Qual é o indício da imperfeição?
O interesse pessoal. Um homem pode possuir qualidades reais que o fazem para o mundo um homem de bem; mas essas qualidades, embora representem um progresso, não suportam em geral a certas provas e basta ferir a tecla do interesse pessoal para se descobrir o fundo. O verdadeiro desinteresse é de fato tão raro na Terra que se pode admirá-lo como a um fenômeno, quando ele se apresenta. O apego às coísas materiais é um indício notório de inferioridade, pois quanto maís o homem se apega aos bens deste mundo, menos compreende o seu destíno. Pelo desinteresse, ao contrário, ele prova que vê o futuro de um ponto de vista maís elevado.
Entre os vícios, qual o que podemos considerar radical?
O egoísmo. Dele se deríva todo o mal.
Estudaí todos os vícios e vereis que no fundo de todos exíste egoísmo. Por mais que luteis contra eles não chegareís a extirpá-los enquanto não os atacardes pela raíz, enquanto não lhes houverdes destruido a causa. Que todos os vossos esforços tendam para esse fim, porque nele se encontra a verdadeira chaga da sociedade. Quem nesta vída quíser se aproximar da perfeição moral deve extirpar do seu coração todo sentimento de egoísmo, porque o egoísmo é incompatível com a justíça, o amor e a caridade: ele neutraliza todas as outras qualidades.
O homem quer ser feliz e esse sentimento está na sua própria natureza; eis porque ele trabalha sem cessar para melhorar a sua situação na Terra, e procura as causas de seus males para os remediar. Quando compreender bem que o egoísmo é uma dessas causas, aquela que engendra o orgulho, a ambição, a cupidez, a inveja, o ódio, o ciúme, dos quais a todo momento ele é vítima, que leva a perturbação a todas as relações sociais, provoca as dissenssões, destrói a confiança, obrigando-o a se manter constantemente numa atitude de defesa em face do seu vizinho, e que, enfim, do amigo faz um inimigo, então ele compreenderá também que esse vício é incompatível com a sua própria felicidade. Acrescentaremos que é incompatível com a sua própria segurança. Dessa maneira, quanto mais sofrer mais sentirá a necessidade de o combater, como combate a peste, os animais daninhos e todos os outros flagelos. A isso será solicitado pelo seu próprio interesse.
O egoísmo é a fonte de todos os vícios, como a caridade é a fonte de todas as virtudes. Destruir, um e desenvolver a outra deve ser o alvo de todos os esforços do homem, se ele deseja assegurar a sua felicidade neste mundo, tanto quanto no futuro.
A lenda das colheres
Vale lembrar uma lenda judaica, contada pela Psicóloga Maria Helena Matarazzo, no livro "Amar é Preciso":
"Foi permitido a um rabino visitar o Inferno.
Lá viu enorme caldeirão com fumegante e apetitosa sopa.
Em volta, estavam sentadas muitas pessoas. Revelavam-se desesperadas. É que cada uma segurava uma colher de cabo muito grande, enorme, que lhe permitia alcançar o caldeirão, mas não a própria boca. Famintas, sofriam o horror de ver a comida sem condições para fazer uso dela.
Em seguida, o rabino foi conhecer o Céu.
Também ali havia um caldeirão convidativo com pessoas em volta e as mesmas colheres de cabo comprido. A diferença é que todas as pessoas estavam saciadas e felizes.
O rabino espantou-se:
- Não compreendo. Por que aqui as pessoas se mostram tão tranqüilas e no Inferno tão aflitas, se tudo é igual?
Alguém lhe respondeu:
- Não percebe? É que aqui elas descobriram o segredo para o uso das colheres. Dão comida umas às outras."
A força da compaixão
De todos os sentimentos humanos, aqueles que mais elevam a criatura, são os que mobilizam iniciativas na busca do bem ao próximo.
A compaixão é o primeiro deles. Maravilhosa força interior que faz com que o indivíduo, diante da necessidade alheia, reúna as forças de que dispõe e se proponha a auxiliar.
Maior ainda que a compaixão, a fraternidade, além de força interior é também um sentimento que retempera e faz crescer a paz íntima daquele que se permite senti-la.
Muito maior ainda que os dois primeiros é a caridade o sentimento maior, que através da união de emoções sublimes, diretamente emanadas da fonte divina, tocam o coração humano, inundam-no de suavidade e preenchem positivamente o íntimo daquele que a cultiva.
Porém a verdadeira caridade é anônima e impessoal, pois não espera reconhecimento de espécie alguma, não é interesseira e não se detêm apenas na necessidade material, embora seja esta sua principal motivadora. Não se restringe aos atos mas considera especialmente as palavras e os sentimentos. Não julga, nem condiciona, apenas se coloca à disposição.
Ser caridoso é em boa sinonímia, ser grande, de uma grandeza interior incomensurável, impossível de ser medida, pois simplesmente não se predispõe a isto. Existe pelo prazer de servir, é bela pela possibilidade de ajudar, é nobre por todo o consolo que pode produzir.
A piedade, quando profundamente sentida, é amor; o amor é devotamento; o devotamente é o olvido de si mesmo; e esse olvido, essa abnegação pelos infelizes, é a virtude por excelência, aquela mesma que o divino Messias praticou em toda a sua vida, e ensinou na sua doutrina tão santa e sublime. Quando essa doutrina for devolvida à sua pureza primitiva, quandofor admitida por todos os povos, ela tornará a terra feliz, fazendo reinar na sua face a concórdia, a paz e o amor.
O sentimento mais apropriado a vos fazer progredir, domando vosso egoísmo e vosso orgulho, aquele que dispõe vossa alma à humildade, à beneficência e ao amor do próximo, é a piedade, essa piedade que vos comove até as fibras mais íntimas, diante do sofrimento de vossos irmãos, que vos leva a estender-lhes a mão caridosa e vos arranca lágrimas de simpatia. Jamais sufoqueis, portanto, em vossos corações, essa emoção celeste, nem façais como esses endurecidos egoístas que fogem dos aflitos, para que a visão de suas misérias não lhes perturbe por um instante a feliz existência. Temei ficar indiferentes, quando puderdes ser úteis! A tranqüilidade conseguida ao preço de uma indiferença culposa é a tranqüilidade do Mar Morto, que oculta na profundeza de suas águas a lama fétida e a corrupção.
Referências bibliográficas:
Allan Kardec – O livro dos Espíritos
Ranieiri (Vladimir Ávila) – Diferenças não separam
Richard Simonetti – Tempo de despertar