2.1. Curitiba - análise de dados cartoriais

Júlio César Gonçalves da Silva | Mestre em Ciência Política pela UFPR e professor de sociologia do IFPR no campus Colombo

Fonte: Elaboração própria a partir de dados da Secretaria Estadual do Paraná e do Portal Transparência - Registro civil consultados em 21 mai. 2020

Diante do avanço da pandemia provocada pelo coronavírus no Brasil, o Grupo de Pesquisa em Sociologia e Políticas Sociais do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal do Paraná se somou aos esforços para o entendimento do problema. O presente informe tem como objetivo apresentar algumas informações e reflexões com base na análise de dados cartoriais.

O Portal da Transparência – Registro Civil elaborou um Painel COVID registral no qual é possível acompanhar os dados relativos aos registros de óbitos ocasionados pelo coranavírus. Além disso, o painel permite comparar os números de óbitos por doenças respiratórias em 2020 com as que ocorreram no mesmo período em 2019, o que faz dele uma ferramenta quase obrigatória para nós pesquisadores, tendo em vista que uma das questões mais candentes do momento para discutir a evolução da pandemia no Brasil é pensar metodologias científicas capazes de contornarem o problema da subnotificação.

A utilização desse material exige alguns cuidados. O principal deles é considerar que existe um delay entre o óbito, seu registro no cartório e a publicação no portal. O próprio portal permite diferenciar a data de óbito e de seu registro. Porém, entre o registro, sua publicação no portal e o óbito, percebemos que pode existir um intervalo de até mesmo um mês de diferença. De qualquer modo, quanto mais distante temporalmente, os dados representam de forma mais fiel a realidade. Observamos que são sobretudo os dados dos últimos dez dias que sofrem as maiores mudanças. Por essa razão, utilizar dados menores que um intervalo de segurança de dez dias pode conduzir a equívocos importantes.

A análise dos dados desse portal demonstram que as informações apresentadas pela Secretaria Estadual de Saúde (SESA) do Paraná também podem ser fonte de muitos enganos. Em primeiro lugar, é possível perceber que a subnotificação ocorre também aqui no estado. No período compreendido entre a data do primeiro óbito por COVID-19 registrado nos cartórios paranaenses (19 de março) e a data limite do intervalo de segurança que indicamos acima (o que corresponde hoje ao dia 11 de maio), ocorreram 67 mortes por SRAG. No mesmo período em 2019 foram somente 15. Essa diferença de 346,66% permite deduzir que boa parte desses óbitos atribuídos à SRAG foram provocados, na realidade, por COVID-19.

Em segundo lugar, e mais importante, é possível observar que os dados cartoriais revelam uma quantidade e um ritmo de propagação da epidemia muito superior ao que verificamos quando acompanhamos a evolução a partir da data de notificação pela SESA. O boletim epidemiológico recém publicado pela SESA notificou 137 óbitos acumulados por COVID-19 no Paraná. Enquanto isso, o Portal da Transparência – Registro Civil informou na sua última atualização (10h44 do dia de hoje) que foram registrados em cartório 345 óbitos por COVID-19 ou sua suspeita. Ou seja, uma diferença de 151,82% em relação aos notificados pela SESA. Se tomarmos o dia 11 de maio como data de segurança metodológica, a diferença fica em 147,74%. O gráfico acima permite visualizar bem a comparação das informações apresentadas pelas duas fontes.

A diferença que é possível perceber do ritmo de propagação da doença chama ainda mais atenção do que a diferença de quantidade que apresentamos acima. Se observamos os dados dos óbitos pela data da notificação, temos impressão que o Paraná não alcançou um estágio preocupante de propagação da doença. A linha de óbitos acumulados notificados pela SESA assume aproximadamente a forma de uma reta em diagonal próprio de uma progressão aritmética e não a de uma curva exponencial. Infelizmente, os dados cartoriais indicam que isso pode não passar de uma ilusão. A linha de registros cartoriais de óbitos acumulados por COVID-19 no Paraná assume inequivocamente a temível forma de curva exponencial, o que constitui um forte indício de que a tendência atual é do agravamento da situação da pandemia no Paraná.