CAUSAE EFEITO

Rumo das investigações













Cerca de 42 anos depois, algumas perguntas ainda ecoam nas memórias daqueles que viveram o ocorrido e daqueles que se mostram curiosos com mais esse capítulo da história da capital. Era ou não um depósito clandestino? O que havia lá? Quais as causas da explosão? O que aconteceu com o responsável? Algumas dessas respostas se perdem no amontoado de informações sobre o caso. A passagem do tempo também não facilita as recordações. Certos vestígios podem ser encontrados em registros da época, documentos oficiais e também nos relatos de quem viu e viveu de perto todo o acontecimento.















O correr das investigações

José Pedro Lima ingressou no Corpo de Bombeiros ainda na década de 60. Já havia trabalhado como taxista e era também conhecido pela venda de fogos de artifício, especialmente durante os festejos juninos. Na noite de 13 de abril de 1980, foi o depósito onde ele armazenava esses materiais que explodiu na então Avenida Cotinguiba, hoje conhecida por Dr. Edélzio Vieira de Melo, no bairro Suíssa.

Pedro tinha 42 anos naquela época, a mesma idade que agora completa a tragédia. Ele atuava como subtenente da Corporação, cargo para o qual havia sido promovido em setembro de 1977, segundo informações do Departamento de Recursos Humanos do Corpo de Bombeiros de Aracaju. Quando a explosão aconteceu, ele estava em casa com alguns dos seus familiares. O impacto também os atingiu: Pedro teve alguns machucados no corpo, já a esposa e a sobrinha haviam sido hospitalizadas. Os três conseguiram sobreviver à tragédia, mas o mesmo não pode ser dito sobre o enteado e a esposa deste - estes não resistiram.

Logo após a explosão, o subtenente dono do depósito de fogos foi encaminhado ao quartel do Corpo de Bombeiros, onde ficou detido. Alguns relatos apontam que Pedro teria ficado no local por cerca de um mês e sido liberado em seguida. Porém, publicações feitas em jornais da época indicam a continuidade da detenção quase dois meses depois do ocorrido. No dia 30 de maio de 1980, o Jornal da Cidade publicou uma matéria com o seguinte trecho: "[...] José Pedro Lima, que continua preso no quartel da unidade de soldados de fogo, à disposição da justiça". O período exato da detenção, no entanto, não foi informado e nem consta nos materiais obtidos para esta reportagem, mas é certo que as investigações sobre a explosão continuaram por um bom tempo.

"[...] Foi recolhido a este Quartel, o Subten. CB JOSÉ PEDRO LIMA, envolvido no sinistro ocorrido no dia 13 'proximo' passado, quando, cerca da 23:45 horas, houve uma explosão em sua residência. A referida praça¹ encontra-se 'sobrecuidados' médicos, e à disposição das autoridades encarregadas das 'dirigências' para apurar as causas e responsabilidade do acidente." - Trecho do Boletim Interno do Corpo de Bombeiros produzido em 16 de abril de 1980, cedido pelo Capitão da Reserva Leontino Gomes para esta reportagem.

Na época, o Jornal da Cidade publicou uma matéria sobre a abertura do inquérito feito pelo então 1º delegado metropolitano de Aracaju, na qual duas hipóteses teriam sido levantadas: a primeira é a de que a explosão teria "sido causada por uma faísca de um fogo no fundo da casa" onde previam estar armazenados cerca de dois mil quilos de fogos; já a segunda hipótese é a de que existiria, além de fogos de artifício, "uma grande quantidade de dinamite com a qual [o subtenente] abastecia várias pedreiras instaladas no Estado" - o que era negado pelo dono do depósito e também pela esposa dele. Uma matéria do Jornal de Sergipe, datada de 16 de abril de 1980, diz: "Segundo ela [esposa do subtenente] o estoque do seu marido restringia-se a pequenas bombas e traques, e somente fabricavam bombinhas para as festas de São João".

No entanto, mesmo após o encerramento do caso e quase quatro décadas depois da tragédia, essas hipóteses continuam vivas na memória de muitos que testemunharam o ocorrido, sem saber ao certo as causas da explosão e que fim levaram as investigações.

Depois da explosão, um relatório foi produzido por três oficiais que compunham a Comissão de Levantamento designada pelo então Comandante Geral da Corporação. Essa designação ocorreu via Boletim Interno publicado em 16 de abril de 1980 e tinha como objetivo a investigação dos fatos. Como resultado das apurações, um material foi apresentado e publicado em novo Boletim Interno cerca de oito dias depois.

De acordo com entrevista concedida pelo delegado do caso ao Jornal da Cidade em maio de 1980, o "exame pericial do Corpo de Bombeiros é uma das peças do inquérito da explosão, por ele presidida", não se tratando de um laudo pericial, mas sim da "constatação dos danos materiais e vítimas".

Na época, um outro jornal, o Gazeta de Sergipe, também publicou trechos de entrevistas, desta vez concedida pelo advogado Evaldo Campos. A matéria dizia que Pedro aguardava o desenrolar do inquérito policial, seria ouvido pela justiça em liberdade e o seu advogado acreditava que não havia viabilidade para a prisão do subtenente. "[...] trata-se de um homem primário, de bons antecedentes e que tem profissão e domicílio definidos, além de serviços prestados à comunidade. Adiantou também que a ação a qual o seu cliente responderá é um inquérito civil e não militar, isto porque é delito comum previsto no Código Penal Brasileiro com 'Delito de Explosão'." - trecho da matéria publicado no dia 28 de abril de 1980.

Em maio de 1980, o laudo pericial liberado pela Polícia Federal foi divulgado pelo Jornal da Cidade. No parágrafo introdutório, a matéria dizia que quatro mil quilos de explosivos haviam sido decompostos na explosão e que a análise dos materiais revelavam a presença de Nitrato de Potássio (salitre), Clorato de Potássio, Enxofre, Carvão Vegetal e Alumínio.

[...] Tais elementos são componentes utilizados na manufatura de pólvora para fogos de estampido. Portanto, o explosivo existente em depósito naquele local, pelos vestígios encontrados -, foi identificado como sendo pólvora. [...] As características físico-químicas do explosivo referido (pólvora), demonstra que embora o mesmo não esteja agrupado nos explosivos denominados de "alta força" ou "alto explosivo", possuem deflagração considerada de boa intensidade, atingindo uma velocidade de decomposição (combustão) de cerca de 500 e 1000 m/s. Portanto, dependendo das condições do local e da forma ou maneira de estocagem (confinamento), sua explosão pode causar perfeitamente os danos constatados no local em pauta.

- Trecho do laudo pericial divulgado pelo Jornal da Cidade em 29 de maio de 1980.

O processo se arrastou, se arrastou, se arrastou, se arrastou e não seria eu que iria botá-lo pra frente. Quando a imprensa tava em cima, promotor, juiz, todo mundo, queria falar do processo. Quando a imprensa se omitiu - se omitiu não, se afastou, porque tinha cumprido o seu papel -, o processo dormiu e eu dormi tranquilo no sono do processo. Não me cabia ir lá e dizer: bota pra frente. E ele foi condenado, já estava prescrito. Ele não foi pra cadeia, ele não cumpriu pena. A culpa foi dele? Não. A culpa foi minha? Não. Eu não movimento o processo. Eu sou intimado para comparecer às audiências.- Evaldo Campos, advogado do subtenente.

O advogado do caso recorda que o dono do depósito havia sido condenado por crime de explosão, artigo 251 do Código Penal, mas não chegou a cumprir a pena. A sentença foi publicada em outubro de 1988 e o subtenente foi apenado com seis anos de reclusão - estas são as informações oficiais que constam no processo e foram acessadas durante pesquisa realizada ao acervo da Divisão de Memórias do Arquivo Judiciário de Sergipe para esta reportagem.

Após a sentença, Evaldo lembra que houve apelação, mas somente anos mais tarde ela seria julgada. A prescrição, porém, já teria acontecido. "Tem dois tipos de prescrição. Tem uma prescrição chamada de prescrição da pretensão punitiva - o Estado perde o direito de punir - e tem a prescrição da pretensão executória: o Estado pune, mas não termina o processo a tempo. [O de Pedro se encaixa aí], prescrição da pretensão executória. Ele foi condenado, a condenação transitou em julgado, mas ele não poderia cumprir mais a pena", explica Evaldo Campos.

Tanto Pedro quanto a esposa já faleceram, por razões desprendidas da explosão. Após a tragédia, não voltaram a morar na então Avenida Cotinguiba. Receberam ajuda de familiares e amigos e mudaram-se para o conjunto Médice, no bairro Inácio Barbosa, onde permaneceram até o fim de suas vidas.