A segunda mobilidade do projeto H.E.L.P. decorreu entre os dias 15 e 21 de maio de 2022.
Uma vez mais fomos muito bem acolhidos pelos parceiros nossos parceiros, desta vez pela equipa da escola OŠ Jožeta Gorjupa, em Kostanjevica na Krki, Eslovénia.
Eslovénia, aqui vamos nós!
Prontos para mais uma jornada, alunos e professores portugueses envolvidos no projeto ERASMUS+ H.E.L.P., partiu de Mação bem cedo, desta vez de madrugada, pelas 2h00am. Mais uma vez fomos transportados pela Autarquia de Mação até Lisboa.
Desta vez a viagem foi mais longa, fizemos transbordo em Munique e em Zagreb esperava-nos a nossa colega Martina. Após longa fila de automóveis atravessámos a fronteira da Croácia para a Eslovénia. Segundo apuramos há muitas pessoas que atravessam esta fronteira diariamente para ambos os lados, por motivo de trabalho.
Após cerca de uma hora de viagem eis-nos em Kostanjevica na Krki a cidade mais pequena da Eslovénia, rodeada pelo rio na Krka e seus meandros. Em primeiro plano curtas planícies, ao longe floresta verdejante e montanhas compõem um cenário bem diferente do de Mação.
Junto à escola OŠ Jožeta Gorjupa os anfitriões e suas famílias aguardavam os nossos alunos.
Cada um foi conhecer os respetivos aposentos e ainda houve tempo para reencontrar os amigos e passear pela cidade e arredores.
Começou mais uma semana por terras estrangeiras…
Será que todos tinham dormido bem? Foi a nossa primeira noite separados e as preocupações sempre ficam. Mas…”no complains, everyone is very nice”.
Aos poucos fomos chegando à escola e que surpresas nos aguardavam no interior deste (aparente) velho edifício!
Os nossos amigos eslovenos presentearam-nos com uma receção cheia de momentos musicais, canções e danças tradicionais e até um acordeão, todas executadas pelos alunos. Cada aluno fez uma breve apresentação de si, para todos se relembrarem uns dos outros e conhecer os novos elementos das várias equipas. Depois foi a vez das equipas mostrarem as suas apresentações sobre a floresta de cada país, em particular espécies autóctones e quais os bens e serviços que estes biomas trazem para a comunidade envolvente.
A visita guiada às instalações escolares surpreendeu-nos: A ESCOLA É UMA GALERIA DE ARTE!! O seu lema é “nulla dies sine linea” (“nem um só dia sem uma linha”, isto é, nenhum dia sem arte e sem criatividade). Trata-se de uma escola centenária, cujo patrono Jože Gorjup foi pintor, escultor e artista plástico, no início do séc.XX. A porta de entrada na escola em madeira pesada tem esculpidas cenas da vida na cidade e a partir dessa entrada subimos a escadaria que nos dá acesso aos vários pisos repletos de pinturas e esculturas. Cá fora um imenso mural de pequenos ladrilhos evocativo da revolta croato-eslovena dos camponeses em 1573.
Ao longo da visita pela escola, com alunos até ao 9ºano, fomos anotando as diferenças para o nosso sistema escolar. O mais impressionante? A calma que reina nos intervalos!! Alunos em chinelos (na Eslovénia o calçado usado na rua fica à porta), alunos em fila, alunos sem telemóvel e a sorrir.
Depois de merendarmos no arejado e luminoso refeitório da escola, fomos conhecer Kostanjevica na Krki, cujo centro se situa numa pequena ilha do rio na Krka, o qual serviu de muralha ao longo dos tempos. Atravessámos as suas pontes de madeira, mantidas e reparadas pelos experientes artesãos locais a cada quinze anos.
Descobrimos esculturas em madeira de carvalho (árvore predominante da floresta local) do simpósio Forma Viva espalhadas por vários pontos da cidade (Kostanjevica é palco de uma mostra internacional de arte desde 1961). Visitámos as igrejas de S. Jakob, erigida ainda no séc. XIII e atual configuração do séc. XVIII, e de S.Miklavz do séc. XVI.
Ficámos a saber que aqui o Carnaval (Šelmarija) é uma tradição importante, inclui um grande festival urbano que dura 4 dias e até têm uma “guarda especial” para esses festejos, a banda acompanha o desfile final do enterro (Kurent é queimado no rio Krka).
De tarde foi tempo de convívio com os anfitriões e de conhecer os arredores da cidade, nomeadamente as suas extensas vinhas de onde provém o vinho Cviček, os pomares de macieiras, as estufas para produção de morangos.
Bem cedinho rumámos à capital da Eslovénia, Ljubljana. Atravessámos a região de Dolenjska, onde nasceu a língua eslovena. O Krka (afluente do Sava) acompanhou-nos ao longo de boa parte da viajem, rodeado por colinas verdejantes, aqui e além igrejas e antigos mosteiros cistercienses.
Ljubljana foi fundada no séc. XIV e a sua principal praça- praça Prešeren - é dedicada ao poeta esloveno, France Prešeren. Foi a partir daqui que começámos a nossa caminhada até ao castelo de Ljublijana, atravessando Tromostovje, uma tripla ponte sobre o rio Ljubljanica. Fomos apreciando a arquitetura da cidade e impressionámo-nos com a porta de bronze da Catedral de S. Nicolau, comemorativa dos 1250 anos do cristianismo na Eslovénia, inaugurada pelo papa João Paulo II aquando da sua visita em 1996. Originalmente uma igreja gótica o seu atual aspeto barroco data do séc. XVIII.
Conquistada a colina, entre arvoredos, avistámos o castelo…que bela vista sobre a cidade! Esta construção foi originalmente (séc. XI) um forte de madeira, mais tarde serviu de quartel e de prisão, foi usado como residência oficial do governador. No interior aguardava-nos a Torre Erasmus...nada que ver com o nosso projeto 😊 O barão Erasmus Lueger foi um dos nobres encarcerados nesta ala do castelo, que crimes terão cometido? A penitenciária e a capela de São Jorge impressionam pelas suas histórias.
Era quase hora de almoço e descemos até ao Mercado Central projetado pelo arquiteto Jože Plečnik nos anos 30 do séc. XX. Aqui vende-se de tudo: frutas, flores, ervas aromáticas, carne, peixe, laticínios e artesanato. Lá descobrimos umas barraquinhas para matar a fome e percebemos algumas semelhanças com a nossa gastronomia: sardinha assada e choco frito!
À saída do mercado ainda tivemos tempo para ver a Ponte do Dragão (símbolo da cidade) e a Ponte dos Açougueiros (devido aos talhos próximos) com os seus inúmeros cadeados (é a moda...) e esculturas criadas por Jakov Brdar. O dragão é o símbolo de Ljubjlana, considerado seu protetor e integra o brasão de armas da cidade.
De volta à estrada e rumo a Bled, uma cidade construída no sopé dos Alpes Julianos, entre a Eslovénia e Itália, junto ao lago com o mesmo nome. A paisagem envolvente é deslumbrante!!! O lago, de origem glaciar, encaixa numa depressão tectónica do modelado cársico envolvente e tem a particularidade de ter bem no centro uma ilhota com uma igreja, a Igreja de Stª Maria da Assunção, do séc. XVII, visitável usando os barcos tradicionais, Pletna. Ao redor do lago o verde da paisagem continua presente, entre as várias espécies de árvores pudemos ver carvalhos, abetos, bétulas e pinheiro-preto. Junto ao lago, lá no alto da falésia espreita o castelo de Bled (séc. XII), mais acima o Monte Triglav remata o retrato.
Horas de lanchar e parabenizar o Tomás, pelo que saboreámos um belo Kremma Rezina (bolo de creme de baunilha) numa esplanada junto ao lago, antes de regressar a Kostanjevica.
ALVORADA!!!! Espera-nos a península de Strunjan, junto ao Golfo de Trieste. À medida que nos aproximávamos do nosso destino a paisagem parecia cada vez mais familiar, oliveiras e figueiras integravam a paisagem e sentíamo-nos mais perto de casa…
Principiámos a caminhada pela Parque Paisagístico de Strunjan subindo a encosta cultivada à “moda do Mediterrâneo”, pequenas parcelas de terraços agrícolas delimitadas por muros de pedras sobrepostas com arte e sem cimento (construção a seco), lembram Mação. Estes muros fazem parte do património cultural desta região e ajudam na preservação da biodiversidade, já que são abrigo de algumas espécies de aranhas, insetos e répteis. Videiras e morangueiros eram plantados nestas parcelas e as pedras que encimam os muros ajudam a manter a temperatura durante a noite, ajudando a produção.
O clima submediterrânico nesta região permite a existência de grande diversidade de plantas que variam consoante a altitude e orientação. Árvores decíduas como Carpinus betulus e Quercus pubescens predominam no topo da falésia, nas zonas mais sombrias Quercus cerris, Quercus ilex, Laurus nobilis, Pinus halepensis, Pinus brutia, Pinus nigra...e muitas outras. Destacamos ainda os sempre verdes arbustos Arbutus unedo e Myrtus communis. Esta zona é um hotspot de biodiversidade.
No topo da colina observámos a falésia de Strunjan, composta por um flysch de arenitos e margas (com 40 M.a.). Junto à Cruz de Strunjam (um aviso aos navegadores) a vista é larga: para lá do Golfo de Trieste avista-se Itália, Triglav também se avista daqui. A baía de águas pouco profundas chamava por nós, tornámos a descer e pudemos experimentar as águas do Mar Adriático. Os seixos rolados de todas as cores tornam a entrada difícil, mas não a temperatura da água (22ºC!), por companheiros dois lindos cisnes brancos. Ali perto a lagoa Stjuža e as salinas de Strunjan, mas não tivemos tempo de as visitar.
Partimos para as grutas de Škocjan, que visitámos depois do almoço, não sem antes termos a visita de um gafanhoto estonteantemente verde. O Parque Regional das Grutas de Škocjan (património UNESCO) engloba uma área de modelado cársico conhecida por Divača Rim (o Karst ocupa 1/3 da Eslovénia), onde não faltam cascatas, dolinas, grutas, estalactites e exsurgências, resultantes da erosão do maciço calcário pelo rio Reka (o rio Rio…). Depois de mergulhar no calcário o Reka flui subterraneamente por 2,6 km e a sua ação criou uma série de galerias com uma extensão total de 6 km. Mergulhámos neste mundo subterrâneo e deliciámo-nos com o Gigante (estalagmite com 15 metros), a Câmara do Silêncio e a ponte Cerkvenikov. Morcegos, salamandras (Proteus anguinus), besouros e aranhas são os habitantes locais, infelizmente não vimos nenhum deles.
Emergimos na dolina de Velika, cujo verde contrasta com o negrume deixado lá em baixo. Nesta saída calcária abundam a hera-comum (Hedera helix) e samambaias (Asplenium trichomanes e Phyllitis scolopendrium), no entanto as relíquias da flora da Idade do Gelo nesta enorme dolina são Primula auricula, Saxifraga crustata e Kernera saxatilis.
Após este percurso de 1,5h, com vários desníveis e muitos degraus, subimos ao topo no funicular e rumámos a Kostanjevica bem cansados.
Hoje é dia de uma longa caminhada na floresta! Acompanhámos o rio Krka por algum tempo, mas o Sava aguardava-nos mais a norte. As suas margens rodeadas de vegetação e campos agrícolas com vinha, batatas, milho e algumas pastagens. Ao longe, de vigia ao rio, florestas de abetos e pinheiros. A Eslovénia é sem dúvida um dos países mais verdes do mundo! A partir de Zidani Most acompanhámos o rio Savinja, afluente do Sava, nas margens amieiros, mais à frente a cidade de Laško, com as suas famosas termas e cerveja. Avistámos alguns castelos medievais, como o de Sevnica e o de Celje, e igrejas com os seus pináculos. Perto de Celje (a 3ª maior cidade eslovena) é engarrafada a água de Rogla.
Em Zreče principiámos a subida da montanha Rogla, entre orlas de abetos algumas vacas e cabras aproveitam a pastagem, numa paisagem moldada pelo ser humano. Já a pé, a uma altitude de 1517 metros, fizemos o trilho "Pot med krošnjami” que termina numa torre com 37 metros de altura e permite uma magnífica vista sobre as florestas das montanhas de Pohorje, literalmente subimos acima das copas das árvores. Durante este percurso de pouco mais de 1000 metros aprendemos bastante sobre a fauna, flora e geologia da região. Nesta região dos Alpes Orientais predominam as rochas ígneas como os granodioritos e há algumas metamórficas como serpentinitos e raros mármores.
Logo após o almoço lançámo-nos num percurso de 14 km pela floresta de Pohorje. Além dos imensos abetos e outras coníferas, algumas bétulas, freixos, castanheiros e carvalhos. Nas zonas mais húmidas e junto aos riachos cresce musgo verde, nos troncos Usnea hirta (um líquen), avencas e fetos resistem junto às rochas, em perigo estão as avencas Asplenium cuneifolium e Asplenium adulterinum. As áreas mais abertas e planas enchem-se com erva-mate, junco, genciana-húngara (Gentiana pannonica) e arnica (Arnica montana é uma espécie protegida por lei na Eslovénia).
Na orla da floresta avistámos os lagos Lovrenc, situam-se numa charneca alta (1500m) e são magníficos! A rodear pequenos lagos com alguns nenúfares brancos uma imensa vegetação verde forma turfeiras, tudo alimentado pela água das chuvas. Esta área pantanosa é especialmente protegida e só podemos caminhar sobre os passadiços. A compor este quadro verde abetos minúsculos, urze (Calluna vulgaris), alecrim-do-pântano (Andromeda polifolia), rododendro (Rhododendron ferrugineum), Drosera rotundifólia, Sphagnum, mirtilos e arandos-vermelhos (infelizmente só dão fruto em julho e agosto…).
Hora do regresso a Kostanjevica, apesar de cansativo foi um dia de comunhão com a floresta, alvo do nosso projeto, sobre a qual aprendemos mais.
Dia 5 – 20 de maio de 2022 (6ª feira)
Hoje é dia de pedalar pela floresta!
Saímos da escola em direção à floresta de Krakov (Krakovski Gozd), incluída na Rede Natura desde 2000, com uma área de 2400ha. Esta grande floresta de carvalhos, situa-se num terreno plano numa cota a apenas 11metros acima do rio KrKa, por isso o seu solo algo argiloso está muitas vezes inundado, criando zonas pantanosas. Trata-se, pois, de um foco de biodiversidade fantástico com inúmeras espécies de aves, plantas, anfíbios e insetos.
Entre a vegetação dominante de carvalhos, carpino-comum (Carpinus betulus) e de amieiro-negro (Alnus glutinosa) fomos descobrindo rãs (Rana arvalis e Bufo viridis) e plantas aquáticas (Myriophylum spicatum). Ranúnculos, violetas, trevos e a magnífica Fritillaria meleagris compõem um tapete verde que em poucas semanas será um arco-íris. Aqui habitam e nidificam aves como o pica-pau malhado médio (Dendrocopos medius), o papa-moscas (Ficedula albicollis), a trepadeira-comum (Certhia brachydactyla) e as raras cegonha-preta (Ciconia nigra) e águia-malhada-pequena (Aquina pomarina).
Durante o nosso percurso de cerca de 8 km e de regresso a Kostanjevica pudemos, ainda, admirar o segundo maior carvalho da Eslovénia, conhecido como o carvalho de Cvelbar, o seu tronco tem 7 metros de diâmetro. Pelo caminho, apreciámos ainda as áreas agrícolas com os seus celeiros típicos de madeira, protegidos por lei, na parte de cima guarda-se o feno e o milho, na parte de baixo as máquinas agrícolas e a lenha.
Já depois do almoço continuámos a pedalar (com bastante calor para estes dias primaveris) em direção ao museu de arte Božidar Jakac, pintor expressionista esloveno. Este museu ocupa um antigo mosteiro cisterciense, edificado em 1234, mas imperando um estilo barroco fruto de uma remodelação em 1736. O seu pátio rodeado por uma extensa arcada de 240 arcos é um dos maiores da Europa.
Desde 1974, data de fundação do museu, houve várias exposições de arte contemporânea de artistas eslovenos e estrangeiros. Hoje pudemos apreciar as obras de Staš Kleindienst e a sua interpretação de paisagens humanizadas e sua crítica sócio ecológica. No exterior, o parque de esculturas Forma Viva conta com dezenas de obras.
Depois de tanto pedalar foi tempo de nos refrescarmos: fomos a banhos no KrKa e aproveitámos as suas verdes margens.
A terminar o dia dirigimo-nos à escola OŠ Jožeta Gorjupa, para as cerimónias oficiais. Festejámos, ao som da Banda de Kostanjevica, o plantio de uma tília no pátio da escola em cuja futura sombra repousará a nossa cápsula do tempo. De seguida a entrega de certificados e o jantar de despedida com muita música e dança!
É hora de regressarmos a Portugal. As despedidas foram feitas junta à escola, na bagagem algumas prendas, lágrimas, abraços e muita saudade… e também deliciosas cerejas oferecidas pelos anfitriões.
Em Zagreb o atraso da praxe no embarque, em Frankfurt uma multidão e eis-nos de volta a Lisboa. Em Mação as nossas famílias aguardam-nos com alegria e saudade. É tempo de relatar o dia-a-dia de uma família eslovena e todas as experiências vividas nesta última semana.
Uma vez mais o nosso agradecimento à autarquia de Mação pelo seu apoio, nomeadamente no transporte e nas lembranças levadas de Mação para os nossos anfitriões, para a escola de acolhimento e para a câmara de Kostanjevica na Krki.
Depois do verão será tempo de acolhermos os nossos parceiros em Mação. Cá vos esperamos!