Dias Gomes

Um teatrólogo na TV

Edgard Ribeiro de Amorim

Não gostando de televisão, Dias Gomes se tornou um dos principais responsáveis pelo sucesso do veículo e é considerado um dos seus melhores autores.

Dias Gomes (l923-1999) nasceu em Salvador (BA) sendo membro de uma família de classe média que o estimulava nas atividades culturais. Assim, desde a infância interessou-se pela literatura (chegou a ter publicado um pequeno livro de poesias) e por representações teatrais. Escreveu sua primeira peça A Comédia dos Moralistas aos 15 anos de idade, em 1937. Embora não tenha sido encenada, a obra foi premiada e publicada pelo Serviço Nacional de Teatro.

Residindo na cidade do Rio de Janeiro, a então capital federal, o jovem autor escreveu Pé de Cabra, sua primeira realização teatral de sucesso, que foi produzida e encenada pelo ator Procópio Ferreira e exibida em diversas capitais brasileiras nos anos de 1943 e 1944. A peça foi proibida no dia da estréia por ser considerada marxista, o que fez despertar no autor a vontade de ler Marx, um escritor que pensava de modo semelhante ao seu. Liberada mais tarde, serviu, no entanto, para caracterizar Dias Gomes como comunista muito antes de ele ingressar, de fato, no partido comunista brasileiro.

A notoriedade de Dias como autor foi obtida com a peça O Pagador de Promessas (1959) que, ao ser adaptada para o cinema, obteve grande sucesso e conquistou vários premios internacionais. O Pagador de Promessas é uma das peças brasileiras recordistas em traduções e encenações no exterior. Nos Estados Unidos foi encenada quatro vezes, por diferentes diretores norte-americanos.

No teatro, Dias Gomes criou ainda obras como: Os Fugitivos do Juízo Final, A Revolução dos Beatos, O Santo Inquérito, O Berço do Herói, A Invasão, Campeões do Mundo, Vargas, O Rei de Ramos, Meu Reino por um Cavalo e outras. Alguns desses textos serviriam de fonte de inspiração e desenvolvimento de personagens para diversas telenovelas.

Nos anos 60, época da censura militar, o autor teve a peça O Berço do Herói (1965) proibida de ser encenada. A partir desse ano, mais de 300 peças, de diversos autores, foram proibidas. Com a criação do Ato Institucional número 5 (1968), que cerceou a liberdade de expressão, os autores nem mais podiam protestar contra a censura. Para Dias Gomes: " Em 68 todas as luzes se apagaram. A minha geração, violentamente castrada, enfrentou a estranha situação de a própria realidade ser considerada subversiva pelos militares, pois ela era injusta, o governo sabia disso e a proibiu nos palcos. Restaram duas opções: ou você se adaptava ao regime e não questionava nada ou partia para um texto de metáforas, caminho que alguns autores encontraram para continuar resistindo e denunciando".

O seu modo de utilizar temas surrealistas ou mesmo absurdos em suas histórias abriu o leque de perspectivas da temática do gênero. O surrealismo já havia sido introduzido na telenovela desde os anos 60, em histórias sobre extra-terrestres ou super-heróis, não obtendo grande aceitação do público. A maneira de mesclar o realismo fantástico, o insólito, com a realidade e com o tipos folclóricos do país foram muito bem explorados pelo autor em novelas como O Bem Amado, Saramandaia ou Roque Santeiro e tiveram enorme aceitação. Roque Santeiro, aliás, continua até a atualidade a telenovela de maior audiência da TV.

Em relação aos temas fantásticos que aborda, Dias declarou: "Isso vem do entendimento de que é impossível fazer uma reflexão sobre o Brasil de uma maneira estritamente realista, sem a conotação do absurdo, pois ele faz parte do quotidiano".