DECOTINGUIBA ÀEXPLOSÃO

Memórias da Avenida que mudou de nome

Por Jhennifer Laruska













Era noite de 13 de abril de 1980... Antônio, Edson, Ivone, Edna, Evaldo, Rose, Maria e Rosângela dormiam. Jorge estava no exército e tirava o seu serviço de guarda. Leontino chegava ao alojamento, era soldado. Rivanda estava longe de tudo, morava no Rio de Janeiro. Wallace assistia à televisão com a família. Adelaide só se recorda do dia seguinte... quando uma casa explodiu em uma avenida, localizada no bairro Suíssa, na cidade de Aracaju, em Sergipe.

Alguns viram um cogumelo de fumaça, outros acordaram assustados e com a cama cheia de areia. Tem quem se lembre de ter ouvido um estrondo, de ter acordado com um teto de estrelas sobre a cabeça, de ter sentido um tremor, de ter se ajoelhado e rezado com a família. Teve também quem não viu, não ouviu e não sentiu nada, acordou só depois de muito tempo.















Ponto de Partida

Há muitas histórias para se conhecer dentro de uma avenida. Algumas são boas demais, outras doloridas demais, turvas ou esquecidas. Algumas aguardam ansiosas para serem contadas enquanto passam despercebidas no cotidiano, outras são lembradas a todo o tempo, como se existisse algo que não pudesse ser perdido, como se o presente só fizesse sentido acompanhado do passado.

Por isso, seu Antônio lembra que “tudo precisa de uma história”. É como se a memória, para ser resgatada, precisasse de um ponto de partida: uma coisa, um acontecimento, A GRANDE EXPLOSÃO - frase que estampou a capa de um dos jornais da época.

O problema “é que o tempo passa tão rápido”, Rivanda comentou, que ele mesmo se encarrega de apagar algumas lembranças. Algo aconteceu, mas passou e foi se desfazendo na memória de dona Ivone.

Antigamente, dona Maria dizia que não ia lembrar, não ia falar, mas depois… “besteira, uma coisa que eu vivi, que Deus me deu o direito de atravessar. Ele foi tão maravilhoso comigo…”.

As memórias compartilhadas nesta reportagem são um desejo de vencer a passagem do tempo que fragiliza as recordações e o acesso a informações mais sólidas. Cerca de 42 anos depois, certas dúvidas permanecem sobre o acontecimento e algumas lembranças continuam sendo compartilhadas. Tudo então vira história - ou sempre foi. O tempo passa e os detalhes parecem se perder, precisam do ponto de partida: ano de 1980 na avenida que ficou popularmente conhecida como "Avenida Explosão" ou "Avenida da Explosão".

Memória Situada

Em 1980, a fabricação de fogos de artifício no fundo de residências era considerado algo comum, até mesmo recorrente na capital sergipana. Naquele período, não havia regulamentações específicas sobre a utilização e comercialização desses materiais, apenas portarias. Quando em 1999 o Corpo de Bombeiros se desvincula da Polícia Militar, tornando-se um órgão independente no contexto da segurança pública do estado sergipano; regulamentos e demais instruções técnicas começaram a ser criadas e aperfeiçoadas a partir de ocorrências distintas e realidades vivenciadas em Sergipe, como explica o chefe do setor de fiscalização do Corpo de Bombeiros, José Marcos de Lima.

Nos anos posteriores à explosão, os alertas sobre os perigos do armazenamento inadequado de fogos de artifício e das suas produções em meio residencial foram intensificados, assim como exigências mais eficazes para as vendas desses materiais. Naquela época, no entanto, "você lidava com o perigo do lado da sua casa, mesmo que você não produzisse, mas todo mundo sabia. Principalmente quando chegava próximo às festas juninas. Abril, maio, junho e julho era o período que as pessoas faziam, até reuniam vizinhos" conta o historiador e pesquisador da tragédia, Osvaldo Neto. Ele também enfatiza o papel do jornalismo no registro e na divulgação dos fatos mesmo diante de um cenário de ditadura militar ainda vivenciado no país. "A imprensa fez o seu trabalho. Os jornalistas, as jornalistas da época fizeram sim o seu papel de informar a sociedade o que estava acontecendo", afirma.

Os jornais do período alimentavam as memórias da população aracajuana com informações sobre acontecimentos nacionais, regionais ou locais. Após o ocorrido, denúncias de depósitos clandestinos de fogos de artifício passaram a ocupar espaço nos impressos e um personagem que também ganhou destaque nas manchetes jornalísticas foi uma antiga operadora telefônica atuante no estado, a Telergipe. Se em junho daquele ano a sua rede de cobertura era ampliada e noticiada pelo Jornal de Sergipe, dois meses e meio antes um outro jornal, o Jornal da Cidade, informava o impacto da explosão no funcionamento dos telefones.

O ano de 1980 é o ponto de partida de muitas das memórias que compõem a atual avenida Dr. Edélzio Vieira de Melo. Na época, o estado de Sergipe e a cidade de Aracaju estavam sob o mandato do governador Augusto Franco (1979-1982) e do prefeito Heráclito Rollemberg (1979-1985).

Apesar de estar suscetível às falhas e até mesmo às ausências de fiscalizações relacionadas aos fogos de artifício, a cidade demonstrava ares de desenvolvimento e passava por um processo cada vez mais intenso de urbanização. Na área até então pertencente ao bairro Suíssa - e onde iria ocorrer, mais tarde, a explosão derivada de fogos de artifício -, um novo interesse despontava segundo o historiador Neto: a especulação imobiliária naquela região. Até chegar a este momento, porém, o Suíssa já havia de ter construído um longo capítulo na história da capital sergipana.

Do Bairro à Avenida


Antes conhecido como Bela Vista, o bairro tornou-se Suíssa. "Nome curioso, né? Um país da Europa Central [Suíça] no mapa de Aracaju... mas não é do nada. [Ali] existiam muitas lagoas e quando chegava a noite, com a brisa do rio, criava a chamada friagem, uma clima mais ameno, mais frio", explica o historiador.


O Suíssa ocupa parte da memória afetiva de muitos moradores da região que hoje, já crescidos, recordam das dunas de areias brancas e do tempo em que brincavam de subir e descer delas durante a infância. Rose Mary, por exemplo, diz que uma das suas lembranças mais marcantes era o caminho feito por seus pais, ela e os irmãos rumo à casa da avó, todos os domingos - sem exceção. "Justamente por ali: saindo da [rua] Leonel Curvelo, passava pela Avenida Explosão e pegava as dunas ali por cima", lembra a professora aposentada que naquela época morava próximo às ruas Poço Verde e Leonel Curvelo.


Era uma avenida nova, tinha sido aberta há pouco tempo também.

- Rose Mary

Ao longo dos anos, o bairro adquiriu o que o historiador Neto considera como “pontos de referências estruturais”, a exemplo do Oratório de Bebé, da Vila Militar, do Externato São Francisco e da Casa Maternal Amélia Leite, antes registrada como Sociedade Protetora da Casa Maternal Amélia Leite “que era uma casa direcionada para aquelas mulheres que tinham sido expulsas de casa, dentro de uma lógica da sociedade patriarcal, da sociedade conservadora que mulher que estivesse grávida sem estar casada não podia estar dentro de casa”, afirma. Neto também observa o predomínio de obras sociais na região: “era uma região carente, carente de infraestrutura para quem morava ali”.

Alguns pontos de referência aos arredores da Avenida Dr. Edélzio Vieira de Melo, popularmente conhecida por Avenida da Explosão.

Segundo o historiador, novos conjuntos habitacionais começaram a surgir por volta da década de 1970, como o Paulo Barreto de Menezes e o Amintas Garcez. A avenida onde ocorreu a explosão surge nesse mesmo período, entre as administrações dos ex-prefeitos de Aracaju, Cleovansóstenes Pereira de Aguiar e João Alves Filho; e tinha como função conectar a avenida Rio de Janeiro (atual Augusto Franco) com a avenida Hermes Fontes. “O bairro em si, até hoje, ele é bem central, está nessa transição do Centro da capital para a Zona Sul. Então, ele conectava várias regiões", pontua.


Inicialmente Cotinguiba, a avenida tornou-se Dr. Edélzio Vieira de Melo, nome que permanece até os dias atuais como uma homenagem ao médico e político sergipano. No entanto, é "Avenida Explosão" ou "Avenida da Explosão" que ainda predomina no imaginário coletivo dos aracajuanos após o ocorrido de 1980 e pelo qual, muitas vezes, é evocado.