Letramento Midiático

O QUE HÁ POR TRÁS DO JOGO: LETRAMENTO MIDIÁTICO


Com as medidas de distanciamento social recomendadas para conter a disseminação da Covid-19, as TDIC passaram a desempenhar um papel fundamental para minimizar os impactos econômicos e sociais resultantes do atual estado de pandemia. Essas tecnologias, mais do que antes, tornaram-se o principal meio de comunicação entre as pessoas, o mediador entre os cidadãos e serviços públicos e, até mesmo, com as aulas remotas, o principal ambiente de ensino e aprendizagem. Essa necessidade de manter o distanciamento social não só acelerou o processo de expansão das TDIC, como evidenciou a desigualdade social existente no Brasil, desigualdade essa que limita o acesso à informação a parcela mais vulnerável da população.

De acordo com pesquisa realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), no último trimestre de 2019, portanto, antes da pandemia da Covid-19, existia uma diferença relevante quanto ao uso da internet entre estudantes da rede pública e privada de ensino. (BRASIL, 2019). Segundo dados publicados pelo Instituto, 98,4% dos estudantes da rede privada utilizavam a internet, contra 83,7% dos da rede pública de ensino. A diferença entre percentuais, torna-se ainda mais visível nas regiões norte e nordestes, onde apenas 68,4% e 77,0% dos estudantes da rede pública utilizam a internet, enquanto, na rede privada, esses percentuais sobem para 88,6% e 91,3%, respectivamente. (BRASIL, 2019).

Apesar da pesquisa ter sido realizada antes do cenário da Covid-19, ela apresenta um panorama das dificuldades que milhões de estudantes enfrentam, atualmente, para realizar atividades remotas nesses meses em que as Instituições de Ensino encontram-se fechadas. Outra pesquisa, mais recente, realizada pelo Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (CETIC) entre os meses de junho e setembro de 2020, demostrou que as principais barreiras enfrentadas pelos estudantes, ao frequentarem aulas remotas no período da pandemia da Covid-19, foram dificuldades de conversar com os professores para tirar dúvidas, a falta ou baixa qualidade da conexão à internet e a falta de estímulo para estudar. (CETIC, 2021).

A preocupação quanto à desigualdade no acesso à internet entre os estudantes brasileiros chegou ao Congresso Nacional e ganhou a forma de Projeto de Lei nº 3477 de 2020, também conhecido como “PL da Conectividade”. O Projeto de Lei prevê, no período da pandemia, o acesso à internet aos estudantes e professores das redes públicas de ensino. Embora tenha sido aprovado no Congresso, o “PL da Conectividade” foi vetado integralmente pelo Executivo Federal. Segundo o atual Ministro da Educação, Milton Ribeiro, a melhor alternativa para garantir o acesso à internet seria o Projeto de Lei nº 9165 de 2017, que possui como objetivo garantir as condições necessárias para estimular o uso das tecnologias como ferramenta pedagógica na rede pública de educação básica. (CÂMARA, 2021). Enquanto a questão é debatida em Brasília, milhões de estudantes permaneceram sem aulas nesse período de pandemia.

Nota-se que garantir o acesso à internet a todos os brasileiros ainda é um desafio, que envolve não só questões políticas, como também de infraestrutura, porém, é importante ressaltar que garantir apenas o acesso não assegura a plena formação do cidadão. É necessário ir além, é importante desenvolver habilidades, conhecimentos e atitudes para que, tanto os indivíduos, como a sociedade tirem melhores proveitos das informações disponíveis nas TDIC.

Segundo Horton Jr. (2007), uma forma de se promover um acesso igualitário e enriquecedor às informações disponíveis nas TDIC é através do letramento midiático que possui três pilares: acessar a mídia, entender criticamente as mídias e saber se expressar e produzir conteúdo:

· Acessar a mídia, envolve conhecimentos e capacidade técnicas para usar hardware e software, como por exemplo; ter acesso à internet, saber navegar pelos sites e conteúdos disponíveis nas TDIC, armazená-los (os conteúdos) e consultá-los quando necessários. Além disso, ter noção sobre as legislações e outros regulamentos na área, tais como, liberdade de expressão e proteção de privacidade.

· Entender criticamente as mídias, inclui as habilidades de compreender, interpretar, contextualizar e criticar as informações, isso abrange saber diferenciar estilos textuais como metáforas, ironia, textos jornalísticos, dentre outros. Saber verificar a confiabilidade das fontes e conseguir ter uma opinião própria sobre os conteúdos que tem acesso e usá-los de forma enriquecedora gerando conhecimento para si e para a sociedade.

· Expressar e produzir conteúdo, consiste em interagir com as mídias, se posicionar sobre as informações, saber expor o seu ponto de vista e suas ideias de forma clara. Envolve, também, dialogar com o outro, respeitando as diferentes opiniões, e tornar-se cidadãos mais ativos e participativos na construção de uma sociedade mais democrática e justa.

Assim o letramento midiático ajuda a compreender o papel social dos meios de comunicação e a desenvolver habilidades de autoexpressão. Além disso, estimula, nos sujeitos, a capacidade investigativa e o senso crítico para analisar os conteúdos que recebem, criam e compartilham.

O letramento midiático pode ser desenvolvido através da educação midiática ou por meios de práticas pedagógicas rotineiras que incentivem o uso e a interpretação crítica das mídias deve, também, evidenciem, para os sujeitos, como os fatores culturais impactam e são impactados pelas mídias, tanto positiva, quanto negativamente. Resumidamente, pode-se afirmar que o letramento midiático, como propõem Wilson, Grizzle, Tuazon, Akyempong e Cheung (2013), permite que as pessoas busquem, avaliem, usem e criem informações nas mídias, a fim de atingirem suas metas pessoais, sociais, ocupacionais e educacionais.

Esse trabalho foca, principalmente, em estimular o estudante a analisar criticamente as mídias, saber se expressar e produzir conteúdo. O jogo educativo que foi desenvolvido, ao longo desta pesquisa, teve como propósito possibilitar que os seus jogadores desenvolvam habilidades básicas para criticarem e analisarem informações, e se tornarem cidadãos e profissionais bem-informados. Isso pode ajudá-los a usar as informações e ideias disponíveis nas TDIC para tomarem decisões, ao longo da vida, de forma mais precisa e completa. Dessa forma, a intenção do jogo é promover o letramento midiático entre os seus usuários.

Para Ferrari, Ochs e Machado (2020), a análise crítica da mídia consiste em criar o hábito de ler as mídias de forma reflexiva, essa leitura envolve:

· entender o papel e a influência da mídia na sociedade, incluindo aqui as plataformas de mídias sociais;

· compreender o direito à comunicação e a garantia da liberdade de expressão, importante acrescentar a defesa da democracia;

· reconhecer o ponto de vista, o partidarismo e objetivo por trás das informações;

· ter domínio sobre os mecanismos de produção e circulação de informações na grande mídia e em outros meios de comunicação;

· entender a nova lógica de comunicação que fundiu os papéis de autor e consumidor de informações e quais são as consequências dessa fusão;

· refletir sobre a poluição informacional, considerando as suas causas e consequências;

· considerar e criticar a comunicação das marcas por meio de canais próprios, parcerias, conteúdo patrocinado e influenciadores, para saber diferenciar conteúdo espontâneo de publicidade.

Quanto à competência de se expressar e produzir conteúdo, Ferrari, Ochs e Machado (2020) defendem que envolve as habilidades de:

· fazer uso adequado de imagens, áudio e outros recusos midiáticos;

· compreender a linguagem própria de cada mídia e saber dialogar com e nessas diferentes mídias;

· ter consciência de suas escolhas criativas e estéticas;

· analisar as vantagens e desvantagens de cada ferramenta segundo o seu objetivo;

· praticar a análise e a autorreflexão, enquanto autor.

Dessa forma, o jogo educativo, fatooufake.me, tentou abordar todas essas habilidades, de forma lúdica e interativa, através de temas retirados das mídias sociais ou sugeridos por professores. Além de um jogo educativo, o jogo fatooufake.me foi elaborado para ser um instrumento de coleta de dados, a fim de entender o conhecimento prévio dos estudantes sobre os temas abordados nas simulações propostas pelo jogo e, também, traçar perfis sobre os jogadores; isso possibilita uma intervenção pedagógica mais focada e adequada aos conhecimentos dos estudantes.

Trazer para a aula uma variedade de textos autênticos e decodificá-los de forma crítica e cotidiana é uma maneira de aproximá-la do universo do aluno, com chances muito grandes de ampliar o aprendizado não só do componente curricular mas do modo como selecionamos as informações, entendendo os tipos diferentes de mensagens e o modo como chegam até nós. (FERRARI; OCHS; MACHADO, 2020, p. 54).

A Educação Midiática engloba, tanto o letramento midiático, como o letramento informacional. Wilson, Grizzle, Tuazon, Akyempong e Cheung (2013) apresentam a diferença entre esses dois tipos de letramento:

· Informacional se preocupa mais com a localização, organização e acesso à informação, bem como, com o uso ético das informações e com as habilidades que envolvem a acesso e processamento delas. Ou seja, o letramento informacional enfatiza a importância do acesso à informação e o uso ético dessas;

· Midiático se dedica à compreensão do papel e função dos meios de comunicação, busca avaliar criticamente os conteúdos midiáticos, considerando o seu importante papel social para a construção e manutenção de sociedade livre e democrática, além de estimular a autoexpressão, a produção de conteúdos agregadores, a participação e o engajamento social.

Na prática, a educação midiática envolve ensinar os estudantes a buscarem e checarem as informações, além de criarem e publicarem conteúdos agregadores que atendam aos princípios democráticos.

Ferrari, Ochs e Machado (2020) defendem que os estudantes devem ser incentivados a “entrevistar”, confrontando as informações que acessam ou recebem com 5 perguntas chave: 1. Quem criou a mensagem? 2. Há evidências para sustentar o que está sendo comunicado? 3. Qual é a intenção da mensagem? 4. Em que momento e circunstância esse material foi criado e está sendo disseminado? 5. Quem pode ser beneficiado ou prejudicado pelo conteúdo?

A educação midiática possui o potencial de promover cidadãos mais esclarecidos e com isso, gerar debates mais enriquecedores para a sociedade, porém, Livingstone (2019) alerta que só o letramento não é suficiente, que a educação não deve ser considerada como “a bala de prata” para resolver todos os problemas da era digital, tais como discurso de ódio, cyberbullying, conteúdo hackeado, notícias falsas, dentre outros. A professora Livingstone (2019) lista os três principais desafios a serem superados pela educação, de maneira geral, para que, a partir disso, se avance na educação midiática. São eles:

· Investimento, pois a educação é uma solução cara em termos de tempo, esforço e infraestrutura;

· Formação de adultos, tendo em vista que eles, também, são agentes de mudança na sociedade digital e precisam estar inseridos, de forma crítica, nessa realidade;

· Superação da desigualdade social, dado que a educação por si só não garante a igualdade entre as pessoas. Além de uma educação de qualidade para todos, são necessárias políticas públicas voltadas ao atendimento das necessidades daqueles que mais precisam, assistência para a fatia mais vulnerável da sociedade.

Para a educação midiática, especificamente, Livingstone (2019) lista alguns desafios:

· Transparência e “legibilidade”, que segundo a autora, para se promover o letramento, é importante que as informações se façam claras, legíveis. Afinal, não se pode ensinar alguém a ler palavras ilegíveis. Assim, para que se haja um efetivo letramento midiático, é importante, também, a construção de ambientes digitais bem projetados, com regras claras e transparentes, e com regulamentação apropriada;

· Atuação de forma preventiva, com o rápido avanço tecnológico, a educação midiática acaba por focar nos problemas decorrentes dessas novas tecnologias, como combater as “fake news”, por exemplo, deixando em segundo plano a valorização dos pontos positivos das novas mídias e práticas que estimulam a criatividade, o diálogo democrático, a colaboração, dentre outras habilidades que são importantes para tornar um ambiente digital mais saudável;

· Responsabilidade individualizada, é importante tomar cuidado para não sobrecarregar os indivíduos, colocando neles o encargo de resolver todos os problemas do ambiente digital. Dificilmente os indivíduos podem ter sucesso em superar todos os desafios da nova tecnologia, essa é uma tarefa difícil até para o campo político.

Livingstone (2019) sugere, como solução, uma abordagem holística, onde devem ser incluídos todos os agentes envolvidos no “problema das mídias”, que são: órgãos reguladores, formuladores de políticas, organizações da sociedade civil e a própria mídia.

Deve-se entender qual é o papel de cada um desses agentes para que não se corra o risco de despejar toda a responsabilidade na educação midiática e no indivíduo. Que as competências e atitudes adquiridas com o letramento midiático devem, também, ser incorporadas pelas organizações para que elas possam construir, junto com a sociedade, um ambiente informacional transparente e eticamente responsável. Um ponto importante ressaltado pela professora é que a educação midiática não deve ter como objetivo criar sujeitos passivos, obedientes e cordiais uns com os outros. A ideia não é formar pessoas que se comportam de forma ordenada e previsível, mas sim, formar cidadãos ativos, que se expressam, saibam dialogar e debater ideias, e que se organizam através das mídias digitais. Sujeitos capazes de protestar contra o autoritarismo e as injustiças e que insistem em ser ouvidos.

Acesse: "fatooufake.me", jogo educativo fruto do do projeto de mestrado de Luana Costa Santos, no IF Baiano - Campus Catu, desenvolvido sob a orientação do Prof. Dr. Fábio Carvalho Nunes e coorientação do Prof. Dr. José Rodrigues de S. Filho e com a programação de Vinícius Costa Santos.