Gêneros

Entre sonetos, poemas e contos, Nicolussi erguia-se como escritora e desbravava os espaços deixados para sua escrita na revista Vida Capichaba, na ambiência modernista que remodelava conceitos e ideias no país. Começou a ver na escrita uma forma de ser monetizada por uma função em que podia ser "livre" para expressar seus sentidos e sensações. Sendo assim, em 1926, publica seu primeiro texto, o Soneto “Parábola”, porém esse ainda não seria seu primeiro texto consagrado como modernista. Após o soneto, ainda em Vida Capichaba, publicou o conto “A lenda do purgatório”, em 1927, inaugurando uma série de contos de temática bíblica, mística ou indigenista.

Em 1928, Haydée Nicolussi não mediu esforços para escrever e publicou no jornal os títulos: “Victória do Espírito Santo”, seu primeiro poema modernista, “A vida inútil”, “Evangelho”, “Velha lenda”, “Símbolo supremo”, “As flores de mogorim”. Ainda em 1928, a escritora apostou no gênero crônica, ligado aos acontecimentos humanos e costumeiros, e publicou “Crônicas de viagem”.

Além dos títulos acima, Nicolussi publicou contos infanto-juvenis, um desses “As flores para Nossa Senhora, em 1931. Em dado momento de sua carreira como escritora, escrevendo ainda como sustento de sua vida, alma e mente, trabalhou como tradutora, tendo assim uma produção voltada para as traduções, uma delas Goethe e a Revolução Francesa, de Buckarin, publicada em 1934. No início da década de 40, publicou diversos poemas que, reunidos, constituíram seu livro Festa na Sombra, publicado no final de 1943, que a consagrou como uma grande poeta brasileira. Entre 1942 à 1954, publicou uma série de crônicas intituladas Diário de uma era inquieta, que organizou em formato de livro, ainda inédito.

Também publicou, ao longo da vida, ensaios, críticas e resenha e se manteve escrevendo sonetos, poemas, crônicas e contos (adultos e infantis), além das publicações periódicas em jornais e revistas até 1967, falecendo em 1970, no Rio de Janeiro.

Inserida na 2ª fase do movimento modernista e sendo simpatizante do Partido Comunista, opositor ao governo de Getúlio Vargas, teve textos e ilustrações de livros roubados e queimados pela polícia política da época. Aplicava em seu texto as características modernistas, escrevendo sem rima e métrica, e também aderindo aos valores deste movimento cultural, com sua crítica à burguesia, à tradição, à ordem social e cultural, em nome da revolução e de valores populares. Além disso, a musicalidade e sinestesia de seus textos embalam o leitor inserindo-no em toda uma atmosfera de suas palavras.

Observe o poema abaixo intitulado "Evocação", que retoma as brincadeiras de criança, e o bucolismo de sua infância. Apresentando todo o bailado sonoro e sinestésico de sua poesia, que não nos leva só para sua vida adulta, mas por relatos e flashs de uma menina autora:

Ritmos remanescentes de infância,

amarílis,

amarílis amarelas,

solidão das madrugadas,

pés nus nos areais gelados,

vestidos frios de bruma,

vento dando nas tábuas,

dedaleiras cor de rosa,

flores, flores venenosas,

azuis, azuis luminosos,

que resta dos dias idos?

- Lembranças… lembranças nuas…

trapos perdidos…

Noivados de pitangueiras,

araçazeiros maduros,

mapurungas e mupês,

gostos acres, verdes, puros.

- em que dicionário esconso

nossos lábios vos acharam,

frutinhas da mata escura?! –

Cantigas de sabiás,

gemidos das inambus,

choro das rolas viúvas,

sustos de maracajás,

ritornelos de cascatas,

histórias de Siá Rumana,

pios, pios de coruja,

(quem vos matou velhas bruxas?)

- Saudades…

Saudades fundas de outra idade,

de outras eras…

Pôr de sóis por trás das folhas,

bolhas, bolhas de água e espuma,

batizados de bonecas,

cozinhados de samaras,

louça achada nos monturos ,

luares, berços de prata,

balouçando atrás das serras,

depois... O PRIMEIRO LIVRO!

Duendes maus, boas fadas,

e romances,

romances de capa e espada!

(In: Festa na sombra, 1943, p.11 -13)

Nicolussi escreveu contos infanto-juvenis em jornais e revistas e textos mais voltados para o público adulto, esses recheados de críticas, saudando o naturalismo brasileiro e a estética prestigiada da época. Após sua prisão por envolvimento nos movimentos comunistas, iniciou sua autobiografia intitulada Os desambientados, posteriormente interrompida, voltando-se a produzir contos, crônicas e poemas, esses últimos, os mais relevantes para a autora, que teve uma grande reconhecimento da crítica e dos escritores da época por seu livro Festa na sombra.


ALMEIDA, Júlia. O discurso paratópico de Haydée Nicolussi: literatura e política. Estudos linguísticos: abordagens e análises interdisciplinares. São Carlos: Pedro & João Editores, 2020. p. 21-39. Disponível em: ebookspedroejoaoeditores.files.wordpress.com/2020/08/e-book-v-conel-1.pdf

NICOLUSSI, Haydée. Festa na sombra. Vitória: Secretaria de Estado da Cultura do Espírito Santo, 2005.

RIBEIRO, Francisco Aurélio. Ainda resta uma esperança. Haydée Nicolussi: vida e obra. Vitória: Academia Espírito-santense de Letras/ Editora Formar / Secretaria Municipal de Cultura, 2007.