Evolução

9. O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?

Nunca tive dificuldade em escrever, mas a relação entre o pensamento e a linguagem melhorou. Eu consigo escrever cada vez melhor o que eu penso, e pensar o que estou escrevendo, fluí mais naturalmente, o que na filosofia não é obvio.

Além disso, geralmente eu escrevo em Inglês, que não é a minha língua nativa. Mas isso, apesar de dar mais trabalho, pode ser uma vantagem. É bom ter um psiquismo menos automatizado e condicionado por uma ferramenta, a língua materna, que a gente apreendeu sem consciência, repetindo como um papagaio. Também um estrangeiro escrevendo em Inglês, pode, se consegue bem dominar as regras de base desta língua, escrever de uma maneira mais compreensível que um nativo, escrevendo um Inglês mais universal.

Isso de fato é a continuação do que aconteceu com a transformação do Inglês britânico em Inglês americano. Um dos meus autores favoritos de língua inglesa é o autor americano Fredric Brown. Fiquei lendo as versões originais da obra dele para melhorar meu Inglês, escrevo então mais no estilo americano. .

Uma coisa parecida aconteceu com o Português. Gosto muito do Português do Portugal, em particular o Fado, mas eu pratico mais o Português do Brasil.

Para melhorar meu Português, fiquei assistindo novelas brasileiras na televisão, onde os atores têm uma pronúncia muito clara, escutando música e lendo livros.

Do ponto de visto do estilo de escrita, um dos autores que gosto mais é Rubem Fonseca. Ele tem um jogo de linguagem que é muito agradável (e.g. Bufo & Spallanzani), um pouco equivalente à do Queneau, conhecido por ter transformado a língua francesa da rua numa coisa poética (e.g. Le Dimanche de la Vie).

Não diria nada especial para mim mesmo voltando atrás. Passei por uma série de transformações que foram interessantes. Minha língua nativa é o francês, minha mãe é originária da Suíça (Suisse Romande) e meu pai da França (Vendée). Na escola estudei Alemão, Inglês e Latim, e depois estudei sozinho Português (passei um primeiro ano no Brasil em 1991) e Polonês (fiquei um ano e meio na Polônia em 1992-1993). Comecei nessa altura a escrever principalmente em Inglês, uma língua que eu acho boa para articular o pensamento filosófico, porque ela é mais direita, mais simples, mais flexível, e ao mesmo tempo tem uma boa riqueza de vocabulário e expressões idiomáticas.

Esses últimos cinco anos passei para uma outra dimensão, escrevendo textos (em Inglês, Francês ou Português) usando sistematicamente imagens.

Comecei a fazer isso escrevendo um artigo sobre a imaginação ... Levei quase 10 anos antes de sentar e escrever o artigo Possibility, Imagination and Conception, que foi publicado em 2016.

Comecei a conversar sobre este assunto em 2006 com Alexandre Costa-Leite, que na época era meu doutorando e assistente na Suíça (hoje é professor do Departamento de Filosofia da Universidade de Brasília - UnB), e que foi um dos primeiros a elaborar uma lógica da imaginação.


Organizei em Neuchâtel na Suíça (cidade de Jean Piaget) um congresso interdisciplinar sobre essa temática em 2007, dei aula sobre o assunto no Departamento de Psicológia da Université de Neuchâtel


Os anos seguintes fiz palestras no mundo inteiro sobre a imaginação.

Nessa metodologia, o uso das imagens não se reduz a ilustrações, mas as imagens são usadas para desenvolver o pensamento, o entendimento. Isso para mim é natural porque na matemática se pratica isso (Cf. Proof without words) . Todavia fazer isso na filosofia é um certo desafio, frente a condenação original das imagens por Platão. Mas de fato ele mesmo usa “imagens”, tal que a alegoria da caverna.

Fiz meu mestrado de filosofia sobre essa alegoria. Escrevi um texto ficcional satírico em três partes: uma aula de um professor de colégio (interpretação clássica flutuando no céu das ideias), uma conversa sobre a interpretação do filósofo da Floresta Negra, Martin Heidegger (paródia do Jean Beaufret - fui aluno de um aluno dele no Lycée Henri IV), uma palestra na Nova Acrópole (misturando neoplatonismo, plotinismo e filosofia New age). Também juntei neste mestrado representações visuais da caverna (a mais famosa é a pintura de Pieter Jansz Saenredam, 1604). A minha orientadora, Sarah Kofman, gostou muito. Fazer filosofia ficcional sobre Platão é mais do que logico...

Recentemente editei um livro de cerca de 1.000 páginas sobre a imaginação, em conjunto com Daniel Schulthess, ex-colega meu de Neuchâtel , resultado de um evento sobre esta temática que organizei na praia no Leme no Rio de Janeiro em 2018 (L'IMAGINATION), com a benção de Clarice Lispector.

No capítulo introdutório deste livro, que é tudo em Francês, porque o evento foi promovido pela ASPLF – Associação das Sociedades de Filosofia de Língua Francesa (Schulthess era presidente dessa organização, agora ele é presidente de honra), eu falo sobre as línguas, dizendo que escrever tudo numa língua só seria a mesma coisa que fazer música usando sempre o mesmo instrumento, por exemplo o piano.

Me parece importante não só ler e falar diferentes línguas, mas também escrever em várias línguas.

E tenho muitas outras ideias para desenvolver novas maneiras de escrever. Eu comecei a escrever um texto na forma de uma novela da televisão brasileira, não do ponto de vista dos personagens, mas do ponto de visto do ritmo.

A ideia é de escrever uma sequência  de artigos, o espaço entre os artigos e aproveitado para desenvolver  a interação com os leitores, levada em conta para o próximo episódio. Todavia não pretendo publicar um episódio diariamente.

O assunto desta novela é o vazio, um assunto cheio de surpresas e esta novela inclui imagens e vídeos.