Sentidos
A deficiência visual abrange limitações que podem variar de baixa visão, caracterizada por uma redução significativa da capacidade de enxergar mesmo com correções, até a cegueira, marcada pela ausência total ou percepção mínima da visão.
A deficiência visual abrange limitações que podem variar de baixa visão, caracterizada por uma redução significativa da capacidade de enxergar mesmo com correções, até a cegueira, marcada pela ausência total ou percepção mínima da visão.
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A situação da acessibilidade em Frederico Westphalen reflete uma realidade mais ampla no Brasil. De acordo com dados do Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) 2022, aproximadamente 8,9% da população brasileira vive com algum tipo de deficiência, o que corresponde a cerca de 18,6 milhões de pessoas. Desses, 3,1% têm dificuldade para enxergar, o que evidencia a necessidade de adaptações nas cidades e em espaços públicos para atender essa parte significativa da população.
Nesse contexto, a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Lei nº 13.146/2015) estabelece uma série de normas para garantir a acessibilidade em todos os âmbitos da sociedade, desde o espaço urbano até o ambiente escolar e de trabalho. A legislação determina que calçadas, transportes públicos, prédios e outros espaços de uso coletivo sejam adaptados para que todas as pessoas, independentemente de suas limitações, possam ter liberdade de locomoção e participação na vida social.
Muitas cidades brasileiras ainda estão longe de cumprir essas exigências, Frederico Westphalen é uma delas. Apesar de algumas iniciativas pontuais, a cidade ainda não implementou um sistema eficiente e contínuo de acessibilidade em suas vias públicas, como exige a legislação. Essa falta se torna um desafio diário para pessoas que convivem com algum tipo de deficiência, como Gilmar Prestes, de 47 anos, que possui retinose pigmentar, uma condição degenerativa que afeta a visão de forma gradual e irreversível. Ele compartilhou sua história de superação, os desafios diários e as dificuldades enfrentadas na cidade, além de dar sugestões de como a sociedade pode ser mais inclusiva.
Gilmar relata que os primeiros sinais da doença começaram a se manifestar ainda na infância, quando tinha 4 anos. Sua mãe começou a perceber dificuldades quando o mesmo não conseguia achar os brinquedos no chão. Desde então, tentou procurar soluções, mas não havia possibilidade de cirurgia ou transplante. Mesmo diante das limitações impostas pela doença, Gilmar nunca se deixou vencer pelos obstáculos: “Fui me adequando, não adiantava eu me esconder do mundo”.
Gilmar em seu sofá tocando violão. Foto: Melissa Sayuri.
Para Gilmar, um dos maiores desafios enfrentados é a mobilidade urbana. A cidade de Frederico Westphalen, embora seja um polo regional, não oferece infraestrutura acessível para pessoas com deficiência. “Não existe um padrão de calçada, seja para pessoas com deficiência visual, para cadeirantes ou para mulheres grávidas, é só andar na cidade que você vê os desníveis”, aponta. Gilmar também critica a falta de continuidade nos pisos táteis, usados para orientar pessoas com deficiência visual. Na sua opinião, para desenvolver iniciativas como essa, deveria-se ouvir as pessoas com deficiência, aquelas que vivem o problema na pele.
Embora os desafios sejam muitos, Gilmar não se limita a reclamar e sempre busca por soluções. Recentemente, começou a usar o aplicativo CPqD Alcance, que lê as funções do celular e permite usar WhatsApp, pesquisar no Google e ouvir músicas. “Tudo isso eu consigo hoje”, ressalta. A tecnologia assistiva, como o CPqD Alcance e o TalkBack (ferramenta de leitura de tela do Android), vem desempenhando um papel importante na inclusão digital e social de pessoas com deficiência.
Sobre pessoas que desejam apoiar a causa e pregar a inclusão, Gilmar acredita que ações concretas são fundamentais. “A gente deveria brigar, no bom sentido, tentar fazer coisas diferentes, ações construtivas”, explica. Gilmar reforça que o ato de "falar é bonito" e louvável, mas na prática que as coisas acontecem. Além disso, a sociedade tende a dar visibilidade para o assunto apenas na Semana da Pessoa com Deficiência: “No resto do ano ninguém fala nada sobre isso”, lamenta.
Confira aqui o relato em vídeo de Gilmar Prestes.
Apesar da força e da determinação de pessoas como Gilmar, a realidade de Frederico Westphalen ainda apresenta muitos desafios no que diz respeito à acessibilidade. A cidade, que se destaca pelo seu crescente desenvolvimento na região, tem uma infraestrutura urbana que deixa a desejar quando se trata de garantir a plena inclusão de pessoas com deficiência. As calçadas são um exemplo claro dessa falta, com buracos e desníveis, dificultando a locomoção de quem depende de bengalas ou cadeiras de rodas.
Outro ponto crítico é a falta de sinalização adequada nas vias públicas. A maioria dos locais não possuem o piso tátil, uma tecnologia simples e eficaz para orientar a travessia das pessoas com deficiência visual. Em alguns trechos da cidade, o piso tátil existe, mas é mal instalado ou interrompido, o que torna sua utilização inútil para quem depende dessa ferramenta para se deslocar de forma segura e autônoma. A falta de continuidade nas calçadas, com obstáculos inesperados e irregularidades, cria um ambiente inseguro para quem possui algum tipo de limitação de mobilidade.
Além disso, a dificuldade não se restringe apenas ao espaço urbano. As atitudes das pessoas também desempenham um papel fundamental na construção da inclusão. Apesar da crescente conscientização sobre a importância da acessibilidade, muitos ainda têm uma visão equivocada sobre a capacidade das pessoas com deficiência. A falta de informação e a formação de estereótipos são obstáculos que dificultam a integração de indivíduos com deficiência no mercado de trabalho, na educação e até em atividades de lazer.
Gilmar, que trabalha como cantor, expõe que quando se propõe a realizar uma tarefa, como tocar violão em uma festa, por exemplo, é comum que as pessoas ao seu redor fiquem surpresas e até desconfiadas. A primeira impressão, muitas vezes, é de que a deficiência visual é uma limitação, mas, como ele demonstra, isso está longe da realidade. A percepção errada sobre as habilidades de uma pessoa com deficiência, aliada à falta de preparo para lidar com essas situações, impede que muitas oportunidades sejam oferecidas a quem realmente tem capacidade para aproveitá-las.
Embora iniciativas como a Semana da Pessoa com Deficiência ajudem a trazer visibilidade para as questões enfrentadas por pessoas com limitações, a verdade é que a inclusão vai muito além de um evento anual. Para que a verdadeira mudança aconteça, é preciso que ações concretas se tornem rotina, tanto no planejamento urbano quanto na mudança de mentalidade da população.
Confira aqui o relato em vídeo de Gilmar Prestes.
Em Frederico Westphalen, como em muitas outras cidades, ainda há muito trabalho a ser feito para que as pessoas com deficiência possam, de fato, exercer seus direitos e viver com dignidade.
Veja o infográfico abaixo para saber os dados sobre a população com deficiência em Frederico Westphalen.