EXPOSIÇÃO VIRTUAL
Mudar o ensino de Língua Portuguesa
Era o ano de 1978 e JW retornava à Ijuí-RS após dois anos de afastamento da instituição em que trabalhava, para realizar o curso de pós-graduação em linguística na Unicamp. Voltava cheio de ideias. Dava aulas para os alunos do último ano do curso de letras. (...) Conta que a insistência dos alunos, ao lado de sua realidade de trabalho, repleta de conflitos, impasses e frustrações- e ao lado das discussões surgidas em cursos de extensão para professores de portugues em que também atuava naquela ocasião levaram-no a alterar a ementa de uma disciplina que ocorria simultaneamente à [disciplina de] Prática de Ensino, então sob sua responsabilidade. (...) que naquele espaço novo do currículo começou a buscar uma primeira articulação dos pontos de vista defendidos na análise da linguagem com a prática de ensino de língua portuguesa. Conta, ainda, que concomitantemente a essas reflexões, iniciou com os alunos uma primeira experiência de trabalho em sala de aula do 1.º grau, segundo as diretrizes ali discutidas. Assim é que os “Subsídios” começaram a ser produzidos. No cotidiano da sala de aula da universidade e da escola de 1.º grau. Fora da materialidade da escrita. Como texto oral no qual se entrecruzam muitas vozes, muitas perguntas e tentativas de respostas. Dali, passaram a circular como “Notas de Sala de Aula”. Eram trocadas entre alunos do último e do primeiro ano do curso, porque uns e outros, independentemente do semestre que cumpriam, compartilhavam do trabalho de sala de aula na escola de 1.º grau como realidade de todo dia. Apenas em 1981, quando JW estava novamente em Campinas para a realização de seu doutorado, aquelas ideias receberiam um tratamento diferente que resultou numa primeira versão escrita, enviada à Ijuí para publicação nos cadernos da FIDENE. Em 1984, com pequenas alterações, os subsídios foram republicados em companhia de outros textos relacionados à mesma problemática, dando origem ao livro “ O Texto na Sala de Aula: leitura e produção”.
SILVA, L. L. M. Mudar o ensino de Língua Portuguesa: uma proposta que nem venceu e nem se cumpriu mas que merece ser interpretada. Tese de Doutorado, FE/Unicamp, 1994. (trechos de textos das páginas 43-52)
O Nascimento do Livro
… a ASSOESTE - Associação Educacional do Oeste do Paraná - convida novamente os professores do IEL [Instituto de Estudos da Linguagem - Unicamp] e entra em contato com João Wanderley Geraldi, fazendo a proposta dos cursos para 530 professores. Organiza uma reunião geral em inícios de 1984, com participação de técnicos da Secretaria de Educação, CETEPAR, UFPR e a presença do Wanderley. Ele informou que havia sido constituído um grupo de pesquisa na UNICAMP e a decisão era de que não havia interesse do grupo em ministrar cursos naquela modalidade no oeste do Paraná. Ou seja, os cursos até poderiam fazer parte do projeto, mas o primeiro e fundamental era organizar um conjunto de textos com os pressupostos teóricos e metodológicos do ensino da língua portuguesa.(...) O projeto foi aceito e aprovado por todos, com algumas restrições de técnicos de Curitiba, com o título “O Texto na Sala de Aula”. O professor Wanderley fez a organização dos textos e a ASSOESTE fez a composição e a impressão. Nasce, assim, a 1ª edição do livro “O Texto na Sala de Aula - Leitura e Produção”, 1984, com mil exemplares. Na sequência, ainda em 1984, são organizados e ministrados mais de 15 cursos em língua portuguesa, com professores da UNICAMP e da UFPR, atendendo mais de 500 professores de 1º e 2º graus. Foi o primeiro teste do livro. (...) no oeste do Paraná as inovações ganharam novas forças, alimentadas cada vez mais pelos textos do novo livro e por teorias e métodos inovadores. Sete edições do “O Texto na Sala de Aula” são lançadas pela ASSOESTE no período de 1984 a 1987. O livro passa a ser distribuído pelo Brasil afora.
KUIAVA, J. O Nascimento do Livro In: O texto na sala de aula: um clássico no ensino de língua portuguesa, SILVA, L. L. M. et all (orgs), Campinas, SP: Autores Associados, 2014. (trechos de textos das páginas 80-82)
Entrevista com Wanderley
Em 1983, a ASSOESTE, uma associação de secretários municipais de educação da região oeste do Paraná, pede um curso para professores de português. Marcamos uma reunião prévia e fui para lá (Cascavel) para esta reunião com a equipe pedagógica da ASSOESTE e com membros da Secretaria da Educação do Estado do Paraná. Nesta reunião defendi que, na minha opinião, não adiantava mais um cursinho de 40 horas, e que eu achava que cursos de atualização de 40 horas como vinham sendo dados até aqueles tempos, como ações esporádicas, não eram adequados. Todos nós já tínhamos participado deste tipo de ‘formação continuada’ e os resultados nunca tinham sido aqueles esperados: uma mudança nas práticas de sala de aula. Então, todos nós elaboramos um projeto de trabalho, que teve financiamento da ASSOESTE, das Secretarias Municipais de Educação e órgãos da Secretaria da Educação do Paraná, levando em conta alguns princípios e condições:
1) ofereceríamos os cursos com vagas suficientes para abranger todos os professores (de Língua Portuguesa) em exercício na região oeste do Paraná, qualquer que fosse a rede de ensino a que pertencessem, estadual, municipal ou particular. (...) tivemos que organizar 11 turmas, funcionando ao mesmo tempo, em duas etapas, a primeira etapa com 11 turmas, a segunda etapa com mais outro tanto de turmas. Houve vagas para todos os professores de português, entre setembro e outubro de 1984 (...) Eram turmas regionais, com os cursos nas cidades maiores da micro-região. Sei que nós atendemos toda a demanda dos 600 professores. (...) E esse grupo de professores que deu o curso utilizou uma apostila de textos, que é “O texto na sala de aula”, e que, em lugar de ser rodado como apostila, foi rodado na forma de livro pela ASSOESTE. E eu organizei a coletânea de textos como coordenador do projeto para os professores usarem no curso, para darem aulas para os professores da rede. O livro é, portanto, um material didático (...) Você me perguntou sobre o critério de seleção dos textos que compõem a coletânea, e eu respondo que eles foram escolhidos por sua adequação a um programa de curso intensivo para professores, pensado a partir da ideia de que era necessário explicitar um conjunto de posições e ao mesmo tempo a elas articular um conjunto possível de práticas de sala de aula.
2) um compromisso de que durante as 40 horas do curso os professores vivenciaram o que se propõe como unidades básicas do ensino de língua, de modo que ao chegarem ao final do curso eles teriam passado por práticas de leitura de textos, práticas de produção de textos e práticas de análise linguística.
3) o último turno do curso seria apenas para os professores que se decidissem a experimentar a proposta com ao menos uma de suas turmas no ano letivo seguinte (1985), para organizar grupos de professores, agenda de estudos e encontros ao longo do próximo ano. Dessa forma, saímos do curso com grupos e coordenadores de grupos de cada cidade em que haveria professores tentando elaborar uma nova forma de ensino de língua.
4) a equipe pedagógica da ASSOESTE assumiu o compromisso de dar apoio aos professores, acompanhando a experiência e nós nos comprometemos a retornar para seminários de discussão e aprofundamento teórico que tomasse como ponto de partida a experiência feita por cada professor.
Assim, não se tratava de um mero curso para cair no esquecimento, mas de um projeto mais amplo de continuidade. Nestas continuidades acabamos tendo novos professores interessados no curso inicial, e estes novos professores já tiveram como seus professores os colegas que já tinham uma experiência prática a narrar e a discutir.
PAULA, L.F O projeto do Wanderley: entrevista com João Wanderley Geraldi In O texto na sala de aula: um clássico no ensino de língua portuguesa, SILVA, L. l. M. et al (Orgs.) Campinas, SP: Autores Associados, 2014. (trechos de textos das páginas 183-187)