permitem uma descrição definitiva dele (129). Com sua ajuda, descrições definitivas dos outros sentidos podem ser dadas (incluímos aqui as emoções [130, 131]). As experiências foram agora analisadas em seus componentes qualitativos; estes foram divididos em modalidades sensoriais e componentes. Com a ajuda dessas entidades, todos os processos conscientes podem ser construídos. Eles são complementados pelos chamados processos inconscientes para fornecer regularidades mais abrangentes. Processos conscientes e inconscientes juntos formam o domínio total do autopsicológico. O eu [self] é a classe de estados autopsicológicos (132).
Do mundo visual resulta o mundo perceptual das "coisas perceptuais" através da atribuição das qualidades dos sentidos restantes (133, 134). Essa atribuição é complementada por certas regras de analogia (que correspondem às categorias de causalidade e substância [135]). O mundo perceptual contrasta com o mundo da física, onde atribuímos aos pontos do mundo não qualidades, mas números, ou seja, os valores das magnitudes de estado físico. No mundo da física, leis rigorosas valem, que podem ser formuladas matematicamente, e ele pode ser intersubjetivizado de forma inequívoca; isso constitui uma vantagem sobre o mundo perceptual (136). É possível, no mundo da física, fornecer descrições definitivas de todos os processos e coisas fisicamente diferenciáveis e, portanto, por exemplo, organismos, e entre eles especialmente outras pessoas, e todos os outros conceitos biológicos (137). A relação de expressão e a relação psicofísica podem ser construídas com a ajuda dos processos de "meu corpo" (138).
B. Os níveis superiores: objetos heteropsicológicos e culturais (139-156)
A construção do heteropsicológico consiste na atribuição de eventos psicológicos ao corpo de outra pessoa com o auxílio da relação de expressão. Assim, do ponto de vista da teoria construcional, o heteropsicológico consiste em uma reorganização do autopsicológico. Se a relação psicofísica fosse mais conhecida, então poderíamos usá-la no lugar da relação de expressão para uma construção mais precisa e completa do heteropsicológico. O heteropsicológico, assim como o autopsicológico, é complementado pela adição do inconsciente (140). Para a construção do heteropsicológico, devemos utilizar - além da relação de expressão em sentido estrito - também a "produção de signos", ou seja, as expressões lingüísticas de outras pessoas. A relação de produção de signos é construída em analogia com a aprendizagem de uma língua estrangeira sem intérprete, inicialmente para palavras (141), depois para frases: "relação de relato" (142). Na aprendizagem real de uma língua, a compreensão é, na maior parte, intuitiva; na construção, essa intuição é reconstruída racionalmente (143). Os relatos de outras pessoas agora são usados para construções posteriores: todos os tipos de objetos são enriquecidos, mas nada que seja novo em princípio pode ser trazido para o sistema. Utilizar os relatos dos outros não significa que a base autopsicológica tenha sido abandonada; afinal, os relatos foram elaborados com base nisso (144).
A partir das experiências construídas de outra pessoa M podemos construir o "mundo de M" em analogia à construção do "meu mundo" a partir de "minhas experiências". Agora encontramos duas relações entre os objetos de M e os objetos do meu mundo: 1) a relação de construção análoga, que deve ser levada em consideração especialmente nos níveis inferiores (145) e 2) a correspondência intersubjetiva entre objetos empiricamente idênticos (por exemplo, entre minha Berlim e a de M [146]). Essa correspondência pode ser agora usada para a suplementação de cada um dos dois sistemas (147). Uma classe de objetos intersubjetivamente correspondentes, um dos quais está em meu sistema e o restante nos sistemas das outras pessoas é chamado de "objeto intersubjetivo" (por exemplo, o classe dos objetos "Berlim" nos vários sistemas), eles formam o mundo intersubjetivo (148). É o domínio próprio do objeto das ciências (149).
Os objetos culturais primários (isto é, aqueles que não pressupõem nenhum outro objeto cultural para sua construção) são construídos com base em suas manifestações, ou seja, com base em objetos psicológicos (150). Com sua ajuda podemos então construir os outros objetos culturais, enquanto os objetos sociológicos devem ser construídos predominantemente como relações. A construção do cultural a partir do psicológico não equivale a "psicologizar", pois os objetos culturais formam novas esferas de objetos (151).
Com os domínios do autopsicológico, do físico, do heteropsicológico e do cultural, foram construídos os tipos de objetos mais importantes. Os valores são mencionados como um exemplo de outro tipo de objeto. Eles devem ser construídos com base em "experiências de valor" em analogia à construção do físico com base nas qualidades dos sentidos (152).
Em princípio, todas as afirmações da ciência são traduzíveis em afirmações sobre a relação básica; ela também pode ser eliminada de modo que todas as declarações sejam puramente declarações de estrutura (153)? Acontece que isso é possível, mas apenas se o conceito de uma extensão de relação fundada for adicionado aos conceitos fundamentais da lógica. As extensões de relações fundadas são aquelas que correspondem a relações naturais, vivenciáveis. Permanece problemático se esta adição é permissível (154). A eliminação é esclarecida por meio de um exemplo (155).
O propósito do esboço indicado de um sistema construcional é apenas para ilustrar a teoria. Por outro lado, o que se afirma como válido é afirmado em algumas teses. As teses formais dizem o seguinte: todos os elementos básicos são do mesmo nível. As relações básicas estão no primeiro nível; há apenas um pequeno número deles, talvez apenas um. As teses materiais afirmam: os elementos básicos são "minhas experiências" como unidades não analisáveis; é possível que a lembrança da similaridade seja suficiente como relação básica; o seguinte pode ser construído em sequência: qualidades, sentidos, sentido visual, campo visual, cores, ordem do espaço e do tempo, coisas visuais, meu corpo, os outros objetos autopsicológicos, os objetos físicos, entre eles outras pessoas, objetos heteropsicológicos e culturais, objetos de todos os tipos como objetos intersubjetivos. A construção do mundo da física é uma matriz de números com base na distribuição de qualidades; a construção do heteropsicológico é baseada nas relações de expressão e relatos ou na relação psicofísica; a construção do cultural é baseada na relação de manifestação (156).
Queremos discutir alguns exemplos para mostrar que a ordenação de conceitos que a teoria da construção alcança permite uma formulação mais precisa dos problemas (157).
A. Alguns Problemas de Essência (158-165)
A investigação da distinção tradicional entre conceitos individuais e gerais mostra que estes não são dois tipos de entidade essencialmente diferentes. Os chamados conceitos individuais também devem ser construídos como classes ou relações. A única diferença é que a um conceito individual corresponde uma área conectada na ordem do espaço-tempo, enquanto, para os conceitos gerais, temos tal correspondência apenas com relação a outra ordem (qualitativa). Do ponto de vista lógico, os primeiros não são mais simples ou mais uniformes do que os últimos (158).
Identidade: dois signos são "sinônimos", significam "o mesmo", se forem intercambiáveis em todos os lugares. No uso comum, frequentemente chamamos os objetos de "o mesmo", mesmo que não sejam estritamente idênticos. Essa identificação imprópria é baseada em uma identidade estrita, não de fato dos objetos em questão, mas de objetos em um nível superior (por exemplo, classes às quais esses objetos pertencem); entre os próprios objetos há outra relação, freqüentemente a de genidentidade ou de equivalência relativa a alguma ordem ou à correlação intersubjetiva (159).
Qual é a essência do físico, do psicológico, do cultural? Os objetos desses tipos são quase objetos, auxiliares linguísticos para a representação de certas relações entre experiências (160). Esta é a sua essência construtiva. A indicação da essência científica ou construtiva de um objeto só pode consistir na indicação de critérios para a verdade daquelas sentenças em que ocorre o nome do objeto. Isso pode ser feito, por exemplo, fornecendo definições de cadeia construcional. Questões que vão além disso não podem ser respondidas usando conceitos construtíveis; eles estão preocupados com a essência metafísica dos objetos e estão fora da estrutura da ciência (161).
O problema do dualismo mente-corpo: existem dois tipos de objetos essencialmente diferentes? Resposta: o físico e o psicológico são duas formas diferentes de ordem (analogia: constelações estelares) dos elementos básicos. Existe apenas um tipo de elemento básico, mas não apenas duas, mas muitas maneiras diferentes de ordená-los. Isso não é uma peculiaridade do mundo empírico, mas vale analiticamente para qualquer domínio ordenado (162).
O self é a classe (não a coleção) das experiências (ou estados autopsicológicos). O self não pertence à expressão da experiência básica, mas é construído apenas em um nível muito elevado (163).
A relação de intenção entre um evento psicológico e aquilo que ele significa não é uma relação única e irredutível; ao contrário, é um caso especial da relação entre uma experiência e uma estrutura experiencial típica real que inclui essa experiência (164).
Na ciência, causalidade não significa nada além de dependência funcional. A rigor, não existe no mundo perceptivo, mas apenas no mundo da física. A dependência ocorre entre um estado e um certo valor-limite nas atribuições de magnitudes de estado; portanto, não se aplica entre os eventos. Assim, os conceitos de "causa" e "efeito", que já perderam seu sentido antropomórfico de "provocar" no mundo perceptivo, não têm nenhum significado no mundo da física (165).
B. O problema psicofísico (166-169)
O problema psicofísico da filosofia tradicional pede uma explicação do paralelismo psicofísico (166). Esse paralelismo não pode, originalmente, relacionar-se com o heteropsicológico (167), mas pode ser observado empiricamente apenas como um paralelismo entre a sequência de eventos autopsicológicos e os processos observados de meu próprio cérebro. No entanto, durante essa observação, os processos cerebrais ocorrem como conteúdos de minhas próprias experiências. Portanto, não estamos preocupados aqui com um paralelismo de entidades essencialmente diferentes, mas entre sequências de constituintes de experiências; tais paralelismos ocorrem frequentemente em outros contextos também (168). Na ciência, podemos apenas verificar que existe um tal paralelismo. A interpretação deste fato pertence à metafísica. Na ciência, não podemos sequer colocar uma questão que expresse esse problema metafísico (169).
C. O problema construtivo ou empírico da realidade (170-174)
Podemos usar critérios empíricos para diferenciar entre uma coisa “real” e uma coisa “não real”, por exemplo, uma entidade meramente imaginada, inventada ou erroneamente suposta: o conceito “empírico” ou “construcional” de realidade. Este conceito de realidade mantém a sua validade mesmo num sistema com base autopsicológica (170). Existe uma distinção entre real e não real não apenas nos domínios físico, mas também nos domínios psicológico e cultural. Os indicadores da realidade são os mesmos nos vários domínios de objeto, nomeadamente, a participação num sistema abrangente e governado por leis, e uma posição na ordem do tempo (171). Chamamos objetos que são reais ou não-reais de reais-típicos; para todos os outros objetos, não faz sentido questionar se eles são reais ou não (172). A linha limite do real-típico, tal como traçada pelo uso linguístico comum, tem um curso inconsistente, arbitrário e vacilante (173, 174).
D. O Problema Metafísico da Realidade (175-178)
Existe ainda outro conceito de realidade, geralmente formulado como “independência da consciência cognitiva”. É este conceito que tanto o realismo como o idealismo entendem quando afirmam ou negam a realidade do mundo exterior (175). Chamamos este conceito de realidade de “metafísico”, uma vez que não pode ser definido através de conceitos científicos, isto é, construtíveis; o mesmo vale para o conceito de “coisa em si” (176). Qualquer questão que seja respondida pela teoria da construção, bem como pelo realismo, idealismo e fenomenalismo, é respondida uniformemente (177). As divergências entre as três escolas ocorrem apenas onde elas saem do domínio do construtível, ou seja, do domínio da ciência; contudo, então, não estamos mais preocupados com a epistemologia, mas com a metafísica. O procedimento prático das ciências empíricas é “realista” apenas na linguagem, e não no sentido metafísico. Para as ciências empíricas, o realismo no sentido próprio não tem sentido; deve ser substituído por um “objetivismo” de regularidades legisformes (178).
E. Objetivos e Limites da Ciência (179-183)
O objetivo da ciência consiste em encontrar e ordenar as proposições verdadeiras. Isto é feito, primeiro, através da formulação do sistema construtivo, isto é, a introdução de conceitos - e, segundo, através da verificação das conexões empíricas entre esses conceitos (179). Na ciência, não há questão que seja, em princípio, irrespondível. Pois cada questão consiste em apresentar uma afirmação cuja verdade ou falsidade deve ser verificada. Contudo, cada afirmação pode, em princípio, ser traduzida numa afirmação sobre a relação básica; e cada uma dessas afirmações pode, em princípio, ser verificada através da confrontação com o dado (180). A fé e a intuição no sentido não racional (por exemplo, religioso) nada têm a ver com a distinção entre verdadeiro e falso; eles não pertencem ao domínio da teoria e da cognição (181). Se, como muitos dos próprios metafísicos, entendemos por metafísica não a doutrina dos insights científicos logicamente mais básicos ou mais elevados (isto é, "ciência básica" ou "cosmologia"), mas um domínio de intuição pura, então a metafísica não tem nada a ver com a ciência e o domínio racional; entre os dois não pode haver confirmação nem contradição (182). A posição indicada não é a do racionalismo, pois exige racionalidade apenas para a ciência. Para a vida prática, é reconhecida a existência e a importância das restantes esferas não racionais (183).