Comunicadores enfrentam novos modelos de trabalho em meio à era digital
Nas últimas duas décadas, o jornalismo foi sacudido por uma revolução silenciosa, marcada pelos avanços tecnológicos e pela flexibilização das dinâmicas de trabalho. O cenário, outrora dominado pela estabilidade das redações tradicionais, agora exige que os profissionais sejam muito mais do que contadores de histórias; é preciso que sejam estrategistas, navegantes de um mercado turbulento.
Não se trata apenas de escrever ou apurar com precisão, mas de dominar o jogo da gestão, de entender negócios, de reinventar-se a cada curva inesperada do caminho. Surge, então, uma figura que traduz esses tempos de reinvenção: o jornalista empreendedor. Mas o que significa, de fato, vestir essa nova pele? Quais são as portas que se abrem – e os abismos que se escancaram – para quem decide trilhar essa rota de autonomia e ousadia?
O jornalismo empreendedor ganhou força como um sussurro urgente em meio ao estrondo da crise econômica de 2008, especialmente nos Estados Unidos. Nas escolas de jornalismo, surgiram disciplinas que falavam de inovação, instigando alunos a vislumbrar caminhos próprios, a criar projetos ousados que escapassem às molduras tradicionais.
Mas essa guinada ao empreendedorismo, apesar de promissora, não é a panaceia para a precarização que aflige a profissão. Ela nasce mais como resposta ao vácuo de oportunidades, uma tentativa de reinventar a prática jornalística diante de desafios que se avolumam: a queda nas receitas publicitárias, a resistência do público em pagar por notícias, a sensação de um futuro sempre um passo além do alcance.
As redações fecham suas portas. Nos corredores digitais, novas organizações emergem, mas num mercado fragmentado. O jornalista que antes assinava reportagens em veículos impressos vê-se, agora, em uma dança incerta: freelancers de si mesmos, empreendedores por necessidade, arquitetos de negócios que os sustentam enquanto reconstroem, pedra por pedra, o significado do seu ofício.
Prosperar no jornalismo atual exige mais do que talento para narrar histórias; demanda audácia para desbravar o território digital, transformando desafios em oportunidades. Dominar o marketing digital, compreender as dinâmicas das redes sociais e identificar nichos específicos tornam-se passos indispensáveis para criar projetos que vão além das notícias tradicionais, atendendo a públicos segmentados.
O êxito dos jornalistas empreendedores está em não apenas em suas habilidades editoriais, mas na capacidade de administrar suas iniciativas com negócios. É um jogo de múltiplas frentes: captar recursos, dialogar com o público, distribuir conteúdos por plataformas digitais – tudo isso com uma visão estratégica afiada. Ser jornalista empreendedor, portanto, é abraçar uma série de competências que extrapolam as salas de aula e desafiam os limites da formação convencional, mas que hoje definem quem está disposto a reescrever os rumos da profissão.
Ainda que o empreendedorismo tenha se tornado uma resposta frequente aos desafios do jornalismo, ele não é o único caminho. Algumas organizações e coletivos de jornalistas estão desenhando novas rotas, baseadas em colaboração e sustentabilidade. Modelos como cooperativas, onde profissionais se unem em prol de um ideal comum, oferecem uma alternativa para aqueles que desejam seguir no jornalismo sem precisar abraçar, necessariamente, o espírito do empreendedor individual.
Com uma dinâmica cada vez mais exigente, desafia os profissionais a reimaginar o próprio futuro. Para muitos, o empreendedorismo é uma ferramenta de sobrevivência, uma forma de continuar praticando o ofício que amam. Mas, mais do que isso, há uma necessidade urgente de criar modelos de trabalho que equilibrem inovação e dignidade, preservando o papel essencial do jornalista como guardião da informação na sociedade. Para mergulhar nessa realidade, a Viral conversou com dois jornalistas que vivem de perto essas transformações.
Mayra Rodrigues, jornalista e assessora de imprensa, tem 28 anos e carrega na bagagem a formação pela Universidade Santa Cecília. Para ela, o jornalismo de hoje não permite hesitação: desde o primeiro passo na profissão, é preciso olhar para o mercado com lentes empreendedoras. "Eu acho que o futuro do jornalista é ter uma mentalidade empreendedora, porque os empregos nas redações estão ficando cada vez mais escassos. As agências querem serviços muito mais pontuais, então acho que o jornalista hoje em dia tem que sair da faculdade com a mentalidade empreendedora", explica.
Mayra, que tem experiência como executiva de atendimento ao cliente em uma agência como Pessoa Jurídica (PJ), relata que a mudança no modo de atuação abre portas para novos projetos e permite ao profissional explorar diferentes habilidades. Para ela, o empreendedorismo e 'ser sua própria empresa' traz a liberdade de fazer os próprios horários e evitar a rigidez de um contrato CLT, embora isso nem sempre signifique segurança:
"Com certeza ampliou o mercado de trabalho porque você consegue mais oportunidades em lugares diferentes, além do fato de também ter a liberdade de fazer os próprios horários. Tem lugares que você é PJ, mas eles colocam você em acordos de trabalho. Acho que isso pode beneficiar o trabalhador, porque você consegue construir a sua carreira da forma que quer, sem ficar apegado a regras e burocracias de um contrato CLT".
Apesar das oportunidades, o caminho do empreendedorismo no jornalismo não é fácil. Os desafios incluem a falta de formação empresarial e o risco da instabilidade financeira, especialmente para profissionais que se lançam no mercado como PJ. Segundo Mayra, um dos maiores erros que jornalistas empreendedores podem cometer é tentar fazer de tudo ao mesmo tempo, sem foco:
"Um dos principais erros é tentar abraçar o mundo ao invés de começar com o que te traz segurança e você sabe fazer bem. Empreendedores precisam ter uma mentalidade mais focada, saber o que realmente podem fazer e o que querem fazer." Ela também aponta a insegurança que surge devido à ausência de benefícios formais, especialmente em momentos de vulnerabilidade, como a gravidez.
"Fiquei grávida e tive que me afastar pelo INSS. Isso trouxe insegurança porque, como PJ, a empresa não tinha obrigação comigo. Mas, no fim, consegui me afastar, e tudo deu certo. Rola essa insegurança. Com certeza, se eu tivesse um registro em carteira, teria ficado mais tranquila".
Renato Rovai, jornalista, editor e fundador da Revista Fórum, compartilhou sua jornada no jornalismo empreendedor, repleta de desafios e transformações. Graduado em jornalismo pela Universidade Metodista e com pós-graduação pela USP e UFABC, ele é reconhecido por sua dedicação ao jornalismo independente e digital.
Rovai começou sua trajetória em 1994, quando fundou a Publisher Brasil com seu então sócio, Norian Segatto. “Alugamos uma pequena sala na Praça da República e dividimos o tempo entre lá e os empregos que tínhamos. Éramos nós dois e um office boy, o Sandro, que fazia de tudo, desde atender telefone até levar os disquetes para gráficas". Com o tempo, a editora evoluiu, publicando mais de 20 livros e oferecendo serviços para sindicatos, vereadores e pequenas empresas.
Em 2001, Rovai deu o passo decisivo que mudaria o rumo da Publisher ao lançar a Revista Fórum. Motivado pelo sucesso do Fórum Social Mundial, ele viu uma oportunidade para criar uma revista que dialogasse com o público de esquerda, ao contrário das mídias tradicionais da época.
Sem um grande orçamento para publicidade, a revista foi promovida por e-mail e com apoio de um público engajado, que rapidamente a transformou em referência.
A Fórum enfrentou várias crises financeiras, mas Rovai persistiu. “Chamei uma consultoria da Fundação Getúlio Vargas para discutir o projeto. Eles iniciaram o trabalho, mas logo desistiram, dizendo que o projeto não seria sustentável. Se eu tivesse acreditado nisso, teria parado". A mudança para o digital, em 2013, foi um marco, e a revista migrou para o formato online para acompanhar a velocidade das mudanças na sociedade.
Hoje, a Revista Fórum é um dos portais mais acessados do Brasil, com uma equipe distribuída internacionalmente e cerca de 70 a 80 milhões de visualizações mensais em várias plataformas.
Para além dos desafios, o jornalismo empreendedor oferece oportunidades que, há alguns anos, seriam inviáveis. Com nichos de mercado em expansão, há espaço para veículos menores e focados em temas locais ou especializados, onde grandes empresas não atuam. A transformação no campo jornalístico exige dos profissionais técnica e uma nova postura, onde cada jornalista atua como gestor de sua própria carreira.
Neste novo cenário, o futuro da profissão se relaciona diretamente com a capacidade de adaptação e inovação, onde o jornalista não apenas reporta a informação, mas também a organiza, vende e administra.
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