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Frederico Westphalen, uma pequena cidade no interior do Rio Grande do Sul, oferece um retrato claro daquilo que não é dito, mas que se sente em cada desnível, cada buraco, cada calçada torta. Aqui, a acessibilidade não está apenas ausente; ela é um grito sufocado. Para as pessoas com deficiência (PCDs), o direito de ir e vir parece ter ficado do lado de fora da porta de casa, aprisionado pelas calçadas esburacadas, pelas rampas inexistentes e pela indiferença.
O que significa viver em uma cidade onde o transporte público não te quer? Onde a praça é um espaço proibido para as rodas de uma cadeira? Onde a escola, o mercado, o hospital dizem, com sua arquitetura tortuosa e a ausência de sinalização, que você não pertence? Essas são as perguntas que a cidade responde com o silêncio brutal da exclusão.
As ruas de Frederico Westphalen falam de uma realidade em que calçadas irregulares se tornam abismos intransponíveis para aqueles que precisam de acessibilidade. O transporte público, que deveria ser um direito, é negado pelos altos degraus e pela falta de elevadores. As rampas, quando existem, parecem mais um improviso mal pensado do que uma solução. Não são apenas as rodas que travam — é a própria dignidade.
A exclusão é física, mas ela vai muito além disso. É uma marca no corpo, na alma e na vida comunitária. As ruas irregulares e a ausência de rampas não são apenas infraestruturas deficientes; são símbolos de uma política que não inclui, de um Estado que não vê. E essa falta de inclusão reverbera nas relações sociais, na autonomia que é roubada todos os dias e na participação comunitária que se dissolve na impossibilidade de estar presente.
O que se sente nas ruas é o reflexo de um planejamento urbano que nunca considerou as PCDs parte da cidade. A ausência de políticas públicas que garantam a acessibilidade cria um ciclo perverso, em que essas pessoas são relegadas à margem, privadas de direitos básicos e condenadas a uma vida de isolamento.
Por trás de cada obstáculo está um descaso. O descaso de autoridades que olham para a cidade e só enxergam quem caminha em linha reta. As calçadas tortas, os prédios públicos sem acessibilidade e a falta de transporte adequado são as cicatrizes de um sistema que não acolhe, que não se responsabiliza.
A falta de acessibilidade em Frederico Westphalen não é apenas um problema estrutural; é uma questão política, social e moral. Enquanto as ruas continuam a negar o direito de ir e vir, as vidas de quem depende de rampas, pisos táteis e transportes adaptados seguem confinadas. A transformação não será fácil, mas é necessária. Não é só sobre fazer uma rampa, é sobre reescrever o significado de inclusão.
Nessa reportagem, iremos percorrer as histórias daqueles que vivem à margem das promessas não cumpridas, atravessando as ruas que falham em acolher e os espaços públicos que fecham suas portas para quem não consegue ultrapassar barreiras invisíveis, mas tão concretas quanto os muros que a cidade ergue. Vamos escutar as vozes daqueles que enfrentam diariamente a negação de direitos básicos, explorar as falhas nas políticas públicas e exibir como a omissão das autoridades transforma a inclusão em uma utopia distante. Uma cidade que se constroi ignorando parte de seus cidadãos nunca será uma cidade completa.
*Nota: A equipe entrou em contato com a Prefeitura de Frederico Westphalen para obter informações sobre as ações da administração municipal voltadas à melhoria da acessibilidade na cidade, mas não obteve resposta.
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