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Estimado ouvinte:
Tão bem como eu,
terás sentido as consequências
da luta que o espírito e a matéria travam entre si
para o domínio da nossa vida.
É a inteligência
feita para verdade e a beleza que eleva
e é o corpo
enfraquecido de paixões e vícios
que atraiçoa para o mal ou o menos digno...
Não quero nem devo fazer sermão algum.
No entanto,
não levarás a mal que aborde este assunto:
Do mal e do bem;
Do pecado e da graça;
De Deus e do Diabo,
sob esta epígrafe
A noite e o dia,
da alma e da vida.
Tal e qual como já o fizeram
tantos e bons poetas místicos portugueses e espanhóis
- para falar só dos peninsulares -
entre os quais avultam
Frei Agostinho e S. João,
ambos da Cruz.
Serão outra vez sete sonetos
nascidos nestas últimas horas,
todos eles sombra da mesma noite
e luz brilhante do grande e único dia.
Primeiro soneto
Íntima a tarde, o coração é brasa
Inspirando Éolo posto ao céu.
A noite de surpresa entra-me em casa
E vai-se diluindo o traço teu.
A chama desgarrada esmoreceu,
distante. O passo inerte a vida atrasa.
Estrelas não as vejo e nem sei eu
Se para voltar terei alento e asa.
Íntima a noite, agora é solidão
Nas sendas tortuosas por que vão
As vidas e sonhos meus, agros, perdidos.
Surge sereno o dia e logo traz
O sol para o regresso e tanta paz
na vida e o traço teu já definidos.
Segundo Soneto
Eu sinto a tua ausência tal e qual
à veia surge o sangue para viver.
E sofro duplamente este meu mal:
Querer o que não devo e dá prazer.
Não sei quem tenha sorte à minha igual,
Por mais que me lastime e sem conter
O pranto e o gosto assim paradoxal.
E que é tormento enorme o ser-não-ser .
Não creio como pão me venha a pedra
Que assim de engano a alma não se engendra...
Espero o teu convite para a boda.
E rei serei também de anel ao dedo
e ceptro manejando forte e ledo
Em trono e casa cheia a vida toda.
Terceiro Soneto
Não devo rir agora. A noite é feia.
Se a nuvem que a perturba é mais que escura.
Neste degredo a treva me rodeia
Quando o sarmento cresce já não dura.
E rir quando o espírito é secura
De pâmpano partido, a alma afeia.
Rasgue-se noite-velha e lá da altura
Venha dourar palavra a lua-cheia .
Ala de estrelas doze, auxílio mes-
mo a garantir manhã a que me dês.
E tudo então será o meu sorriso.
A noite e o dia brancos em presença
Da luz que me transporta e me condensa
No inefável gozo que preciso.
Quarto Soneto
O norte a que me atrevo e me desvelo
És tu e mais ninguém. Só quero é ver-
Te e possuir-te agora e sempre. Anelo
Encontro e posse eternos que o meu ser
Da noite faça dia e sagre o elo
Que identifique. O lume esclarecer
virá a fome e sede ao teu apelo.
E logo após será sumo o prazer.
E ter-me-ei de todo em tua face
(orante a união em que me enlace)
Embora intransponível singular.
Que fuja a noite a gora e venha o di-
a a que me prenda eterno para ti.
A vida só é vida para amar.
Quinto Soneto
Distância vertical que percorreste
E o termo o horizonte em que eu estava.
A minha voz distante, atroz e cava.
O sol se comoveu nascido a Leste.
Reverdeceu a pedra feita lava,
A flor desabrochou, áurea, celeste
E perfilhou-se a vida não escrava
Pois é real a vida que me deste.
As linhas se encontraram : foi a Cruz
Amor que se satisfez no consumado
Suficiente a posse. E o mais deduz.
Que suba o horizonte! Hoje comigo.
De todo o corpo a morte e chaga ao lado
Para que lhe seja eterno o céu - abrigo
Sexto Soneto
Menino, ser postado em teu joelho.
Sentir afago terno em tua mão,
Rever-me nos teus olhos como espelho
E ter unido ao teu, meu coração.
Dizer: longe de Ti é nunca e não,
Quanto mais perto for, mais me assemelho.
Tais sonhos, infinitos sei que são
Mas revelá-los era o teu conselho.
Nem sei que força anda pelo espaço
Que até me sinto já no teu abraço,
Envolto numa luz pura de aurora.
E em teu joelho forte e teu regaço
mesmo, posto e acolhido eu já me faço.
Desabafei e sou feliz agora.
Sétimo Soneto
Não mais agora, o tempo é breve e passa.
A onda em que me encontro é tão ligeira!
Mas fique sempre em mim a tua graça
Na voz que as ilhas todas é primeira...
Ela se expande alada e não desfaça.
Em redor teu qual grão na eira.
Palavra seja tua a que perpassa
Em vida e para ti - Voz da Terceira.
E boca e pensamento hã-de ter pão
Amor minha vontade e coração
A todos sempre dado em teu altar.
E nada mais direi que tudo é dito:
Louvado seja Deus! Sempre bendito!
A noite e o dia certos. Verde-Mar.
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créditos: Dionísio Sousa contacto dionisiomendes@gmail.com