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Os universais culturais refletem conceitos verificáveis na larga maioria das culturas humanas, funcionando como pontos que ligam identidades, construindo uma densa teia de comportamentos e valores humanos que concorrem para a construção de uma ideia de humanidade global. Uma análise sobre as culturas tradicionais, às quais prefiro dar o nome deCulturas de Antigo Conhecimento, é facilmente constatável uma série de princípios culturais e religiosos que alinham estas culturas e civilizações num eixo de códigos de interpretação partilhados. Esses códigos revestem-se de conteúdo nas cosmologias, nas cosmogonias, nos papéis de género, nos ritos iniciáticos e nas conceções sobre o divino. É interessante verificar a universalização do sagrado feminino, uma constante nas culturas tradicionais, ou de Antigo Conhecimento, que reflete bem a lógica do papel social das mulheres e o mistério da vida e fertilidade. Na cosmogonia japonesa encontramos Izanami, a deusa da morte, da terra, da agricultura e da fecundidade. Esta fórmula teológica é tão válida para o velho Japão quanto para as culturas africanas, onde o feminino é expressado no útero da existência, no mistério do nascimento, e na maternalidade da terra. Nesse sentido, Izanami não é muito diferente de Ìyámi.
Para os yorùbás, a mulher está intrinsecamente ligada à maternidade e dessa forma ao mistério da vida, simbolizado pela menstruação. Pelo mistério da vida que lhe é intrínseco, a mulher é tida como potencial membro do culto a Ìyá-mì, isto é, como membro da Sociedade Guélédé, de que falaremos mais adiante. É então legítimo afirmar que maternidade e culto de maternidade são duas faces de uma mesma realidade, nos seus campos biológico e sagrado. O poder simbólico da maternidade é também alvo de atenção artística, porquanto os valores e as representações estéticas interpenetram todas as esferas da vida yorùbá. Desta forma, no culto de Ìyá-mi se apresentam duas imagens poderosas: o ajoelhamento (Ìkúnlẹ̀ Abiyamọ) que simboliza a posição e a dor do parto (poderosa invocação de força de acção) e a amamentação (ọmú ìyá) que representa o sagrado leite da vida que alimenta os filhos.
Para iluminar ainda melhor este fato – o da chefia feminina – torna-se importante destacar alguns fatores que foram incisivos para que a mulher viesse a ocupar o ápice da hierarquia religiosa, além dos outros que foram elencados no trajeto feminino da África para o Brasil. As mulheres africanas pertencentes a etnias fons e iorubás exerceram em seus respectivos reinos um poder político importante. É claro que no presente da escravidão esse poder teve que ser ressignificado. Na realidade é totalmente contraditório com a situação de escravo o exercício de qualquer poder no plano do real. Assim, pode ter ocorrido uma transformação: se não existiam condições de exercício do poder real, exercia-se no plano do imaginário, através da religião.
# O Candomblé e o poder feminino, Teresinha Bernardo [link]
(…) Na organização dos reinos fons e nagô-ioruba, as mulheres desempenham um papel ativo, eram elas que administravam o palácio real, assumindo os postos de comando mais importantes, além de fiscalizarem o funcionamento do estado.
Silveira (2000)
(…) Na organização social ioruba, que é polígama, contrariamente ao conceito que pessoas mal-informadas fazem, as mulheres usufruem uma maior liberdade que a que se dá nas uniões monigâmicas. Na grande casa familiar do esposo, elas são aceitas como progenitoras dos filhos, destinadas a perpetuar a linhagem familiar do marido. Mas elas nunca aí são totalmente integradas, deixando-lhes esse fato uma certa independência. Após o casamento, elas continuam a praticar o culto de suas famílias de origem, embora seus filhos sejam consagrados ao deus do cônjuge.
Pierre Verger (1986)
(…) Percebe-se, assim, que o papel da mulher ioruba vai além do desempenhado nas atividades econômicas. Ela é mediadora, não só da troca de bens econômicos, como também de bens simbólicos. O lugar social ocupado pela mulher ioruba, sem sombra de dúvida, possibilita-lhe o exercício de um poder fundamental para a vida africana.
“Negras, Nmulheres e mães: lembranças de Olga de Alaketu” Teresinha Bernardo