Minha amiga
Como sempre, hoje pensei em ti.
Mais do que em qualquer outro dia. Depois das quatro da tarde, quando fui para a cozinha, pensei ainda mais. Não sei bem porquê.
Enquanto descascava os inhames e as cenouras para preparar a sopa, imaginei-nos sentadas a saborear o creme quentinho e delicioso. Não nos faltaria assunto.
Na nossa história vivem infinitas horas de diálogos, reflexões e desabafos.
Quando a distância se estendia por dias, era ao telefone que acalmávamos a saudade. À noite, depois dos meus filhos adormecerem, falávamos sem parar.
Quantas caminhadas fizemos juntas, sem nos cansarmos e sem contar os quilómetros, nem reparar na condição das estradas. Lembro-me bem dos teus sorrisos para os meus filhos, ainda tão pequeninos, mesmo quando faziam diabruras.
O curioso é que não consigo lembrar-me do momento exato em que nos conhecemos, nem de como a nossa amizade se tornou tão forte. Não me lembro da primeira vez que entrei na tua casa, nem tu na minha. Tudo parece ter existido desde sempre. É algo maior, inexplicável, como se pertencêssemos a um só espírito.
Cuidaste de mim. Ficaste ao meu lado por longos períodos.
Aos olhos de outros, estas linhas podem não passar de um texto, mas carregam o amor que sinto.— aquele que se sente sem razão. Amor que não se apaga com a distância. Na nossa distância, não há ausência. Diariamente, abraço-te e converso contigo.
Vejo-te agora, deitada no teu quarto, a aguentar dores que ninguém deveria suportar. Gostaria de poder aliviar o teu sofrimento, tornar tudo mais leve.
Quando passeio por aqui, imagino-te ao meu lado. Sorrimos com os esquilos brincalhões, admiramos os gansos no lago e sentimos a força silenciosa das árvores do bosque.
Esta carta… (Ainda existem cartas hoje em dia? As pessoas escrevem cartas? As pessoas leem cartas?) Não importa.
Esta carta, que senti tanta necessidade de escrever, é o abraço que quero dar-te a cada instante. É também a oração que quero fazer a Deus: por ti, por mim, pela tua mãe, pela humanidade. Que o Grande Espírito nos acompanhe — a nós, que tantas vezes nos julgamos poderosos e carregamos um mal aparentemente incurável: superioridade.
Preciso também de dizer-te que, nos momentos mais difíceis, estiveste sempre presente — muito mais do que eu. Acompanhaste-me no funeral da minha avó. Eu, sempre tão ocupada, não estive presente no funeral do teu pai. E agora, além dos teus problemas de saúde, enfrentas a doença da tua mãe. Eu, tão distante, sofro, acredita, sofro muito.
Para não te cansar, termino por aqui. Quando puderes, diz algo. Um simples Emoji é suficiente, se não tiveres coragem de escrever.
Escreverei mais. Esta necessidade de escrever-te não se contenta com uma única carta.
Quero dizer-te — e é preciso dizê-lo enquanto estamos vivas — que te amo, minha amiga. Tu és a irmã que tive a liberdade de escolher.
Ada Abaé
No livro
Véus de água