11 passos do combate à desnutrição (BRASPEN)

É indiscutível que o debate sobre a demanda de pacientes que se encontra em quadro de desnutrição no setor hospitalar se mostra muito importante, já que grande parte destas pessoas acabam em complicações e vindo ao óbito.

A Sociedade Brasileira de Nutrição Parenteral e Enteral (BRASPEM) desenvolveu uma pesquisa avaliando 4 mil pacientes internados na rede pública hospitalar de vários estados brasileiros e Distrito Federal. Onde constatou uma prevalência de desnutrição em 48,1%, sendo que 12,6% dos pacientes apresentam desnutrição grave e 35,5% eram moderadas. Nas regiões Norte e Nordeste tiveram maior prevalência, alcançando 78,8% na cidade de Belém do Pará. Os dados têm datação de quase 20 anos, e esse cenário ainda permanece nas mesmas condições atualmente ¹

Foi por meio desses indicadores, que a BRASPEM desenvolveu essa campanha com o objetivo de reduzir gradativamente as taxas de desnutrição no ambiente hospitalar por meio de ações que foram adicionadas em triagem, diagnostico, manejo e tratamento desta condição do paciente.

Contudo, foi criado um método mnemônico com a própria palavra “DESNUTRIÇÃO”. E assim, os 11 passos do combate à desnutrição foram desenvolvidos e vão ser descritos posteriormente.

Então nossa equipe desenvolveu um breve resumo baseado no artigo disponibilizado pela instituição sobre o assunto.


D - Determine o risco e realize a avaliação nutricional

Os métodos de triagem nutricional são de grande importância para determinar o grau clínico do paciente. O IMC é um elemento que dificulta o reconhecimento do quadro do paciente desnutrido, já que os pacientes obesos também podem estar desnutridos. É por esse motivo que os fatores de risco relevantes são a redução da ingestão alimentar recente, a perda ponderal, o edema, perda da massa magra e do tecido adiposo do paciente, além da redução da capacidade funcional. A Avaliação Global Subjetiva (AGS) é um exemplo de ferramenta validada e amplamente utilizada em hospitais, tendo sido desenvolvida em 1987 e, desde então, é empregada com sucesso em diversos grupos de pacientes. ²

A triagem nutricional deve ser registrada nos prontuários dos pacientes em até 24h após a admissão hospitalar, deve ser repetida semanalmente em pacientes sem risco e que permanecem hospitalizados. O nutricionista é o responsável pela triagem nutricional em grande parte dos hospitais. Em geral, deve ser submetidas avaliações aos pacientes com risco nutricional e aqueles que apresentam longo período de permanência no hospital ¹.

E - Estabeleça as necessidades calóricas e proteicas

A ferramenta para calcular a necessidade energética dos pacientes ainda segue como principais desafios. Apesar do padrão ser por meio da calorimetria indireta (CI), seu alto custo pode ser seu fator inviável na prática clínica. Dentre as equações preditivas disponíveis, todas apresentam limitação e baixa acurácia quando comparadas à CI, apresentando assim grande probabilidade de hipo ou hiperalimentação (BRASPEM, 2018). Ao se comparar com equações complexas com a regra de bolso, se baseando no peso dos pacientes com uma amostra de 8000 doentes graves, não observou diferença na mortalidade, no entanto aconteceu a menor permanência em paciente que utilizaram a regra de bolso para calcular as necessidades energéticas ³.

Com relação às necessidades proteicas, as recomendações atuais de necessidade de alta oferta. Enquanto a ingestão de proteínas recomendada para pessoas saudáveis gira em torno de 0,8 a 1,0 g/kg/dia, a recomendação proteica para o doente não obeso vai de 1,2 a 2,0g/kg/ dia4. Dados clínicos preliminares apontam que ofertar até 2,5 g/kg/dia, principalmente em pacientes críticos, é seguro5. Porém, são necessários estudos de alta qualidade para avaliar qual seria realmente a oferta ideal.

S - Saiba a perda de peso e acompanhe o peso do paciente pelo menos a cada 7 dias

A avaliação da porcentagem de perda de peso é importante preditor de risco nutricional. Além disso, o peso corporal é considerado informação essencial na assistência direta ao paciente, porque reflete o somatório dos componentes corporais e, na maioria das vezes, é incorporado nas ferramentas de triagem nutricional e nos controles de cuidado interprofissional, seja na admissão hospitalar, em atendimentos ambulatoriais ou cuidados domiciliares 6,7

N - Não negligencie o jejum

O tempo excessivo de jejum dos pacientes durante a internação hospitalar identificado em alto grau, contribuindo com fator de risco para a desnutrição8. Os principais motivos que levam ao jejum excessivo incluem pausas para exames e procedimentos diagnósticos, interrupções antes ou após procedimentos cirúrgicos ou como parte do controle de sintomas gastrointestinais (náuseas, vômitos e diarreia) e espera de avaliação funcional da deglutição9

U - Utilize métodos para avaliar e acompanhar a adequação calórica ingerida versus estimada

A diferença entre infundido e prescrito, muitas vezes, é causada por pausas de infusão para exames, jejum para procedimentos e demora no início da terapia nutricional. Isso ao longo da internação contribui para déficit calórico proteico cumulativo, desnutrição intra-hospitalar, aumento do tempo de internação e de custos associado10 11 12

T - Tente avaliar a massa e a função muscular

Ao decorrer que o grau de desnutrição vai aumentando, podem aparecer alterações funcionais na composição corporal do paciente13 14. Neste sentido, a avaliação nutricional ideal deve ter sensibilidade para detectar as alterações da composição corporal e mudanças funcionais orgânicas decorrentes da desnutrição. Em pacientes desnutridos, ocorre perda preferencialmente de massa muscular, constituída por fibras do tipo II (de resposta rápida). A função de contração muscular, porém, é muito mais prejudicada nas fibras do tipo I (de resposta lenta)1

Os principais métodos disponíveis no ambiente hospitalar para avaliar massa muscular são: espessura do músculo adutor do polegar (EMAP), circunferência da panturrilha (CP) e bioimpedância elétrica (BE)15

R - Reabilite e mobilize precocemente

Duas recentes meta-análises mostram que melhoram a força muscular periférica e respiratória, a capacidade física e funcionalidade, a qualidade de vida, além de diminuir o tempo de ventilação mecânica e de internação na UTI e no hospital16 17. A reabilitação e mobilização precoce são muito seguras, com incidência de apenas 0,6% de eventos adversos que necessitaram de alguma intervenção18.

I - Implemente pelo menos dois indicadores de qualidade

O controle da qualidade do cuidado em saúde é alicerçado em indicadores utilizados como ferramentas de avaliação19. Um indicador é unidade de medida de atividade específica ou uma medida quantitativa que pode ser usada como guia para monitorar e avaliar a qualidade de importantes cuidados providos ao paciente, bem como as atividades dos serviços20.

Indicadores de qualidade em terapia nutricional (IQTN) são importantes ferramentas de avaliação e monitoramento de qualidade da TN, ao identificar possíveis dificuldades e falhas relacionadas aos protocolos de cuidados nutricionais providos ao paciente21.

C - Continuidade no cuidado intra-hospitalar e registro dos dados em prontuário

O prontuário tem suma importância na assistência dos pacientes sob TN. Ele é um documento obrigatório e direito de todo paciente, de acordo com o Art.87 do Código de ética do médico22. Com isso, é fundamental que, nas anotações de prontuário, os lançamentos da EMTN descrevam como as intervenções nutricionais se coadunam com o momento clínico do paciente.

A - Acolha e engaje o paciente e/ou familiares no tratamento

A doença e a incapacidade são experiências comuns em ambiente hospitalar e frequentemente desencadeiam impactos negativos, como medo, ansiedade e depressão, que podem afetar diretamente a parte alimentar23 24.

O papel educacional da EMTN também deve ser compreendido em sua complexidade, pois são as informações transmitidas durante o período de internação que garantem o engajamento do paciente na capacitação para o autocuidado25 26.

O - Oriente a alta hospitalar

A preparação para a alta só começa quando o paciente já está clinicamente apto a deixar o hospital. Portanto, tarefas que requerem tempo, como educar os pacientes com relação à nutrição, reconciliação medicamentosa, agendamento de acompanhamentos e organização do transporte, necessitam de planejamento27 28

Outro elemento importante do processo de alta é garantir que os pacientes e/ou familiares estejam empoderados para gerenciar em casa e garantir a continuidade do tratamento1

Referências

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2 - Detsky AS, McLaughlin JR, Baker JP, Johnston N, Whittaker S, Mendelson RA, et al. What is subjective global assessment of nutritional status? JPEN J Parenter Enteral Nutr. 1987;11(1):8-13.

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4 - McClave SA, Taylor BE, Martindale RG, Warren MM, Johnson DR, Braunschweig C, et al. Guidelines for the Provision and Assessment of Nutrition Support Therapy in the Adult Critically Ill Patient: Society of Critical Care Medicine (SCCM) and American Society for Parenteral and Enteral Nutrition (A.S.P.E.N.). JPEN J Parenter Enteral Nutr. 2016;40(2):159-211.

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25 - França F, Campos L, Freixo AC. O papel do nutricionista na equipe multidisciplinar em terapia nutricional. Rev Bras Nutr Clin. 2012;27(2):119-23

26 - Barreto JKS, Lima TEC. Educação continuada permanente. In: Piovacari SMF, Toledo DO, Figueiredo EJA, eds. Equipe multiprofissional de terapia nutricional. Rio de Janeiro: Atheneu; 2017. p.445-54.

27 - The Advisory Board International – Clinical Operations Board. The Discharge Strategy Handbook: Creating Capacity by Eliminating End-of-Stay Delays. Washington: Adivisory Board Research; 2013.

28- Weintraub B, Jensen K, Colby K. Improving hospital wide patient flow at Northwest community hospital. In: Joint Commission Resources. Managing patient flow in hospitals: strategies and solutions. 2nd ed. Oak Brook: JCR Department of Publications; 2010. p. 129-52.