1/2020

20/02 – Apresentação do plano de trabalho para o semestre [Prof. Anderson Nakano]

Estudo da obra Theory of Knowledge (1913), de Bertrand Russell. Contextualização da obra e sua inserção nas problemáticas de que trata o grupo de pesquisa.

27/02 – Russell, 1913: Theory of Knowledge, Parte 1, Cp. 1 [Alexandre Katz]

[Descrição Preliminar da Experiência] Russell anuncia o propósito da obra: advogar uma análise da experiência baseada na noção de acquaintance. Dedica-se então a uma descrição preliminar do que se deve entender por experiência, a fim de preparar o terreno para afastar prioritariamente uma teoria antagônica: o monismo neutro. Seis questões são consideradas e, neste percurso, são ofertadas i) uma defesa da memória como relação direta com eventos passados; ii) uma dupla refutação (empírica e lógica) do solipsismo instantaneísta; iii) uma razão para a unidade das experiências presentes, passadas e futuras (que recorre à memória do experienciar passado e, portanto, a uma reflexividade da relação de acquaintance); iv) razões (fracas) para afastar o solipsismo.

05/03 – Russell, 1913: Theory of Knowledge, Parte 1, Cp. 2 [Alexandre Katz]

[Monismo Neutro] O monismo neutro é a posição filosófica que rejeita a separação metafísica entre mente e matéria, aceitando apenas que toda entidade existente é neutra. Após um recorte das principais teses da posição a partir de textos de William James e Ernst Mach, Russell passa a analisar suas virtudes e dificuldades. As virtudes são: i) economia conceitual; ii) sublinhar a negligência dos dualistas no uso do conceito de "espaço". As dificuldades são: i) a impossibilidade de um sujeito em um cenário onde há apenas uma experiência instantânea; ii) a admissão de coisas irreais para explicar a possibilidade do erro; iii) o paradoxo de que fatos atemporais podem ser eventos no tempo com data definida; iv) a definição de conhecimento de James, sobretudo seu conflito com a teoria de Russell; v) noções como "eu", "agora" e "isto" (esta objeção será discutida em um capítulo posterior).

12/03 – Russell, 1913: Theory of Knowledge, Parte 1, Cp. 3 [Pedro Zerwes]

[Análise da Experiência] As características óbvias da experiência parecem mostrar que o experienciar é uma relação dual (acquaintance). Sujeito é o que quer que tenha acquaintance com um ou mais objetos. Uma notável objeção que deve ser enfrentada é a crítica humeana de que não se tem acquaintance com o sujeito. Russell a enfrenta na medida em que sustenta que a acquaintance com o sujeito não é condição necessária para ser verdadeira a sua teoria de acquaintance, uma vez que quando estamos conscientes de experienciar um objeto determinado (O) ocorre como dado o fato “algo tem acquaintance com O”, e portanto sabemos, por descrição, que há sujeito. Ao final da primeira grande parte do capítulo, visa sobrepor sua teoria à do monismo neutro, questionando se esta consegue dar conta do princípio da seletividade, sem o qual seria impossível ter-se “isto”, bem como ter-se “eu” e “agora”, estes dois últimos sendo derivados de “isto”, e os três sendo obtidos por reflexão e experiências especiais. Finalmente, é rejeitada a teoria meinongiana de que o objeto não é acessado diretamente pelo sujeito, mas por intermédio de um conteúdo mental; também é rejeitada a doutrina de que todo conhecimento imediato é limitado a conhecimento de nós mesmos.

19/03 – Russell, 1913: Theory of Knowledge, Parte 1, Cp. 4 [Pedro Jones]

[Definições e Princípios Metodológicos na Teoria do Conhecimento] Após realizar no capítulo III uma análise da experiência e concluir que a relação de acquaintance é fundamental para a experiência, Russell procura estabelecer as definições e os princípios mais básicos de sua teoria do conhecimento. Por parte das definições, são apresentadas as seguintes: 1) Sujeito; 2) Objeto; 3) Fatos Cognitivos; 4) Teoria do Conhecimento; 5) Data. Dentre estas, destaco brevemente a noção fundamental de “Teoria do Conhecimento”, vista por Russell como dividida entre duas ciências, a psicologia e a lógica, que devem explorar juntas o problema da distinção de crenças verdadeiras e falsas. Com esses termos, a psicologia descritiva seria a encarregada de efetuar, através de uma análise da experiência, uma enumeração de todas as relações cognitivas que pressupõem acquaintance; já a lógica ficaria responsável por elucidar a distinção entre verdade e falsidade. Em seguida, por parte dos princípios, cito um que considero o mais importante: Os objetos da acquaintance não podem ser “ilusórios” ou “irreais” – o que acontece devido ao fato de que, como a acquaintence é uma relação dual entre um sujeito e um objeto, toda vez que um sujeito tiver contato com um objeto, tal objeto deve necessariamente existir, caso contrário não haveria sentido afirmar que ocorreu uma relação de acquaintance, já que ela depende da existência de seus dois elementos relacionados.

26/03 – Russell, 1913: Theory of Knowledge, Parte 1, Cp. 5 [Rodrigo Lima]

[Sensação e Imaginação] Introspectivamente, deve haver alguma diferença reconhecível entre o ato de imaginar e a relação que desemboca na sensação. Todavia, o próprio Russell assume que não conseguiu se decidir em relação a duas teorias: i) se o "produto" da imaginação (doravante a imagem) é dado simultaneamente com o sujeito ou ii) se a imagem independe de uma relação temporal com o mesmo. Se for dada simultaneamente ao sujeito, a irrealidade da imagem se baseia em sua incapacidade de obedecer à base empírica da física tal como ocorre com os "sense-data". Se, por outro lado, não obedecer a uma relação temporal, então o ato de imaginar é meramente uma sorte de "acquaintance" com os particulares que não estão localizados temporalmente. No caso das sensações, há uma relação com um particular que, não obstante, envolve simultaneidade (dedutível da natureza da experiência envolvida na sensação) entre sujeito e objeto.

09/04 – Russell, 1913: Theory of Knowledge, Parte 1, Cp. 6 [Anderson Nakano]

16/04 – Russell, 1913: Theory of Knowledge, Parte 1, Cp. 6 [Anderson Nakano]

[Sobre a Experiência do Tempo] Russell define 7 noções que fazem parte dos elementos constitutivos de nosso conhecimento do tempo: (1) sensação; (2) presente; (3) simultaneidade; (4) agora; (5) tempo presente; (6) memória imediata; (7) sucessão; (8) mais cedo (earlier) e mais tarde (later); (9) passado e futuro. A partir desses elementos, Russell elabora uma teoria (relativa) do tempo que explica, do lado subjetivo, como a percepção da mudança é possível e, do lado objetivo, como o tempo forma uma série linear. Russell também enfrenta o problema da recorrência da totalidade dos eventos, e resolve-o estipulando que recorrências dão origem a eventos numericamente distintos. Uma formalização em lógica de primeira ordem da teoria de Russell pode ser encontrada aqui.

23/04 – Russell, 1913: Theory of Knowledge, Parte 1, Cp. 7 [Alexandre Katz]

[Sobre a Acquaintance envolvida no nosso Conhecimento de Relações] Este capítulo trata da seguinte questão: temos, ou não, contato direto com relações? Para respondê-la, Russell primeiro discute criticamente aa tese nominalista, a saber, que as relações são inferidas a partir de particulares. Tal tese é refutada, sobretudo porque pressupõe uma relação não-inferida para efetuar a comparação. Assim, deve haver contato direto com relações, ainda que nem toda relação possa ser conhecida por contato direto (algumas o são apenas por descrição). O próximo tópico discutido é o problema da direção de uma relação. Deve haver algo que diferencia os complexos "aRb" e "bRa". A solução de Russell é dizer que, no primeiro, "a" mantém a relação "ser o primeiro elemento" com "aRb" e "b" mantém a relação "ser o segundo elemento" com o mesmo complexo, ao passo que no segundo as coisas se invertem.

07/05 – Russell, 1913: Theory of Knowledge, Parte 1, Cps. 8-9 [Pedro Zerwes]

[Acquaintance com Predicados] Trata-se de investigar se há acquaintance com predicados. Russell sustentará que “é logicamente possível duvidar se há tais entidades, e também se, em havendo, são objetos de acquaintance. Sustentará também que por mais que haja essa possibilidade lógica não há “razão para atribuir muito peso a nenhuma das duas dúvidas” (uma vez que, defende Russell, (i) pela inspeção dos dados dos sentidos tem-se como altamente provável que haja ao menos predicados tais como “visível” e, (ii) dado que temos acquaintance com relações, não há “nenhum motivo teorético para negar acquaintance com universais que sejam predicados”); e, além disso, que, “no tocante a consequências, as questões duvidosas não são consideráveis o bastante” (segundo Russell, no máximo ocorreria que, com alguma alteração que é irrelevante para as observações feitas neste capítulo, seriam aplicáveis às similaridades específicas). Russell daí assume “que há predicados e que nós temos acquaintance com [alguns de] eles, uma vez que parece altamente provável que essa assunção seja verdadeira, e altamente improvável que ela seja gravemente enganosa se falsa”.

[Dados Lógicos] Russell assumirá o conjunto constituído pelas seguintes premissas: 1- Usamos inteligentemente palavras tais como “predicado”, “relação”, “complexo dual”, bem como palavras tais como “ou”, “não”, “todo”, e “algum”. Além disso, é, também, patente que há casos em que entendemos uma declaração sem termos contato direto com o complexo cuja existência asseguraria a verdade da declaração; 2- É condição necessária de cada um desses fatos que tenhamos conhecimento imediato (possivelmente acquaintance em um sentido alargado do termo) de forma lógica (e.g. xRy). Dadas as premissas, responde ao problema deste capítulo – o qual é: como é possível dar-se cada um daqueles atos inteligentes? – afirmando que temos, em cada caso, acquaintance com forma lógica.

14/05 – Russell, 1913: Theory of Knowledge, Parte 2, Cp. 1 [Lucas Saran]

[O Entendimento de Proposições] Dando continuidade ao projeto que guiava o inacabado manuscrito de 1913, Russell, no capítulo aqui estudado, passa a considerar o pensamento proposicional atômico. Nesse estudo, Russell inicia com a tentativa de se pensar aquilo em que se constituiria uma proposição; conforme esse problema evolui, ao longo do capítulo, ele é levado a abordar um outro problema que está associado ao primeiro: em que se constitui “entender uma proposição”? Esses dois problemas estão associados na medida em que Russell é levado a concluir que um caminho para se lidar com o problema da proposição é encontrar o que há em comum entre as diversas atitudes proposicionais (entender, crer, duvidar e etc.); ora, assim como a relação de acquaintance caracteriza o mais elementar dentre os “fato cognitivos”, a relação envolvida em “entender uma proposição” é a mais elementar envolvida em um fato que expressa uma atitude proposicional. Daí a importância de se tratar dos problemas envolvidos em “entender uma proposição”. Conforme lida com esses problemas e caminha para o desfeche do capítulo, Russell é levado a tratar de problemas clássicos (da filosofia) como o problema do falso (que remonta ao Sofista de Platão) e o problema da unidade da proposição.

21/05 – Russell, 1913: Theory of Knowledge, Parte 2, Cp. 2 [Pedro Jones]

[Análise e Síntese] Seguindo o rumo do capítulo anterior, Russell considera agora um novo modo de se “entender uma proposição”: através do método de análise e do método de síntese. “Entender uma proposição”, por vias da análise, seria desmembrar os termos de uma proposição complexa para que possamos saber quais são cada um de seus constituintes (“azul” e “amarelo”), bem como a relação que os combina (por exemplo, uma “diferença”); no caso da síntese, o processo é o mesmo, porém no sentido inverso, partindo dos termos constituintes e ligando eles através de uma relação. A justificativa epistemológica destes dois procedimentos de investigação de uma proposição não é tão óbvia e certos problemas filosóficos de Teoria do Conhecimento precisam ser tratados para que possamos empregá-los com segurança. O debate central do capítulo, portanto, será justificar como a análise é possível sendo que não sabemos se conhecemos um todo junto de suas partes, ou como sabemos que partes precisamos unir para chegar ao todo que desejamos conhecer, em suma, precisamos saber como conhecemos a relação do todo com suas partes, e vice-versa. A resposta que Russell dará para o problema se resume na forma em que o sujeito dirige sua atenção para um objeto, podendo focalizá-la no todo enquanto também está em acquaintance com as partes, ou então dar ênfase nas partes enquanto também está em acquaintance com o todo. Esta resposta pressupõe que é possível ter acquaintance com o que não estamos atentos, como no caso da memória imediata, que lembramos de algo que tivemos contato, mas que não prestamos atenção no momento presente, apenas quando lembramos o acontecimento. (p. 177)

28/05 – Russell, 1913: Theory of Knowledge, Parte 2, Cps. 3-4 [Rodrigo Lima]

[Vários Exemplos de Entendimento] Exemplos de entendimento de proposições são considerados. O primeiro é o de proposições que não possuem constituintes e que, portanto, só resta a forma pura ou forma simples. Curiosamente, podemos ter acquantaince direta com tais formas e, no caso, teríamos uma relação dual que independe de constituintes - uma relação entre sujeito e formas simples. Outros exemplos são elencados de entendimento de proposições com constituíntes. No caso de proposições com relações assimétricas, deve haver alguma explicação para a diferença na direção/orientação de sentenças: "A ama B" e "B ama A". Russell analisa o entendimento de tais proposições por um sujeito S como: "S entende que há um complexo formado por A, B e a relação de amor em que A mantém a relação com tal complexo de "ser o primeiro elemento", ao passo que B mantém a relação de "ser o segundo elemento".

[Crença, Descrença e Dúvida] A análise da crença deve ser análoga à análise da compreensão de uma proposição. Os mesmos constituintes adentram um complexo constituído por uma mesma forma lógica. A diferença baseia-se no fato de que no ato de crer há uma espécie de relação, ao passo que na compreensão há uma outra. Crítica da posição de Hume segundo a qual a crença é uma relação dual entre o sujeito e o objeto da crença. A relação dos constituintes dos complexos não se dá no pensamento, mas na própria possibilidade de interação entre os objetos reais da acquaintance (cf. correspondência com Frege sobre o Mont Blanc e "toda sua neve").

04/06 – Russell, 1913: Theory of Knowledge, Parte 2, Cp. 5 [Alexandre Katz]

[Verdade e Falsidade] Russell mobiliza uma teoria correspondentista de verdade. Nesta teoria, verdade significa correspondência com um complexo unívoco, cujos componentes atômicos são não-permutativos. Deste modo, relações permutativas só podem ser conhecidas por descrição e auxílio da posição dos elementos em um complexo. Feito isso, a teoria deve ser comparada com rivais e protegida de objeções, tratadas individualmente no decorrer do capítulo.

11/06 – Russell, 1913: Theory of Knowledge, Parte 2, Cp. 6 [Thiago Estivelet]

[Autoevidência] "O tópico da autoevidência, que consideramos na sequência, é importante por introduzir-nos pela primeira vez a algo que pode ser chamado conhecimento, ao oposto da mera crença. Descobrimos que deve haver algumas crenças de cuja verdade não pode haver dúvida, embora elas não sejam obtidas por inferência; se isto não fosse o caso, não poderia haver tal coisa como o conhecimento. Descobrimos que tais crenças devem ser reconhecidas por inspeção, e ainda não definidas por nenhuma característica puramente psicológica. Elas devem portanto envolver referência a fatos com os quais estamos acquainted. A definição a que chegamos é: uma crença é autoevidente quando estamos acquainted com sua verdade, i.e., com o fato de que há um complexo composto por seus termos-objetos. Vimos que há crenças que são autoevidentes nesse sentido, e que por vezes é autoevidente que elas são autoevidentes". (p. 178)

18/06 – Russell, 1913: Theory of Knowledge, Parte 2, Cp. 7 [Lucas Saran]

[Graus de certeza] Russell trata da questão dos graus de certeza; trata-se aí de lidar com problemas que podem ser expostos na forma das seguintes questões: há qualquer justificação lógica para graus de certeza? Há alguma base para se acreditar mais firmemente em algumas coisas em detrimento de outras? Na tentativa de lidar com esse tipo de questão, Russell toma, como caminho, a reflexão sobre a memória: trata-se, principalmente, de refletir a respeito do tipo de memória que não envolve conhecimento direto. Esse tipo de memória tende a trazer, em seu auxílio, uma imagem; além disso, a memória não imediata é caracterizada por, muitas vezes, permitir um julgamento. Assim, conforme a passadidade (pastness) é dada ou julgada e conforme o objeto (da memória) é dado ou descrito, é possível distinguir quatro tipos de memória: Memória perceptiva por acquaintance, Memória perceptiva e descritiva, Memória-acquaintance-judicativa e Memória perceptiva e descritiva. Fazendo uso de uma reflexão bastante densa, o filósofo inglês (Russell) analisa cada um desses quatro tipos de memória. Após essa análise destacam-se (como sua conclusão e como elemento atrelado a ela) dois aspectos: a vagueza imanente ao processo no qual, por meio de uma imagem, procura-se representar um objeto passado; a conclusão de que a noção de graus de certeza não é uma noção última, de modo que um julgamento que parece incerto é, na verdade, um julgamento certo que difere com relação aos seus objetos.


Bonus track

23/07, 30/07, 06/08 – Russell, 1914: Mysticism and Logic [Rodrigo Lima]

No impulso metafísico coexistem duas inclinações: a primeira delas é o misticismo, traço este que, segundo Russell, advém ao homem à maneira de uma revelação; a segunda é a ciência, característica discursiva, paciente, que pondera e avalia as hipóteses. No caso dos grandes pensadores, sobretudo quando do início da filosofia – quando ainda tateávamos no método científico – essa mistura de ambas as tendências nos proporcionou conjecturas como as de Platão e Heráclito, que incursionaram em ambas as esferas. Dado o caráter da revelação, pertence ao místico a certeza absoluta de um saber inefável, recebido no decorrer de uma experiência inarticulada – um momento de “insight”. Decorre dessa epifania a segurança de que o tempo, assim como distinções morais, são manifestações ilusórias e que, ademais, a unidade reinaria onde o conhecimento discursivo não pode penetrar. Para Russell, o misticismo nos propicia uma postura adequada diante da vida, mas nos leva a um erro (epistemológico) inegável, fator este que a paciente investigação científica permite ao homem evitar.

Russell nos sugere um contraste de profundas consequências entre (i) razão/intuição e (ii) unidade/multiplicidade. No que toca ao primeiro ponto, segundo o filósofo britânico, os momentos de “insight” (os instantes de iluminação) vivenciados pelos místicos não são duradouros, não servem para a constituição de uma base sólida ao conhecimento; e ainda que os defensores de tal hipótese indiquem uma primazia do ato instintivo ou mesmo da própria intuição em relação à inteligência, a análise e a justificativa da experiência mística fazem uso da razão – não à toa, Russell empreenderá uma série de objeções à filosofia de Bergson. Russell parece sugerir que o “instinto/intuição” à la Bergson é do mesmo cunho que a experiência mística. No segundo caso, sua repreensão nos remete ao fato de que usualmente os místicos propõem a unidade de todas as coisas, resultando no panteísmo em matéria religiosa e no monismo em termos filosóficos. Este movimento, no entanto, não se deve a uma reflexão ponderada, não se deve à análise racional – nada mais é do que um esforço inadequado de “moldar” a lógica à necessidade do “insight místico” em questão.

Finalmente, Russell irá atacar as noções temporais e as divisões morais (bem/mal). A sugestão de que o tempo é irreal no ínterim do misticismo parece uma constante nas teorias de seus proponentes. Todavia, essa hipótese é falaciosa.. O imbróglio reside no fato de que toda afirmação a respeito do tempo deve passar ao crivo da ciência e os seus métodos. Tais teorias (as de apelo místico) tomam por certo, sem qualquer investigação anterior, algo ainda não provado nem justificado - a ideia de que o tempo não existe. Quanto ao último aspecto, a subjetividade do par bem/mal, Russell demonstra que o filósofo não deve propor de antemão uma análise que se baseie em um prisma ético. O filósofo, ao modo dos cientistas, deve permanecer imune à tentação de julgar seus objetos com base em um esquema prévio de interpretação. A neutralidade ética seria crucial ao sucesso da investigação. A própria decomposição dos valores (inexistência de bem/mal) já trairia um impulso ético na construção da teoria. Por fim, o misticismo nos ensina uma postura adequada: o "espanto" diante da vida, a curiosidade em ir além; porém, seus métodos são errôneos, pois que pressupõem uma série de elementos indisponíveis à perquirição epistemológico-científica.