"Trocar o ar condicionado, uma picanha, o Netflix, o Outback por dormir no chão, conviver com os sapos e mosquitos, tomar banhos com tempo contado — e por isso tão prazerosos! -, dividir algo com quem esqueceu, passar madrugada separando medicamentos doados por laboratórios que poderão trazer alívio e cura para muitas pessoas, ensinar as crianças sobre higiene, alimentação, odontologia, diversão, é um ganho, no mínimo, inestimável. Têm me ensinado sobre coisas muito mais elevadas, sobre alegria, gratidão, beleza, autonegação, esperança e fé. Ter deixado meu sofá reclinável e minha cama box para estar aqui esses dias tem sido muito, muito mais rico que estadias em hotéis renomados e camarões VG à beira mar. Desafio a todos que vão, vão cumprir sua missão fora do seu conforto, esqueçam de si e da sua própria vida e planos e sejam vulneráveis, como o Igor tem nos ensinado de forma tão eficaz. Não só um trabalho voluntário, mas um se esquecer completo, um viver grato e satisfatório, simples e descentrado de si mesmo. O maior risco? A morte? Mais me vale morrer aqui em uma situação extrema que possa ocorrer que em uma cadeira confortável com um bom plano de previdência privada e uma smartTV de 50 polegadas, curtindo meus próprios prazeres, autodeteriorando lentamente para alimentar apenas os vermes da terra, sem deixar pedaços meus que alimentem a quem tem imensa fome e sede de vida. Ao escrever agora, me emociono ao afirmar que estão sendo uma das melhores e mais ricas férias que já tive. Deixei para trás apenas escórias e, nesse solo árido, seco e pedregoso do sertão, estou achando inúmeras pipetas de ouro. Aqui, começo a entender as cartas de Paulo."
Luísa Botelho.
No dia em que chegamos ao sertão de Pernambuco choveu. No dia em que partimos também choveu. Alguns amigos nos disseram que levamos a chuva, mas a verdade é que fomos agraciados por Deus e nesses dois dias compartilhamos um pouquinho do inverno sertanejo, nos alegrando, com eles, pela chuva que caía.
O sertão é lindo, o céu parece estar a poucos metros da nossa cabeça e tem um pôr do sol maravilhoso. Essa foi minha segunda experiência de trabalho voluntário no sertão. É maravilhoso perceber como pessoas tão diferentes, podem trabalhar juntos de forma tão coesa; fossem esses trabalhos na área de educação infantil, de promoção da saúde, visitas às casas, ou nas reuniões noturnas, todas as atividades aconteceram de forma tão natural demonstrando que o coração dos voluntários realmente estava ali, e mesmo depois de um dia exaustivo de trabalho, a cada manhã acordávamos renovados e cheios de expectativas.
Chegar às comunidades de difícil acesso, às vezes de pau de arara, como aconteceu em minha primeira viagem foi uma experiência incrível. Poder compartilhar é algo que fez toda a diferença; não só na vida do sertanejo que visitamos ou atendemos, mas principalmente na nossa, pois aprendemos que não precisamos de muito para viver.
É comum em meu local de trabalho os funcionários em época de férias compartilharem o lugar que escolheram para descansar e se divertir. E quando alguns desses colegas me perguntaram qual seria o meu destino de férias, e eu respondi que era o sertão, eles não entenderam o motivo de alguém gastar o seu tempo de descanso com trabalho voluntário em um lugar tão inóspito. A expectativa deles era ouvir o nome de alguma praia, ou algo do gênero, realmente é triste ver como o trabalho voluntário é desconhecido e pouco valorizado.
Seria muito bom se todos pudéssemos sair de nossas casas e irmos para um lugar perto ou longe, carente de recursos básicos, deixando nossa zona de conforto, que consideramos indispensável no nosso modo de vida; mas que não faz parte da vida de grande parte da população. Quando temos a oportunidade de fazer um trabalho assim, temos um grande choque de realidade, porque a escassez não só nos proporciona desconfortos externos, ela também nos traz inquietações internas, muda nosso jeito de ver a vida.
Por mais que na ida para o sertão, muitos da equipe tenham se sentidos apreensivos, a volta foi cheia de histórias alegres e lindas das coisas que ouvimos e aprendemos com o trabalho voluntário.
Simone Almeida