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A história do casarão que surgiu imponente na "Rua Grande" e tornou-se

símbolo da preservação histórico-cultural de Caxias do Sul

“O povo que não preserva suas raízes destrói seu futuro”. Essa frase marcou, no final da década de 70, a campanha de preservação do prédio localizado na Avenida Júlio de Castilhos, esquina Humberto de Campos, antiga rua Gauchinha. Uma das primeiras construções de alvenaria da cidade, no início do século XX, é importante não só pela sua imponência e sólida estrutura, mas pela história que testemunhou, transformando-o em marco da memória da cidade.

Sua história começa com a chegada de Vicente Colombo Francisco Rovea, filho de Remigio e Roza Rovea, a Caxias, vindo da cidade de Voghera, na Itália. Viajando com tropeiros, carreteiros e cargueiros, estabeleceu comércio com os Campos de Cima da Serra. Destas idas e vindas fundou, em 1890, a "Casa de Negócios de Vicente Rovea", comércio de secos e molhados, que tornou-se parada obrigatória para os viajantes que por ali passavam. Além de casa comercial, oferecia também pouso para homens e animais.

A região onde se estabeleceu, conhecida como Caipora, além de alagadiça, era distante do núcleo de povoação, que se concentrava ao redor da Igreja Matriz e da Praça Dante. Inicialmente, o negócio funcionava em uma casa de madeira, que fora destruída, posteriormente, por um incêndio. Foi então que, em 17 de setembro de 1903, Rovea enviou um requerimento para a Intendência, solicitando licença para construir em material uma casa de sobrado, no lote de sua propriedade. Seus construtores permaneceram anônimos, mas deixaram, através de suas mãos, um bem que transcendeu a sua época. Acredita-se que as obras de construção do novo prédio, que abrigou a casa comercial, tenham sido concluídas entre 1905 e 1910.

No início, apresentava-se todo em tijolos; a sacada, circundada por grades de metal com adornos, revelava, além de sua beleza, a identidade do primeiro proprietário. No andar térreo funcionava a Casa de Negócios que possuía 05 portas de acesso. Como não podia fugir do costume local, o porão exercia a função de depósito de queijos e outras mercadorias. No andar superior, funcionava a moradia e o acesso se dava por uma escada interna.

Os jornais noticiavam: "Grande deposito de Secos e Molhados, fazendas, ferragens, miudezas, arame e verde rame". Além disso, funcionava também um grande deposito de sal e cal. Assim, a construção passou a exercer a função para a qual se destinou. Na década de 1920, o prédio que acompanhara o desenvolvimento do comércio caxiense acolheu outras casas de negócio.

Em 1921, estabeleceu-se ali a "Casa de Negócios de Bochese & Ranzolin", registrado como "negócio de 1ª classe – calçados e medicamentos" e citado como sucessores de Vicente Rovea no comércio de secos e molhados, fazendas, miudezas, ferragens, louças, armarinhos, depósito de sal e arame e "especialista em queijo serrano". Bochese & Ranzolin permaneceu no prédio por aproximadamente dois anos. No final de 1922, os jornais locais veiculavam a propaganda de outra casa de comércio estabelecida na rua Júlio de Castilhos, n.º 207: "R. Magnabosco e Chitolina – sucessores de Vicente Rovea", que ali permaneceram até 1924.

No ano seguinte, o prédio foi adquirido por Romolo Carbone, médico italiano especializado em medicina operatória, que nele instalou seu consultório e sua Casa de Saúde. A casa foi totalmente reformada para desempenhar a nova função. O atendimento ficou restrito ao primeiro andar, onde foram instalados quartos para os pacientes e sala de operações. O andar em que havia funcionado a Casa de Negócios foi transformado em moradia.

A data exata em que o Hospital Santo Antônio transferiu-se para a rua Vinte de Setembro, no prédio do atual Hospital Saúde, não foi identificada. Em julho de 1934, o jornal O Momento fez uma previsão de que em dois ou três meses as obras de construção do novo prédio estariam concluídas.

Em 20 de julho de 1945, Dr. Carbone e esposa venderam o prédio aos Srs. Júlio João Eberle, Oscar Martini e Dino Felisberto Cia. Em 12 de agosto do mesmo ano, Dino Cia e esposa venderam a sua parte no imóvel para Júlio Eberle e Oscar Martini. Ambos foram proprietários por muitos anos mas, por ocasião da morte de Oscar, em 13 de dezembro de 1976, metade da propriedade passou a ser de Wilson Heitor Luchesi.

No início da década de 40, por ocasião da construção da BR 116, o trecho da Avenida Júlio de Castilhos, onde está localizada a antiga Casa de Negócios de Vicente Rovea, acompanhou o rebaixamento, iniciado em anos anteriores no centro da cidade. Aos poucos, o prédio foi adquirindo novas características e a fachada principal foi alterada. Do rebaixamento resultou o afloramento do porão, que recebeu portas, janelas e um acabamento simplificado, diferenciando-o da arquitetura original. O porão passou a exercer a mesma função que os outros andares. As antigas portas principais da Casa de Negócio de Vicente Rovea, em número de cinco, transformaram-se em janelas e passaram a fazer parte do primeiro andar. A parte interna também sofreu modificações, pois o prédio passou a exercer uma nova função: habitação coletiva; paredes foram surgindo e dividindo espaços agora ocupados por diversas famílias.

Retrato de Romolo Carbone, médico italiano radicado em Caxias, RS. Local: Porto Alegre, RS. Data: [Década de 1920]. Autoria não identificada. Fundo Júlio Sassi.

A trajetória pela preservação

Na época das comemorações do Centenário da Imigração Italiana, Caxias percebeu que parte da sua memória estava sendo apagada. Uma parte daquilo que fora construído pelos antepassados, estava se perdendo, tanto pela ação do tempo como pelas mãos do homem que não valorizou a trajetória dos pioneiros desta terra.

Em 1979, uma ameaça de demolição fez ressurgir histórias que permaneciam vivas na memória de muitos: a "Casa de Negócios de Vicente Rovea", a "Casa de Saúde do Dr. Romolo Carbone", o dia a dia dos moradores da Caipora que buscavam ali a satisfação de necessidades básicas como alimentação, saúde, convívio social. A morada de muitos estava com os dias contados. As famílias que ali habitavam receberam aviso para deixarem o prédio. Queriam construir um moderno edifício, afinal o local tornara-se um ponto atrativo para a especulação imobiliária.

Diante da ameaça de demolir mais esse elemento significativo da arquitetura da cidade, surgiu uma campanha para preservá-lo: nesse momento, o Museu e Arquivo Histórico Municipal deu início à campanha para a preservação da antiga Casa de Saúde do Dr. Carbone, envolvendo artistas, estudantes do curso de Artes, professores, arquitetos, engenheiros, intelectuais aderiram à iniciativa, que também recebeu apoio da União Caxiense de Estudantes, do Movimento de Defesa do Acervo Cultural Gaúcho, da Coordenadoria do Patrimônio Histórico e Artístico do Estado - CPHAE, entre outros.

O objetivo era não deixar ruir mais um símbolo da história local e a ação foi incorporada por parte da sociedade caxiense: o prédio foi adquirido por várias empresas e doado ao Poder Público Municipal, gesto que marcou o início de uma nova etapa na história de Caxias do Sul, agora voltada também para a preservação da memória coletiva. O objetivo era torná-lo um centro permanente de cultura; algumas entidades lançaram propostas para seu aproveitamento e, dentre estas, estava a do Museu e Arquivo Histórico Municipal, mobilizado em torno da intenção de transformar o local num Centro Regional de Documentação, que se formaria a partir do acervo existente no Arquivo Histórico, instalado precariamente no prédio aos fundos do Museu.

O inesgotável valor das fontes que transcendem o tempo e resgatam o passado fora reconhecido e a destinação do prédio estava definida: abrigar o acervo do Arquivo Histórico Municipal.

No período em que ficou fechado, aguardando a efetivação dos acordos firmados, uma parte do prédio transformou-se num espaço reservado ao Coral e Orquestra Sinfônica de Caxias do Sul - OSCA. Essa entidade, de natureza particular, estava sem local para seus ensaios e recebeu autorização do Prefeito Municipal para ali desenvolver suas atividades.

Em 1992, a Secretaria Municipal de Educação e Cultura transferiu-se para o prédio destinado ao Arquivo Histórico, devido a um incêndio que atingiu setores e departamentos da Prefeitura Municipal. Como a restauração não estava terminada, foram realizadas algumas adaptações no projeto original e a Secretaria de Educação ali permaneceria até julho de 1996.

A edificação fora tombada pelo Instituto do Patrimônio Histórico Artístico Estadual, por meio da Portaria 045/86, de 27 de novembro de 1986, e pelo Município de Caxias do Sul, em 22 de outubro de 2002.