Não lamente os que partiram sem realizar os sonhos

Há uns anos perdi uma pessoa muito querida que sonhava em fazer uma viagem específica caso melhorasse, e ela partiu sem que fosse realizado. Você já deve ter lamentado a partida de alguém, principalmente quando esses são jovens, e pensamos o quanto ainda poderiam ter vivído. Alguém que não havia concluído a faculdade; que sonhava em ser mãe; que planejava abrir um negócio próprio, que ia lançar um livro ou uma música, e nunca pudemos ler, ouvir ou ver a realização.


Costumamos julgar a vida pela forma como ela termina, e geralmente a morte não parece ter alguma beleza. Às vezes comparamos, dizemos que alguém teve uma “boa morte”, onde a pessoa que partiu dormiu tranquilamente e não acordou. E onde ficam os começos e os meios? Você e eu já conhecemos alguém que deixou na memória uma extrema bondade, porém teve um último momento trágico, doloroso, de tal maneira que pensamos “ela não merecia esse fim”.


Ainda pensando na minha pessoa querida, lembrei do quanto ela era esforçada, de quantos obstáculos conseguiu superar, lembrei dos outros sonhos que já haviam sido realizados, e então concluí algumas coisas. Uma delas é que todas as pessoas que partem nos deixam a sensação de que ainda havia algo a fazer, e isso é bom, porque significa que a vida estava em movimento, não estava estagnada mesmo diante das dificuldades ou impossibilidades. E mesmo com um duro diagnóstico, ela ainda conseguia sonhar. Nenhuma realização acontece se não houver a válvula propulsora do desejo, do sonho, e se isso estava aquecido concluímos que a vida estava funcionando. Esperar pode ser difícil, mas todas as pessoas que esperam são avivadas por uma expectativa.


Por favor, não lamente os sonhos de que não realizou. A realização pode ser tão relativa quanto o que chamamos de sucesso. O sucesso e a realização para um agricultor é ver o milharal produzir; para uma sofrida mulher sertaneja é ver a chuva cair; para uma determinada blogueira é alcançar milhões de seguidores nas redes sociais; para outros é se destacar entre muitas pessoas que fazem a mesma coisa, e talvez para quem partiu era justamente a expectativa que sentia durante a jornada.


Imagine um jovem compositor que nunca teve a sua música executada, ao partir, o sentimento que o movia era que estava no caminho. Para nós, que continuamos aqui é o de não-realização. Outro dia, eu pedi em oração que quando chegasse a minha hora de partir, eu tivesse mais sonhos do que os que tenho hoje. Isso designa a aparência de coisas que não  foram realizadas, mas para mim significa que eu estava em movimento. Será que realizamos tudo como nos contos de fada? E esquecemos que depois do “felizes para sempre” a vida continuou de um jeito que só podemos imaginar.


Essa é uma das dores do luto. No entanto, não há luto maior do que não ter expectativas, sonhos e desejos em vida. Essa é uma luta, em grande parte, travada por quem enfrenta a depressão, as síndromes e os transtornos. Por que as pessoas vão às terapias? Por que elas buscam alguma forma, ainda que poeiril, de se expressar? Pode ter milhões de respostas, e eu acredito que em grande parte vem de uma expectativa de reavivar os sonhos, de sentir que algo estão movendo-as. A gente precisa sentir esse movimento e é uma bem-aventurança os que partem movidos pela vida.


Não sabemos como vamos partir, mas conhecemos nossos começos e meios. Talvez ainda nem chegamos ao meio. Talvez começamos algo novo, hoje. Talvez estejamos fazendo a promessa de começar. O importante é se certificar de que há movimento.


Não lamente. Não julgue as coisas pela forma como terminam. Nós somos muito mais do que costumamos chamar de “fim”.


Abraços,

Marcos de Sá