Obras

Haydée Nicolussi foi a primeira escritora modernista capixaba, na década de 20 já ousava escrever poemas sem rimas e métricas.

Apesar de ter apenas um livro publicado, Festa na sombra (1943), essa não foi sua única obra. Podemos dizer que a autora capixaba foi muito dinâmica em sua produção literária, pois além de poemas, escreveu também crônicas, contos, ensaios, artigo de opinião e traduções.

Muitas de suas produções foram publicadas em revistas e jornais do Espírito Santo e do Rio de Janeiro. Desde textos doces e cheios de recordações da infância a textos politizados, essa foi Haydée Nicolussi. Vejamos abaixo excertos dessa diversidade, do conto A boneca quebrada (1941) ao poema Zabumba, publicado em um concurso literário da revista Vida Capichaba (1934):

― Se me recordo...

Eu tinha seis anos.

Rua do vilarejo, rua de chão batido, comprida, burguesa, tortuosa. Pomares meio

hortas, meio jardins pelos intervalos das casas: rosmaninhos e aloendros que floresciam

pacatamente à sombra de grandes jaqueiras, de tamarindos, de carambolas, pinhas e cambucás.

(A Boneca Quebrada (1941)

Hoje tem revolução?

Tem camarada

Contra a guerra imperialista?

Tem camarada!

Contra a gana dos palhaços?

Tem camarada!

Contra o horror da escravidão?

Tem camarada!

(Zabumba (1934)

Textos maravilhosos, não é mesmo? Com esses pequenos trechos podemos perceber como Haydée consegue nos inserir facilmente no seu universo textual, sempre reflexivo, seja uma reflexão saudosa sobre a infância ou impulsora de lutas diárias.

Seu único livro de poemas nos chama atenção pelo título: Festa na sombra, publicado em 1943, uma compilação de poemas que escreveu desde a década de 20. Sobre Alfredo Chaves, sua cidade natal, inseriu nesse livro “Evocação”, poema que traz memórias de uma infância bucólica nas montanhas capixabas:

Ritmos remanescentes de infância,

amarílis,

amarílis amarelas,

solidão das madrugadas,

pés nus nos areais gelados,

vestidos frios de bruma,

vento dando nas tabuas,

dedaleiras cor de rosa,

flores, flores venenosas,

azuis, azuis luminosos,

que resta dos dias idos?

- Lembranças… lembranças nuas…

trapos perdidos…

“Festa na sombra”, poema que dá título ao livro foi publicado em O Jornal, também 1943, com uma ilustração da deusa Niké:

Festa na sombra de todas as horas, triste baile da esperança,

desmoronando-se em sonhos-pesadelos [...]

Festa de ausências, de todas as ausências,

Festa no escuro subterrâneo do desencanto e da dúvida.

[...]

Peregrinos da sombra caminhamos

numa alegria contraditória e constrangida:

- esbanjamos energias em favor dos saciados.

Racionamos a fé entre vidas vazias.

Infelizmente, essa escritora viveu muitas turbulências, por isso acabou perdendo muitas obras. Nicolussi foi uma autora consagrada dentro do Espírito Santo e poderia ter sido reconhecida nacionalmente por sua escrita inovadora e temas fascinantes, mas acabou sendo esquecida, nossa intenção é resgatar esses escritos tão valiosos e tocantes.

Haydée presente!!!

Em 1966, Haydée Nicolussi, com 61 anos, tem seu poema "Bruxaria" inserido em antologia francesa da poesia brasileira (La Poésie Brésilienne, TAVARES BASTOS, Ed. Seghers, 1966), representando a poesia de autoria feminina junto a dezenas de escritores e apenas quatro mulheres, entre elas Cecilia Meireles. Conheça "Bruxaria! em sua versão original clicando na seta.


BRUXARIA


EM QUE AMOR PRESÍDIO

EU FUI A MINHA DOR ENTERRAR:

NEM LUA OU SOL DE ALVORADA

NAS GRADES DO MEU CISMAR.

ESTOU PERDIDA NUMA ILHA,

ILHA SEM RIO NEM MAR.

QUE NOS CONHECEMOS?!

SÓ OUÇO EM TORNO ASSOBIOS

OU SILÊNCIOS ASSOMBRADOS,

MURANDO EM CACOS DE VIDRO

MEUS ROTEIROS FRACASSADOS.

SENHOR! DAI-ME SILÊNCIOS SÁBIOS

OU CANÇÕES DE BONS AUGÚRIOS.

DAI-ME GESTOS ESTELARES

QUE ILUMINEM O CÉU ESCURO

NA PENUMBRA DO MEU SONHO,

DESATEI FONTES DE BEIJOS

E ABRI CLAREIRA NA MATA,

PARA DAR POUSO A ESTE AMOR.

E ELE PASSOU TÃO DISTANTE,

TÃO ILHADO EM SUA MÁGOA,

QUE EU TIVE A IMPRESSÃO DE UM ECLIPSE

APAGANDO NO MEU PEITO

MIRAGENS DE LUAR NUNS GALHOS.