Capítulo 8 - Dois caminhos...

por Kaiser


Mais uma vez, chegamos em um desses lugares estranhos do cerrado. O nome do local aparentemente é Vale da Lua, de acordo com o “baixinho”. Meus “companheiros” pareciam estar maravilhados com a vista, mas nada disso me interessa, só estou aqui pelo meu objetivo de ser o mais forte e essa jornada pode me ensinar muita coisa. 


De cara, todos perceberam pegadas que levavam a uma caverna. O resto do grupo ficou pra trás conversando algo e eu apenas segui os rastros e entrei nessa caverna. Realmente era bem bonito o lugar. A caverna tinha vários buracos nas paredes, permitindo que a luz entrasse e refletisse pela mesma.


Mas não estou aqui para ficar admirando paisagens, só temos um objetivo: recuperar os Eremitas dos Biomas com vida. Então, continuei descendo a caverna em busca de algum vestígio, até que avistei uma corda (uma clara armadilha). Como forma de teste, decidi cortar a corda com minha foice e quando o fiz, caíram estalactites do teto da caverna (que são feições espeleológicas, associadas ao teto da caverna [1]) que vieram diretamente em mim, e infelizmente, não pude esquivar.


Aparentemente o resto do grupo não viu o que fiz (espero que não tenham visto).


— Meltic, me dê uma ajudinha aqui! - exclamei após sofrer com a armadilha.


Esperei que ele chegasse até mim, e pedi a ele que usasse sua magia de cura em mim, já que não havia decorado essa magia até aquele momento. No entanto, ele preferiu não gastar seu poder mágico por agora. Eu decidi apenas usar uma das nossas poções de cura, já que uma delas tinha ficado comigo. Ela foi muito mais efetiva do que imaginava. Eu me senti totalmente recuperado quase que instantaneamente.


Continuando o caminho (desta vez, junto do restante do grupo), finalmente chegamos em algo bem peculiar. Um grande lago com duas estacas de madeira, uma em cada ponta do lago. Do outro lado, havia um pequeno “barquinho” de madeira (eu não sabia ainda, mas, ali, se iniciaria a briga MAIS IDIOTA DE TODAS).


“Pareceria ser uma situação simples de se resolver, não é?”


— Meltic, vire algo que voa, vá até o outro lado e traga o barco até nós - eu disse em tom explicativo de quem possuía um simples objetivo.


Essa foi minha ideia. Mas o Ruhtra falou algo um pouco diferente:


— É só virar um peixe e atravessar o lago nadando.


Entretanto, isso era muito arriscado, parecia fácil demais. Com certeza tinha algo naquele lago. Era muito melhor apenas voar por cima, evitando qualquer coisa que pudesse estar ali. Porém, o Ruhtra, novamente se mostrando um completo idiota, continuou pedindo para que Meltic virasse um peixe e nadasse até o outro lado e o Meltic estava realmente cogittando virar algo, como um salmão, e atravessar nadando.


 Gente, é óbvio que vai ter um monstro aquático nisso aí. - eu disse impaciente e completei:

— Faz muito mais sentido o Meltic ir voando!


Mesmo assim, eles continuaram discutindo algo sobre virar um urubu, ou um salmão ou um tucano. Chegou um momento em que estava tão estranha a discussão, que passei a não prestar atenção e tentei investigar as possibilidades.


Primeiro eu tentei usar minha magia “Explosão de Chamas”, diagonalmente, direto na água para tentar enxergar algo, ou ver se algo reagiria a isso, porém, apenas evaporou muita água, gerando uma fumaça densa que não me permitiu ver nada e, aparentemente, nenhuma criatura havia reagido.


Desisto - disse isso bem baixo e pulei na água para nadar até o outro lado, já que aqueles dois ainda estavam discutindo sobre o que Meltic se tornaria.

 

Logo percebi que era longe demais pra chegar até o outro lado apenas nadando. Contudo, ao  menos, serviu para chamar a atenção de Ruhtra e Meltic.

— GENTE, PAREM DE PERDER TEMPO. É SÓ VIRAR QUALQUER COISA QUE VOE E ATRAVESSE O LAGO!!! - Exclamei enfurecido.


Meltic finalmente tomou uma decisão. Transformou-se em um urubu e começou a sobrevoar o lago. Todavia, foi impressionante o azar que ele teve. Simplesmente caíram estalactites nele, vindas do teto da caverna, enquanto sobrevoava o rio. Ele até desviou de algumas, mas não  o suficiente e, então, ele caiu na água.


Passado algum tempo, só vimos ele saindo em forma de peixe do lago e se transformando novamente no Meltic clássico. Ele chegou ao “barquinho”, tirou dois remos do fundo e veio até nós. Até que, de repente:


 — Finalmente vocês vieram. - uma voz bem envelhecida, que veio de dentro do rio, disse isso e vimos um par de olhos sobre a água. Era uma voz de algo ou alguém que parecia bem velho.


— Aí ó, eu falei que tinha um monstro do rio - eu disse aos outros do grupo.

 

— Monstro? Já me chamaram assim, mas já faz muitos anos. - a voz respondeu.

Após isso, de dentro do lago, saiu um grande sapo que carregava consigo duas katanas, trajando uma espécie de kimono e um grande chapéu de palha pontudo. Ele pulou diretamente no barco de Meltic e se apresentou a nós como Vargur, o Senhor dos Pântanos. E de cara, apareceram mais cinco pares de olhos do lago, que saltaram para bem perto de nós.


          Eram outros cinco sapos grandes. Meltic finalmente chegou com seu barco e Vargur começou a esclarecer muitas coisas importantes. Primeiramente, ele apresentou seus amigos: Ghero Ghero, um sapo-foguetinho, um tanto quanto menor que os outros e que só repete seu nome; Azura, uma rã-azul com um cajado mágico e uma roupa bem estilosa; Croaker, um sapo bem imponente de cor vermelha com uma uma lança; Nyx, ainda menor que Ghero Ghero, uma rã com um pequeno grimório e um chapéu de bruxa; e Raina, uma perereca muito estranha com uma katana.


Feitas as devidas apresentações,  Ghero Ghero fala algo muito importante:


- “Ghero Ghero, Ghero Ghero.”


Eu não faço a mínima ideia do que isso significou, mas era tudo que ele podia nos dizer”.


Vargur, então, explica sobre o seu povo, “os homens-sapo”,  e nos conta finalmente uma informação muito importante: os homens-sapo eram um povo que vivia tranquilamente, porém, certo dia, uma mulher de manto vermelho com um sol estampado (bem imponente) chegou até eles e começou a controlá-los através de linhas, que se inserem nas costas de quem é controlado, como se fossem marionetes. Os homens-sapo foram completamente subjugados, tornando-se escravos dessa mulher e alguns (provavelmente os mais inúteis,  na perspectiva dela) foram presos em uma jaula. Além disso, finalmente, Vargur falou sobre o que mais me importava: 


- Essa mulher estava levando consigo a Eremita dos Biomas, Kindred, e a havia aprisionado em uma gaiola separada. Tanto a jaula, quanto a gaiola da Kindred possuíam chaves diferentes para serem abertas e essas chaves estavam divididas pela caverna. Antes de nos falar onde estavam as chaves, ele pediu para que atravessássemos o lago e, assim, o fizemos.


  Chegando do outro lado, de cara vemos três entradas mais à frente, que pareciam levar para lugares diferentes. 


          — O meu povo está no caminho do meio, e as chaves estão nas outras duas entradas - disse Vargur, aparentemente, triste com a situação. “Ele parece realmente se importar com seu povo e, definitivamente, parece um bom líder”.


“Bom, chega de perder tempo”. Tínhamos a informação que precisávamos e pude, finalmente, me animar com algo. “Pela descrição, essa mulher me pareceu ser um pouco mais forte do que os outros inimigos enviados até agora”.


- Então, é isso, não é? É para isso que viemos aqui certo? - eu disse isso enquanto puxava minha foice e ao mesmo tempo ativava parcialmente, minha habilidade herdada. Minha foice ficava negra em alguns pontos e voltava ao seu estado normal como se estivesse pulsando. Além disso, ela ganha uma fraca aura, que parece distorcer bem pouco o espaço à sua volta, e uma espécie de “borda roxa” de luz bem fraquinha a contorna completamente, ressonando com meus olhos, que também brilham na mesma cor roxa.


          Dito isso, Vargur falou mais algumas coisas, Ghero Ghero também, mas sinceramente, não prestei atenção em mais nada. Somente uma coisa me importava nesse momento: “EXTERMINAR QUALQUER MEMBRO DO ALVORECER”.


          O pessoal do grupo decidiu que iríamos juntos investigar um lado por vez para obter as chaves. Contudo, quando chegamos a essa conclusão, escutamos um barulho alto de algo se rachando. Ao olharmos para cima, aparentemente, uma parte do teto estava se abrindo, até que caiu um gigantesco pedaço de rocha que tapou completamente a entrada do meio, e separou nosso grupo e os sapos em dois. Sem me importar muito com a situação, apenas segui em frente, na caverna lateral, até que cheguei em um novo cenário.


          Um grande espaço com três vórtex de água impedindo a passagem. Fiquei um tempo esperando, até que o pessoal que havia ficado em meu grupo, me alcançasse. Meyla, Ruhtra, Azura e Croaker chegaram na câmara dos vórtices.


          Após vê-los, me acalmei e guardei minha foice (desativando minha habilidade totalmente).


         — Tá, a gente vai ter que pular pelos vortex não é? - Disse Meyla observando nossa situação.


          — Aparentemente sim. Mas como essa montanha aqui vai pular? - Foi o que eu disse, me referindo ao Ruhtra.


          — Ruhtra! - Foi o que ele respondeu.


          Meyla decidiu ir na frente e conseguiu pular, tranquilamente, o primeiro vórtex junto de Azura. Croaker, Ruhtra e eu tentamos acompanhá-las, entretanto todos caímos no vórtex e saímos rapidamente de dentro dele. Me machuquei um pouco lá dentro (provavelmente bati em alguma pedra ou algo do tipo). Meyla tentou prosseguir pulando o segundo vórtex, mas dessa vez ela errou e se feriu muito. Azura conseguiu tirar ela de dentro do vórtex, porém Meyla desmaiou com essa queda.


         — Ela está bem, mas precisa ser curada. Se me emprestarem um pouco de energia, posso usar uma magia para isso, mas precisam chegar até aqui - Azura explicou sobre o estado de minha companheira. 


          — Certo, Ruhtra, precisamos chegar logo lá - Falei isso enquanto me dirigia em direção ao vórtex para tentar pular por ele novamente, mas, de novo, caí, miseravelmente, e me machuquei um pouco mais. Já Ruhtra e Croaker, de algum jeito, pularam melhor que eu e passaram pelo primeiro vórtex. Assim, Ruhtra emprestou um pouco de seu poder mágico para que Azura curasse minha companheira. Meyla acorda depois de ser curada e agradece aos dois por terem-na socorrido.


          Mas sem perder muito tempo, Meyla logo teve uma ideia e decidiu executá-la. Ela conjurou um Gêiser Cáustico, criando um grande prisma ácido que surgiu de dentro do vórtex, e quando ele se desfez, a água escorreu junto dele, pelo buraco aberto no chão, deixando a passagem completamente livre. “Foi uma ideia muito boa, realmente.” No entanto, enquanto ela fazia isso, eu estava caminhando para trás para pegar impulso, corri bem rápido e pulei, tranquilamente, o primeiro vórtex. Com o impulso adquirido já passei pelo segundo vórtex, o qual Meyla havia retirado a água. Ruhtra, Meyla e os sapos também passaram pelo segundo, e, de cara, Meyla conjurou sua magia novamente, secando totalmente o último vórtex de água, permitindo que pudéssemos finalmente continuar nosso caminho.


          Mais a frente dos vórtices, a caverna continuava, até chegar em uma correnteza muito forte, com uma ponte bem velha e estreita. Percebi também que tinha uma corda mais ao canto, junto de duas estacas de madeira, uma de cada lado da ponte. Ruhtra estava meio distraído e olhando para as paredes (“estava totalmente perdido”).


          Ow, Montanha, olha pra frente aí, óh! Tem uma ponte aqui - Falei isso com Ruhtra, que imediatamente me respondeu com mais um “Ruhtra!”. “Eu, realmente, não gosto desse cara”.


          — Pessoal, tem uma corda aqui - apontou Meyla. 


          — Tá, e qual é o plano? - Eu me dirigi a ela e Ruhtra.


         — Não faço ideia, e vocês? - Ela respondeu indecisa.


          — Podemos fazer o óbvio, a gente amarra a corda em você e você vai atravessando, se cair, Ruhtra e eu te puxamos - Eu tentava tranquilizá-la.


          — Hmm, tá, acho acho que vai dar certo - Meyla concordou e se dispôs a tentar atravessar a ponte. 


          Meyla, então, amarrou a corda bem forte na cintura, Ruhtra e eu pegamos a corda pela outra ponta e lá foi ela pela ponte. Incrivelmente, ela passou sem nem pensar duas vezes, ela só foi, e conseguiu chegar ao outro lado facilmente.


         — Eu, definitivamente, não vou conseguir passar. - Falei temeroso para Ruhtra. 


Decidimos que o próximo seria o Ruhtra (“não sei o porquê, afinal ele poderia ter destruído a ponte só com seu peso!”), e assim foi. Ele amarrou a corda em sua cintura e andou até a ponte. A ponte tremia toda, mas de alguma forma ele atravessou metade da ponte e depois pareceu mais tranquila a travessia. Ele chegou até o outro lado sem problemas. Depois deles, foram os sapos que passaram tranquilamente e, por último, fui eu.


          — Gente, e se a gente amarrar a corda em uma dessas estacas? - Meyla gritou.


          Eu não entendi o motivo de fazer isso, talvez fosse pra corda não escapar da mão deles e cair na correnteza junto comigo, mas Ruhtra concordou e amarrou a corda em uma das estacas, e lá fui eu. E adivinha? É claro que eu ia cair antes de chegar à metade da ponte, não é?! “Tudo é mais difícil pra mim, é impressionante”. Mas com a ajuda do Ruhtra e da Meyla, eu consegui subir de novo sobre a ponte, e, depois, concluí a travessia. No entanto, me machuquei ainda mais nessa maldita correnteza.


          Depois de tudo isso, conseguimos chegar à última sala. Era só um espaço aberto com dois pequenos “elementaizinhos” de fogo, e um elemental maior. O maior deles era meio transparente assim como os outros (já que eles são constituídos de fogo) e dava pra ver a bendita chave dentro da barriga dele. Ele estava comendo alguns minérios da caverna, nem ligou para a gente, mas Meyla, logo de cara, começou a conjurar uma magia, porém eu  consegui impedi-la.


          — Calma, Meyla, você nem sabe se ele é do mal. O Ruhtra pode tentar enfiar a mão por dentro dele e pegar a chave de uma vez, já que ele é imune a fogo. Dessa forma, nem precisamos enfrentá-lo. - Eu disse em tom explicativo.


          — Verdade! - Ruhtra concordou.


          — Pois bem, vocês têm razão. - Ela entrou em acordo conosco. 


          Então, Meyla cessou a conjuração de sua magia e Ruhtra foi em direção ao elemental de fogo. Os outros “elementaizinhos” até tentaram fazer algo. Um deles se aproximou de Meyla, que, por sua vez, se dirigiu para próximo do elemental de fogo maior, por precaução. O outro chegou mais perto do Ruhtra, mas não fez muita coisa. Já eu, apenas sentei e fiquei esperando. Ruhtra então chega ao elemental de fogo, que nem se importa com sua presença e continua comendo seus minérios. Então, o Ruhtra foi lá e atravessou a mão, de uma só vez, por ele. Contudo, quando ele estava quase alcançando a chave, o elemental começou a ficar cada vez mais roxo, até que o Ruhtra sofreu um dano grave e cai ao chão, enquanto seu núcleo de fogo, que antes emanava uma forte luz, se apagava cada vez mais.


          Imediatamente, eu me levantei e usei uma Seta Infalível que se dividiu em duas antes de encostar em Meyla, dando a volta por ela, e acertando o elemental de fogo menor que estava à sua frente. E ela usa outra Seta infalível que atingiu diretamente o elemental de fogo maior. Eu corri o mais rápido possível para chegar ao Ruhtra. Meyla usa mais uma Seta Infalível. Dessa vez, a seta dividiu-se em duas também, acertando um dos elementais menores restantes e o elemental maior. Um dos “elementaizinhos” se desfez com facilidade, já o elemental maior não aparentou sofrer muito dano. Eu finalmente chego até onde estava meu companheiro e coloco minha mão dentro do inimigo, assim como Ruhtra, e uso um Toque Chocante, que o acerta e, de dentro para fora, causa um dano alto suficiente pra Meyla finalizá-lo com mais uma Seta Infalível.


          Mas agora, estávamos com um grande problema: Ruhtra estava ficando mais e mais fraco a cada segundo que se passava, e por ser um golem, Azura não podia curá-lo com magia regeneradora comum, já que não teria nenhum efeito, e nem eu, nem a Meyla tínhamos ideia do que fazer. De alguma forma, conseguimos prestar os primeiros socorros, aproximando os fragmentos de rocha de seu corpo e impedindo o esvaimento do fraco calor, mas ele ainda continuava desmaiado e com a luz do núcleo muito fraca. 


Com o elemental derrotado, havia me esquecido completamente da chave que estava com o inimigo, porém Meyla, já tinha resgatado a chave logo após o fim do combate. Então, com a chave em mãos e Ruhtra estabilizado (porém muito fraco e, ainda, desacordado, ele foi carregado por Meyla, Azura, Croaker e eu), podíamos, finalmente, voltar todo o trajeto. Como já tínhamos entendido a lógica por trás de todos os desafios, foi, relativamente tranquilo, retornar até o ponto em que nos separamos de nossos companheiros.


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Referências:


[1] MOURA, Pedro Edson Face et al. Espeleometria e descrição do endocarste da Casa de Pedra de Martins-RN. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE ESPELEOLOGIA. 2019. p. 217-222.