Partindo do princípio de que a liberalização dos mercados de bens e ativos que teve lugar a partir dos anos 1980 e o fortalecimento da transnacionalização do capital que resultou daí não alteraram o pressuposto fundamental da prevalência de uma organização hierárquica no sistema capitalista mundial, o artigo visa defender a existência atualmente de um novo tipo de dependência a relacionar países centrais e periféricos. Essa dependência 4.0, que não passa mais primordialmente pelas relações de troca, estaria assentada no rentismo que marca hoje o processo de acumulação e na natureza do progresso tecnológico em curso. O caso do Brasil e a história de sua inserção na divisão internacional do trabalho são trazidos à discussão como emblemática desse novo tipo de subordinação. Palavras-chave: teoria da dependência, acumulação capitalista, rentismo, economia brasileira.
Understanding the intensification and expansion of extractive industries in contemporary capitalism requires an approach attentive not only to the literal forms of extraction prevalent in mining and agribusiness but also to new fronts of extraction emerging in activities such as data mining and biocapitalism. This article introduces the concept of operations of capital to trace connections between the expansive logic of extraction and capitalist activity in the domains of logistics and finance. Arguing that extractive operations are at large across these domains, we explore their relevance for capital’s relation with its multiple outsides. The resulting analysis provides a basis for mapping struggles against the changing forms of dispossession and exploitation enabled by extraction. Keywords: extraction; logistics; finance; capitalism; neoliberalism; mining.
This essay explores the lively debates around notions of extraction and extractivism in Latin America so as to expand these notions and thereby grasp the specificity of contemporary processes of the valorization and accumulation of capital within the region and beyond. Going beyond mining and the extensive agriculture that characterizes the notions of extraction and extractivism used in Latin America today, the essay seeks productive angles for a critical investigation of finance and financialization and also the persistence and mutations of neoliberalism in the region. This attempt to expand the notions of extraction and extractivism connects to a long history of struggles and theoretical elaborations that have expanded the notion of exploitation itself to include topics such as the hegemony of rent, the persistence of primitive accumulation, and accumulation by dispossession, all against the background of contemporary developments of capitalism, social struggles, and “progressive” governments in Latin America. Keywords: contemporary capitalism; extraction; extractivism; financialization; Latin America.
A “novíssima dependência” se situa num tempo histórico-capitalista “novíssimo” ao mesmo tempo em que também ambos, temporalidade capitalista e dependência, estão carregados de “velhíssimas” contradições, lógicas, padrões e determinações. Embora esta observação não seja, exatamente, a “ambiguidade estrutural” conceitualmente colocada por Chico Oliveira para o caso brasileiro, nem, tampouco, a sugerida por Queiroz; Matela; Diniz (Constituição de 1988 + neoliberalismo/neoextrativismo), é, em si, importante enquanto “ambiguidade estrutural” do sistema-mundo moderno capitalista no século XXI. É, portanto, fundamental para compreender as possibilidades estratégicas de superação da dependência. Ao vislumbrar o desenvolvimento argumentativo desta analogia conceitual da “ambiguidade estrutural”, buscaremos trazer à discussão a importância da superação da terceira “forma de manifestação da crise urbana” (“O Urbano como antinação: para entender a crise urbana” – ANPOCS; Queiroz; Matela; Diniz) para a “reconstrução da nação”. Este elo se justifica tanto pelo peso da crise ecoambiental global no “capitalismo do antropoceno” (John Bellamy Foster) sob um regime financeirizado de acumulação, quanto pelo peso das tendências recentes de inflexão da ordem mundial geopolítica e geoeconômica. Partindo da hipótese de Queiroz; Matela; Diniz de que “a burguesia brasileira abriu mão do controle da matriz espacial e temporal da urbanização”, desenvolveremos a hipótese complementar/expandida de que “se abriu mão das matrizes espacial e temporal” de compreensão do sistema e nossa inserção no atual momento da “história total”. Para tanto, trataremos de introduzir a contribuição teórica de Immanuel Wallerstein acerca dos “tempo-espaços” para a leitura da nova dependência e suas possibilidades de reflexão no âmbito do esforço de reconstrução da nação pela via do endereçamento da crise urbana socioambiental.
Buscando fortalecer o pensamento teórico-crítico sobre a urbanização, pretendemos problematizar as transformações contemporâneas do capitalismo na América Latina, destacando aspectos relacionados ao poder e ao dinheiro em nível sistêmico. Consideraremos, primeiramente, a natureza dessas transformações nos marcos da globalização neoliberal, que deixou para trás o projeto de industrialização. Em seguida, demonstraremos a necessidade de enquadrar essas transformações numa compreensão da crise do capitalismo, que remonta aos anos 1970. Esse enquadramento se desdobrará na exploração de duas hipóteses recentes: a da dominância financeira e a da emergência do que tem sido denominado como neoextrativismo. Por fim, retomando o debate da urbanização dependente e recorrendo ao caso brasileiro, delinearemos tópicos que nos parecem centrais para o estabelecimento de uma agenda de pesquisa acerca da urbanização latino-americana. Palavras-chave: financeirização periférica; neoextrativismo; urbanização dependente.
O capítulo tem como base em conferência proferida na cidade de Natal, no ano de 2022.
O capítulo busca sistematizar e ensaiar a construção de mediações teóricas e históricas que interpelem simultaneamente as transformações do capitalismo desta terceira década do século XXI e as particularidades dos espaços nacionais periféricos, subdesenvolvidos, dependentes e imperializados. Seria importante, para tanto, tentar separar “O que todos os capitalismos têm?” d’ “O que os capitalismos dependentes/subdesenvolvidos/periféricos/imperializados têm?. Para realizar o estudo da natureza do(s) capitalismo(s), deve-se abordar a questão de suas Formas/Formações/Formatações. Analisar suas dinâmicas contraditórias de expropriação, exploração, extração, extorsão, expulsões etc.
Na América Latina se ergueu um lócus de enunciação de um criativo prisma de análise e um aparato metodológico para buscar apreender esta condição específica, como uma malformação estrutural periférico-subdesenvolvida, tomada como estruturas em movimento truncado, resultado de duráveis processos de acúmulo de atrasos, de anacronismos e travamentos estruturais, no curso da longa história do capitalismo mundial. Neste contexto, cabe analisar seu desenvolvimento desigual, evolutivo-contraditório, mas sobretudo seu desenvolvimento (re) combinado, suas heterogeneidades estruturais e os modos pelos quais as formas atrasadas/retrógradas estão almagamadas e alimentam a “face” “moderna”/contemporânea, articulando-as e repondo-as permanentemente.
Colocando destaque nos processos de neoliberalização, financeirização, capitalização mediada por plataformas, crescimento das massas populacionais redundantes, a precarização do trabalho e dos espaços urbanos, os extrativismos diversos e seus suportes nas hinterlândias das cidades etc., pretende-se problematizar a atualidade ou não das questões postas por este patrimônio intelectual do pensamento crítico latino-americano.
Pretende-se alinhavar alguns pontos de uma agenda de pesquisas relacional-comparativa e multi-escalar, que possa apreender os tempos-espaços não só estruturais, mas também conjunturais (de condensação de contradições), que possa contribuir para a análise dos polimórficos mercados mundanos/ordinários e realmente existentes e seus dispositivos calculativos, o processo da capitalização de rendas diversas (imobiliárias, minerárias etc.), a acumulação ilícita, a urbanização dependente e as tensões e possibilidades de construção de uma outra ordem urbana que coloque a substancialidade da vida humana e não-humana à frente dos negócios privados.
Como retomar um projeto de desenvolvimento que contemple a reforma urbana e o direito à cidade? Buscamos esboçar um marco teórico-analítico compatível com essa possibilidade, entendendo que as cidades brasileiras podem funcionar como vetores da reconstrução da nação, após o período recente de sucessivas crises, com destaque para a crise urbana. Propomos adotar horizontes amplos de investigação dos “problemas urbanos”, sustentando que eles devem ser considerados à luz da forma histórica contemporânea da dependência e das circunstâncias abertas com o golpe de 2016, que impôs uma inflexão ultraliberal ao País. Defendemos, por fim, que, após esse golpe, o “caráter antinacional do urbano” foi radicalizado e que sua compreensão pode se beneficiar do resgate do debate sobre a urbanização dependente.
A partir das abordagens dos ciclos sistêmicos de acumulação de Giovanni Arrighi e dos ajustes espaço-temporais de David Harvey, este capítulo busca construir um quadro teórico-interpretativo sobre os padrões de produção do espaço na longa duração histórica do sistema mundial capitalista. Para isso, primeiro elaboramos uma aproximação dessas duas abordagens para um melhor entendimento da dimensão espacial intrínseca aos processos sistêmicos de acumulação de capital. Na sequência, apresentamos como as diferentes fases de expansão da acumulação capitalista são marcadas por padrões característicos de produção do espaço. Finalmente, buscamos especificar a produção do espaço na periferia do sistema levando em consideração as relações de dependência centro-periferia. Palavras-chave: longa duração; produção do espaço; dependência.
Temos presenciado desde os anos 1970, e de forma mais intensa na última década, um processo de reestruturação produtiva do capital. Isso tem provocado um extenso conjunto de modificações no âmbito do trabalho e, consequentemente, profundas alterações no espaço e no território (enquanto categorias de uso interligado). Mudanças que ocorrem nas mais diferentes escalas espaciais e promovem mudanças qualitativas na urbanização que extrapola os limites das cidades. Partindo dessa premissa, cremos ser fundamental analisar a reestruturação das relações entre capital e trabalho pelo viés da sua dimensão espacial, a fim de compreendermos como o espaço urbano materializa essa contradição viva em seu movimento dialético e qual é o seu papel nesse processo de busca por uma saída dessa manifestação da crise estrutural capitalista. Sendo assim, objetivamos compreender o papel ativo da urbanização em seu atual processo de metropolização, neste momento de crise estrutural do capital, e suas buscas para mitigação de suas contradições internas, tais como o chamado capitalismo de plataforma e sua nova morfologia do trabalho. Palavras-chave: crise estrutural; urbanização; metropolização; plataforma digital; trabalho.
O capítulo é dedicado à reflexão sobre o impulso dado pelo e-commerce à criação de centros de distribuição e condomínios logísticos em diferentes cidades do Brasil. Tendo como suporte e material empírico dados e informações extraídos de reportagens sobre as “cidades dos galpões”, realizamos uma discussão inicial sobre um tema da maior relevância para o debate urbano e metropolitano contemporâneo: o advento de formas espaciais e processos sociais que podem ser explorados a partir de noções emergentes, tais como “urbanização logística”, “cidades logísticas” e “urbanismo de plataforma”. Como se verá, nossas principais contribuições são definições, ainda que provisórias, e problematizações a respeito dessas noções. Além disso, ao analisar os dados e informações mencionados, chamamos a atenção para os impactos e contradições da urbanização logística nos mercados imobiliário e de trabalho brasileiros. Palavras-chave: Urbanização logística; Cidades logísticas; Urbanismo de plataforma; Trabalho; Moradia.
Considerando as recentes transformações do trabalho nas metrópoles brasileiras, observa-se uma multiplicação do trabalho precário baseado na circulação de mercadorias. A crise do capital e da forma-valor parece dar origem a um imperativo de circulação eficiente como condição de possibilidade para a acumulação, que se reflete na chamada urbanização logística. Este artigo apresenta uma interpretação desses processos a partir da perspectiva lefebvriana dos níveis de análise do urbano (G-M-P). Ao explorar a relação entre crise do capital, urbanização logística e a dimensão cotidiana dos entregadores de aplicativo, concluímos que a precarização do trabalho e a produção de infraestruturas logísticas aparecem como expressão material do aprofundamento da crise da valorização do valor, alterando simultaneamente as formas de luta da classe trabalhadora. Palavras-chave: precarização do trabalho; produção logística do espaço; crise do capital; autonomia negativa.
A interrupção e reversão do processo de 50 anos de industrialização nos anos 1980 e 1990, combinado com a expansão das atividades extrativas, minerais e agrícolas, alavancaram a reprimarização da economia brasileira, conduzindo a uma reestruturação do espaço nacional. Processo revelado, entre outros, na região Centro Oeste do País, com o aumento da sua contribuição na economia nacional, na implantação de grandes projetos logísticos e de energia, na dinâmica demográfica e na expansão das fronteiras do setor primário exportador. Assim, neste trabalho me dedico a analisar as articulações entre neoextrativismo, finanças e logística para compreensão das transformações socioespaciais em curso, com foco na região centro oeste do país.. O boom das commodities, ocorrido durante a primeira década do século XXI, teve especial impacto nos países latino-americanos, como um novo ciclo de expansão das atividades do setor primário. Tal processo tem sido caracterizado como um neoextrativismo, termo que se disseminou, desdobrando-se, também, em uma série de sentidos como: I) a reestruturação produtiva do setor, agora mais intensivo em capital e baseado em novas tecnologias de informação, de biociências, de máquinas, de transporte e etc; II) um projeto político de governos do campo progressista que buscaram articular a manutenção e a expansão dos ganhos dos setores primário-exportadores para o custeio da expansão das políticas sociais, consolidando um consenso das commodities; III) um padrão de acumulação assentado na expansão territorial das atividades através da expulsão, espoliação de povos tradicionais e originários; IV) uma noção expandida de extrativismo, como uma série de práticas e operações do capital financeiro para adentrar e extrair riquezas de novos espaços como a mineração de dados, o microcrédito, os jogos on-line etc. Apesar da diversidade de dimensões do neoextrativismo, parece ser possível estabelecer que a financeirização é transversal a todas elas. O neoextrativismo combina novas e velhas dinâmicas, sendo expressão da manutenção da posição subordinada e dependente dos países do continente na divisão internacional do trabalho. Sob a financeirização da economia global e de reestruturação das cadeias produtivas, a condição dependente atualiza-se. Neste sentido, destacamos a logística como braço operacional do capital no contexto contemporâneo para analisar a reestruturação espacial do capital em curso no Brasil, ligada ao avanço das atividades extrativas, especificamente o agronegócio. Os estudos críticos da logística desenvolvidos a partir da grande relevância do tema no meio corporativo a partir da expansão e complexificação das cadeias produtivas globais, aborda a logística como uma forma de poder político e econômico. Dentro desta perspectiva, a logística orienta-se pela lógica financeira (verticalidade) e se desdobra sobre o espaço (horizontalidade) como infra-estrutura logística e como mecanismos de controle do trabalho, de capitais, dos fluxos e dos estoques. Neste trabalho destacamos uma dupla dimensão da logística, a logística como poder de controle do capital e operadora as estratégias de acumulação ao longo das cadeias produtivas globais e a logística como produto, na mercantilização e financeirização dos seus fixos, como: galpões, silos, portos, rodovias etc. Portanto, neste capítulo, a partir do estabelecimento de nexos entre as finanças, o neoextrativismo e a logística, vou analisar o avanço da logística, em sua dupla dimensão, como vetor da reestruturação espacial em curso no Brasil. Ou seja, compreender como a logística atua na constituição de uma nova espacialidade da economia dependente.
O objeto do capítulo é o capital incorporador e a propriedade e a posse privada da terra nos diversos extratos do capital que atuam na cidade e afeta a produção do espaço urbano. Anteriormente, a produção imobiliária era localizada e menos dispersa, mas, agora, a racionalidade do capital fictício impõe uma horizontalidade do empreendimento no setor imobiliário. O problema é saber se isto leva a uma modificação estrutural do capital incorporador na sua relação com a liberalização da circulação do capital fictício na financeirização. A partir desta problemática, objetiva-se estudar a financeirização, os processos de absorção de excedentes de capitais na cidade, o capital fictício no setor imobiliário e a renda da terra. Três questões fundamentais serão tratadas: 1- a primeira sobre a formação do capital de incorporação e sua relação com os circuitos de créditos; 2- a segunda seria quanto à natureza do lucro de incorporação e a renda da terra; 3- a terceira tem a ver com as práticas do capital de incorporação. Serão utilizadas na análise, como metodologia, as categorias renda da terra, mercantilização da terra, capital fictício, acumulação primitiva e financeirização, bem como as categorias de valor, valor de uso, valor de troca, força de trabalho e mais-valor, na dinâmica do espaço urbano. A hipótese é que existe modificação estrutural do capital incorporador na sua relação com a liberalização da circulação do capital fictício na financeirização e a apropriação da propriedade fundiária mediante a renda diferencial, com a consequente concentração horizontal e vertical da produção imobiliária na fusão entre o capital incorporador e o capital financeiro. A questão fundamental é saber se as transformações das práticas (ou estratégias) dos agentes do capital incorporador, a partir da hipótese do setor imobiliário ser submetido à dominância financeira, tem como referência o fato consolidado na literatura de que o fundamento da presença deste agente na produção e na circulação imobiliária é a captura da renda da terra na forma de um sobrelucro de localização. Palavras-chave: propriedade fundiária e renda da terra; capital incorporador e financeirização; espaço urbano e capital fictício; propriedade privada e posse na financeirização.
O capítulo focaliza a discussão do fenômeno da desindustrialização no Brasil em suas principais regiões metropolitanas nas duas primeiras décadas do século XXI. Os objetivos são apresentar a análise da estrutura produtiva da indústria de transformação das metrópoles brasileiras vis-à-vis a sua inserção nacional, identificar os ramos de atividade mais determinantes para o processo de desindustrialização metropolitano do país e caracterizar as regiões metropolitanas em que mais se apresentam esse fenômeno. Utilizamos de dados públicos e de uma tabulação solicitada ao IBGE sobre o valor da transformação industrial das regiões metropolitanas. Constatamos que a desindustrialização brasileira é fundamentalmente um fenômeno metropolitano, principalmente quando se considera os ramos de mais elevada intensidade tecnológica. Contudo, esse processo não aconteceu de modo homogêneo entre as metrópoles. Aquelas que mais contribuíram para a sua ocorrência foram São Paulo, Salvador e Curitiba. Aquelas que mais contrabalancearam esse processo foram Rio de Janeiro e Recife. Palavras-chave: desindustrialização; valor da transformação industrial; níveis de intensidade tecnológica; metrópoles; região metropolitana.
As cidades portuárias da Região Metropolitana da Baixada Santista apresentam dinâmicas de urbanização logística nas quais é possível identificar um padrão territorial sob determinações do capitalismo mundializado, que se repõe sob a permanência de heranças coloniais e escravistas reproduzidas nas cidades. A expansão do Porto é priorizada em detrimento das condições de vida e sobrevivência de segmentos populacionais, principalmente os mais pauperizados. Tomadas pelo processo produtivo e expansivo do Porto, sob a lógica da reprimarização da economia, observam-se mudanças territoriais na região, com a criação de áreas de obsolescência e recomposição da relação centro-periferia com a alteração das características dos territórios, com vistas a superar barreiras humanas e espaciais, com projetos fragmentados e de expulsão da população, que visam a conexão vital para a dinâmica portuária entre a área terrestre e a marítima. Partindo dessa ideia chave, pretendemos identificar mediações sociais, históricas e urbanísticas que possibilitarão análises históricas concretas, iluminadas pela afirmativa de Marx, no Prefácio da Crítica da Economia Política: “...Em certo estágio de desenvolvimento, as forças produtivas materiais da sociedade entram em contradição com as relações de produção existentes ou, o que é a sua expressão jurídica, com as relações de propriedade no seio das quais se tinham movido até então.” Porque, no cenário urbano vemos o espaço disputado pelas atividades do Porto, e mulheres, crianças e homens são comprimidos pelos grandes caminhões em trânsito intenso, por containers e pela constante ameaça de desapropriação em condições de precariedade dos serviços públicos e violências. Palavras chaves: capital financeiro; reprimarização; padrão territorial; obsolescência; heranças coloniais e escravistas; urbanização logística.
A questão mineral no Brasil está longe de ser considerada como um problema recente, muito embora, desde o desastre-crime da Samarco/Vale/BHP Billiton em Mariana/MG, no ano de 2015, tenha se acirrado essa discussão em diversos campos do conhecimento. Entretanto, desde o período do Brasil colônia até as distintas fases do Estado republicano, incluindo a mais recente sob a égide do neoliberalismo, o extrativismo mineral tem se manifestado numa unidade contraditória: por um lado, viabiliza a arrecadação fiscal, ainda que incipiente, para os municípios explorados; e, por outro, gera riscos, danos e desastres ambientais, além de fragilizar a soberania e a governança nesses territórios, sempre em nome da promessa de desenvolvimento. Tal como outras modalidades de acumulação, o extrativismo mineral também se reconfigura em cada ciclo histórico, complexificando e produzindo novas formas de exploração, sendo o 'neoextrativismo' sua forma mais recente. As singularidades deste novo modelo, dentre outros aspectos, podem ser identificadas no papel atribuído ao Estado como facilitador (especialmente a partir da legislação pertinente); na escala dos bens naturais extraídos (megaempreendimentos); na inserção subordinada dos países explorados na economia global (reproduzindo a dependência); nas novas fontes de legitimação social e política junto às comunidades locais (investimento social privado). Interessa-nos, neste artigo, discutir dois desses aspectos cujos impactos nos parece fragilizar a governança e a soberania local: a atual forma de subordinação dos municípios minerados denominada 'minério dependência', e uma das expressões da governança neoliberal que, dentre outras formas, se manifesta a partir do chamado 'investimento social privado' a partir do estudo de caso da mineradora AngloGold Ashanti. Esta discussão se apoia nas reflexões suscitadas por uma pesquisa realizada em sete municípios do vetor sudeste da Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH) - Brumadinho, Caeté, Itatiaiuçu, Nova Lima, Raposos, Rio Acima e Sabará -, cujas matrizes econômicas estão fortemente apoiadas na atividade minerária. Os municípios pesquisados estão inseridos no chamado Quadrilátero Ferrífero, localizado na região central de Minas Gerais – incluindo parte da região metropolitana, que é uma extensão territorial de onde se extrai grande parte dos recursos minerais hoje no Brasil. Essa inserção determina uma forte influência das atividades extrativas na região e, consequentemente, a participação significativa das companhias mineradoras não apenas na economia local, mas também nas relações sociais e políticas.
O presente capítulo irá se alicerçar em algumas teses complementares que defendemos. A tese central é a de que para a compreensão das principais tendências e características da urbanização brasileira das últimas cinco décadas, faz-se necessário considerar, entre as chaves explicativas, a territorialização do capital do agronegócio no Brasil, dominada pelas corporações transnacionais à frente de tal segmento econômico. Uma segunda tese é a de que é na cidade que se processa parte da materialização das condições gerais de reprodução do capital do agronegócio. Entendemos que isso está entre os vetores de incrementos não só da economia urbana, mas também pode ser apontado como fator causal da formação e (re)estruturação de várias cidades, de muitas novas e complexas relações campo-cidade, do incremento da urbanização, assim como pela formação de novas regionalizações. Assim sendo, desde os anos 1980, temos uma remodelação do território e a organização de um novo sistema urbano. Desde então, concomitantemente aos processos de macrourbanização e metropolização, difundem-se e crescem também as cidades de porte médio e as cidades pequenas, tornando muito mais complexa a rede urbana, uma vez que aumentam tanto os fatores de concentração, quanto os de dispersão, como tão bem vem mostrando os dados preliminares do Censo Demográfico recém-lançados. Por outro lado, compreendemos que o agronegócio se alicerça fortemente tanto em formas tradicionais, quanto em novas formas de apropriação privada da natureza e que seus modos de obtenção evidenciam a histórica inserção subordinada do país na divisão internacional do trabalho. Isso deixa claro, entre outros, que a difusão da urbanização a que assistimos é extremamente corporativa e acirra traços estruturais da sociedade brasileira, como as desigualdades socioespaciais. Como objeto principal de análise teremos alguns dos temas e processos que estão na base da formação do que denominamos de cidades do agronegócio. Para o desenvolvimento do capítulo, iremos nos basear em pesquisas realizadas nas últimas décadas sobre a reestruturação produtiva da agropecuária brasileira, a difusão do agronegócio e o incremento da urbanização corporativa. Importante dizer que isso não significa expor os resultados individuais de tais pesquisas, mas buscar apresentar reflexões de síntese à luz das mesmas. Palavras-chave: Brasil; Agronegócio; Urbanização Corporativa; Cidades do Agronegócio.
A extração de petróleo e gás no litoral norte do ERJ acompanhou as transformações da dinâmica da acumulação capitalista contemporânea, no contexto do processo de integração dependente do Brasil na nova DIT, como exportador de commodities minerais e agropecuárias. Com o fim do monopólio estatal da exploração e produção, culminando, mais recentemente, no período pós-presidente Dilma, com o abandono da Política de Conteúdo Local, e, paralelamente, com a flexibilização do regime portuário, através da privatização de portos e terminais, houve o aprofundamento da internacionalização dos espaços impactados pelos Complexo do Exploração e Produção de Petróleo e Gás, tanto no que diz respeito à propriedade das empresas, infraestruturas e equipamentos, como, principalmente, à apropriação de terras, por espoliação de pequenos e médios proprietários tradicionais, com objetivos claramente rentistas. A dinâmica territorial passa a ser ditada pelos mecanismos de propriedade, controle e gestão do espaço sub-regional. O ambiente construído por essa nova dinâmica configura o ERJ como plataforma logística de circulação das mercadorias da produção/extração especializada de commodities primárias para exportação. A articulação dos Complexos de Exploração e Produção de petróleo e gás com os Complexos Portuários vem produzindo profundas transformações na configuração do espaço urbano-regional. A especialização/monopólio, o regime de trabalho, a petrodependência, a dependência municipal das rendas e seus consequente rebatimentos sobre o espaço urbano desembocaram na constituição de novas centralidades, polarizações e interações territoriais materializadas na fragmentação de unidades político-administrativas, no aprofundamento das desigualdades e da hierarquia na rede urbana. O presente capítulo busca identificar nexos entre esse processo sub-regional e os elementos da dinâmica capitalista contemporânea, analisando aspectos que possam apontar para a ocorrência de um novo padrão de urbanização. Palavras-chave: nova configuração urbano-regional. Economia extrativista fluminense. Rio de Janeiro como plataforma logística.
Ao longo de várias décadas do século XX, o Brasil experimentou a conformação de várias aglomerações urbano-regionais que se configuraram como grandes metrópoles no sistema urbano. A urbanização associada à industrialização imprimiu padrões sociodemográficos de concentração, crescimento populacional e pressão demográfica sobre a infraestrutura e serviços urbanos que acompanharam a formação desses territórios que, em que pese as expressivas desigualdades, também se tornaram lócus do poder econômico, político e cultural no cenário nacional. Já no século XXI, a inserção periférica e subordinada do Brasil na economia internacional a partir da reprimarização pelo modelo econômico primário-exportador, da desindustrialização e da financeirização fez surgir dinâmicas de urbanização que conformam novas territorialidades urbano-regionais que podem ser lidas na lógica neoextrativismo urbano. Com os novos dados do Censo Demográfico de 2022, o debate sobre a reconfiguração sócio territorial do país se acentua, trazendo questões sobre quais territórios têm experimentado o crescimento de atividades econômicas ligadas a esse novo contexto, aumento de população, circularidade de pessoas, bens, recursos e, inclusive, novas coalizões de poder, se considerarmos a dimensão sociopolítica dessa possível reconfiguração. Nesse cenário, investigamos quais as tendências sociodemográficas no século XXI dos clássicos territórios metropolitanos brasileiros e dos territórios de intensas atividades extrativistas que se destacam nessa lógica, como as regiões que concentram atividades ligadas ao agronegócio, mineração, atividades petrolíferas e portuárias. Para tanto, pretende-se captar as territorialidades a partir da divisão urbano-regional mais recente do IBGE no estudo sobre regiões imediatas e intermediárias. Pretende-se tomar o território nacional dividido pelas regiões imediatas, considerando comparativamente: 1) aquelas regiões polarizadas por capitais que fazem parte das metrópoles clássicas consideradas em estudos da hierarquia urbana brasileira realizados pelo próprio IBGE; e 2) aquelas regiões imediatas que se destacam em subsetores de atividade econômica ligados ao agronegócio, mineração, atividades petrolíferas e portuárias. A partir dessa base territorial comparativa, analisaremos uma série de indicadores sociais, econômicos e demográficos entre 2010 e 2022, a depender da disponibilidade dos dados. O objetivo é traçar um panorama das tendências sociodemográficas nesses territórios buscando identificar as similaridades e diferenças que vêm apresentando a partir das mudanças na dinâmica da urbanização. Palavras-chave: urbanização, metrópoles, extrativismo, população.
Este artigo, produto de resultados de pesquisa sobre experiências de movimentos sociais nas periferias de São Paulo, Bogotá e Buenos Aires, apresenta uma discussão sobre a necessidade de se pensar um conceito decolonial de movimentos sociais articulado com a dimensão do território e identidades. Partindo do conceito de movimentos sociais do pensador uruguaio Raul Zibechi e utilizando a metodologia da sistematização das experiências de Oscar Jara, percebeu-se que há uma disputa de sentidos de territórios que oscila entre uma ocupação militar e capitalista ao qual se contrapõe a ocupação social e coletiva proposta pelos movimentos sociais. Este capítulo foi baseado no relatório final do projeto de pesquisa financiado pela Fapesp intitulado “Movimentos sociais, cultura, comunicação e território em São Paulo, Bogotá e Buenos Aires realizado nos anos de 2017 e 2018. Agradecemos a colaboração de todos os bolsistas e alunos de pós-graduação envolvidos no pesquisa.
A importância da condição de dependência brasileira frente ao centro do capitalismo mundial e de suas consequências para uma melhor compreensão da economia, sociedade e política brasileira tem sido ressaltada por diversos autores, ao menos desde a década de 1960. Em sua fase neoliberal, tal dependência foi reformulada e aprofundada através de novas tendências como a reprimarização, as privatizações e a financeirização. O aspecto financeirizador desta nova fase, em especial, se conforma desde a década de 1990 por meio de uma política macroeconômica fundada no estabelecimento de altíssimas taxas de juros e na priorização de remuneração excepcional de títulos da dívida pública, em detrimento de investimentos produtivos, aliados à substantiva expansão do crédito como formas de atrair capitais internacionais especulativos para o país. Contudo, apesar do resultante crescente domínio da finança capitalista sobre a esfera da produção, o setor imobiliário brasileiro não vem sofrendo o mesmo nível deinfluência dos mercados financeiros nacional e internacional, ao menos não na mesma intensidade que ocorre em outros setores. Isso acontece em detrimento de uma série de políticas e projetos urbanos voltados para a ampliação da financeirização da produção do espaço urbano no início do século XXI, como as Operações Urbanas Consorciadas financiadas por Certificados de Potencial Adicional Construtivo (CEPACS). Mais recentemente, sobretudo a partir da década de 2010, tais iniciativas tem sido reformuladas e sofisticadas, buscando aumentar a atratividade do mercado imobiliário para o investimento de agentes atuantes no mercado financeiro, por meio de flexibilizações legislativas mais agudas e da disseminação da utilização de Fundos de Investimento Imobiliário (FII). Considerando tal cenário, o presente artigo tem por objetivo investigar se a nova rodada de “revitalização” da área central do Rio de Janeiro, representada pelos projetos Porto Maravilha e Reviver Centro e suas inovações institucionais, vêm conseguindo superar as barreiras que em geral dificultam a participação mais contundente do capital financeiro na produção do espaço urbano brasileiro. Além disso, busca-se identificar se tais projetos estão contribuindo para uma nova rodada de sofisticação e aprofundamento da dependência brasileira através da “colonização” do setor imobiliário local pelo capital internacional, antes dominados por capitais nacionais e altamente concentrados nas mãos de pouca famílias burguesas. Para tanto, são identificados os investidores protagonistas de ambos os projetos, caracterizando-os de acordo com a origem geográfica, social e setorial do capital aplicado. De acordo com os resultados preliminares, pode-se afirmar que o Reviver Centro, em especial, apresenta um protagonismo claro e inédito no avanço de agentes típicos do mercado financeiro nacional sobre o setor tradicionalmente produtor do espaço urbano no Brasil, possivelmente também abrindo novas portas para futuras incursões do capital financeiro internacional neste âmbito e para o aprofundamento da dependência brasileira. Palavras-chave: Financeirização, Dependência, Urbanização, Reviver Centro, Porto Maravilha, Rio de Janeiro.
O capítulo explora uma problematização renovada da dinâmica das metrópoles contemporâneas sob a luz de esforços específicos para reivindicar a cidade como espaços comuns. Construído a partir das teorias de Lefebvre sobre a virtualidade da cidade e comparado com a abordagem contemporânea da vida urbana, ele sugere que a comunização urbana está liberando o poder da colaboração e da criatividade coletivas. Lutas para apropriar a cidade como um meio crucial de compartilhamento transformam partes da cidade e produzem novos padrões de moradia urbana. Exemplos de movimentos urbanos da América Latina, focados em estabelecer condições de moradia emancipatória, são usados para ilustrar as capacidades transformadoras da comunização urbana. Palavras-chave: Potencialidade urbana; Movimentos urbanos; América Latina; Comunização.
O conceito de Cidades Inteligentes costuma ser ventilado em iniciativas diversas e nem sempre conectadas entre si, com o discurso de tornar mais eficientes os fluxos e o uso de recursos e serviços da cidade, sob o ponto de vista de uma economia de mercado. Nesse sentido, a aplicação de dispositivos diversificados (aplicativos de ensino, sistema de saúde, sensores digitais para iluminação, tráfego, roteadores e até câmeras de vigilância) é apresentada como iniciativa positiva em um cenário em que predominam os recursos escassos e a propriedade privada. De outro modo, este capítulo convida à reflexão, compreendendo que a desalienação do conceito permite avançá-lo para além da economia de mercado, colocando-o a serviço das lutas sociais. Pode-se pensar os meios de produção e consumo na cidade com o propósito de se organizar recursos, serviços e experiências alternativas às práticas neoliberais urbanas? Como definir uma Cidade Inteligente sob a perspectiva cidadã? Palavras-chave: cidades inteligentes; lutas sociais; meios de produção e de consumo na cidade.
Pode-se fazer a da crítica da colonialidade do saber urbano por meio da narrativa de lutas atuais travadas nas periferias urbanas brasileiras, posto que o pensamento de/descolonial não se limita aos indivíduos, mas, antes, incorpora-se nos movimentos sociais. Há, nas periferias, uma potência para elaborar respostas críticas por meio de formas de luta e resistência que se reflete na multiplicidade de/descoloniais dadas por culturas subalternizadas. Há, nos territórios periféricos, uma condição de emergência que faz com que se realize externamente aos espaços técnicos, acadêmicos e institucionais uma soma de ações, engajamento político e ativismos – uma soma de energias insurgentes. Meu principal argumento, neste trabalho, é que a estratégia filosófica de Lélia Gonzalez, em perspectiva decolonial e feminista, quando formula a categoria de Amefricanidade nos fornece uma importante lente para analisar a questão das lutas urbanas travadas desde as periferias brasileiras. A amefricanidade produz-se a partir da reexistência e criatividade que a luta negra em diáspora, protagonizada por mulheres, conduziu a partir do legado colonial que por aqui se forjou. No enfrentamento direto, concreto e permanente ao genocídio, em todas as suas dimensões. A categoria possibilita reescrever o percurso histórico de intensa dinâmica cultural entre as heranças afro-diaspórica, ameríndia e européia, que nos constituiu a partir de processos de resistência, aculturação, assimilação e criação de novas formas de estar no mundo e enfrentar as violências cotidianas e institucionais. Trata-se de uma proposta epistêmico-metodológica que leva a sério os desafios da necessidade de romper radicalmente com as descrições hierarquizadas que a colonialidade fez de nós. Améfrica, que diz respeito à análise da identidade negra no Brasil atravessada pelas experiências de resistência e luta contra a colonização e a escravidão, é uma categoria filosófica que permite pensar o plano de imanência dessas lutas urbanas recentes, travadas nas periferias de megacidades, seja em suas formas de organização tantas vezes indiferenciadas das lógicas da vida cotidiana; seja no alcance transescalar dessas contestações; ou ainda em seu princípio de horizontalidade. Sobre as lutas na américa latina, na perspectiva da amefricanidade em sua interface com a crítica da vida cotidiana urbana as discussões a se fazer são as seguintes: a) os modos de vida na periferia ensinam sobre a vida cotidiana e sua micro escala sem contudo fetichizá-la; b) contestações e lutas organizadas horizontalmente que não são organizações estado cêntricas; distendem as hierarquizações, dão-se sem divisões estritas entre direção e bases, entre quem dá ordem e quem executa, quem acata, quem decide; c) arranjos de solidariedade que superam a burocracia, esta forma tradicional e elementar e muito antiga de dominação; d) formas de organização política que não se diferenciam dos modos de fazer de suas vidas cotidianas. Palavras-chave: colonialidade do saber urbano; territórios periféricos, amefricanidade, Lelia Gonzalez.
Contrariamente às correntes elitistas da democracia, que surgiram no início do século passado e se tornaram hegemônicas no mundo, as democracias ampliadas e pluralistas passaram a absorver as iniciativas provindas da sociedade civil e dos parlamentos para efetivar a participação dos cidadãos nas decisões de políticas públicas para além dos momentos eleitorais e alternância do poder. No Brasil, nos últimos 30 anos, surgiram diversas inovações democráticas que consagraram o país como lugar destacado de inovação e ampliação dos direitos de participação cidadã. Situadas na confluência das esferas governamentais e da sociedade civil, essas inovações democráticas são entendidas pela literatura acadêmica como sendo uma criação institucional que vai além de formas de participação cidadã direta, como o plebiscito, o referendo e a iniciativa popular (previstos constitucionalmente), porque articulam modalidades contínuas – não extraordinárias – de incidência social sobre o poder público e seu aparato administrativo, incluindo o próprio sistema político. Dentre essa nova institucionalidade democrática, que se ampliou desde a Constituição de 1988, estão os milhares de conselhos setoriais de políticas públicas e de direitos nos três níveis da federação (em especial nos casos obrigatórios das políticas sociais como saúde, educação e assistência social), os Orçamentos Participativos, as conferências de políticas, os Conselhos Participativos do Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano e Ambiental, as audiências públicas, e diversos fóruns permanentes. Essas interfaces do Estado com múltiplos atores civis deram amplitude à democracia brasileira para além dos limites permitidos pela tradicional seleção das elites que devem governar, como supõe a tese elitista da democracia. Após mais de trinta anos dessa institucionalidade participativa – e sua grande expansão nos anos 1990-2000, durante os governos do PT, - muitos estudos indicam avanços democratizantes, mas também limites quanto aos efeitos reais da participação institucionalizada em termos redistributivos. Além disso, o novo contexto autoritário que se instalou no Brasil após o golpe parlamentar de 2016 e as eleições presidenciais de 2018, somados à crise econômica e à reconfiguração federativa dos recursos, passou a constranger e a diminuir as oportunidades da participação social nas políticas públicas. Nesse período, o avanço do projeto neoliberal como saída para a crise também se fez valer nas cidades. A inflexão ultraliberal vem impulsionando regimes urbanos nas metrópoles que acentuam a exclusão, a fragmentação e a segregação de enormes contingentes das classes populares. A implementação desse projeto ultraliberal, tanto em nível nacional quanto nos estados e municípios, demonstra seu caráter autoritário porque seus conteúdos privatistas se chocam com as aspirações vocalizadas pela participação cidadã e pelos movimentos sociais que lhe dão base na sociedade. Daí sua dificuldade em conviver com a democracia participativa e a mobilização social. Diante desse novo contexto cabe perguntar quais seriam as saídas alternativas que precisam ser apresentadas tanto ao projeto neoliberal quanto aos projetos autoritários da democracia elitista que hoje tentam hegemonizar os caminhos escolhidos pelo país. As respostas a isso requerem discussão do conjunto das forças sociais, políticas e acadêmicas comprometidas com a democracia ampliada e a participação social como importante elemento do projeto democrático e popular de desenvolvimento nacional. Palavras-chave: democracia; participação; inflexão ultraliberal; regimes urbanos.