A terapia de abordagem psicanalítica vem, ao longo do tempo e gradativamente, adquirindo alta respeitabilidade como uma modalidade terapêutica capaz de propiciar resultados verdadeiramente psicanalíticos...
Uma adequada terapia de base psicanalítica exige um bom preparo do terapeuta, porquanto ele tem a complexa tarefa de discriminar e localizar a, muitas vezes oculta, “parte sadia e forte” do seu paciente e de reforçar os mecanismos mais desenvolvidos do ego, de modo a propiciar-lhe condições para confrontar e enfrentar o seu lado “adoecido e frágil”, sem necessariamente ter de aprofundar na dinâmica dos conflitos pulsionais do inconsciente, que muitas vezes, o paciente não está inteira e psiquicamente apto para acessar.
Esta modalidade terapêutica - que se utiliza da combinação de elementos do método analítico, tais como a decodificação de conteúdos conflitivos, das respectivas pulsões (desejos), das fantasias, ansiedades e defesas mais primitivas que jazem reprimidas no inconsciente ou no pré-consciente, e que se manifestam por meio dos sintomas, lapsos, sonhos, livre associações de ideias transmitidas através da fala -, é essencialmente marcada por uma relação de natureza vincular - permeada pela empatia, paciência, amor às verdades e à liberdade, e respeito à autonomia do outro - entre terapeuta e paciente, através da influência recíproca entre ambos (movimentos transferenciais e contra-transferenciais).
Na atualidade, a psicanálise, indo além do paradigma celebrado por Freud de “tornar consciente aquilo que for inconsciente”, amplia-se com a noção de que tão importante quanto (e talvez mais) é a maneira de como “o consciente e o inconsciente do paciente comunicam-se entre si”.
É neste sentido que a terapia psicanalítica não se limita unicamente em analisar os conflitos inconscientes resultantes das pulsões ou das relações objetais internalizadas, mas também analisa as funções do ego, tais como percepção, pensamento, linguagem, juízo crítico, conhecimento, comunicação, ação e criatividade.
A terapia psicanalítica, promovendo os insigths e a devida elaboração destes, tem como principal objetivo possibilitar mudanças psíquicas no paciente, propiciando benefícios terapêuticos, os quais podemos sintetizar como:
Resolução de crises psíquicas situacionais agudas (de curto prazo).
Atenuação de sintomas geradores de sofrimento psíquico.
Reconhecimento e satisfatória utilização de algumas capacidades sadias do ego, que estavam latentes ou bloqueadas, e a possível liberação das mesmas.
Adaptação interpessoal satisfatória tanto no plano de vida familiar, como no profissional e no social.
Modificação qualitativa das relações objetais (internas e, a partir daí, externas).
Menor uso de mecanismos defensivos primitivos (negações, dissociações psíquicas, idealizações e controle onipotente da realidade).
Renúncia às ilusões de natureza simbiótica com diferentes objetos.
Aquisição da capacidade de fazer introjeções e reintrojeções e, a partir disso, realizar novas identificações com valores e papéis.
Recuperação e integração de partes suas, que foram profundamente rechaçadas, reprimidas, recalcadas e cindidas, e que estão projetadas em outras pessoas (em relações interpessoais disfuncionais), e/ou ocultas dentro de si mesmo.
Obtenção da capacidade de suportar frustrações, absorver perdas e fazer lutos (tanto reais, como simbólicos), através da assunção do seu quinhão de responsabilidades pelo destino destes objetos importantes.
Fortalecimento da consideração pelas outras pessoas e da capacidade de reparação pelos possíveis danos infligidos a estas nas relações interpessoais.
Diminuição das expectativas impossíveis de serem alcançadas, as quais são provindas de um “ego ideal” ou de um “ideal do ego”.
Abrandamento do superego, sempre que este for de natureza arcaica e, portanto, rígido, punitivo, inflexível e “todo-poderoso”, que leva o indivíduo a um agudo sofrimento psíquico devido aos fortes complexos de culpa. Neste caso, a mudança consiste em transformar esse superego mais primitivo em um “ego auxiliar”, que conserva as importantes e indispensáveis funções delimitadoras, de proteção e de princípios éticos.
Libertação das áreas autônomas do ego, que possibilite o uso adequado e saudável de suas nobres funções: percepção, pensamento, linguagem, juízo crítico, conhecimento, comunicação, ação e criatividade.
Aceitação da condição de dependência, a partir do insight de que depender dos outros é, a princípio, sadio e inerente à condição humana. Neste sentido, o paciente será auxiliado a transformar possíveis relações de “dependência má” em “dependência boa”, tecida com confiança, respeito, amizade, carinho, amor, etc.
Utilização da linguagem verbal, em substituição a não-verbal, a qual, muitas vezes, é fonte de angústias e responsável por somatizações de diferentes tipos, promovendo favorável mudança psíquica no que se refere à utilização de símbolos e de abstrações.
Ruptura com papéis estereotipados: Muito comumente, o código de valores e conduta dos indivíduos é repetitivo e estereotipado, e isso se deve ao fato de que essa conduta é comandada por uma espécie de “computador interno” que, desde bebezinho, foi-lhe programado pela cultura e pelo habitat sociofamiliar. Nessa “programação”, deve merecer um registro especial os valores, conflitos e expectativas dos pais, tanto os conscientes quanto, e principalmente, os inconscientes. Nestes casos, os pais “convencem” a criança em formação de “quem” ela é, e de “como” ela deveria vir a ser (ou não ser) para garantir o amor deles, sendo que, em caso de desobediência, tais indivíduos (crianças de outrora) serão acusados, dentro de si mesmos e para sempre (ou por longo período, até que passem por uma séria e comprometida análise/terapia psicanalítica), de crime de infidelidade e de alta traição. Essa é uma das principais razões da eclosão de estados depressivos diante de situações de um êxito pessoal que tenha sido construído em moldes diferentes das expectativas em que o sujeito foi programado.
Aquisição de um sentimento de identidade, consistente e estável, instigado pela honesta combinação de múltiplas identificações (sexual, de gênero, geracional, social, profissional, etc.).
Obtenção de autenticidade e autonomia: aqui o paciente será direcionado, através do acompanhamento terapêutico, a “dessimbiotizar” da mãe (ou da pessoa que assumiu as funções de maternagem, principalmente na fase da infância), ou seja, a sair de uma condição de ser um sujeitado (ou um sujeitador), e adquirir o estatuto de um sujeito, livre, a partir de uma liberdade interna, o que lhe faculta ser possuidor das leis próprias a serem cumpridas. Essa liberdade é indissociável do “amor às verdades”, e são elas que vão permitir a passagem para um novo nível de mudança psíquica: a do exercício da autonomia, criatividade, aceitação dos limites e limitações, bem como do direito ao usufruto de prazeres e lazeres. A propósito disso, vale lembrar a referência de Freud em um rodapé de O ego e o id (1923): “A análise se dispõe a dar ao ego a liberdade para decidir por um meio ou por outro”.
Ao mesmo tempo em que o sujeito adquire o direito de sentir-se livre das expectativas e mandamentos dos outros (especialmente dos que moram dentro dele), ele também aprende a experimentar relações afetivas mais saudáveis com outras pessoas, reconhecendo-as como livres, inteiras, diferentes e separadas dele, também aprendendo a suportar sentimentos ambivalentes, típicos das interações humanas, em relação a tais pessoas.
"A psicanálise é, em essência, uma cura pelo amor."
(Sigmund Freud)