home2
O caso da Veja
por Luís Nassif
O maior fenômeno de anti-jornalismo dos últimos anos foi o que ocorreu com a revista Veja.Gradativamente, o maior semanário brasileiro foi se transformando em um pasquim sem compromisso com o jornalismo, recorrendo a ataques desqualificadores contra quem atravessasse seu caminho, envolvendo-se em guerras comerciais e aceitando que suas páginas e sites abrigassem matérias e colunas do mais puro esgoto jornalístico.
Para entender o que se passou com a revista nesse período, é necessário juntar um conjunto de peças.
O primeiro conjunto são as mudanças estruturais que a mídia vem atravessando em todo mundo.
O segundo, a maneira como esses processos se refletiram na crise política brasileira e nas grandes disputas empresariais, a partir do advento dos banqueiros de negócio que sobem à cena política e econômica na última década..
A terceira, as características específicas da revista Veja, e as mudanças pelas quais passou nos últimos anos.
O estilo neocon
De um lado há fenômenos gerais que modificaram profundamente a imprensa mundial nos últimos anos. A linguagem ofensiva, herança dos “neocons” americanos, foi adotada por parte da imprensa brasileira como se fosse a última moda.
Durante todos os anos 90, Veja havia desenvolvido um estilo jornalístico onde campeavam alusões a defeitos físicos, agressões e manipulação de declarações de fonte. Quando o estilo “neocon” ganhou espaço nos EUA, não foi difícil à revista radicalizar seu próprio estilo.
Um segundo fenômeno desse período foi a identificação de uma profunda antipatia da chamada classe média mídiatica em relação ao governo Lula, fruto dos escândalos do “mensalão”, do deslumbramento inicial dos petistas que ascenderam ao poder, agravado por um forte preconceito de classe. Esse sentimento combinava com a catarse proporcionada pelo estilo “neocon”. Outros colunistas utilizaram com talento – como Arnaldo Jabor -, nenhum com a fúria grosseira com que Veja enveredou pelos novos caminhos jornalísticos.
O jornalismo e os negócios
Outro fenômeno recorrente – esse ainda nos anos 90 -- foi o da terceirização das denúncias e o uso de notas como ferramenta para disputas empresariais e jurídicas.
A marketinização da notícia, a falta de estrutura e de talento para a reportagem tornaram muitos jornalistas meros receptadores de dossiês preparados por lobistas.
Ao longo de toda a década, esse tipo de jogo criou uma promiscuidade perigosa entre jornalistas e lobistas. Havia um círculo férreo, que afetou em muitos as revistas semanais. E um personagem que passou a cumprir, nas redações, o papel sujo antes desempenhado pelos repórteres policiais: os chamados repórteres de dossiês.
Consistia no seguinte:
O lobista procurava o repórter com um dossiê que interessava para seus negócios.
O jornalista levava a mat��ria à direção, e, com a repercussão da denúncia ganhava status profissional.
Com esse status ele ganhava liberdade para novas denúncias. E aí passava a entrar no mundo de interesses do lobista.
O caso mais exemplar ocorreu na própria Veja, com o lobista APS (Alexandre Paes Santos).
Durante muito tempo abasteceu a revista com escândalos. Tempos depois, a Policia Federal deu uma batida em seu escritório e apreendeu uma agenda com telefones de muitos políticos. Resultou em uma capa escandalosa na própria Veja em 24 de janeiro de 2001 (clique aqui) em que se acusavam desde assessores do Ministro da Saúde José Serra de tentar achacar o presidente da Novartis, até o banqueiro Daniel Dantas e o empresário Nelson Tanure de atuarem através do lobista.
Na edição seguinte, todos os envolvidos na capa enviaram cartas negando os episódios mencionados. Foram publicadas sem que fossem contestadas.
O que a matéria deixou de relatar é que, na agenda do lobista, aparecia o nome de uma editora da revista - a mesma que publicara as maiores denúncias fornecidas por ele. A informação acabou vazando através do Correio Braziliense, em matéria dos repórteres Ugo Brafa e Ricardo Leopoldo.
A editora foi demitida no dia 9 de novembro, mas só após o escândalo ter se tornado público.
Antes disso, em 27 de junho de 2001(clique aqui) Veja publicou uma capa com a transcrição de grampos envolvendo Nelson Tanure. Um dos “grampeados” era o jornalista Ricardo Boechat. O grampo chegou à revista através de lobistas e custou o emprego de Boechat, apesar de não ter revelado nenhuma irregularidade de sua parte.
Graças ao escândalo, o editor responsável pela matéria ganhou prestígio profissional na editora e foi nomeado diretor da revista Exame. Tempos depois foi afastado, após a Abril ter descoberto que a revista passou a ser utilizada para notas que não seguiam critérios estritamente jornalísticos.
Um dos boxes da matéria falava sobre as relações entre jornalismo e judiciário.
O boxe refletia, com exatidão, as relações que, anos depois, juntariam Dantas e a revista, sob nova direção: notas plantadas servindo como ferramenta para guerras empresariais, policiais e disputas jurídicas.
A mudança de comando
Não vem ao caso discorrer, agora, sobre o fenômeno “Veja”. Mino Carta a lançou no final dos anos 60. A conformação final foi dada nos anos 80 pela dupla José Roberto Guzzo e Élio Gáspari, um misto de senso comum com matérias brilhantes, tendo como foco uma classe média não muito sofisticada.
O modelo não prescindia de ataques muitas vezes desqualificadores contra terceiros, lista negra de pessoas que não poderiam aparecer na revista, o direito de “detonar” quem quisesse, especialmente pessoas que se recusassem a passar informações para a revista, uma espécie de “marca da maldade”, mas com talento, que seria continuada por seguidores menos talentosos.
Com a saída de ambos, nos anos 90 houve uma sucessão de diretores seguindo um padrão: os que entravam eram jornalisticamente inferiores aos que eram substituídos.
Gradativamente o modelo passou a ser tocado por mãos menos habilidosas e, ano a ano, seus principais vícios acabaram exacerbados: agressividade desmedida, desqualificação, uso abusivo de dossiês suspeitos, matérias ficcionais. Mantinha-se a maldade, mas sem o talento.
Guzzo foi substituído por Mário Sérgio Conti. Mais tarde, assumiu Tales Alvarenga, falecido recentemente, e que foi o primeiro a estrear o estilo chulo dos “neocons”.
Logo depois, Tales foi chutado para cima, e seu posto ocupado por Eurípides Alcântara, o mais antigo dos quadros da Veja, e o último de sua geração a chegar ao posto de comando.
Nos anos 80 Eurípides se destacara pela maior barriga da imprensa brasileira na década: o caso do “boimate” – um trote de 1o de abril da revista New Science, falando em cruzamento de boi com tomate na Universidade Hamburger, pelo Dr. McDonalds.
A matéria foi publicada em 27 de abril de 1983 como se fosse verdadeira (clique aqui).
Com a ascensão de Eurípides, subiu também Mário Sabino, promovido a diretor adjunto. Sabino veio do jornalismo cultural e deixou má impressão por redações por onde passou, pela truculência desmedida, tosca, que lhe custara piadas venenosas e maliciosas, como única forma de reação dos subordinados.
Uma característica do jornalismo de Veja é que todas as matérias passam pelo diretor ou diretor adjunto. A imagem do “prego arranhando vinil” é antiga na revista, e serve para identificar os “cacos” que são plantados em reportagens por diretores pouco sutis. Em linguagem não jornalística, "cacos" são as modificações introduzidas no texto da reportagem original.
Dentre todos os diretores que Veja teve, nenhum praticou “cacos” tão ostensivamente grosseiros quanto Sabino. É capaz de assinar pessoalmente críticas recheadas de elogios ao último livro de Otávio Frias Filho, diretor da "Folha", ou de Ali Kamel, diretor de "O Globo". E enfiar um prego no comentário do crítico da revista, cometendo ataques gratuitos e não assinados contra colegas, como fez contra Mário Rosa ou outro jornalista cultural, Daniel Piza, por ocasião do lançamento de seu livro sobre Machado de Assis (clique aqui).
Eurípides e Sabino, tinham em comum a inexperiência com os chamados temas “duros” do jornalismo – política, economia e a grande reportagem. Sabino era da área cultural. Eurípides trafegara pela Editoria de Ciência e Internacional.
Sem grande ferramental técnico, passaram a exacerbar a agressividade, a desqualificação, a agressão gratuita.
Em 5 de outubro de 2005, após ter se recusado a dar uma entrevista exclusiva a Veja, a revista soltou uma matéria contra Maria Rita, tratando-a como “a filha de Elis”, sem mencionar seu nome, e acusando-a de dar um “mensalinho” para a imprensa: “Gravadora presenteia jornalistas com iPods. E eles agradecem falando bem da cantora”. Aproveitavam para começar a exercitar ataques contra colegas (clique aqui)
Nem se preocuparam em ouvir os acusados. Mesmo tendo um deles, Luiz Antonio Giron, enviado carta antes de a matéria ter sido publicada, informando que havia recusado o presente. Essa agressividade se repetiria contra José Miguel Wisnik, Marcelo Tas e um sem-número de artistas e intelectuais.
Embora assinadas por repórteres como Jerônimo Teixeira, Sérgio Martins e Felipe Patury, em todas elas havia as impressões digitais de Sabino.
O macartismo como blindagem
Passo relevante para entender o que se passou com Veja é se debruçar sobre a natureza do macartismo. Trata-se de um clima de guerra, onde se tolera tudo em nome da vitória sobre o inimigo.
É o cenário ideal para criar blindagens, porque permite jogar tudo no mesmo balaio, atacar indiscriminadamente pessoas como se fossem inimigas, defender interesses obscuros, tudo em nome da guerra santa.
Era o que faltava para a direção da revista romper com um dos pontos centrais da auto-regulação no jornalismo: os critérios jornalísticos para a publicação de matérias, o filtro técnico. É esse filtro que impede manipulações.
No macartismo, pode-se atropelar qualquer lógica em nome da guerra contra o inimigo externo. Sem filtros técnicos, o jornalismo pode ser manipulado e esconder-se atrás de supostas posturas ideológicas para praticar toda sorte de lobby.
Durante algum tempo, Veja se revestiu desse poder. Através de Eurípides e Sabino, usou e abusou da truculência. Criou um clima de noite de São Bartolomeu, em que tudo foi permitido, de ataques a políticos, artistas e jornalistas, até uma campanha inusitada contra um intelectual da USP, José Miguel Wisnik, por pura implicância de um editor.
À medida que a queda de padrão da revista começava a despertar críticas, Eurípides e Sabino desenvolveram uma tática de intimidação em cima dos jornalistas. Ataques a Alberto Dines, Luiz Weiss, Observatório da Imprensa. Depois, extravasando para outros jornalistas, como Kennedy Alencar, Eliane Catanhede, Luiz Garcia, Tereza Cruvinel, Franklin Martins. O recado estava implícito: nós temos um canhão; não se metam com a gente.
Mas, ainda assim, apenas a análise jornalística não explicava o que estava ocorrendo.
Em meio a tiroteios contra Lula, "aloprados", dólares de Cuba, olhares mais atentos percebiam características novas na revista. Como a ostensiva influência que passou a ter o publicitário Eduardo Fischer. Especialmente nos episódios chamados de "guerras das cervejas".
A guerra das cervejas
Há muito tempo, o publicitário Eduardo Fischer recebe tratamento privilegiado da Veja, especialmente através da seção Radar. Esse apoio ficou mais ostensivo nas chamadas "guerras das cervejas"
As notas visavam criar expectativas em cima de suas campanhas, reforçar sua imagem, em um mercado onde a imagem tem efeito direto sobre o valor das contas.
Em 25 de junho de 2003, o Radar anunciava uma nova campanha na praça, da Shincariol, comandada por Fischer. Seu papel não seria de um mero publicitário:
“Eduardo Fischer – justamente o publicitário que inventou para a Brahma o slogan "a número 1" – estará à frente da esquadra da Schincariol. Ele não criará somente as campanhas publicitárias. Fischer se meterá também na distribuição, estratégia de preços, criação de novos produtos e tudo o mais.”
Em 20 de agosto de 2003, o Radar falava de uma “ousada tacada” da Schincariol, que “viria nas asas de uma das maiores campanhas publicitárias que já se viram no setor de cervejas”. A idéia seria fazer desaparecer a marca Schincariol do mercado e, em seu lugar, criar uma nova marca para enfrentar a líder Skol.
Informava que “o publicitário Eduardo Fischer, comandante- em-chefe da virada da Schincariol, não confirma a informação. Mas onde há fumaça, há fogo – ou, neste caso, onde há espuma, há cerveja".
Em 18 de dezembro de 2003, uma grande matéria sobre a guerra das cervejas, mais uma vez enaltecendo o trabalho de Fischer.
“A gota de água dessa guerra foi uma brilhante campanha de propaganda feita para a Nova Schin pelo publicitário paulista Eduardo Fischer. Em noventa dias, ao custo estimado de 80 milhões de reais, Fischer conseguiu elevar a participação de mercado da Schincariol de 10,1% para 14,1%, segundo dados da ACNielsen. O salto é estrondoso.”.
Uma semana depois, em 24 de dezembro de 2003, através de um expediente bisonho abre-se novo espaço para Fischer, na seção de Cartas dos Leitores: a publicação de uma carta do próprio Fischer, dividindo as honrarias recebidas com sua equipe. (clique aqui):
“Agradeço a menção elogiosa feita pela revista à campanha publicitária produzida pela FischerAmérica para um de seus clientes, o Grupo Schincariol, mas gostaria de ressaltar que a realização de um importante trabalho criativo não pode ser creditada a uma só pessoa. Quero destacar que a "brilhante campanha de propaganda feita para a Nova Schin", como a própria VEJA definiu, é fruto da competência, envolvimento e ativa participação de toda a equipe de criação da agência FischerAmérica, da qual muito me orgulho, em especial do diretor de criação, Átila Francucci.”
Cada passo de Fischer na Schincariol era precedido de espuma, na Veja – quase sempre na seção Radar, às vezes na Holofote.
Em 14 de janeiro de 2004, um mês após as notas anteriores, nova nota no Radar antecipando mais um sucesso do publicitário (clique aqui):
O "Experimenta" muda de guerra
“Agora que, pela nova regulamentação da propaganda de cerveja, não pode mais usar o "Experimenta" nos comerciais da Nova Schin, a Schincariol está estudando uma idéia que vai dar o que falar. Deve utilizar o mais bem-sucedido bordão publicitário dos últimos tempos para o relançamento do guaraná da empresa – que vem aí para incomodar o eterno líder Guaraná Antarctica e o Kuat.
O jogo de levantar a bola continuou em 2005. Durante toda a campanha da Schincariol, não havia mais ninguém para compartilhar do mérito: apenas Fischer. Em qualquer matéria consistente de negócios, há análises sobre outros fatores, como distribuição, pontos de venda, estratégias comerciais. Nas matérias da Veja, enfatizava-se apenas o lado de marketing e a genialidade de Fischer.
No dia 9 de dezembro de 2005, por exemplo, o Holofote soltava uma nota laudatória sobre o publicitário (clique aqui):
Há seis meses, o grupo de publicidade brasileiro Total fechou um contrato com a Portugal Telecom para lançar um novo cartão telefônico, o Uzo. O cartão pode ser usado em qualquer tipo de telefone de Portugal, seja ele público, fixo ou celular. Um instituto de pesquisa local diz que a campanha tornou a marca Uzo uma das mais conhecidas do país. O presidente da Total, Eduardo Fischer, ficou tão entusiasmado com o resultado que decidiu fundar uma filial européia. Será chamada Fischer Portugal e abrirá as portas em 2006.
O caso Femsa
Depois que Fischer perdeu a conta da Schincariol, a revista não falou mais da empresa, a não ser em matérias policiais, quando a diretoria foi presa por sonegação de impostos. A cerveja preferida agora, era outra, a Kaiser, a partir do momento em que contratou o publicitário.
Nodia 24 de maio de2006, Radar reservou seu melhor espaço para a contratação de Eduardo Fischer pela mexicana Femsa – que havia adquirido a Kaiser. Era um Boxe, com cor diferenciada e foto do publicitário, um lugar de destaque na seção de maior leitura da revista.
A nota era altamente laudatória.
Ele já produziu campanhas para Brahma, Skol e Nova Schin. Para a última, criou o slogan "Experimenta", que a AmBev denunciou como ilegal em 2003. Curiosamente, um relatório do banco Bear Stearns divulgado na semana passada afirma que a AmBev copiou a campanha do "Experimenta" no Peru. Até o momento, Fischer tem se recusado a falar sobre esse assunto.
No dia 4 de outubro de 2006 uma nota do Radar visava criar expectativa sobre a campanha da Femsa (clique aqui).
“O grande segredo do mercado publicitário e do setor de cervejas começa a ser desvendado nos próximos dias. Mas só em parte. Trata-se da retumbante estratégia da Femsa, a mexicana dona da Kaiser, para sacudir o mercado. O objetivo do diretor da Femsa, Ernesto Silva, é sair rapidamente dos cerca de 7,5% de participação de mercado para dois dígitos. Reservadamente, ele tem dito que haverá uma megacampanha para recuperar a marca Kaiser”.
A nota também saíra com destaque no Radar, em um box colorido e com a foto do diretor da FEMSA, Ernesto Silva.
No dia 18 de outubro de 2006, saiu uma matéria grande na editoria de Economia, “Duelo de Gigantes no Brasil”: “Mais uma guerra das cervejas está em curso. Desta vez, entre duas multinacionais”
Alguns pontos chamavam a atenção. Apesar das duas cervejarias estarem em São Paulo, a matéria foi preparada pelo repórter Ronaldo Soares, da sucursal do Rio de Janeiro, e editada pelo mesmo Lauro Jardim.
A matéria dizia que a Ambev teria montado uma sala de guerra para enfrentar os mexicanos. Seriam dois os motivos:
“Primeiro, a publicação de uma foto em que a bela atriz Karina Bacchi aparece beijando José Valien, conhecido como o "baixinho da Kaiser". Parte da imprensa chegou a acreditar que se tratava de um novo casal na praça, mas a tropa mobilizada pela AmBev não tardou a descobrir a verdade: era jogada de marketing da concorrente”
O outro motivo de alvoroço nas fileiras da AmBev foi que no mesmo dia começou a ser veiculada na TV a nova campanha publicitária da Femsa, gigante mexicana que comprou a Kaiser no início do ano. Os dois episódios marcaram o início de mais uma guerra das cervejas. Esse promete ser um combate como nunca houve no país. Mais barulhento do que o ocorrido em 2003, quando a Schincariol lançou a Nova Schin e surpreendeu o mercado com o bordão "Experimenta". Ou do que o duelo entre as brasileiras Brahma e Antarctica, no início dos anos 90”.
A falta de habilidade jornalística era nítida. Era necessário mobilizar uma tropa na Ambev para descobrir que o "caso" entre o Baixinho e a atriz Karina Bacchi era jogada publicitária. Provavelmente, foi a mesma tropa que descobriu que Papai Noel não existe.
Na Ambev ninguém entendeu a razão da matéria. O fato da Femsa ser multinacional não significava nada, já que a Kaiser foi vendida para ela por outra multinacional – a canadense Molson – que falhou. No campo específico das cervejas, a Molson era maior que a Femsa - que também é sócia da Coca-Cola.
Depois, a troco de quê o Baixinho da Kaiser beijando uma modelo provocaria uma operação de guerra na líder disparada do mercado? E que história era aquela de um "um combate como nunca houve no país"?
Lauro Jardim foi procurado pela Ambev e informado de que não havia nenhuma operação especial contra a Femsa. Foi convidado a visitar a empresa, para conferir se havia alguma sala de guerra. Não adiantou. A matéria ironizou as declarações da Ambev:
"Não houve uma vírgula de mudança em nossas estratégias", diz Alexandre Loures, gerente de comunicação da AmBev. Não é bem assim. Internamente as discussões denotam um pouco mais de preocupação. A sala de guerra da empresa estava em estado de alerta havia meses, aguardando o início da ofensiva de Fischer”.
Não havia nenhuma fonte confirmando essa informação do “estado de guerra”. Tudo era espuma para criar uma expectativa junto ao público, uma guerra capaz de dar visibilidade à campanha e repercussão na mídia.
Como sempre, a matéria não poupava elogios a Fischer.
“O comandante da investida mexicana é o publicitário Eduardo Fischer, que já trabalhou para a rival – foi o criador do slogan "Número 1", para a Brahma – e depois se tornou um especialista em enfrentá-la. "Meu estilo é jiu-jítsu: quanto maior o tamanho (do concorrente), maior a queda", diz Fischer. Ele virou uma pedra no sapato da AmBev desde que criou a campanha "Experimenta", um sucesso tão estrondoso que em pouco mais de dois meses a Schincariol aumentou de 9% para 15% sua participação no mercado e virou um fenômeno no setor de cervejas.
A multinacional aposta que Fischer conseguirá repetir o sucesso da campanha de 2003. Embora a empresa não admita publicamente, sua meta imediata é tirar da Schincariol a vice-liderança nas vendas. "Uma companhia do tamanho da Femsa não vai entrar no Brasil para ser terceiro ou quarto lugar. Para fazer sentido investir aqui, ela vem no mínimo para ocupar a vice-liderança", afirma Poppe, da Mellon.
Poucos se deram conta desse jogo. A atenção da opinião pública e das demais publicações estava muito concentrada na campanha que a revista movia contra Lula.
No dia 29 de novembro outra nota no Radar, falando do Baixinho da Kaiser, nota incompreensível:
Baixinho invocado
Sem alarde, o baixinho da Kaiser mudou de namorada. Depois de terminar seu "romance" com a estonteante Karina Bacchi, ele aparecerá nos próximos dias namorando Adriane Galisteu. O cara é fogo!
Qual a justificativa para esse tipo de nota, que destoava completamente do estilo do Radar?
No dia 13 de dezembro de 2006, outra nota do Radar, falando da “artilharia da Femsa”, mas mostrando mudanças irrisórias no mercado (clique aqui):
Resultado (parcial) da guerra
A artilharia da Femsa sobre a AmBev acabou atingindo em cheio a Schincariol e parcialmente a Petrópolis. O resultado de novembro da Nielsen revela que a AmBev cresceu 0,2 pontos porcentuais no segundo mês de ataque da Femsa. Sua participação de mercado passou para 68,8%. A Femsa subiu de 8% para 8,5%. Já a Schincariol caiu de 12% para 11,4%. A Petrópolis perdeu 0,2 ponto porcentual e agora tem 6,7% do mercado.
No dia 5 de abril de 2007, finalmente, a revista Exame produziria uma matéria sobre o fracasso da Femsa:
Até agora, em vez de crescer, mesmo que lentamente, a fatia da empresa nas vendas nacionais de cerveja caiu meio ponto percentual. Está hoje em 8,5%, segundo o instituto AC Nielsen. (A situação já foi pior. Em junho do ano passado, a participação da empresa atingiu 7,4%.) A Sol ainda não pode ser considerada um sucesso de mercado e a Kaiser segue com problemas para aumentar as vendas. Há alguns meses, os mexicanos decidiram reposicionar a marca do Baixinho reduzindo o preço, para que ela passasse a competir com a Antarctica e a Nova Schin.
Mesmo com a confirmação de que a estratégia da Femsa fracassara, através da seção Holofote, Veja insistia em levantar virtudes e afirmar que a empresa estava “incomodando a concorrência”. De que maneira? Com ações na Justiça.
No ano passado, com a compra da Kaiser, a mexicana Femsa entrou no mercado brasileiro de cervejas. O presidente do grupo no país, Ernesto Silva, ainda não conseguiu ameaçar a liderança da AmBev, mas já incomoda a concorrência. A seu pedido, a Justiça determinou a suspensão da venda da cerveja Puerto del Sol, da AmBev, para evitar confusão com a marca Sol, dos mexicanos. Como a ordem judicial não foi cumprida, a AmBev viu-se multada em 15 milhões de reais.
A saga da Femsa na Veja encerrou-se melancolicamente no dia 16 de maio de 2007. A coluna Radar informou que
Abril registrou uma mudança histórica no agitado mercado de cervejas brasileiro. Segundo os dados do Nielsen, a Petrópolis (dona da Itaipava, entre outras) ultrapassou a poderosa Femsa, dona das marcas Kaiser e Sol. É um fato inédito. Agora, a mexicana tem 8% do mercado total, contra 8,1% da brasileira.
A "batalha como nunca houve no país", a "retumbante estratégia", que permitiria à Kaiser ultrapassar a Shincariol e conquistar o segundo lugar, terminava com a Kaiser perdendo o terceiro lugar para a novata Petrópolis.
Uma leitura do balanço da campanha, no portfólio da Fischer América, permitiu entender a insistência da Veja em mencionar o Baixinho (clique aqui).
“A campanha “surpreendente” criada para Kaiser também envolveu uma forte presença do Baixinho, gerando intenso boca-a-boca e dezenas de milhões de reais em mídia espontânea gratuita (apuração em novembro de 2006)".
As agências costumam conferir valores a matérias publicadas espontaneamente na imprensa, comparando a centimetragem das matérias com as da publicidade. Uma matéria de tal tamanho na Veja teria um valor considerável na contabilidade da campanha. Sem contar o efeito-indução sobre outras pubicações.
As notas sobre o Baixinho começavam a mostrar sua utilidade.
Durante esse período, a Ambev recebia tiros do Radar. E não de tratava de qualquer empresa, mas de um dos maiores anunciantes da Veja e da Abril. Outros personagens entraram na história, e, só após sua interferência, o Radar voltou a escrever positivamente sobre a Ambev. Como na nota de 7 de março de 2007.
O Trio de Veja
Àquela altura, o duo inicial - Eurípides Alcântara e Mário Sabino - transforma-se em trio, com Lauro Jardim passando a atuar em estreita ligação com o comando da revista.
Não seria a única demonstração da influência de Fischer na revista.
O caso André Esteves
A influência do publicitário Eduardo Fischer ficaria nítida em outro episódio, envolvendo o banqueiro André Esteves do Pactual, que se tornou bilionário após a venda do banco para o suiço UBS.
Foi uma venda tumultuada. Antes dela, Esteves negociou com a Goldman Sachs. Nas negociações apareceram várias irregularidades, especialmente nas relações entre o Pactual e uma subsidiária que mantinha nas Ilhas Virgens. Escrevi longamente a respeito, na "Folha" (clique aqui).
Esteves tinha pendências sérias com a Receita e Banco Central. Já tinha sido autuado por irregularidades, e dependia de uma decisão do Conselhinho (o Conselho de apelação do Minist��rio da Fazenda) para se reabilitar e remover os derradeiros obstáculos à venda. Cultivava uma relação estreita com o então Ministro da Fazenda Antonio Palocci.
Na época, apesar da profusão de informações sobre o tema, Veja limitou-se a algumas notas sobre as negociações, sem jamais tangenciar as irregularidades.
Depois de ter participado do IPO da UOL, Esteves teve a pretensão de montar uma operação de salvamento da Editora Três - concorrente da Abril.
Acabou recebendo um recado sutil, em matéria do dia 28 de fevereiro de 2007.
Dois recados não passaram despercebidos dos observadores mais argutos. Um deles, a informação de que colecionava obras de arte e Lichtenstein era um de seus preferidos. Não se tratava do pintor, mas de um recado sutil sobre uma suposta conta que haveria no paraíso fiscal, através da qual Esteves financiaria a campanha eleitoral de uma alta autoridade.
O segundo recado estava na menção ao seu interesse pela mídia - "isto é, revistas, televisão e sites", como dizia a matéria.
Depois do ataque, Esteves procurou especialistas para se aconselhar. Nas reuniões, informou ter sido procurado por Eduardo Fischer, que teria uma boa entrada na Veja. Foi desaconselhado a ir até lá com um publicitário. Afinal, nenhum órgão de imprensa gosta de ser pressionado por publicitários. E o ataque da Veja parecia pontual.
Mas repórteres continuavam levantando dados sobre ele. E Fischer não iria na condição de publicitário, mas de amigo de Eurípedes Alcântara.
Acabaram indo. A intervenção teve efeito rápido. A outra reportagem que estava sendo tocado foi paralisada. E o banqueiro voltou a conviver com notas favoráveis.
O caso COC
No episódio Esteves, os ataques obedeciam a interesses da Abril. A forma como foram interrompidos pode ser creditada a Eurípedes.
Não foi a única vez que a Abril se utilizou da metralhadora da Veja para batalhas comerciais. Só que o "prego sobre vinil" era tão evidente que, à primeira leitura, se percebiam as intenções da reportagem.
No dia 13 de junho de 2007, a revista investiu contra o curso apostilado da COC – sistema privado de ensino. A matéria era sobre a mãe de um aluno que denunciava "conteúdo subversivo " no material do COC.
O trecho de maior impacto era uma lição sobre “como conjugar um empresário”, efetivamente de baixo nível.
Quando li a matéria, percebi que o tom não era de uma reportagem convencional. Estava mais no campo das disputas comerciais. Nela, se estimulava os pais de alunos a exigirem o fim do convênio. O "prego sobre vinil" de Sabino era muito evidente para qualquer jornalista com um mínimo de experiência.
No dia 13 de junho publiquei uma nota no Blog estranhando o tom da matéria (clique aqui).
"Segue-se uma longa catilinária, com uma conclamação para que colégios deixem de utilizar o material do COC. "O colégio onde estuda a filha reagiu com coragem e correção. Não renovou o contrato com o COC e mandou tirar de sua própria apostila o texto em questão". Depois, críticas genéricas de especialistas contra a má qualidade dos livros didáticos, mas sem deixar claro se são críticas genéricas ou específicas.
Faltou à matéria informar que a Editora Abril, através de duas editoras que adquiriu nos últimos anos, é concorrente direta do COC no fornecimento de material didático às escolas, que a matéria favorece a Abril nessa disputa, que a defesa do COC aparece em apenas uma frase do proprietário.
Eis aí uma das facetas mais perigosas dessa concentração de poder na mídia. Pode-se utilizar a notícia como ferramenta empresarial para sufocar concorrentes, sem o risco desse tipo de posição ser questionada por outros veículos."
Estimulado pela nota, um leitor sugeriu que comprasse a última edição da revista Cláudia. Nela, uma reportagem com Cláudia Costin, então vice-presidente da Fundação Victor Civita, anunciando a entrada da Abril no sistema de cursos apostilados (clique aqui):
"Cresce o número de escolas privadas e redes municipais que firmam convênios com grandes sistemas de ensino. De acordo com Claudia Costin, vice-presidente da Fundação Victor Civita, quem comprou um método saiu-se melhor na Prova Brasil: "Bem ou mal, essas instituições passaram a contar com um material que diz claramente o que fazer em cada aula. O plano de aula, embora pareça um pouco totalitário, garante a aprendizagem". (...)
O grupo Abril, que engloba as editoras Ática e Scipione, tam bém colocou no mercado o próprio sistema de ensino, o Ser, que poderá ser adotado a partir de 2008 e põe à disposição dos professores o conteúdo das publicações da editora (incluindo a revista CLAUDIA)".
A nota provocou um comentário, colocado no meu Blog pela vereadora Soninha:
"Bingo! E, como mostrou o www.imprensamarrom.com.br, a MESMA repórter que fez a matéria detonando o COC assinou, meses atrás, um texto que exaltava o sistema como modelo de educação que dá certo! Na própria Veja! Êta, nóis".
Fui atrás. Era uma matéria altamente laudatória ao COC, publicada pouco tempo antes.
A matéria elogiava a eficiência dos cursos apostilados, oferecidos pelo setor privado. E apresentava como modelo maior o próprio COC.
O que teria levado a uma mudança tão brusca de opinião, a ponto da segunda matéria sequer fazer menção aos elogios contidos na primeira?
No dia 19 de junho, conversei com Chaim Zaher, dono do COC, que me deu o seguinte depoimento:
"Pouco tempo atrás fui procurado por uma repórter de "Veja", que resolveu fazer uma matéria sobre o material didático do COC, pelo fato de termos sido premiados pela qualidade do material. A matéria saiu com muitos elogios.
Pelo que me parece, a revista não estava informada sobre a entrada da Abril nesse mercado. Não sei o que aconteceu internamente, mas na edição seguinte da revista Cláudia, a Abril anunciava sua entrada no mercado, mencionava o Anglo e o Objetivo, e não fazia nenhuma menção ao COC, que, segundo a matéria da "Veja", era o mais premiado. Aí, a denúncia da jornalista, mãe de uma aluna, caiu em seu colo e fizeram aquele carnaval.
Jamais declarei à repórter que o COC errou nos trechos mencionados, como saiu publicado. O que lhe disse é que todo material didático está sujeito a erros, e isso acontece com o nosso material e com os de todos nossos concorrentes. E que nosso trabalho é ir corrigindo os erros, quando identificados. Ela colocou que eu teria admitido os erros.
O material "Conjugando o Empresário" não consta das apostilas do COC. Foi um professor do "Pentágono" que copiou esse texto do vestibular da UFMG e distribuiu para seus alunos, na sua classe. Tanto que nenhuma outra escola tem esse material. Expliquei para a repórter, mas colocaram na reportagem de tal maneira que ficou parecendo que o material era do COC.
Mandei uma carta para a revista, pedindo que retificassem o que me foi atribuído. Não publicaram a carta. Muitos pais de alunos do COC mandaram cartas à revista com cópia para mim. Nenhuma saiu, só as cartas contrárias, e que se basearam na matéria da "Veja".
Recebi muitos telefonemas de solidariedade, mas ninguém quer dar a cara para bater, temendo retaliação da revista".
Só depois de publicado todo esse dossiê no Blog, no dia 27 de junho a revista resolveu retificar a menção incorreta ao COC, certamente pressionanda pela direção da Abril, dado o histórico de quase nunca publicar cartas de retificação sobre seus erros.
Nesses episódios, o interesse mais evidente era da Abril. Em outros episódios, o jogo se torna mais enrolado. O prego passa a arranhar cada vez mais o vinil, com uma falta de técnica jornalística inversamente proporcional à confiança desmedida de que ninguém ousaria apontar essas manipulações.
Primeiros ataques a Dantas
Enquanto a guerra santa contra Lula campeava à solta, os novos diretores davam início a movimentos não muito claros, que só começariam a fazer sentido nos meses seguintes.
Um dos primeiros atos de Eurípides foi contratar o jornalista Márcio Aith, profissional respeitado, passagens pela “Gazeta Mercantil” e “Folha de S. Paulo”. Pouco antes, Aith ganhara destaque com a matéria sobre o “dossiê Kroll”, publicado na "Folha de S. Paulo que implicava Daniel Dantas na espionagem de adversários e membros do governo
Nos meses seguintes, Dantas seria submetido a um tiroteio de denúncias. Era a primeira parte da estratégia da Veja, já sob nova direção.
Poderia ser para atingir a concorrente IstoÉ - claramente alinhada com Dantas. Poderia ser uma forma de chamar o banqueiro para conversar.
No dia 28 de julho de 2004, saiu o primeiro petardo contra Dantas. Na matéria “Um negócio de espiões”, de Alexandre Oltramari, ele era frontalmente acusado de espionar autoridades brasileiras (clique aqui).
“O caso mais explícito, e o mais grave, é a vigilância de espiões sobre os passos de Cássio Casseb, atual presidente do Banco do Brasil e ex-conselheiro da Telecom Italia. Nos relatórios divulgados na semana passada, fica-se sabendo que a Kroll Associates, a maior empresa de investigação corporativa do mundo, contratada pelo Opportunity, andou no encalço de Casseb por quase um ano, tendo, inclusive, monitorado suas contas bancárias pessoais – numa flagrante violação da lei brasileira.
Nesses movimentos iniciais, nas matérias da Veja Dantas era o vilão; os demais, suas vítimas.
As entradas de Dantas na revista se davam, apenas, através da seção Radar, de Lauro Jardim. Mas, de uma maneira geral, a linha editorial da revista continuava na direção oposta: atacar Dantas.
No dia 3 de novembro de 2004, outro petardo contra Dantas: a matéria “O dia da caça”, assinada por Márcio Aith. O subtítulo já era indicativo do tom da matéria:
“A Polícia Federal deflagra uma operação contra a Kroll, que, contratada pelo banqueiro Daniel Dantas, pode ter espionado até o ministro José Dirceu”.
Na matéria se dizia que:
A Kroll, contratada pela Brasil Telecom dominada por Dantas, foi acusada de usar métodos ilícitos numa investigação que teria como objetivo levantar informações comprometedoras sobre a Telecom Italia. Os indícios de que a empresa de investigação vinha agindo à margem da lei foram reforçados à Polícia Federal pela própria Telecom Italia.
Conversas entre Verdial e seu chefe, o inglês que se apresenta como William Goodall, mostram também que fontes policiais e da Receita Federal foram pagas pela Kroll para facilitar o acesso da empresa a informações sigilosas de seus investigados.
A matéria revelava as ligações jornalísticas de Dantas
Os documentos repassados à Polícia Federal pela Telecom Italia incluem um e-mail que a PF atribui ao jornalista Leonardo Attuch, da revista IstoÉ Dinheiro. A mensagem foi enviada em setembro para Charles Carr, chefe do escritório da Kroll em Londres. Nela, o remetente, que se identifica por meio do pseudônimo "Silvio Berlusconi", comenta em tom de intimidade uma reportagem que havia feito sobre a empresa italiana Tecnosistemi, ligada ao grupo Tim e envolvida em denúncias de falência fraudulenta (na edição datada de 14 de julho deste ano, a revista IstoÉ Dinheiro saiu com uma reportagem sobre o assunto, assinada por Attuch). No fim da mensagem, o remetente afirma que gostaria de ter acesso "à informação que você tem sobre o Dirceu". Conclui dizendo: "Tenho certeza de que renderia uma grande reportagem."
No final da matéria havia um boxe, “O gênio do mal”, de Lucila Soares e Monica Weinberg, traçando um perfil de Dantas.
“Também seus colegas na corretora Triplic, onde trabalhou no início da carreira (quando ainda usava rabo-de-cavalo e bolsa a tiracolo), espantavam-se com seu talento, que lhe rendeu o apelido de "professor Gavião, o gênio do mal". Era só uma brincadeira de jovens, mas já caracterizava um estilo marcado pelo hábito de "agir na fronteira", na definição do próprio Dantas. A expressão traduz uma ousadia que, segundo amigos, é capaz de levar o banqueiro a atuar freqüentemente no limite da legalidade”.
No dia 18 de maio de 2005 sairia uma terceira grande matéria, “A Usina de Espionagem da Kroll”, assinada por Marcelo Carneiro e Thais Oyama, em cima de uma operação da Policia Federal contra a Kroll. Anotem a data porque marca o fim da era de críticas a Dantas.
Dizia a matéria:
“Até então, porém, suspeitava-se que a empresa havia atropelado os limites estabelecidos pela Constituição para atender apenas aos interesses da Brasil Telecom – até o mês passado comandada por Daniel Dantas, do banco Opportunity. O material reunido pela PF no curso da investigação, batizada de Operação Chacal, revela, no entanto, que pelo menos desde a d��cada de 90 a Kroll se dedica a monitorar a vida de dezenas de pessoas, entre elas políticos e empresários – e nem sempre por meio de expedientes legais”.
O simples fato de se saber que praticava ilegalidades já seria suficiente para ser tratado com cautela por qualquer jornalismo sério. A revelação de que comprava reportagens recomendava afastamento total.
Nos meses seguintes, porém, uma profunda transformação aconteceria na linha editorial da revista que denunciara, pouco antes, essas manobras de Dantas.
Assassinatos de reputação
Aí é necessário uma pausa para retornar ao tema do jornalismo de negócios.
No primeiro capítulo, mencionei o uso de matérias jornalísticas nas guerras empresariais e nos processos judiciais. Uma das ações mais abjetas praticada pelo submundo que orbita em torno das chamadas empresas de inteligência - como a Kroll - é o “assassinato de reputação”. Esse é o termo adotado nesse meio.
Trata-se de manobras para levantar escândalos falsos ou verdadeiros, visando destruir a confiança da opinião pública em determinada pessoa.
Alguns episódios são bastante ilustrativos sobre esse tipo de ação, dois deles protagonizados pelo jornalista Ricardo Boechat.
Em abril de 2001, assessores de Dantas procuraram várias mulheres jornalistas do Rio de Janeiro com a história de que a ex-mulher de Luiz Roberto Demarco - o arquiinimigo de Dantas - teria sido espancada pelo marido. Conversaram com Elvira Lobato, da “Folha”, Fernanda Delmas, de “O Globo”, jornalistas do Estadão e da Gazeta Mercantil.
O assessor apresentava um BO (Boletim de Ocorrência) lavrado em uma Delegacia de Mulher. BO não representa julgamento nem apuração: é apenas uma denúncia que qualquer pessoa pode fazer, bastando comparecer a uma delegacia. Depois, é que se se irá conferir se tem fundamento ou não.
Procurado, Demarco mostrava o processo de separação. Como a denúncia não era clara ou confiável, ninguém deu nada.
No dia 22 de abril de 2001, aproveitando-se das férias do titular, os assessores do Opportunity conseguiram emplacar uma nota na coluna do Boechat:
Caso de polícia
O empresário Luiz Roberto Demarco, que anda às turras com o Opportunity, tem um grande problema doméstico. Sua ex-mulher, a executiva Maria Regina Yazbek, entrou na Justiça de São Paulo pedindo a reintegração de posse do BMW Z3, que foi tomado depois de uma separação litigiosa.
O carro era um presente de aniversário.
Demarco espancou a ex-mulher, que ficou internada seis dias no Hospital Albert Einstein.
A agressão foi registrada na 2. Delegacia da Mulher em São Paulo."
De volta das férias, Boechat percebeu a manobra. No dia 6 de maio de 2001 deu, com o mesmo destaque, a retratação da notícia.
"Baixo nível
É pesado o jogo contra Luiz Roberto Demarco, antigo sócio do banqueiro Daniel Dantas e hoje seu adversário em várias ações judiciais.
Semana passada, vários jornais receberam notícias inexatas sobre o processo de divórcio do empresário, tentando atingi-lo moralmente.
A manobra foi conduzida junto às redações por uma assessoria de imprensa a soldo do Banco Opportunity, do qual Dantas é proprietário."
Se tivesse sido constatada a agressão, na qual a vitima supostamente teria ficado seis dias internada no Einstein, o BO teria evoluído para um inquérito policial. Nunca teve seqüência.
A seriedade jornalística custou caro a Boechat. Alguns meses depois, foi abatido por um “assassinato de reputação" cometido pela mesma revista Veja (e já mencionado no primeiro capítulo da nossa história). A revista divulgou um grampo com uma conversa de Boechat com uma fonte, que em nada depunha contra o jornalista. A mão de Dantas estava por trás do dossiê. Do lado da Veja, as mãos que cometeram o "assassinato de reputação" ainda eram outras.
Na correspondência entre a Kroll e a Brasil Telecom, quando Dantas ainda estava no controle da empresa, era mencionada expressamente a tática do “assassinato de reputação (character assassination) (clique aqui).
Clique para ler em tamanho normal
Dantas ainda estava na era dos pequenos assassinatos. Com pouca entrada na mídia – em função de sua biografia –, precisava apelar para blogs contratados e para jornais fantasmas.
No dia 17 de março de 2004, um tal de “O Povo”, do Rio de Janeiro, tiragem de 2 mil exemplares, publicou matéria escandalosa sobre Demarco.
Plantada em “O Povo” e em um site jurídico, a notícia foi vertida para o inglês e incluída no processo de Nova York, do Citigroup contra Dantas.
Nem houve como processar o tal jornal, que desapareceu na poeira.
Conto isso para mostrar qual era a situação de Dantas no momento em que Veja começou a atacá-lo. Sua única perna na mídia – o jornalista Leonardo Attuch – estava sendo bombardeado pela revista de maior circulação do pais. Os outros pontos de apoio – Giba Um e Cláudio Humberto, o tal de “O Povo” – eram utilizados nos processos judiciais, mas não conseguiam chegar até os formadores de opinião.
Por aqueles dias, Dantas vivia seus piores momentos, uma sucessão de episódios que parecia marcar o fim de sua aventura.
Em julho de 2004 saiu a matéria de Márcio Aith, na “Folha”, sobre o caso Kroll. Em outubro de 2004, a Policia Federal deflagrou a Operação Chacal que pela primeira vez pegou Dantas. Hoje ele responde a três processos na 5a Vara Federal: formação de quadrilha, corrupção ativa e espionagem.
No início de 2005, o Citibank demitiu Dantas por “quebra de confiança fiduciária” - imputação gravíssima no mercado. Os fundos de pensão já tinham feito o mesmo. E, agora, Veja
começava a torpedear seus únicos pontos de contato com a mídia.
O que fazer? Dantas procurou se aproximar da revista. A maneira como conseguiu penetrar no centro de comando da Veja e colocar a revista no lugar de "O Povo", merece um capítulo à parte.
O quarteto de Veja
Disparados os primeiros petardos, Dantas procurou se aproximar de várias frentes na Veja. Há tempos mantinha relacionamento com Lauro Jardim, editor da seção Radar, onde costumava plantar corriqueiramente balões de ensaio.
Em meados de 2005, provavelmente entre maio e junho, a relação se amplia. 18 de maio de 2005 é a data do último ataque a Dantas; 15 de junho de 2005 o início ostensivo da mudança de rota.
Através de Jardim, Dantas se aproxima de Eurípedes. Pareciam até movimentos concatenados da parte da direção da revista. Primeiro, os ataques a Dantas e a seus representantes na imprensa. Depois, a abertura para conversas.
Nesse jogo, o papel mais ostensivo passaria a ser desempenhado por Diogo Mainardi.Pouco tempo antes, ele havia escrito algumas colunas falando de fundos de pensão. Por alguma razão, houve uma espécie de leilão no Rio de Janeiro para conseguir seu passe.
O mundo dos lobbies cariocas
E aí vale uma segunda pausa para falar do mundo de lobbies do Rio. São pessoas com bom trânsito com imprensa, empresas, políticos e judiciário. Em geral pulam de um lado para outro, oferecendo serviços especialmente em grandes embates empresariais ou políticos.
Nos últimos tempos se consolidaram dois grupos mais atrevidos. Um, comandado por Nelson Tanure, do Jornal do Brasil; outro, por Daniel Dantas.
Tanure foi o primeiro a perceber a importância empresarial das disputas judiciais. Elas não são um fim em si mesmo, mas um instrumento para abrir campo para acordos vantajosos. Foi assim que conseguiu vultosa indenização do Bradesco, para interromper uma ação contra a aquisição do Banco Boa Vista.
Depois, passou a dar assessoria para empresas em luta contra Dantas, como a canadense TIW.
Mainardi havia começado a ganhar destaque por subir vários tons nas ofensas contra Lula e também pelo uso de dramas familiares como tema de colunas – o que despertara simpatia em parte do público da Veja.
Adversário de Dantas, Nelson Tanure tentou levá-lo para o Jornal do Brasil. Veja acabou cobrindo a proposta, praticamente dobrando o salário de Mainardi.
Não sei a razão objetiva desse assédio. Poderia ser o fato de Mainardi ter mostrado ser "colunista sela” – nome que se dá ao colunista pouco informado que se deixa "cavalgar" pela fonte, tornando-se mero repassador de recados, em troca da repercussão que as notas proporcionam. Pelo menos no início, deveria ser esta a lógica que consolidava a parceria.
O fato é que os os lobistas perceberam em Mainardi um colunista em disponibilidade. Além disso, seu próprio papel de “para-jornalista” na revista – papel que, na “Folha”, é exercido com muito talento por Zé Simão; no “Globo”, por Agamenon Mendes Pedreira – rompia com os limites do jornalismo e abria campo amplo para divulgar qualquer informação que lhe fosse entregue, mesmo sem a necessidade sequer de um simulacro de apuração jornalística. E Mainardi se revelaria com falta de escrúpulos suficiente para cometer qualquer assassinato de reputação que lhe fosse encomendado.
Naquele período, figura tipicamente carioca que transita por esses ambientes teve alguns almoços com Mainardi e me contou a impressão que ele lhe passou.
Pessoalmente tímido até o limite de não levantar os olhos para encarar o interlocutor; escassa informação em política, história e, especialmente, sobre o intrincado mundo dos negócios e das disputas empresariais. Mas ávido pelas benesses que a exposição jornalística trazia.
Obviamente nenhum colunista iria enveredar tão ostensivamente pelo mundo das guerras corporativas e "assassinatos de reputação" se não tivesse respaldo de sua chefia maior.
O acerto de Veja com Mainardi foi precedido de uma aproximação entre Eurípedes e Dantas, intermediada por Lauro Jardim.
A partir de então, Eurípedes passou a ter ligação direta com o banqueiro. Conversam corriqueiramente, sem prejuízo dos contatos de Dantas com Jardim e Mainardi. O diretor abria espaço por cima; os colunistas entravam com a mão de obra.
O trio se tornava, então, o quarteto de Veja que, dali por diante, entraria de cabeça na campanha a favor de Dantas: Eurípedes Alcântara, Mário Sabino, Lauro Jardim e Diogo Mainardi.
Pela ordem: Eurípedes Alcântara, Lauro Jardim, Mário Sabino e Diogo Mainardi
Nos meses seguintes, ocorreria uma mudança radical no tratamento dado pela revista àquele que, segundo ela própria, tinha por hábito grampear, montar dossiês falsos e comprar jornalistas.
Como vocês se recordam, os três grandes petardos de Veja contra Dantas saíram nas seguintes datas:
No dia 28 de julho de 2004, “Um negócio de espiões”
No dia 3 de novembro de 2004, “O Dia da Caça”
No dia 18 de maio de 2005, “A Usina de Espionagem da Kroll”
A mudança de linha se dá nitidamente na edição de 15 de junho de 2005, menos de um mês após a publicação da matéria mais dura contra Dantas.
Na mesma edição, Gushiken foi atacado em nota do Radar, segundo a qual Lula estaria atribuindo-lhe culpa pelos problemas de comunicação do governo; outra nota fazia ilações entre Gushiken, as ações dos fundos e Delúbio Soares.
De vítima de Dantas, Gushiken começava, a partir de então, a se tornar seu algoz, de acordo com a construção jornalística que Veja começou a montar.
Na edição seguinte, de 22 de junho de 2005, o Radar soltava uma saraivada em cima dos fundos de pensão que disputavam o controle da Brasil Telecom. Uma nota “denunciando” o aluguel de um jatinho pela Previ, para levar um companheiro (para poder chegar a tempo ao enterro do irmão). E outra sobre um suposto “gigantesco prejuízo” do fundo Petros.
Na mesma edição, nota sobre Gushiken insinuando que se preparava para ocupar o lugar de José Dirceu. Em uma edição, se tentava mostrá-lo fraco; na outra, todo poderoso, com o claro intuito de jogá-lo no epicentro do terremoto político que se avizinhava.
Mas era apenas aquecimento. Embalada pela blindagem proporcionada pelo campanha contra Lula, Veja se desarmava dos cuidados necessários e caía de cabeça nos "assassinatos de reputação".
Daniel Dantas conseguia sair de "O Povo" e passava a influenciar diretamente a maior revista semanal brasileira.
Os primeiros serviços
No dia 16 de maio de 2006, sob fogo cruzado - depois de seu dossiê sobre as "contas secretas" de autoridades no exterior ter sido desmascarado -, Daniel Dantas concedeu entrevista à "Folha de S. Paulo" (leia aqui e aqui). Foi uma entrevista, como se denomina no jargão jornalístico, para "levantar a bola".
A repórter levantou duas bolas para Dantas cortar. O que significava que os dois argumentos foram selecionados por Dantas como os mais significativos de sua estratégia de ataque-defesa.
Um deles, o caso do investimento da Telemar na Gamecorp - empresa de jogos eletrônicos, da qual o filho de Lula é um dos sócios. O outro, a atuação do ex-presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Edson Vidigal, que concedeu liminares aos cotistas da CVC-Opportuniy, permitindo que retomassem o controle das mãos de Dantas.
Era uma entrevista defensiva, que sintetizava os dois principais argumentos de defesa. Através deles, Dantas pretendia provar que estava sendo vítima de perseguição política do governo.
Nem se entre, por enquanto, no mérito das denúncias. Nem vamos colocar nessa trama o papel do Ministro Antonio Pallocci - que, na entrevista, Dantas afirma ter trabalhado por sua destituição. Apenas chamar a atenção para o fato de que, naquele mesmo período, de herói da estabilidade, para a Veja, em pouco tempo Palocci se transformou em vilão. Passou a ser alvo de campanha cerrada, até sucumbir ao seu próprio ato criminoso de quebrar o sigilo do caseiro.
Por ora, vamos rever como Veja tratou do caso Gamecorp e Edson Vidigal nos anos anteriores, justo naqueles meses de 2005 em que se consolidou sua ligação com Dantas.
Nesse capítulo, o caso Gamecorp; no próximo, o caso Edson Vidigal.
A ginástica da Gamecorp
Como vocês se recordam, da leitura do capítulo anterior, o último ataque de Veja a Dantas foi no dia 18 de maio de 2005; a primeira defesa ostensiva, no dia 15 de junho de 2005.
No dia 4 de agosto de 2005 publiquei uma coluna em que revelava que a ida a Lisboa de Marcos Valério - o publicitário do "mensalão" - tinha sido a serviço de Dantas, e não de Lula, como insinuado em algumas notas de jornais (clique aqui).
A agência de Valério era contratada da Telemig Celular - controlada pelo banqueiro. Pouco tempo antes houve uma reunião entre o staff de Dantas e dirigentes brasileiros da Portugal Telecom (controladora da Vivo), onde lhes foram oferecidas as empresas Telemig Celular e Amazônia Celular.
Havia razões para essa ofensiva de Dantas.
No dia 12 de abril de 2005, o Citigroup havia entrado com uma ação de perdas e danos contra Dantas na corte de Nova York (clique aqui).
Em maio de 2005, o presidente do Superior Tribunal de Justiça cassara a liminar que impedia a realização da Assembléia Geral Extraordinária do CVC-Opportunity - o fundo que controlava a Brasil Telecom -, na qual Dantas seria destituído.
O banqueiro corria contra o relógio para vender o controle das duas empresas, antes que perdesse o poder de mando sobre elas
Era esse o ambiente na época quando escrevi sobre Dantas.
Dez dias depois, no dia 14 de agosto de 2005 recebi o primeiro ataque de Diogo Mainardi. O pretexto foi uma nota em que criticava seu procedimento de ter revelado a identidade de uma fonte depois de lhe ter garantido o “off”. Era apenas um parágrafo no qual seu nome sequer era citado.
A reação foi desproporcional. O titulo da coluna de Mainardi era agressivo: “Chega de ética, Nassif”. O intertítulo, mais ainda (clique aqui).
A profusão de acusações lançadas - dentro do padrão Veja - mostrava que a intenção não era apenas polemizar: era claramente praticar uma "assassinato de reputação".
Me acusava de ter feito um "panegírico apaixonado" a uma empresa que patrocinava o site do Projeto Brasil; de ter defendido o investimento da Telemar na Gamecorp em retribuição a uma campanha publicitária veiculada em meu site pelo BNDES; e de copiar e-mail de Luiz Roberto Demarco, o arqui-inimigo de Dantas. Os ataques encaixavam-se plenamente na definição de "assassinato de reputação" das guerras empresariais ou políticas.
Pesquisando nos arquivos da "Folha" descobri que, uma vez, em quatro anos, escrevi um elogio de duas palavras ao fundador da empresa: ele tinha montado uma "gestão inovadora". E nada mais.
Não havia relação causal entre a campanha do BNDES e meu artigo sobre a Gamecorp. Apesar de sócio da Telemar, o banco não tem por norma participar de decisões de investimentos de nenhuma empresa da qual seja acionista - menos ainda em valores tão insignificantes (para o porte da Telemar) quanto o que foi aportado na Gamecorp. E a campanha do BNDES, de apenas um mês, tinha sido montada especificamente para sites na Internet, e contemplado dezenas deles.
Como Mainardi jamais havia escrito sobre tema intrincado como esse, era óbvio que estava sendo "cavalgado" por Dantas, que lhe entregara o dossiê pronto. Aliás, como em praticamente todas as colunas que escreve sobre disputas empresariais.
As impressões digitais de Dantas eram tão óbvias que no dia 16 de agosto de 2005 respondi ao ataque de Mainardi em minha coluna, na própria “Folha” (clique aqui). No dia 19, a “Folha” publicou no Painel do Leitor uma contestação à coluna assinada por Maria Amália Cotrim, porta-voz do próprio Opportunity, com os mesmos argumentos brandidos por Mainardi em sua coluna (clique aqui) – e na que sairia na semana seguinte.
De nada adiantaram minhas explicações ou a carta de Paulo Totti, do BNDES, à Veja.
A carta de Totti saiu escondida na seção de Carta dos Leitores.
Na mesma edição, outro artigo de Mainardi, repisando os ataques e passando ao largo das explicações dadas (clique aqui).
Mais tarde ficariam claros os motivos que o levaram a incluir a Gamecorp em seu ataque.
Na ação movida pelo Citigroup, uma das estratégias da defesa de Dantas era sustentar que o banqueiro estava sendo vítima de perseguição política. E apresentar como evidência o fato da empresa do filho do presidente ter recebido aporte de capital da Telemar, concorrente de Brasil Telecom. Por isso mesmo, qualquer análise que mostrasse lógica econômica no investimento estaria enfraquecendo a argumentação de Dantas no processo.
Em 11 de janeiro de 2008, a "Folha Online" trouxe matéria que comprovava amplamente essa tática (clique aqui).
Advogados do grupo Opportunity, do banqueiro Daniel Dantas, apresentaram à Justiça de Nova York documento em que acusam acionistas da Oi (ex-Telemar) de corrupção de membros do PT no governo para conseguir que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva altere a legislação para permitir a compra da Brasil Telecom, como publicado na edição de hoje da Folha de S.Paulo íntegra disponível somente para assinantes do jornal e Uol).
O documento, obtido pela Folha, também menciona o investimento milionário na empresa do filho do presidente Lula, a Gamecorp, que provocou polêmica em 2005. Os advogados do Opportunity alegam que a então Telemar tinha interesse na mudança da legislação do setor de telecomunicações, mas não apresentam provas da acusação.
Essa linha de defesa tinha começado a ser montada justamente no período em que Mainardi sacou do coldre a Gamecorp.
O espírito persecutório
A única informação correta era a respeito do email de Luiz Roberto Demarco – um inimigo de Dantas, compulsivo até o limite da obsessão - que, de fato, havia me passado informações sobre reuniões do staff de Dantas com a direção da Portugal Telecom.
Inteligente, ousado, Demarco ganhou relevância por ter conseguido derrotar Dantas em um tribunal estrangeiro. Como a ação conseguiu bloquear um dos fundos de Dantas - que participava do controle das empresas de telefonia. Para poder liberar o fundo e retomar o controle, o Citigroup fechou um acordo financeiro bastante vantajoso para Demarco. Depois, vários adversários de Dantas aproveitaram as brechas abertas por Demarco para penetrar na fortaleza jurídica do banqueiro.
Demarco poderia ter se contentado com a derrota que impôs a Dantas. Mas, graças à sua obsessão, ajudou a desmascarar o banqueiro. De outro lado, sua obsessão ajudou a criar uma blindagem e a facilitar o trabalho de desqualificação patrocinado por Dantas, valendo-se principalmente de Mainardi.
Qualquer pessoa que não se tornasse inimigo de Dantas era imediatamente apontado como colaborador por Demarco e jornalista aliado. Da parte dos jornalistas de Dantas, qualquer crítica ao banqueiro faria parte de uma conspiração.
Esse clima persecutório produziu uma confusão monumental, que só ajudou a fortalecer o banqueiro. De um lado e de outro eram jornalistas e fontes levantando teses conspiratórias e acusações generalizadas. Separar o joio do trigo tornou-se tarefa inglória e em muito contribuiu para o silêncio com que a imprensa passou a tratar os escândalos de Dantas e as relações ostensivas com a Veja.
O que não significa que Demarco não fosse extremamente bem informado. Jamais forneceu uma informação incorreta, suportou campanhas difamatórias pesadas, mas não saiu da linha.
Tanto assim que, de posse de suas dicas, marquei uma reunião com Shakhaf Wine - um dos executivos da Portugal Telecom mencionado no e-mail. O encontro se deu no final da tarde, no escritório em frente ao shopping Iguatemi (clique aqui para ler a matéria).
Voltei em cima da hora para o meu escritório e, premido pelo horário de fechamento, acabei copiando trechos do e-mail de Demarco com os nomes das pessoas que tinham participado da reunião. Nada que pudesse ferir a ética jornalística. Nada que não pudesse ser explicado pela correria de um fechamento.
Mas o episódio passou a ser explorado de maneira a se criar a impressão de algo doloso. Eram os "factóides" típicos da tática de fuzilar reputações.
Junto com o primeiro ataque de Mainardi, a edição de Veja saiu com seis páginas de publicidade da Amazônia Celular e da Telemig Celular – empresas controladas por Dantas, e de alcance regional. Era algo sem nexo, para alguém que não entendesse as circunstâncias: duas empresas regionais fazendo encarte em uma revista de circulação nacional. Quando levantei essa questão, a alegação do Opportunity é que, além da Veja, o encarte tinha saído no "Valor Econômico" - com uma tiragem e um custo infinitamente inferior ao da revista.
Na edição seguinte, com o segundo ataque de Mainardi sairiam mais seis páginas de publicidade da Telemig Celular, mas aí compartilhadas com outras publicações.
Estava claro que Veja tinha entrado para valer no jogo de Dantas, e da forma menos sutil possível: dois ataques virulentos, inspirados por Dantas, em duas edições recheadas com 6 páginas de publicidade cada uma, programadas pelo proprio Dantas. Nem se teve o cuidado de separar as edições. Veja passava a se valer das mesmas práticas que denunciava em sua concorrente IstoÉ.
E uma das acusações que Mainardi me lançava era em relação a um adjetivo elogioso que empreguei, em quatro anos de coluna, para qualificar o modelo de gestão do fundador de uma empresa que patrocinava o Projeto Brasil, da Agência Dinheiro Vivo. E o fato de ter veiculado uma campanha que havia programado dezenas de outros sites para veiculação.
O jogo estava apenas começando. Dali para frente, novos "assassinatos de reputação" seriam perpetrados de forma sistemática. Como a incrível "denúncia" contra o presidente do Superior Tribunal de Justiça, Edson Vidigal.
Mas aí é assunto para o próximo capítulo, a partir do qual o jogo ficará cada vez mais claro.
O caso Edson Vidigal
O segundo serviço de Veja foi a tentativa de "assassinato de reputação" do Ministro Edson Vidigal, presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ).
A matéria vinha com uma manchete dúbia: “Não pode pairar a dúvida. O presidente do STJ é envolvido em casos que precisam ser esclarecidos”.
Era uma matéria exemplar para se entender como fabricar um escândalo sem crime. A matéria não enfocava uma suspeita específica. Havia um estoque de fatos relacionados a Vidigal - o que demonstrava, nitidamente, que se tratava de um dossiê especialmente preparado contra ele.
A primeira acusação era um "esquentamento" de fato banal, visando conferir tratamento escandaloso: a de que Vidigal viajara para o Chile, para um Congresso patrocinado pela Amil, empresa de seguro saúde, sendo que, na semana anterior, havia liberado um reajuste de 26% para o setor de planos de saúde.
A viagem tinha sido em um final de semana, em um seminário para discutir a legislação chilena para o seguro saúde. A matéria procurava ressaltar aspectos de mordomia:
“O seminário realizou-se em Santiago, no Chile. Foi uma curta temporada regada a bons vinhos daquele país e com todas as mordomias que costumam acompanhar esses rega-bofes”.
O "prego sobre vinil" esquentava a matéria com obviedades. É óbvio que qualquer Congresso tem coquetéis e almoços e, sendo no Chile, vinhos chilenos.
Pouco importava se o patrocinador não tinha ingerência na programação, ou se um final de semana trabalhando em Santiago de Chile está longe de configurar suborno ou mordomia.
Para tornar mais estranha a acusação, não havia a prova do suborno: a matéria informava que, com sua sentença, Vidigal limitara-se a convalidar um parecer da Secretaria de Direito Econômico sobre o tema. Onde a relação, então, entre favor recebido e serviço prestado?
Dizia mais:
”Muito provavelmente, o pedido da Amil é justo. Mas, depois da viagem ao Chile, também é justo levantar suspeita sobre o julgamento da liminar.”
Mas, para efeito de levantar a mancha da suspeita, dizia que “um observador de fora tem o direito de enxergar no episódio os contornos de improbidade administrativa. O caso deverá ser analisado pelo Conselho Nacional de Justiça, órgão recém-criado com a incumbência de exercer o controle externo do Judiciário.”
De fato, a "denúncia" foi feita por uma Associação de Defesa da Cidadania e do Consumidor... mencionando justamente a matéria de Veja.
Era de um amadorismo constrangedor. Como Veja poderia saber que haveria uma denúncia baseada na própria reportagem que sequer havia sido publicada? É evidente que havia uma armação da qual a revista participava. Não se contentava meramente em espalhar notícias falsas sobre os adversários de Dantas, mas em participar diretamente de armações bisonhas.
A denúncia nasceu morta. O corregedor Antonio de Pádua Ribeiro rejeitou-a por não estar "consubstanciada infração disciplinar nem violação dos deveres funcionais da magistratura".
A segunda denúncia do dossiê é que o nome de Vidigal aparecera em grampos com membros da quadrilha do argentino Cesar de La Cruz Arrieta. Como eram fitas de um inquérito sigiloso, era óbvio que o dossiê fora obtido de forma ilegal por membros do submundo que habita Brasília.
A matéria reconhecia que a menção a Vidigal poderia ser apenas bravata de contraventores. Mas colocava como agravante o fato do apartamento de um enteado de Vidigal ter sido alugado para os bandidos.
Vidigal explicou que o apartamento tinha sido entregue a uma imobiliária, que se responsabiliza por quem aluga.
"O apartamento, pelo que sei, estava entregue a uma imobiliária. E ninguém pede atestado de bons antecedentes quando aluga um imóvel." Mas a coincidência envolvendo um dos mais altos magistrados do país precisa ser esclarecida.”
Que tipo de favor Vidigal poderia ter prestado a Arrieta?
Consultando seus arquivos, ele constatou ter atuado em apenas um caso envolvendo Arrieta. E sua decisão tinha sido a de negar um habeas corpus a ele.
A troco de quê aquela marcação?
Apenas os leitores mais bem informados entenderam a ginástica jornalística perpetrada por Veja.
Pouco tempo antes, Vidigal havia dado a liminar que permitiu aos fundos de pensão e ao Citibank retomar o controle da Brasil Telecom das mãos de Daniel Dantas (clique aqui para a íntegra da sentença). Foi uma sentença dura contra o Opportunity.
“Com olhos voltados à defesa do interesse público, notadamente porque envolvidos vultosos recursos do erário, antevejo ameaçada a ordem econômica. Neste contexto, considero que eventual prejuízo sofrido pelos fundos de investimento, em última análise, será suportado pelo erário, com vistas a garantir a milhares de brasileiros, beneficiários dos mesmos — e que acreditaram nos fundos de pensões e deles dependem —, a necessária subsistência”, registrou o ministro Vidigal na ocasião.
“Considerei, também, nas razões de decidir, as informações trazidas pelo requerente que dão conta que a decisão objeto da suspensão entrega a gestão de mais de 10 bilhões de reais em ativos financeiros, materiais e societários ao Grupo Opportunity que, anteriormente, já fora destituído da gestão deste fundo por quebra dos deveres fiduciários, o que, também, recomenda a concessão da contracautela”, afirmou também o presidente do STJ.
A sentença de Vidigal foi proferida no dia 15 de junho de 2005. A tentativa de um novo "assassinato de reputação", por parte de Veja, em 21 de setembro de 2005.
No dia 16 de maio de 2006 - quase um ano depois -, acuado pela revelação do dossiê falso sobre as contas de autoridades no exterior, Dantas mostraria claramente as peças que se encaixavam nas duas tentativas de "assassinato de reputação" da Veja.
Na entrevista à "Folha", mencionada no capítulo anterior, Dantas disse o seguinte:
O controlador do Opportunity, Daniel Dantas, disse à Folha ter recebido informações de que o governo pressionou o Judiciário brasileiro para favorecer os fundos de pensão na briga pela telefônica Brasil Telecom.
"Informaram a mim que teria havido uma intervenção do ministro Palocci [ex-ministro da Fazenda] junto ao ministro Edson Vidigal [ex-presidente do Superior Tribunal de Justiça] para dar uma decisão favorável aos fundos de pensão", disse Dantas em entrevista concedida no último sábado, por videoconferência. "Fui conferir e ouvi de uma pessoa que esteve com Palocci que o próprio teria dito não ter sido ele diretamente, mas alguém ligado a ele [que procurou Vidigal]."
(...) A versão segue as declarações feitas por advogados do banco em Nova York. Em documento público, eles lembram que o STJ tem 21 ministros, mas que os litígios entre o Opportunity e os fundos costumavam ser julgados por Vidigal (o ex-ministro assinou pelo menos três liminares favoráveis aos fundos de pensão).
No texto, os defensores do Opportunity ressaltam que Vidigal deixou o Judiciário e que concorre ao governo do Maranhão -pelo PSB, com apoio do PT.
(...) Questionado se o Planalto pediu que não fizesse declarações contundentes sobre o caso Gamecorp, Dantas confirmou. Segundo ele, o recado chegou por meio de Yon Moreira, então diretor da Brasil Telecom. Ele não soube dizer quem foi o emissário do governo. A empresa Gamecorp tem entre os sócios um filho do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Foi o segundo capítulo de uma longa série de matérias que, nos anos seguintes, marcaria de forma indelével a parceria Dantas-Veja.
O dossiê falso
A parceria de Veja com Daniel Dantas prosseguiu no decorrer de 2006. Várias matérias, dossiês, especialmente os mais improváveis, pareciam terem sido fornecidos pelo banqueiro.
Na edição de 17 de maio de 2006, Veja fez sua aposta mais ousada.
O diretor Eurípedes Alcântara recebeu um dossiê de Dantas, sobre presumíveis contas de altas autoridades do governo no exterior. O mesmo dossiê foi encaminhado a outro membro do quarteto deVeja, Diogo Mainardi.
A tarefa de ir atrás das pistas do dossiê coube a Márcio Aith, o mesmo jornalista que cobrira o caso do dossiê da Kroll para a “Folha”.
Até então, Aith construíra uma sólida reputação de jornalista investigativo. Passou pela “Gazeta Mercantil” e “Folha”, tinha conhecimentos sobre mercado, balanços, economia, e caminhava para se transformar em um dos grandes repórteres da sua geração.
Saiu a campo e, em pouco tempo, constatou que o dossiê era uma falsificação. Tinha tudo para uma reportagem memorável.
O levantamento tinha sido feito por Frank Holder, ex-agente da CIA especializado em América Latina que, depois, largou o serviço secreto e montou uma firma de investigação – a Holder Associates – posteriormente adquirida pela Kroll.
Aith foi atrás de Holder na Suíça. Ouviu sua versão de que a lista tinha sido obtida no curso da investigação italiana sobre a parte brasileira dos escândalos da Parmalat. O repórter foi atrás de autoridades policiais de Milão – que investigavam o caso Parmalat – que afirmaram desconhecer a informação.
Holder, então, mudou a versão e informou que o dossiê tinha sido levantado pelo argentino José Luiz Manzano, ex-ministro e, segundo Aith, um dos símbolos da corrupção do governo Menen.
Aith foi atrás de Manzano que confirmou o dossiê e incumbiu assessores de passar mais dados. O material entregue apresentava inúmeras inconsistências. Estava configurado um novo dossiê Cayman.
Aith tinha conseguido juntar informações suficientes para lhe garantir a reportagem da sua vida, um quase certo Prêmio Esso de Reportagem.
Há um princípio básico de jornalismo: quando está configurado que a fonte tentou enganar o jornalista, é obrigação do jornalista denunciá-la. Eurípedes resistiu a divulgar o nome de Dantas. Houve discussão interna. Não havia como fugir do levantamento de Aith mas, por outro lado, Eurípedes queria defender o aliado.
Aith cedeu. De um lado, admitia-se que a fonte era Dantas. Mas foram tais e tantas as tentativas de salvar a cara do banqueiro, que a matéria transformou-se em um pterodáctilo, um bicho disforme e mal acabado.
O "prego sobre vinil" era claro.
Aith cometeu o erro de sua vida, concordando em assinar a matéria. Ganhou um boxe especial, cheio de elogios, e a primeira mancha grave na sua até então impecável folha de serviços jornalísticos. Veja não se limitava a apenas a “assassinatos de reputação” de terceiros, mas a destruir a reputação dos seus próprios jornalistas.
Começava pela capa. A chamada não mencionava dossiê falso. Pelo contrario, apresentava a falsificação como se fosse algo real:
“Daniel Dantas: o banqueiro-bomba. O seu arsenal tem até o numero da suposta conta de Lula no exterior"
A matéria não tinha pé nem cabeça. As investigações de Aith já tinham confirmado tratar-se de uma falsificação preparada por Dantas.
Mas o “lead” da matéria falava o contrario:
"O banqueiro Daniel Dantas está prestes a abrir um capítulo explosivo na investigação sobre os métodos da "organização criminosa" que se instalou no governo e o estrago causado por ela ao país".
O primeiro parágrafo inteiro, em vez de realçar o furo de Aith – a descoberta de que era um dossiê falso – dizia que:
"Na sessão, o senador Arthur Virgílio (PSDB-AM) revelou o teor de um documento no qual o banco Opportunity, controlado por Dantas, diz ter sofrido perseguição do governo Lula por rejeitar pedidos de propina de "dezenas de milhões de dólares" feitos por petistas em 2002 e 2003. A carta, escrita por advogados de Dantas e entregue à Justiça de Nova York, onde o banqueiro é processado pelo Citigroup por fraude e negligência, é só o começo de uma novela que, a julgar pela biografia de Dantas, não se resume a uma simples tentativa frustrada de achaque".
Prosseguia a matéria:
"Para defender-se das pressões que garante ter sofrido do PT nos últimos três anos e meio, Dantas acumulou toda sorte de informações que pôde coletar sobre seus algozes. A mais explosiva é uma relação de cardeais petistas que manteriam dinheiro escondido em paraísos fiscais".
Ia mais longe:
"Além disso, Dantas compilou metodicamente não só os pedidos de propina como também as contratações e os pagamentos efetivamente feitos para tentar aplacar as investidas do atual governo sobre seus interesses. Se pelo menos uma parte desse material for verdadeira, o governo Lula estará a caminho da desintegração"
Esse tipo de menção ao poder terrível do banqueiro era um convite ao achaque. Na mesma matéria, Veja justificava a publicação do dossiê como forma de prevenir achaques:
"Ao mesmo tempo, isso (a publicação do dossiê) impedirá que o banqueiro do Opportunity venha a utilizar os dados como instrumento de chantagem em que o maior prejudicado, ao final, seriam o país e suas instituições".
A conclusão final era risível:
"Por todos os meios legais, VEJA tentou confirmar a veracidade do material entregue por Manzano. Submetido a uma perícia contratada pela revista, o material apresentou inúmeras inconsistências, mas nenhuma suficientemente forte para eliminar completamente a possibilidade de os papéis conterem dados verídicos".
Só então entrava na reportagem o conteúdo apurado por Aith.
A entrevista armada
Pior: em uma matéria em que Dantas era desmascarado como autor de documentos comprovadamente falsos, Eurípedes colocou um membro do quarteto ligado a Dantas – Diogo Mainardi – para permitir ao próprio banqueiro fazer sua defesa (clique aqui).
Não era uma entrevista normal. Sua leitura induzia qualquer leitor atento a suspeitar que as perguntas foram formuladas por quem respondeu. Não se deram sequer ao trabalho de utilizar o padrão de formatação da revista para entrevistas ping-pong. É como se Mainardi tivesse ido até Dantas, recebido o questionário preparado pelo advogado, remetido para a revista, que o publicou na íntegra. Nem edição houve.
Cada pergunta levantava uma bola para o banqueiro bater em sua tecla de defesa: a de que seus problemas eram decorrentes de perseguição política – na mesma mat��ria em que se demonstrava que ele próprio recorria a dossiês falsos para achaques.
O nível do ping pong era da seguinte ordem:
POR QUE O GOVERNO QUERIA TIRAR O OPPORTUNITY DO COMANDO DA BRASIL TELECOM?
Porque havia um acordo entre o PT e a Telemar para tomar os ativos da telecomunicação, em troca de dinheiro de campanha.
A TELEMAR ACABOU COMPRANDO A EMPRESA DO LULINHA. POR QUE VOCÊS TAMBÉM NEGOCIARAM COM ELE? ERA UM AGRADO AO PRESIDENTE LULA?
Nós procuramos de todas as maneiras diminuir a hostilidade do governo.
O EX-PRESIDENTE DO BANCO DO BRASIL CÁSSIO CASSEB DISSE AO CITIBANK QUE LULA ODEIA VOCÊ.
Casseb disse também que ou a gente entregava o controle da companhia ou o governo iria passar por cima.
A entrevista, na qual provavelmente a única participação de Mainardi foi a assinatura, terminava apresentandoDantas como vitima de achacadores, e não como quem tinha acabado de produzir um dossiê falso, com o claro intuito de achacar:
"Agora releia a entrevista. Mas sabendo o seguinte: Daniel Dantas cedeu aos achacadores petistas. Ele e muitos outros".
Pelas informações que correram na época, o máximo que Aith conseguiu, como contrapartida ao fato de ter concordado em assinar aquele texto, foi uma matéria na edição seguinte, contando em detalhes como o dossiê chegou à revista: entregue pelo próprio Dantas ao diretor Eurípedes Alcântara (clique aqui). Eurípedes só cedeu à segunda matéria porque percebeu que a falta de limites o colocara na zona cinzenta que separa a legalidade da ilegalidade.
De nada adiantou o escândalo, de nada adiantou saber da capacidade do banqueiro em inventar dossiês. A mídia estava completamente anestesiada. Mesmo com o absurdo dessa matéria, o quarteto de Veja continuou com autorização para matar.
As referências a informações e dossiês de Dantas, ao seu poder ameaçador, passaram a ser freqüentes nas notas de Lauro Jardim e Mainardi.
A ponto de, na semana passada, em seu podcast no site da Veja, Mainardi continuar acenando com dossiês italianos para chantagear críticos. Minha série sobre a Veja estava ainda nos primeiros capítulos, mas já estava claro que Mainardi seria um dos próximos personagens.
No dia 7 de fevereiro passado, coloquei o seguinte post em meu blog:
Do último podcast de Diogo Mainardi:
Clique aqui para ouvir. Ele me relaciona entre os jornalistas "quintacolunistas" e enfatiza por duas vezes a palavra "dinheiro vivo" para se referir às malas de dinheiro da Telecom Itália.
No final do podcast, manda um aviso:
"Da próxima vez, antes de reclamar de mim, lembre-se: teimo em falar sobre o caso Telecom Itália porque ele pode revelar não apenas o destino das malas sujas de dólares, como o jogo sujo de sua escolta de jornalistas".
Esse mesmo recado aparece com destaque na chamada do podcast, no portal da Veja.
O Houaiss descreve assim a palavra chantagem:
"pressão exercida sobre alguém para obter dinheiro ou favores mediante ameaças de revelação de fatos criminosos ou escandalosos (verídicos ou não)".
Do lado de outros grandes veículos, silêncio, complacência, aceitação conformada do estupro semanal a que o jornalismo está sendo submetido.
O post-it de Mainardi
Terminei o capítulo anterior narrando a tentativa de chantagem de Diogo Mainardi, em seu podcast semanal na Veja. Nele, o colunista afirmava dispor de informações que comprometeriam jornalistas, mas não as divulgava. Apenas ameaçava quem se metesse com ele.
Na semana seguinte (atual edição da revista), Mainardi avançaria alguns pontos em sua chantagem Na quinta, em novo podcast que reiterava as ameaças. Ora, se possuía as informações, por que não as divulgava?
Três pontos chamavam a atenção:
Ponto 1 - Dizia que graças ao fato de ter morado na Itália tinha muitas fontes italianas. “Meus sete informantes italianos continuam a me mandar documentos referentes ao processo por espionagem contra a Telecom Italia, conduzido pelo Procurador da República Fabio Napoleone”. Informação falsa.
Para ouvir, clique aqui
Um pequeno detalhe liquidava com sua versão: o post-it do arquivo PDF (chamado de bookmark, anotação que se coloca na barra do documento).
122 - Grampos: De Marco e Angra Partners
Como se sabe, o arquivo PDF pode ser editado, mas as alterações ficam registradas. No caso do relatório, alguém pegou partes do inquérito (que é sigiloso), scaneou e imprimiu.
Fez mais. Anotou os comentários dos principais trechos com a ferramenta. Depois, eliminou todos os bookmarks, mas esqueceu um: aquele que indicava, na página 122, "Grampos - De Marco e Angra Partners", no mais puro português do Brasil. Nas "Propriedades do Documento" havia as informações de que ele fora criado em 21 de janeiro de 2008 e modificado em 22 de janeiro - antes da data que Mainardi informava tê-lo recebido.
É evidente que não era nenhuma das "sete fontes italianas" que enviara a documentação para Mainardi, mas uma fonte brasileira. Por que a insistência em mentir sobre a origem da fonte?
Por que todas as indicações são de que sua fonte é Daniel Dantas - o mesmo Dantas que, quando foi desmascarado o dossiê falso sobre as contas fantasmas, Mainardi foi incumbido de acudir (clique aqui).
Pior: os grampos eram em cima de adversários de Dantas. Logo, as vítimas eram os adversários de Dantas, não o banqueiro. Quem encaminhou o arquivo para Mainardi deixou escapar não apenas o post-it como a informação. Mainardi obviamente nem leu o cartapácio: limitou-se a se deixar cavalgar.
(O arquivo pode ser encontrado no seguinte link, indicado na coluna dele, na última Veja (clique aqui). Para evitar alguma mudança no documento original, baixei o arquivo e o coloquei em outro endereço (clique aqui).)
Ponto 2 - “Assim que os documentos chegam aqui em casa, eu os encaminho à magistratura brasileira.. Se o Brasil tem uma saída, só pode ser através das leis”. A troco de que um jornalista ou para-jornalista recebe informações e, em vez de divulgá-las, as encaminha ao judiciário? Isso é papel de advogado. Tenho algumas hipóteses que analisarei no próximo capítulo.
Ponto 3 - Mencionava o fato do empresário Luiz Roberto Demarco ter recebido US$ 1 milhão. E dava detalhes da conta que mantinha em Miami, em nome de um sócio, e que teria recebido US$ 100 mil.
Lembrava as relações de Demarco com fundos e imprensa. Sugere, obviamente, que parte desse dinheiro veio para a imprensa. Mas não ousava uma acusação, nomes, detalhes, nada. Também será analisado no próximo capítulo.
Finalmente, dizia que o nome do Presidente da República tinha sido mencionado no inquérito.
Guarde essas informações, por enquanto. Para melhor facilitar o entendimento, antes de avançar na análise vamos a uma pequena coleção de episódios jornalísticos, para explicar didaticamente - como estudo de caso - como ocorre a manipulação da notícia no mundo das disputas jurídico-empresariais.
Imprensa e Judiciário
Um dos pontos principais do manual de guerrilha nas disputas corporativas, é o uso das notícias como ferramenta auxiliar – seja para “assassinar reputações” ou "plantar" matérias para influenciar (ou fornecer álibis) para as sentenças dos juízes.
Episódio 1: o caso Lauro Jardim
Em agosto de 2000, por exemplo, os advogados dos fundos de pensão, liderados pelo ex-presidente da CVM (Comissão de Valores Mobiliários) Francisco da Costa e Silva, conseguiram realizar uma Assembléia Geral Extraordinária (AGE) do CVC-Opportunity – o fundo que controlava a Brasil Telecom. Foi a primeira vez que isso ocorreu, apesar de parte relevante do capital do CVC ser dos fundos.
Com o controle da AGE, os fundos indicaram o advogado Fernando Albino para presidi-la. Albino autorizou que Costa e Silva retirasse as atas e documentos do CVC, para que pudesse xeroca-los. No dia seguinte, os documentos foram devolvidos, tudo de acordo com a lei e com as decisões da AGE.
A resposta de Dantas foi imediata, através da revista Veja.
Trombadas e trombadinhas
São cada vez menos elegantes as ações de certos advogados em defesa de seus clientes. Na semana passada, depois de uma tensa reunião entre os fundos de pensão e o banco Opportunity – que andam se estapeando em público há meses –, Francisco da Costa e Silva, advogado da Previ e ex-presidente da CVM, surrupiou a ata do encontro e se mandou. Supõe-se que ele saiba que o que fez é proibido pela legislação.
A nota saiu na edição de 16 de agosto de 2000 (clique aqui). Seção: Radar. Colunista: Lauro Jardim, o mesmo jornalista que aproximou o quarteto de Veja de Dantas.
Costa e Silva precisou enviar e-mail para cada um de seus clientes, para reduzir o estrago provocado pela nota. Mandou uma carta de esclarecimentos para a Veja - que não foi publicada.
Episódio 2: o caso Attuch-Rocha Mattos
Uma segunda manipulação da imprensa consiste na articulação entre diversos jornalistas, para dar foro de verdade a qualquer boato e, com isso, álibi para uma sentença favorável de algum juiz. Um jornalista divulga o primeiro boato ou notícia, verdadeira ou não, obtida por meios legais ou ilegais. Depois, outros jornalistas cooptados promovem a repercussão, garantindo o álibi para a sentença ou despacho do juiz. Esse modelo foi utilizado várias vezes no decorrer do último ano.
Em 8 de maio de 2002, despacho do notório juiz João Carlos da Rocha Mattos, da Quarta Vara Criminal de São Paulo para o Delegado Ariovaldo Peixoto dos Anjos, Superintendente da Policia Federal em São Paulo determina o seguinte:
“Senhor superintendente,
Pelo presente, encaminho a Vossa Senhoria, em anexo, matérias veiculadas nas edições 242, de 17.04.2002 e 244, de 01.05.2002, da revista “IstoÉ Dinheiro”, ambos os episódios (ilegível) o controle (ilegível) das empresas de telefonia celular Telemig Celular e Tele Amazônia, com menção inclusive a altos funcionários do Banco do Brasil e do Fundo de Pensão Previ, decorrentes de gravações de diálogos telefônicos mantidos entre as partes interessadas, envolvendo, em especial, o presidente da empresa canadense TIW, Bruno Ducharme”.
Matérias jornalísticas semelhantes às mencionadas foram publicadas em outros órgãos de imprensa e, ao menos em princípio, constitui indício de credibilidade dos graves acontecimentos veiculados nas gravações das conversas telefônicas, se não se sabe se teriam ou não sido obtidas licitamente (...)" (clique aqui).
A matéria, em questão, era de Leonardo Attuch. Houve repercussão em alguns outros órgãos de mídia, o suficiente para garantir o álibi para o despacho do juiz.
Rocha Mattos tornou-se, anos depois, um dos símbolos máximos da corrupção do Judiciário em São Paulo. Está preso até hoje.
Episódio 3: o caso Janaína Leite
Esse caso é relevante por estar inserido na atual onda midiática de Dantas. Antes de contar, algumas explicações para facilitar o entendimento de atos e respectivas conseqüências.
Primeiro, entenda qual é o objetivo jurídico do Opportunity quando articula sua rede de colaboradores em torno do inquérito sobre a Telecom Itália, que corre na justiça italiana. A partir daí ficará mais fácil compreender os movimentos de Diogo Mainardi e de outros jornalistas que trabalham de forma articulada em torno do tema.
Houve duas investigações sobre Dantas: uma legal, conduzida pelo Ministério Público e pela Policia Federal, com grampos, quebras de sigilo, tudo ao amparo da lei.
Paralelamente, aqui no Brasil, houve investigações da Telecom Itália – na gestão do cappo Marco Tronchetti Provera, no começo adversário, depois aliado de Dantas. Foram investigações ilegais, criminosas, sem autorização judicial.
É importante não entender a Telecom Itália como uma empresa com continuidade de ação. A empresa passou por vários controladores nos últimos anos. Todos os episódios relatados se referem à era Provera (que já foi afastado do seu comando), que começou combatendo Dantas e terminou se aliando a ele.
O que os advogados de Dantas buscam é a chamada “contaminação do inquérito” – isto é, trazer para o inquérito da PF o inquérito da Telecom Itália e as vinculações brasileiras. Fazendo isso, Dantas se livra. Qualquer juiz considerará que o inquérito se baseou em práticas ilegais. Daí o termo “contaminação”: as ilegalidades da Telecom Itália no Brasil (sob Tronchetti Provera) comprometerão os trabalhos legais da Policia Federal e do MP, porque estarão ambos reunidos no mesmo inquérito. E tudo terminará em pizza.
Insisto: anote bem essas observações, porque ficará mais fácil entender os caminhos que Diogo Mainardi passou a trilhar.
No julgamento de 12/12/2006, a Segunda Turma do Tribunal Federal Regional da 3a Região, acompanhou o voto da relatora – desembargadora Cecília Mello – e exigiu a incorporação do inquérito italiano ao inquérito brasileiro contra o Opportunity.
No seu voto, a relatora sustenta que o argumento dos advogados do Opportunity é que o inquérito da PF teve origem em prova ilícita, gravação de uma conversa entre Ângelo Jannone (chefe dos arapongas italianos) e Tiago Verdial (o português que tinha trabalhado na Kroll).
A desembargadora levou em conta reportagens jornalísticas que, segundo a desembargadora, noticiam “fatos gravíssimos”.
As reportagens são de Janaína Leite, da “Folha” de São Paulo, repórter que ganhou espaço no jornal no longo período, na grande noite que acompanhou a agonia e falecimento do grande reformador do jornal Otávio Frias de Oliveira.
Até então, a área de telefonia e esses embates corporativos eram cobertos por Elvira Lobato – de longe a mais preparada e isenta repórter investigativa da área. De repente, o tema passa para a instância de Janaína Leite.
A matéria mencionada pela desembargadora é de 21 de setembro de 2006 (clique aqui), e diz o seguinte:
Segundo a Folha apurou junto a pessoas que colaboram nas investigações italianas, não está descartada a possibilidade de ramificações do caso acabarem no Brasil, onde a Telecom Italia participa de duas operadoras: a fixa Brasil Telecom e a móvel TIM Brasil.
Reparem no modelo de atuação:
1. A repórter Janaína Leite publica uma matéria dizendo que há probabilidade das investigações sobre a Telecom Itália terem ramificações no Brasil. Diz que a "Folha" apurou.
2. Com base nessa matéria, os advogados do Opportunity pedem que os inquéritos italianos sejam anexados aos da PF. Com isso conseguiriam “contaminar” o inquérito brasileiro.
3. A desembargadora Cecília Mello aprova o pedido, citando como elemento os “fatos gravíssimos” que constam da matéria de Janaína
4. Na semana passada, a Justiça (de Primeira Instância) tomou o depoimento de Rodrigo Andrade, que trabalha para o Opportunity. Pressionado a revelar seus contatos na imprensa, inclusive sob ameaça de prisão, Rodrigo informou que era Janaína Leite.
E, agora, se entra no desfecho desse xadrez. Um trabalho investigativo, conduzido pelos próprios leitores do Blog, permitiram descobrir as seguintes relações entre Mainardi e Janaína.
1. O leitor Aton Fon abriu as propriedades do PDF com o relatório sobre a Telecom Italia, e descobriu a data em que o documento foi preparado: criado em 21 de janeiro e modificado pela última vez no dia 22 de janeiro.
2. O leitor Salles pegou a dica e foi até o blog de Janaína Leite - que já admitiu ter como fonte Rodrigo Andrade, do Opportunity. Lá, ele levantou um post que falava sobre os problemas da Telecom Itália. Endossava todas as hipóteses do Opportunity, mas não mencionava a fonte de suas informações.
O nome do post era estranho: gOOdbOys, assim mesmo, com zero em lugar do O. E foi publicado no dia 21 de janeiro, mesmo dia em que o PDF foi criado.
3. Aí, consultou o texto da jornalista para entender o que vinha a ser esse g00db0ys.
4. Curioso, foi até o relatório sobre a Telecom Itália, indicado por Mainardi na sua última coluna. E o que achou?
A expressão era a mesma do relatório sigiloso sobre a Telecom Itália, inclusive com os zeros em lugar do "0". Janaína tinha se baseado no mesmo relatório de Mainardi.
A rede ajudou a desmascarar a pantomima em torno do relatório que Mainardi garantia ter recebido da Itália.
Orquestração
Não apenas Janaína, mas outros membros da rede se incorporaram à trama. A orquestração era clara.
No dia 11 de outubro de 2006, Diogo Mainardi publicava a coluna "Notícias da Itália", com o seguinte intertítulo (clique aqui ou clique aqui):
"O caso estourou duas semanas atrás. Os promotorespúblicos milaneses descobriram que a Telecom Italia tinha um esquema de pagamentos ilegais a autoridadesbrasileiras. O lulismo realmente ganhou o mundo. Em sua forma mais autêntica:o dinheiro sujo"
Na edição da "IstoÉ Dinheiro" de 4 de outubro de 2006 (da mesma semana), o enviado especial a Milão, Leonardo Attuch, bateu na mesma tecla (clique aqui).
"Caso Kroll: foi armação? Investigação na Itália aponta que políticos e policiais podem ter recebido dinheiro para deflagrar ação contra o grupo Opportunity".
A única diferença é que, para disfarçar sua atuação, Mainardi sempre trata de incluir Lula na história. Poderia lançar um segundo livro, "Lula, Meu Álibi".
Attuch nunca teve esses cuidados.
Hoje em dia, Janaína não mais trabalha na “Folha”. Os demais jornalistas e parajornalista continuam atuantes em seus respectivos órgãos de imprensa.
Esse modelo de articulação advogados-jornalistas ocorreu em todo esse período e continua a ocorrer, mas com novos personagens se incorporando ao círculo.
Como o capítulo está longo, deixaremos os detalhes para o próximo.
Uma dúvida fica no ar. Com todo a movimentação em cima do tema, com a série provocando repercussões no meio jornalístico, empresarial e na própria Abril, por que Mainardi insistiu no assunto, com a sutileza de um "prego sobre vinil"? Tenho hipóteses. A resposta quem tem é ele - e suas fontes.
Lula e meu alibi
Por várias razões, a coluna de Diogo Mainardi, na última edição de Veja, é exemplar para uma análise de caso, sobre a manipulação das notícias para propósitos de disputas empresariais.
Consiste em juntar um conjunto de informações detalhadas (número de contas, de cheques, valores) e compor uma salada, muitas vezes sem lógica, confiando na falta de discernimento dos leitores. Compensa-se a falta de lógica com excesso de detalhes. Depois, se confia que a complexidade do tema impedirá que as afirmações sejam conferidas.
A coluna falava do inquérito que corre na Itália sobre operações fraudulentas da Telecom Itália. Mainardi alegou ter informações reservadas do inquérito. Não as divulgou. Limitou-se a acenar com ameaças a jornalistas que ousassem criticá-lo. Blefou para chantagear.
O centro de suas acusações eram US$ 100 mil recebidos pelo advogado Marcelo Elias – que derrotou Daniel Dantas em um caso rumoroso na corte inglesa. Segundo Mainardi, esses US$ 100 mil teriam sido pagos a Elias, para que distribuísse entre autoridades e jornalistas brasileiros.
O primeiro furo foi a tentativa de atribuir o dossiê a fontes italianas. Conforme você conferiu no capítulo anterior, o bookmark deixava claro que era uma fonte brasileira.
O segundo engôdo foi o álibi para a publicação da coluna. A única justificativa para publicar uma notícia é quando há um fato novo. Mainardi apresentou o dossiê como algo inédito, recém-chegado da Itália. Era notícia requentada. No dia 11 de outubro de 2006, na coluna “Notícias da Itália” Mainardi já havia se referido a esses fatos (clique aqui).
Nessa coluna, um dos parágrafos chamava atenção:
“A Business Security Agency era administrada por Marco Bernardini, consultor da Pirelli e da Telecom Italia. Ele entregou todos os seus documentos bancários à magistratura italiana. Há uma série de pagamentos em favor do advogado Marcelo Ellias: 50.000 dólares em 13 de julho de 2005, 200.000 em 5 de janeiro de 2006, 50.000 em 2 de fevereiro de 2006. De acordo com Angelo Jannone, outro funcionário da Telecom Italia, Marcelo Ellias era o canal usado pela empresa para pagar Luiz Roberto Demarco, aliado da Telecom Italia na batalha contra Daniel Dantas, e parceiro dos petistas que controlavam os fundos de pensão estatais”.
Os tais US$ 100 mil já tinham sido mencionados ali.
No final da coluna, a mesma esperteza de sempre: incluir Lula de alguma maneira, no estilo "prego sobre vinil", para criar o álibi político:
A revista Panorama reconstruiu também um caso denunciado por VEJA: aqueles 3,2 milhões de reais em dinheiro vivo retirados da Telecom Italia em nome de Naji Nahas. Um dos encarregados pelo pagamento conta agora que o dinheiro foi entregue a deputados da base do governo, do PL, membros da Comissão de Ciência e Tecnologia.
Lula se orgulha de seu prestígio internacional. Orgulha-se a ponto de roubar aplausos dirigidos ao secretário-geral da ONU. O caso da Telecom Italia permite dizer que o lulismo realmente ganhou o mundo. Em sua forma mais autêntica: o dinheiro sujo.
Há um vendaval de dinheiro jorrando por várias fontes, da Telecom Itália antes do acordo com Dantas; da Telecom Itália depois do acordo com Dantas; das empresas de telefonia quando controladas por Dantas; das agencias SMPB e DNA, de Marcos Valério, muito dinheiro jorrando de Nagi Nahas. Dinheiro entrando para parlamentares, para políticos petistas e de outros partidos. E para jornalistas.
No acordo celebrado com Tronchetti Provera, por exemplo, Dantas recebeu 50 milhões de euros; Nahas, outros 25 milhões. O dinheiro foi pago a Najas de 2002 a 2006 – 7,2 milhões de euros em 2002, 11,3 milhões em 2003, 6,2 milhões em 2005 e 750 mil em 2006 (página 14 do documento). Provera e Dantas tornam-se aliados justamente em 2005, quando é retomado o pagamento a Nahas (depois de interrompido em 2004). Ou seja, toda atuação de Nahas, a partir de então, é feita obedecendo ao pacto Dantas-Provera.
A matéria de Veja, de 14 de novembro de 2007, limita-se a dizer que a maior parte do dinheiro foi pago a Nahas entre 2002 e 2003 (clique aqui), modo esperto de ocultar que uma boa fatia foi entregue em 2005, no auge da disputa, e quando já tinha sido celebrado o pacto Provera-Dantas.
Em suma, há inúmeros dutos por onde vaza o dinheiro, inúmeros financiadores. Por que a insistência de Mainardi nos US$ 100 mil dólares de Elias e restringir as informações sobre Dantas a meras críticas pontuais, muito mais parecendo manobras de despiste, já que nenhuma trazia informações concretas?
Ora, era sabido que Marcelo Elias era advogado contratado da Telecom Itália. Com ele trabalhavam mais dois advogados, um deles na Inglaterra. Como coordenador das ações, cabia a ele receber o pagamento e remunerar o trabalho da equipe.
Qualquer pessoa com um mínimo de discernimento saberia que, para ações desse tamanho, honorários de US$ 100 mil eram ridículos. Provavelmente Elias ganhou muito mais do que isso apenas como honorários, sem contar o que repassou para os demais advogados, por pagamento de serviço.
Além disso, como especialista em legislação internacional, Elias poderia tranqüilamente receber seu dinheiro em uma offshore, sem ser identificado. Mas preferiu receber em uma empresa registrada, com tudo declarado em seu nome, imposto pago, e registro dos pagamentos feitos para terceiros. Esse tipo de conta – onde o advogado recebe os pagamentos – é chamada de “client account”.
Em seu podcast, Mainardi deu o número da conta e o valor recebido como se fosse fruto de uma investigação sigilosa que tinha identificado um crime. E não passava de um registro normal de pagamento de serviços advocatícios, registrado na contabilidade da Telecom Italia.
Tome-se o caso de Roberto Mangabeira Unger, que cumpria para Daniel Dantas o mesmo papel que Elias para os adversários de Dantas.
Teoricamente, seu trabalho era similar ao de Elias. Cabia a ele coordenar uma equipe de advogados para tratar de um conjunto de ações e pagar os honorários.
Os pagamentos foram efetuados em nome dele e de The International Strategies Group, em uma "client account". Em 2005 foram US$ 900 mil dólares. Nos anos anteriores, mais US$ 1 milhão. Se juntar tudo, a conta aumenta substancialmente. Parte desse dinheiro era para remunerar advogados da equipe - tal e qual Elias, tudo legalizado, só que em valores muito maiores.
Mas havia muito mais. Na relação de pagamentos da Brasil Telecom (sob o comando de Dantas) a advogados, contam pagamentos de R$ 8,5 milhões a Antonio Carlos de Almeida Castro, o notório Kakai, advogado de Brasília, com vinculações políticas óbvias. Desse total, R$ 5 milhões foram para uma causa da qual ele não tinha sequer procuração. O advogado Roberto Teixeira recebeu quase R$ 1 milhão; R$ 1 milhão para Oliveira Lima, atual advogado de José Dirceu.
Tudo isso sem contar quantias elevadas colocadas em assessorias de imprensa.
Só a FSB, assessoria de imprensa, tinha quatro contratos, um de R$ 30 mil mensais; outro de R$ 400 mil por ano, no total quase R$ 1 milhão, sem nenhuma evidência de serviço prestado. Muitas e muitas assessorias receberam somas milionárias muito mais do que os honorários normais de mercado. Para onde ía esse dinheiro?
Esses dados constam de processos na Justiça, em que a Brasil Telecom pede ressarcimento dos valores pagos. Na ação sobre gastos com assessorias de imprensa, lê-se:
Eurípedes e Mainardi poderiam alegar desconhecimento sobre esses universo de relações com advogados e jornalistas? Poderiam, em tese.
Acontece que, depois da primeira coluna de Mainardi, em 2006, o advogado Elias encaminhou carta protocolada a Eurípedes dando-lhe ciência de todos os honorários pagos pela Brasil Telecom (sob a gestão Dantas) a esses advogados. A desproporção de valores era enorme, em relação aos tais US$ 100 mil que teriam sido utilizados para corromper políticos e jornalistas.
De 9 de outubro de 2006, a carta de Elias trazia todos esses dados, com profusão de detalhes. Mostrava os honorários pagos a Oliveira Lima, Kakai, Nélio Machado, Wilson Mirza, Torjal, Teixeira, Ferreira Serrano & Renault (clique aqui).
Se a guerra de Mainardi era contra Lula, por que razão não divulgou esses nomes? Porque, na outra ponta, apareceria Daniel Dantas.
Não era possível mais o álibi da ignorância ou a síndrome do “boimate” – de supor que US$ 100 mil são suficientes para comprar a República.
O compromisso do jornalista é com os fatos. Os fatos foram colocados em suas mãos, em carta protocolada. O diretor de redação e seu colunista esconderam a carta embaixo do tapete e continuaram repetindo as mesmas afirmações (desmentidas). E Eurípedes garantindo a Roberto Civita que todas as afirmações eram fundamentadas. Era muita coisa para que Roberto Civita pudesse alegar desconhecimento.
E ambos usando dados falsos para intimidar jornalistas. A crença era de que, com o pacto de silêncio da mídia em torno do tema, com nenhum veículo se animando a denunciar esse esquema, todos os que fossem atacados ficariam intimidados pela falta de espaço para se defender.
Não se deram conta do fenômeno da Internet.
Indícios de fraude
No domingo, quando publiquei o Capítulo sobre esse suspeito dossiê italiano, cujo link estava na coluna de Mainardi, alguns leitores fizeram o download, analisaram o documento e ajudaram a reforçar as suspeitas de fraude. A primeira análise foi do leitor João Alcântara, que se apresentou como juiz de direito aposentado:
1) O documento não tem começo nem final. O documento tem duas numerações. Uma, aparentemente a numeração oficial do inquérito. Outra, uma numeração específica do documento. Por exemplo, a primeira página tem o número 1 (que é do dossiê entregue a Mainardi) e o número 136 (que provavelmente é do inquérito da polícia italiana). Significa que foram escondidas as 135 primeiras páginas do inquérito original. O que continham?
2) A diferença da numeração no inicio do arquivo é de 135 paginas. Já no final �� de 140, indicando que foram suprimidas 5 paginas, sem motivo algum. Entre a penúltima e a última página estão faltando a 317 e 318.
3) Depois, a numeração do documento vai até a página 75 (que corresponde à página 210 do documento original). A partir daí, acaba a numeração original. É um claro sinal de que alguma coisa, que não interessava, foi suprimida do documento original.
4) É só conferir a página 97 do documento. Começa a falar de Motta Veiga (o principal contato de Dantas com a mídia) e, de repente, acaba.
Há indícios fortes de que Mainardi divulgou intencionalmente uma fraude.
Os mais vendidos
Ao longo dos últimos anos, duas vertentes determinaram o aprofundamento da deformação editorial da revista Veja. No comando, Eurípedes Alcântara e suas coberturas estranhas; nas entranhas, Mário Sabino, incumbido de coordenar a brigada dos "assassinos de reputação".
Eurípedes, que passou a transitar pelo mundo da política e dos negócios sem dispor de conhecimento mais aprofundado, é altamente agressivo, jornalisticamente limitado, porém habilidoso para disfarçar tanto a agressividade quanto as fontes das coberturas. Seus braços na revista são Lauro Jardim e Diogo Mainardi.
Já Sabino é o truculento, uma espécie de cão de guarda feroz, sem escrúpulos nos ataques a terceiros, praticando cotidianamente o ritual da maldade, com uma agressividade quase pornográfica que se propaga por seus três alter egos: Sérgio Martins, Jerônimo Teixeira e Reinaldo Azevedo.
Guarde por ora essas informações e nomes, enquanto tentamos entender melhor o desastre que foi o fenômeno Sabino para a Veja.
O caráter jornalístico
Há duas características do jornalismo que ajudam a legitimá-lo. Primeiro, investir contra qualquer ameaça de super-poder. Quando quer fuzilar algum personagem público, um dos expedientes mais utilizados pela mídia é superestimar o poder do alvo. Nas sociedades democráticas, a criação do super-poder (ou do mito) é suficiente para mobilizar a opinião pública contra ele.
Uma derivada do princípio anterior, é a denúncia de qualquer forma de utilização indevida dos poderes conferidos. É por isso que denúncias sobre pequenas mordomias ecoam quase tanto quanto aquelas sobre grandes escândalos.
Obviamente, quem denuncia não pode incorrer nesses vícios.
No entanto, esses dois princípios fundamentais foram atropelados de forma impiedosa por Sabino, como se verá a seguir
O Mais Vendido
A seção “Mais Vendidos” é uma instituição da Veja. Criada nos anos 70, se tornou o principal referencial de vendas de livros no país. Aparecendo na lista, aumentam as encomendas do livro e as livrarias passam a colocá-lo em lugar de destaque em vitrines e estantes. Há um ganho efetivo – intelectual e financeiro – em aparecer na relação.
Um dos textos mais agressivos de Veja foi o comentário “O mais vendido”, referindo-se ao jornalista Leonardo Attuch. Veja ainda estava na fase dos ataques a Dantas – que precedeu o grande pacto.
Attuch escreveu o livro “A CPI que abalou o Brasil”. O livro entrou para a lista dos mais vendidos. Depois, descobriu-se que a Editora Siciliano, que lançara o livro, havia inflado os dados de venda incluindo livros em consignação.
A resposta de Veja, ao estilo Sabino (embora internamente se atribua o texto a Eurípedes) foi de uma virulência desproporcional (clique aqui para ler a íntegra):
O mais vendido
Investigado pela Polícia Federal por atividades ilícitas, o negociante de notícias Leonardo Attuch está envolvido em uma nova fraude.
Attuch processou a revista e ganhou.
Depois de qualificar Attuch como “quadrilheiro” e “vendido”, o quarteto de Veja se aproximou dele, compondo a grande frente em defesa de Dantas na mídia. Mas isso �� tema para outro capítulo.
Continuemos com os “Mais Vendidos”.
No dia 10 de março de 2004, o romance de estréia de Mário Sabino – “O Dia em que Matei Meu Pai”- foi resenhado na Veja (clique aqui). A resenha foi de responsabilidade do jornalista Carlos Graieb, repórter da revista e subordinado a Sabino. Era algo impensável, vetado por qualquer código de ética escrito ou tácito, que um subordinado fosse incumbido de resenhar um livro do chefe.
Um leitor me informa:
Todos os anos, no mês de dezembro, sai a lista dos “Livros do Ano” do "The Economist". A posição da revista quanto ao tratamento dado à obra de seus talentos internos, está resumida nas seguintes linhas: "Nossa política é não resenhar livros escritos pela nossa equipe ou por colaboradores habituais, por que os leitores poderiam duvidar da independência dessas resenhas".
Na resenha que Graieb fez do livro de seu chefe, no entanto, os elogios eram derramados:
"Dois tipos de sedução aguardam o leitor de O Dia em que Matei Meu Pai (Record; 221 páginas; 25,90 reais). Primeiro, a sedução do bom texto literário, à qual ele pode se entregar sem medo. O romance de estréia do jornalista Mario Sabino, editor executivo de VEJA, é daqueles que se devoram rápido, de preferência de uma vez só, porque a história é envolvente e a linguagem, cristalina. Sabino possui atributos fundamentais para um ficcionista, como o poder de criar imagens precisas: em seu texto, ao ser atingido pelas costas um personagem não apenas se curva antes de desabar; ele se curva como se fosse "para amarrar os sapatos"".
A resenha destaca a passagem mais marcante do livro, um diálogo do personagem com o psicanalista, à altura de uma cena hamletiana:
"A certa altura, ele grita para sua analista: "Não quero saber de interpretações. Faça-as longe de mim, e sem a minha colaboração. De que elas servem, meu Deus? Você, aqui, não passa de coadjuvante, está entendendo? Por isso, não tente ser protagonista por meio de suas interpretações"".
Escrita a resenha, foi encaminhada ao editor responsável pela liberação: o próprio Sabino. Ele conferiu o título, aprovou a foto em que aparece com o ar circunspecto dos grandes autores atormentados, e mandou para a gráfica.
No dia 31 de março de 2004, três semanas após o panegírico, a relação dos livros mais vendidos na categoria “Ficção" era a seguinte:
1o Perdas e Ganhos, de Lya Luft
2o Pensar é transgredir, de Lya Luft
3o Budapeste, de Chico Buarque
4o As Filhas da Princesa, de Jean Sasson
5o Onze Minutos, de Paulo Coelho
6o O Beijo da Morte, de Carlos Heitor Cony e Anna Lee
7o Harry Potter e a Ordem do Fênix, de J.K. Howlling
8o O Rei das Fraudes, de John Grisban
9o Sobre meninos e lobos, de Dennis Lehane
10o Paixões Obscuras, de Nora Robers.
O livro de Sabino não aparecia.
Na edição seguinte, de 7 de abril de 2004, a seção dos “Mais Vendidos” anunciava uma mudança nos critérios de classificação dos livros.
“Da categoria de ficção farão parte apenas romances e coletâneas de contos. Da categoria de não-ficção constarão ensaios e biografias, mas também livros de crônicas, cuja referência principal se encontra no noticiário e no registro de uma realidade mais imediata” Isso acontecerá ainda que o cronista lance mão de recursos ficcionais"
Não fazia sentido. Há um padrão consagrado nas listas e nas premiações de considerar crônicas como Ficção. Segundo o leitor Saulo Maciel, que percebeu essa manobra:
"Um livro de Luis Fernando Verissimo – 100% ficcional –, depois de dois anos na categoria Ficção, passava a ser considerado Não-Ficção, embora o próprio sítio internet de sua editora, a Objetiva, o incluísse na página Ficção. (Recentemente os livros de Verissimo voltaram a figurar, sem explicação aparente, na categoria Ficção). A revista também não explicava por que quatro livrarias haviam sido excluídas da lista de estabelecimentos consultados. (Basta conferir com a edição anterior)"
Quatro livros da categoria “Ficção” foram transferidos para a “Não Ficção”: os dois da campeã Lya Luft, “As Filhas da Princesa”, e um de Luiz Fernando Veríssimo.
Essas mudanças permitiram ao livro de Sabino entrar em 10o lugar na lista, na categoria “Ficção” (clique aqui).
Geralmente o livro entra na relação dos mais vendidos na semana do lançamento, ainda mais após a exposição recebida de Veja. O de Sabino entrava na terceira semana, à custa da mudança de critérios e da exclusão de livrarias pesquisadas.
Mesmo com as alterações nos critérios, o livro não resistiu e sumiu da lista na semana seguinte. Depois, sem muito alarde, voltaram os critérios originais dos "Mais Vendidos".
Pouco tempo depois, Graieb foi promovido.
As mordomias do cargo
Não ficou apenas nisso. Valendo-se do prestígio conferido pelo cargo, Sabino estabeleceu contatos pessoais para “emplacar” o livro. Marcou almoço com Otávio Frias Filho, da “Folha”. Em1986, Sabino havia sido demitido do jornalpor ser considerado muito parcial na edição da página de livros da Ilustrada: defendia seus amigos e atacava impiedosamente os inimigos. Agrediu, por exemplo, o escritor Marcos Rey, chamando-o de "sapo". Como se ele, Sabino, tivesse a fina estampa de um príncipe.
No dia 10 de dezembro de 2003, Sabino fez questão de assinar resenha consagradora do livro lançado por Otávio. Logo após o almoço, Sabino obteve uma resenha elogiosa da "Folha".
Na “Época” recorreu a seu então amigo Luiz Antonio Giron – que, depois, seria alvo de uma tentativa de “assassinato de reputação” no caso dos IPods de Maria Rita -, ganhando mais uma resenha elogiosa.
O uso do cargo em proveito próprio não ficou só nisso.
O caso Record
De 2003 a 2007, Mário Sabino foi namorado da diretora editorial da Record, Luciana Villas-Boas. Houve troca de favores, na época, que provocou ressentimento tanto nas editoras concorrentes como das seções de lançamento de livros de outras publicações.
Entusiasmada com o talento nascente do namorado (ironia da fonte que me relatou a história), durante a Bienal do Livro em São Paulo de 2004 Luciana mandou espalhar outdoors por toda a cidade, vendendo Sabino como a grande descoberta do novo romance brasileiro.
Mesmo assim, tirando resenhas de amigos e subalternos, a repercussão foi quase nula.
Mas, a partir dessa relação, a seção de Livros de Veja passou a dar tratamento diferenciado para a Record – e a Record a dar com exclusividade, para Veja, o anúncio de seus lançamentos mais relevantes. Se a Abril quiser aprofundar, bastará consultar as editoras concorrentes.
A Record se indispôs com todos os demais veículos, ao privilegiar Veja no lançamento de alguns títulos - caso de “Memórias de Minhas Putas Tristes”, de Gabriel Garcia Márquez, que saiu com chamada na capa de Veja, e livros de Lya Luft, com várias exclusividades para a revista. E Veja se indispôs com outras editoras, pelo favorecimento explícito à Record.
Sabino ia conseguindo pavimentar seu prestígio pessoal, à custa desse duplo desgaste, da revista Veja e da editora Record.
A situação tornou-se tão escandalosa, que várias chefes de revistas concorrentes foram tomar satisfações com Luciana.
Mesmo assim, seguiu-se um jogo de troca de favores poucas vezes visto no jornalismo cultural brasileiro. Sabino assinava uma resenha positiva sobre Miguel Sanches Neto. Grato, Miguel fazia uma entrevista laudatória com Sabino e incluía um conto seu na coletânea “Contos para Ler”. O volume era publicado por Luciana Villas-Boas, que conseguia nota bajulatória em Veja.
Mas não se ficou nisso.
Como conta um jornalista do setor, o esquema de divulgação da editora Record segue uma velocidade de McDonald's. Ela lança um livro por dia, e não dá atenção aos autores por muito tempo. Mas Sabino mereceu tratamento vip: al��m dos outodoors, seus livros passaram a ser oferecidos no Exterior, graças ao empenho pessoal de Luciana e à enorme enorme influência da Record, maior editora brasileira.
O segundo livro de Sabino, “O Antinarciso” foi resenhado pelo escritor e médico gaúcho Moacir Scliar.
Na edição de 11 de maio de 2005, o romance “Na Noite do Ventre, o Diamante”, de Scliar, mereceu resenha elogiosa de Jerônimo Teixeira (clique aqui), subordinado de Sabino.
Duas edições depois, em 25 de maio de 2005, Scliar resenhou o livro de contos de Sabino (clique aqui). Scliar é um escritor sério. Mas não havia nenhuma possibilidade de uma resenha negativa.
No fecho da resenha, Scliar chamava a atenção para o título “O Antinarciso”, que não sai de nenhum dos contos:
"A esse narcisismo cego, que barra as possibilidades afetivas dos personagens, é que se contrapõe o olhar atento do autor antinarciso. E também se opõe à tentação que assalta muitos escritores contemporâneos – de girar em torno ao próprio umbigo, de fazer do pronome "eu" a palavra mais importante da literatura. Os contos de Mario Sabino mostram que a subjetividade só tem sentido quando está a serviço do entendimento, quando funciona como um sensível sismógrafo capaz de captar as vibrações da alma".
O compadrio na literatura
O “compadrio” no meio editorial é conhecido. No início daquele ano, um jornalista cultural anotou o seguinte sobre as "orelhas" de livros:
“Longe de serem acessórios dispensáveis a um bom livro, introduções ou orelhas assinadas são com freqüência moeda de troca do compadrio literário. O autor do elogio confirma seu prestígio cultural e ainda ganha um troco das editoras. O escritor elogiado recebe um empurrãozinho na carreira. Só perde o leitor ingênuo, que acredita no aval dos medalhões literários”.
A matéria "Pagos para elogiar" era da própria Veja, em 26 de janeiro de 2005, assinada por Jerônimo Teixeira (clique aqui). Era maldosa, ao estilo Veja, escrita especificamente para atingir Luiz Fernando Veríssimo e Carlos Heitor Cony.
Mencionava genericamente pagamentos por "orelhas", depois levantava algumas "orelhas" assinadas por Luiz Fernando Veríssimo e Carlos Heitor Cony – adversários ideológicos. Não havia uma prova sequer que teriam “vendido” os comentários – ao contrários dos resenhistas de Veja, que eram remunerados quando teceram loas a Sabino.
Mas, dentro do estilo malicioso da revista, ficava a insinuação.
A matéria valia pela lição de Veríssimo, sobre a arte de elogiar um trabalho que não entusiasma:
"A única arte, ou dificuldade, é escrever algo favorável sobre um trabalho que não entusiasma sem parecer condescendente ou falso. Em geral, isso é feito para ajudar alguém que está começando."
Grande escritor, na resenha de "O Antinarciso" Scliar deu uma demonstração soberba de como escrever algo favorável de um livro que não o entusiasmou, como a "orelha" escrita para um amigo iniciante:
"Com uma apurada economia de linguagem, seus textos mergulham, em sua própria expressão, no "buraco negro" em que cada personagem esconde não só sua miséria, mas também sua grandeza.”
(...) "Em alguns casos, a narrativa se resume a um diálogo, forma que o autor maneja com agilidade e objetividade – basta ver Miserere, surpreendente conversa entre um ser que se julga culpado e um interlocutor que detém um poder infinito".
(...) "Em Da Amizade Masculina, a ligação entre dois colegas de uma faculdade de filosofia serve para um exame da natureza do relacionamento entre homens"
(...) "A esse narcisismo cego, que barra as possibilidades afetivas dos personagens, é que se contrapõe o olhar atento do autor antinarciso" .
(...) "Os contos de Mario Sabino mostram que a subjetividade só tem sentido quando está a serviço do entendimento, quando funciona como um sensível sismógrafo capaz de captar as vibrações da alma".
O antinarciso
O levantamento das mudanças na lista dos “Mais Vendidos” foi publicado por Saulo Maciel em 2005, no Observatório da Imprensa. Passou despercebido.
Semanas atrás, quando republiquei seu artigo no meu Blog, Sabino decidiu se valer de Reinaldo Azevedo - blogueiro do portal da Veja, contratado e comandado por ele.
Subordinado a Sabino, tratando-o com um temor reverencial, Azevedo resolveu "espontaneamente" solicitar-lhe um artigo, para que pudesse falar de seu próprio valor literário.
O “pedido” de Azevedo é um marco do jornalismo bajulatório; a resposta de Sabino um marco do jornalismo auto-laudatório. Juntando as duas partes, se terá o quadro mais expressivo, até agora, das deformações que passaram a fazer parte do ambiente interno da revista, refletindo-se inevitavelmente em seu conteúdo. Leitores mais argutos, aliás, perceberam que os dois textos - o do "pedido" e do "aceite" - tinham estilos muito semelhantes, praticamente idênticos.
De Reinaldo Azevedo ou de seu ghost-writer:
“Vejam só: sou um pouco mais briguento do que algumas pessoas com as quais convivo. Por mais que certos ataques sejam de impressionante vileza, de uma estupidez ímpar, acabam ganhando a rede e são usados como instrumento de luta pela Al Qaeda eletrônica. E precisam ter uma resposta. Uma resposta dada às pessoas de bem, não aos terroristas. Mario Sabino, redator-chefe da VEJA, tem sido alvo de uma impressionante baixaria. Por isso, eu o convidei a escrever um texto para o blog. E pedi: “Gostaria que fosse um testemunho, na primeira pessoa mesmo". Acabamos combinando que ele me mandaria um e-mail, que eu publicaria se achasse conveniente.
Trata-se de um jornalista brilhante — nem quem eventualmente o detesta lhe nega isso — e de um escritor formidável, além de bem-sucedido. Certos círculos têm horror à competência”.
Estava falando do próprio chefe. Mas como um bom seguro não faz mal a ninguém, do nada Azevedo estendia seus elogios ao diretor de redação da “Folha”, Otávio Frias Filho:
"Em 2003, resenhei, por exemplo, ainda na revista Primeira Leitura, o excelente livro Queda Livre, de Otavio Frias Filho. Gostei tanto da resenha, que a publiquei em Contra O Consenso, uma antologia de artigos meus. Aponto ali que os livros de Otavio costumam ter uma recepção fria da crítica por ele “ser quem é, não por escrever como escreve”. Explico-me: ofende certa mentalidade escrava o fato de o diretor de redação (e dono) da Folha ser também um dos melhores textos do país.
Ah, não. Não estava procurando emprego. Se estivesse, acho que Otavio não me contrataria se o preço fosse uma resenha favorável (...) Um petralha vagabundo (pleonasmo) enviou-me um comentário: “Aí, hein?, puxou o saco do Otavio no seu livro, mas ele acham você um lixo, ka, ka, ka” (esse “ka, ka, ka” é como estranhamente representa graficamente o que suponho ser sua risada).
Vou fazer o quê? Descobrir defeitos no texto de Otavio porque um articulista seu decide me atacar de modo boçal, rasteiro? Arrepender-me? Ah, não! Esse não sou eu. O mundo em que vivo é feito de outras qualidades. Que eu saiba, Otavio prepara um novo livro, que aguardo com muito boa expectativa."
Um desrespeito amplo, quase uma proposta de suborno, como se a lisonja ajudasse a calar críticas contra o Blog, que começavam a aflorar de colunistas da "Folha".
Tudo isso no site da Veja, como parte do seu conteúdo editorial.
Sobre esses círculos de adulação, capaz de chocar qualquer pessoa com um mínimo de caráter ou pudor, escreverei em outro capítulo.
Interessa, neste momento, a resposta de Sabino, o autor de “O Antinarciso”, o escritor que, segundo Scliar, se opunha
“à tentação que assalta muitos escritores contemporâneos – de girar em torno ao próprio umbigo, de fazer do pronome "eu" a palavra mais importante da literatura”.
"Reinaldo, caro,
Com o risco de parecer cabotino, o fato é que sou um autor bem-sucedido. Tenho dois livros publicados, o romance O Dia Em Que Matei Meu Pai, de 2004, e um de contos, O Antinarciso, de 2005. Antes de lançar o romance, mostrei-o a Raduan Nassar, que deu duas sugestões — acatadas — e me fez elogios. Disse que eu era um narrador "brilhante", adjetivo do qual, vindo de quem veio, muito me orgulho. Poucas pessoas têm conhecimento disso. Só o revelo agora por causa dos insultos que ando recebendo. O livro vendeu, no Brasil, cerca de 4 500 exemplares, uma marca, como você sabe, acima da média nacional. Não precisei mendigar críticas positivas, ao contrário do que espalham os inimigos de VEJA. Ele foi elogiado na Folha, no Estado, no Globo, na Bravo! e outras publicações especializadas, como o jornal Rascunho, de Curitiba. Até a revista Época, concorrente de VEJA, brindou-me com uma resenha elogiosa, escrita por Luís Antonio Giron"
Até os menos argutos perceberam a esperteza de atribuir as revelações aos "inimigos de Veja". Era apenas uma tentativa canhestra de se esconder atrás da blindagem. Quando se valeu do cargo para benefício pessoal, seguramente Sabino não estava defendendo os interesses de Veja. Até hoje, aliás, Giron lamenta seu momento de simpatia pelo livro. Fez o elogio, foi alvo de um ataque baixo da revista. Depois, seu nome foi utilizado para avalizar o algoz. Sobre o fato do livro ter sido resenhado por um subordinado que, na seqüência, foi promovido, a explicação de Sabino era de um simplismo atroz:
"O livro recebeu uma bela resenha em VEJA, escrita por Carlos Graieb, um profissional honrado, tradutor de Emerson e ex-editor de Opinião do Estadão. O livro foi passado a Graieb pelo diretor de redação, Euripedes Alcântara. O que sei é que Carlos Graieb leu e gostou. Ele foi promovido depois? Foi, mas não por causa da resenha positiva, como afirmou um detrator da revista. A promoção já estava acertada muito antes de eu publicar o meu livro. Seu desempenho extraordinário como editor de Artes e Espetáculos justificou a ascensão. VEJA chegou ao posto de quarta revista semanal do mundo porque, em sua redação, vigora a meritocracia, não o compadrio".
Sabino prosseguia o inacreditável libelo do “antinarciso”, explicando o sucesso do seu romance:
"O romance está fazendo uma carreira internacional, se me permite o adjetivo, estupenda. Já foi publicado em Portugal e Itália" .
“O Antinarciso” fez carreira mais modesta. Culpa de quem? Dos petistas.
"O Antinarciso foi finalista, ainda, do Prêmio Portugal Telecom em 2006. Apesar de chegar à final, houve boicote dos jurados. Como sei? Um deles, do qual declino o nome por razões óbvias, contou à editora Record que boa parte dos jurados, petistas ou simpatizantes havia concluído que "para alguém da direita, o Sabino já havia ido longe demais. Um editor da VEJA não pode ganhar o prêmio". Obviamente, não compareci à entrega. Sou péssimo ator. Tudo bem, não ligo para o boicote, mas é um desaforo me acusarem de manipulador. Quem manipula são eles".
Se entrar no site da Amazon e clicar "Luís Nassif", aparecerão o CD "Roda de Choro", relançado alguns anos atrás, e meus livros "O Menino de São Benedito" e "Os Cabeças de Planilha". Não ousaria dizer que nenhum deles foi sucesso internacional, nem mesmo nacional, apesar do primeiro ter sido finalista da categoria Conto/Crônica, do Prêmio Jabuti. Hoje em dia, provavelmente está fora de catálogo, mas continua aparecendo na Amazon. Não é prova de qualidade, mas comprovação de que a Amazon oferece todo tipo de livros.
Se clicar o nome de Mario Sabino, aparecerão três menções: uma ópera de Verdi (que nada tem a ver com ele), uma pornochanchada (presumo que não), e seu livro "O Antinarciso", edição brasileira. Nenhuma obra em outra língua.
Sobre a manipulação da lista de Veja, Sabino envereda por um contorcionismo extravagante:
"Quanto aos livros que, naquele momento, passaram a ser considerados "não-ficção", qualquer pessoa alfabetizada que os abrir verificará que fizemos o certo. Aliás, é comum que as livrarias forneçam à imprensa listas em que trocam os livros de categoria, como sabem os profissionais encarregados de fazer as tabulações nos jornais e nas revistas. Esses ajustes, pelo menos em VEJA, são freqüentes. Se não me engano, meu romance, na ocasião em que foi lançado, vendeu, na primeira e segunda semanas, 300 e 250 livros, respectivamente. Foi o bastante para pegar o último lugar na lista de ficção, numa única semana. Convenhamos que, como manipulador, sou um desastre."
Foi um desastre como autor. A manipulação ocorreu, ocorreram os favores de amigos, o acordo com a Record que garantiu campanha de outdoor nas ruas. E nem assim o livro emplacou. Em nenhum momento informou em que outra ocasião os critérios dos Mais Vendidos foram alterados.
No artigo publicado, Sabino informava ter expurgado a livraria Nobel da lista porque ela estava fornecendo números errados.
"Em 2004, por ocasião do lançamento do meu romance, descobrimos que a livraria Nobel inflava os números..."
Mas o post de Saulo Maciel não mencionava a Nobel, mas outras livrarias que misteriosamente desapareceram da lista de uma semana para outra: a Livraria Porto, de Porto Alegre; as livrarias Leitura de Brasília e Belo Horizonte; a Livraria Catarinense, de Florianópolis; e a Livraria Curitiba, de Curitiba.
Duas coisas chamavam a atenção. Uma, a falta de limites em colocar seu cargo a serviço de seus interesses pessoais, inclusive comprometendo uma das instituições de Veja, a lista dos "Mais Vendidos". Mas isso é problema de Roberto Civita.
A segunda, o fato de Sabino julgar que o nível raso de seus argumentos poderia convencer qualquer leitor medianamente informado de que não houve manipulação. Como explicar que esse nível primário de argumentação, em um texto quase tatibitate, pudesse ser de um "jornalista brilhante — nem quem eventualmente o detesta lhe nega isso", nos dizeres de seu subordinado, Azevedo?
Tudo isso passou incólume no jornalismo impresso por que, a esta altura, a imprensa estava contaminada por um fenômeno que, na França, foi batizado de "Os novos cães de guarda": a montagem de grupos de auto-promoção, com um exercício tão ostensivo de agressividade gratuita (contra os de fora) e de lisonja (para os poderosos), de auto-promoção escandalosa, que amordaçava a mídia. Mas era impossível passar despercebido dos formadores de opinião, aqueles cujo consenso, a médio prazo, ajuda a consagrar ou a tirar a credibilidade de publicações.
Esse processo de compadrio, de colocar a revista a serviço da promoção pessoal, a linguagem chula, os ataques gratuitos, marcas do estilo Sabino, trouxeram mais desgaste à Veja do que as coberturas estranhas de negócios empresariais.
A imprensa e o estilo Dantas
Conforme fartamente demonstrado nos capítulos anteriores, antes de fechar com Dantas a direção da Veja o tinha em conta como alguém que comprava reportagens, fabricava dossiês falsos e subornava jornalistas.
No capítulo “Os Primeiros Ataques a Dantas” e “O dossiê falso” esmiuço as sucessivas denúncias de Veja antes de ser cooptada pelo banqueiro. Qual a lógica que leva uma revista a se associar a um empresário que, segundo ela mesmo, espalha dossiês falsos, compra reportagens e jornalistas? Há muitas explicações para isso, nenhuma boa, do ponto de vista jornalístico.
Essa atuação da revista, no entanto, era apenas a ponta final de uma linha de operação que passava por várias instâncias antes de desembocar nos dossiês e informações repassadas ao quarteto de Veja.
O jogo fica mais claro quando se começa a penetrar no mundo de Dantas e a entender melhor a linha de montagem preparada para suas guerras empresariais.
Nelson Tanure ganhou rios de dinheiro entrando em ações judiciais que tinham por único objetivo criar dificuldades para a concretização de algum negócio. Com a lentidão da justiça brasileira, as partes envolvidas achavam mais barato pagar para se ver livre das ações. Caso típico foi a compra do Banco Boavista pelo Bradesco.
A partir das lições de Tanure, Dantas percebeu que ações judiciais, matérias na imprensa, com espionagem, dossiês falsos, faziam parte de uma mesma estratégia, portanto deveriam estar sob um mesmo comando.
Assim, montou uma estrutura de lobby interna, com os diversos elos das disputas empresariais sob o comando de Humberto Braz, diretor corporativo da Brasil Telecom no período em que Dantas esteve no comando da companhia.
Braz integrava e comandava os trabalhos jurídicos (legais e de lobbies), os contatos com espionagem (da Kroll a jornalistas infiltrados no meio), a cooptação de publicações e jornalistas, através do controle das verbas publicitárias e da contratação de assessorias de imprensa incumbidas de atrair jornalistas para o esquema Dantas.
Grosso modo, se poderia desenhar assim o organograma da operação.
Vamos nos fixar na parte jornalística, que é objeto dessa série, e já é dor-de-cabeça o suficiente.
No campo da mídia propriamente dita, a coordenação de Humberto Braz consistia dos seguintes movimentos:
• Agências de Publicidade: não apenas opinava sobre as campanhas da Brasil Telecom, quando sob controle de Dantas, como dava a última palavra nas campanhas da SMP&B e DNA (de Marcos Valério), que eram agências da Telemig Celular e da Amazônia Celular.
• Mantinha contratos formais com sites de informação.
• Tinha contratos polpudos, muito acima dos preços de mercado, com assessorias como FSB e Andreolli, I. Em muitos casos (como a FSB), não havia nenhum relatório de serviços prestados. Pelos valores envolvidos, havia suspeitas de que, por trás de algumas delas, poderiam se esconder jornalistas profissionais militando na mídia.
• Mantinha contato com a Kroll e com jornalistas ou empresários do setor incumbidos do trabalho de informação e espionagem.
O modo de operação obedece a um padrão.
1. Montagem de dossiê, para a qual, além da Kroll, Braz conta com as próprias assessorias de imprensa, além de outros personagens que serão mostrados no decorrer deste capítulo.
2. Depois, o lobista passa as informações para o jornalista cooptado, mastigadas e com a receita pronta sobre como manipulá-las. Nos capítulos "O Post-It de Maianardi" e "Primeiros serviços" descrevo em detalhes em que consistia esse sistema de manipulação das informações.
3. O jornalista publica sem mencionar a fonte, ou mentindo sobre sua origem (caso recente de Diogo Mainardi sobre o dossiê da Telecom Italia).
4. Outros jornalistas, cooptados, repercutem a denúncia.
5. O lobista faz um apanhado do conjunto de informações e agrega ao processo (quando for o caso), como se viesse de fonte neutra.
6. Finalmente, o uso das agências de publicidade para "adoçar" a boca das publicações.
É nesse ambiente de atuação do lobby de Dantas, que o quarteto de Veja se torna um dos operadores mais audaciosos.
O caso Nassif
Vamos a alguns exemplos práticos de como funciona essa linha de produção de escândalos.
Ao longo de 2003, 2004 em diante, andei escrevendo sobre Daniel Dantas, tentando trocar em miúdos o intrincado roteiro de que se valia o banqueiro para confundir a opinião pública.
Fui alvo de uma tentativa de “assassinato de reputação” praticada por Diogo Mainardi através de duas colunas na revista Veja, em 17 e 24 de agosto de 2005. Como relatei no início da série, foi o primeiro serviço prestado pela revista dentro da nova fase de aliança com Dantas.
Na época em que sofri os ataques, tinha escrito colunas informando que as agências financiadoras do “mensalão” – SMP&B e DNA – trabalhavam para a Telemig Celular e Amazônia Celular, controladas por Dantas.
Anote os ataques de Mainardi e me acompanhe por um passeio pela agenda do lobista Humberto Braz.
Dossiê – Sérgio Thompson Flores é um ex-diplomata que enriqueceu com privatizações e tentou seguir os passos de Nelson Tanure, de entrar na mídia como reforço para manobras de lobby. No começo de 2005, estava montado uma revista e me procurou propondo se associar à Dinheiro Vivo. Me atazanou por um mês, querendo um plano de negócios com os dados da empresa. Depois que recebeu, sumiu com as informações. Na mesma época, foi trabalhar na agência Rodrigo Squizatto. Quando estourou o escândalo Kroll, seu nome apareceu em um CD e ele admitiu que trabalhava para a Kroll e seu contato era o português Tiago Verdial.
Thompson Flores reuniu-se com Braz sucessivamente em 11, 15 e 25 de junho, em 2, 6, 9 e 16 de julho de 2004. A Brasil Telecom anunciou na capa da revista durante praticamente todo o ano. Braz reunia-se periodicamente com a Kroll. Provavelmente vem daí a origem do "dossiê" manipulado por Mainardi.
Jornalista –o passo seguinte era encontrar o jornalista “sela”. Conforme relatado nos primeiros capítulos, a cooptação da Veja se dá em meados de 2005, assim como a transformação de Mainardi de parajornalista em agente do lobby. O primeiro serviço prestado foi ele me atacando.
Publicidade – apesar de presidente da holding da Brasil Telecom, Braz dava a palavra final para todas as campanhas preparadas pelas agências SMP&B e DNA, de Marcos Valério. Por exemplo, reúne-se com Marcos Valério e Christiano Paz nos dias 21 e 22 de junho de 2004, 13 e 22 de julho de 2004 e 5 de agosto de 2004.
É de Humberto Braz a autorização final para a veiculação de 12 páginas de publicidade na revista Veja, seis em cada uma das duas edições contendo os ataques de Mainardi. Ou seja, enquanto denunciava a plenos pulmões o "mensalão", Veja recebia 12 páginas das empresas do "mensalão", aparentemente como contrapartida pelo ataque combinado com seu colunista para desviar a atenção sobre as fontes de financiamento do "mensalão".
O caso Márcia Cunha
Vocês se recordam do capítulo “O Caso Edson Vidigal”, onde se narrava a tentativa de “assassinato de reputação” pela Veja em cima do então presidente do Superior Tribunal de Justiça, por ter confirmado a sentença que apeou o Opportunity do comando da Brasil Telecom. Foi na edição de 21 de setembro de 2005.
Em 13 de abril de 2004, os fundos e o Citigroup propuseram uma ação para anular o chamado contrato guarda-chuva (que conferia plenos poderes ao Opportunity para gerir as empresas de telefonia).
Em maio de 2005 a juiza Márcia Cunha, da 2a Vara Empresarial do Rio de Janeiro proferiu a sentença, anulando os efeitos de um acordo guarda-chuva que dava plenos poderes a Dantas. A decisão foi mantida pelo Tribunal de Justiça do Rio.
Foi alvo de uma campanha pesada, que culminou com advogados do Opportunity recorrendo a linguistas, para tentar provar que a sentença não tinha sido escrita por ela.
Através de Mauro Salles, tentaram comprar o parecer de um funcionário da Academia Brasileira de Letras, que recusou. O "imortal" Antonio Olintho não se fez de rogado e aceitou a encomenda. Um dia a ABL ainda terá que colocar essa história em pratos limpos.
Pressionada, a juiza denunciou ter sido alvo de uma tentativa de suborno por parte de Eduardo Rascovisky, falando em nome do Opportunity. Atenção: entre 6 de fevereiro de 2004 e 20 de outubro de 2004, Rascovisky teve 16 reuniões com Humberto Braz.
Qiando a juíza denunciou a tentativa de suborno, a "Folha" incumbiu a repórter Janaína Leite de ir ao Rio cobrir o episódio (clique aqui).
Em vez de se concentrar nas acusações da juíza, Janaína comete uma tentativa de “assassinato de reputação” – sem identificar a fonte da informação. Semanas atrás se ficou sabendo que sua principal fonte de informação era um diretor do Opportunity.
Não é a primeira vez que Márcia Cunha sofre questionamentos administrativos. A primeira foi no início dos anos 1990 e envolvia tentativa de fraude fiscal. A juíza também foi alvo de críticas por aceitar passagens de cortesia da Varig quando julgava processos envolvendo a companhia aérea. (...)
A decisão da juíza foi dada poucos dias após a apresentação da defesa do Opportunity, que contava com mil páginas. Ao todo, mesmo o julgamento sendo liminar e não de mérito, a sentença contava com 40 páginas impressas. Causou estranheza ao Conselho de Magistratura a rapidez e a diferença no padrão de decisões proferidas por Márcia Cunha - geralmente manuscritas e com, no máximo, quatro páginas.
O mesmo modelo da Veja, o mesmo modelo das colunas de Mainardi, um conjunto de informações incompletas, de fatos banais distorcidos que se transformam em escândalos, no formato de um dossiê.
O que seria uma “tentativa de fraude fiscal”? Uma declaração de renda incorreta, algum lançamento errado? A matéria não avançava em informações.
O Opportunity apresentara uma defesa de mil páginas. Suspeita seria a juiza se respondesse com uma sentença manuscrita de quatro páginas. No entanto, era “acusada” de ter escrito uma sentença de 40 páginas no computador.
Era a subversão do conceito de escândalo, mas fazia parte de um procedimento padrão do esquema jornalístico montado, e que seria repetido por Mainardi, Veja, Leonardo Attuch e outros jornalistas que atuavam de forma sincronizada.
Um ano depois, a juíza foi inocentada das acusações. A cobertura da “Folha” voltava às mãos sérias de Elvira Lobato (clique aqui).
Em 20 de janeiro de 2006, os repórteres Chico Otávio e Maria Fernanda Delmas, de “O Globo”, escreviam ampla reportagem sobre a influência de Eduardo Raschkovsky no TJ do Rio de Janeiro (clique aqui).
Em 4 de março de 2006, Elvira Lobato e Pedro Soares mostram as perseguições sofridas pela juiza (clique aqui).
Em quase todos os casos havia a mesma articulação de interesses, a manipulação de denúncias, a chantagem explícita - caso de Mainardi nas suas últimas colunas na Veja.
Algumas vezes o jornalismo conseguia sair vitorioso, como nesse episódio.
O método Veja de jornalismo
A degradação jornalística da revista Veja foi fruto de dois fenômenos simultâneos que sacudiram a mídia nos últimos anos: a mistura da cozinha com a copa (redação e comercial) e o afastamento dos princípios jornalísticos básicos.
Vamos analisar um processo de cada vez.
A copa e a cozinha
Os grupos de mídia sempre tiveram interesses paralelos em jogo. Para não contaminar as redações, se procurava tratar em âmbito das cúpulas das empresas. Sempre havia maneiras “técnicas” de vetar determinadas matérias que não interessavam, assim como conferir tratamento jornalístico a matérias de interesse da casa.
Para administrar esse território delicado, as boas redações jamais prescindiram de comandantes fortes e competentes. São os avalistas do jornalismo perante a empresa e da empresa perante a redação. Não vão contra a lógica comercial, mas são os radares, aqueles que informam até onde se pode avançar no noticiário sem comprometer a credibilidade da publicação.
Após a crise cambial de janeiro de 1999, o quadro começou a mudar. Apertos financeiros levaram gradativamente muitas publicações a abrirem mão de cuidados básicos, não só permitindo a promiscuidade entre a copa e a cozinha (redação e comercial), mas também manobras de mercado. Quanto às manobras de mercado, deixo apenas registrado, porque não será tema dessa série.
No início de 1999, um episódio marcaria os novos tempos de Veja. Em 10 de março de 1999, em pleno escândalo das “fitas do BNDES”, a revista recebeu material demonstrando que a Previ tinha assinado acordo com o banco Opportunity, de Daniel Dantas, mesmo tendo sido desaprovado por sua diretoria. A matéria foi feita pelo repórter Felipe Patury (clique aqui).
"No início de fevereiro, um diretor do fundo, Arlindo de Oliveira, mandou uma carta ao presidente da Previ. São três páginas, e o tom é de indignação, expresso em frases que se encerram com três pontos de exclamação. Na carta, o diretor relata que a diretoria da Previ, reunida em julho do ano passado, decidiu que não faria parceria com o Opportunity no leilão das teles tendo de pagar ao banco 7 milhões de reais por ano de "taxa de administração". A diretoria achou o valor descabido e decidiu só fazer o negócio se não tivesse de pagar a taxa. O estranho é que essa decisão foi ignorada. A Previ associou-se ao Opportunity na compra de três teles (Tele Centro Sul, Telemig Celular e Tele Norte Celular) e comprometeu-se a arcar com os 7 milhões de reais por ano, apesar da decisão contrária da diretoria".
Segundo a matéria, a Previ também havia entrado – sem autorização da diretoria – na operação de compra da Telemar que – na época – pensava-se que sairia para o Opportunity.
Na semana seguinte, o repórter conseguiu mais material das suas fontes. Chegou a preparar a matéria. Uma semana depois, na edição de 17 de março de 1999, a matéria não saiu publicada. Mas, pela primeira vez, o banco Opportunity – denunciado na edição anterior – bancou duas páginas de publicidade na revista
Não batia. O Opportunity não é banco de varejo, não atua sequer no middle market, não havia lembrança de publicidade dele nem mesmo em revistas especializadas – como a Exame.
No dia 31 de março de 1999, mais duas páginas de publicidade do Opportunity.
Esse mesmo procedimento – em mão inversa – seria empregado nas duas edições em que Diogo Mainardi me atacou, em defesa de Daniel Dantas. Só que, nesses casos, a fatura foi mais alta: 6 páginas de publicidade da Telemig Celular e Amazônia Celular em cada edição, 12 ao todo. Também não se justificava tamanho investimento publicitário por parte de empresas que tinham atuação regional.
Qualquer manual de administração ensina que, quando a empresa passa a fugir do comportamento ético nas suas ações externas, acaba contaminando toda a estrutura.
Aparentemente, ocorreu um liberou geral na revista. É o que explica as atitudes de Eurípedes com Eduardo Fischer ou as de Mário Sabino manipulando listas de livros mais vendidos para incluir o seu. E o lobby escancarado da revista em favor de Daniel Dantas, especialmente através das colunas de Diogo Mainardi.
Com escorregões cada vez mais freqüentes, tornou-se difícil – mesmo para os leitores mais atilados – identificar o que eram falhas editoriais, interesse da Abril ou interesse dos diretores da revista.
Havia um fator a mais a estimular a falta de controle: a desobediência ampla aos princípios jornalísticos básicos. E aí se encontra um farto material sobre o mais completo compêndio de anti-jornalismo que a história moderna da mídia brasileira registrou: o estilo Veja de jornalismo.
Desde os anos 80, cada vez mais Veja se especializaria em “construir” matérias que assumiam vida quase independente dos fatos que deveriam respaldá-las. Definia-se previamente como “seria” a matéria. Cabia aos repórteres apenas buscar declarações que ajudassem a colocar aquele monte de suposições em pé.
Essa preparação prévia da reportagem ocorre toda segunda-feira nas reuniões de editores. É chamada de "pensata".
O que era um estilo criticável, com o tempo acabou tornando-se uma compulsão, como se a revista não mais precisasse dos fatos para compor suas reportagens. Ela se tornou uma ficção ampla, algo que é de conhecimento geral dos jornalistas brasileiros.
Ainda nos anos 80, o caso mais célebre foi o do “boimate” – criação de Eurípedes Alcântara, já mencionado em outro capítulo.
Mas, à medida que se entrava na era Tales Alvarenga- Eurípedes- Sabino, final dos anos 90 em diante, esse estilo ficcional passou a arrostar os limites da verossimilhança.
O primeiro filtro sobre uma matéria é avaliar se os fatos relatados são verossímeis. Se passar nesse teste básico, é que se irá conferir se, mesmo sendo verossímeis, também são verdadeiros.
Com o tempo, tornaram-se cada vez mais freqüentes as matérias absurdas, sem nexo, sem conhecimento básico sobre economia, finanças, valores, relações de causalidade. Sobre jornalismo, enfim.
O modelo Veja de reportagem
Antes de análises de caso, vamos a uma pequena explicação sobre como é esse modelo Veja de reportagem.
1. Levantam-se alguns dados verdadeiros, mas irrelevantes ou que nada tenham a ver com o contexto da denúncia, mas que passem a sensação de que o jornalista acompanhou em detalhes o episódio narrado.
2. Depois juntam-se os pontos, cria-se um roteiro de filme, muitas vezes totalmente inverossímil, mas calçado nos fatos supostamente verdadeiros.
3. Para “esquentar” a matéria ou se inventam frases que não foram pronunciadas ou se tiram frases do contexto ou se confere tratamento de escândalo a fatos banais. Tudo temperado por forte dose de adjetivação.
O caso "boimate" é clássico. Depois de cair no conto de 1o de abril da New Scientist - sobre um cruzamento de boi com tomate que resultou em uma carne com molho -, envia-se um repórter para obter uma frase de efeito de um cientista da USP.
O repórter perguntou o que o cientista achava. A resposta foi que era impossível tal experimento. O repórter tinha que voltar com a frase que se encaixasse na matéria, então insistiu: "E se fosse possível!". O cientista, ironizando: "Seria a maior revolução da história da genética".
A matéria saiu com a frase do infeliz dizendo que era a maior revolução da história da genética.
Dentre todos os repórteres, no entanto, nenhum se esmerou mais na arte ficcional do que Policarpo Júnior, recentemente promovido a Diretor da Sucursal de Brasília. Assim como Lauro Jardim e Mainardi cultivam os lobistas cariocas, Policarpo é um freqüentador habitual do submundo de Brasília, convivendo com arapongas, policiais e lobistas em geral.
Vamos a alguns exemplos pré-governo Lula para entender, na prática, em que consiste esse estilo Veja, a partir de algumas obras de Policarpo.
O caso Chico Lopes
Em janeiro de 1999, quando houve o estouro no câmbio, seguiu-se uma catarse geral na mídia, uma busca de escândalos a qualquer preço. Foram publicados absurdos memoráveis que acabaram se perdendo no tempo – como o de que Fernando Henrique Cardoso se valia do seu Ministro-Chefe da Casa Civil Clóvis Carvalho para informar os banqueiros sobre as mudanças cambiais.
O escândalo refluiu, cada publicação tratou de esquecer as ficções que plantou e a vida prosseguiu.
Na época, Veja publicou uma capa acusando Chico Lopes de ter beneficiado os bancos Marka e FonteCindam com informações privilegiadas. Chegou a afirmar que quatro bancos pagavam US$ 500 mil mensais para ele (clique aqui).
A matéria não respondia à questão central: se os dois bancos recebiam informações privilegiadas de Chico Lopes, se Chico assumiu a presidência do Banco Central com a missão precípua de mudar a política cambial porque, raios!, apenas eles quebraram na mudança? Na época, a explicação de Veja já era absurda. Assoberbado com os problemas da mudança cambial, Chico tinha se esquecido de avisar seus clientes (que lhe pagavam US$ 500 mil mensais apenas para ter aquela informação).
O mistério persistiu até o dia 23 de maio de 2001 quando saiu a capa da Veja “A História Secreta de um Golpe Bilionário” um clássico à altura do “boimate”, de Eurípedes Alcântara (clique aqui).
A abertura nada ficava a dever a um conto de Agatha Christie.
O momento mais dramático do governo do presidente Fernando Henrique Cardoso ocorreu no dia 13 de janeiro de 1999.(...) O que ninguém sabia é que, desde aquele dia, um grupo reduzidíssimo de altos membros do governo passou a guardar um segredo de Estado, daqueles que só se revelam vinte anos depois da morte de um presidente. Após quatro meses de investigação e 22 entrevistas com catorze personagens envolvidos, VEJA desvendou peças essenciais para o esclarecimento do mistério, que resultou na inesperada, e até hoje inexplicada, demissão do presidente do Banco Central apenas duas semanas depois da desvalorização.
A demissão de Lopes tinha sido mais que explicada: os erros na condução da mudança da política cambial.
O então presidente do Banco Central, o economista Francisco Lopes, vendia informações privilegiadas sobre juros e câmbio – e uma parte de sua remuneração saía da conta número 000 018, agência 021, do Bank of New York. A conta pertencia a uma empresa do Banco Pactual, a Pactual Overseas Bank and Trust Limited, com sede no paraíso fiscal das Bahamas. Chico Lopes, como é conhecido, repassava as informações para dois parceiros, que se encarregavam de levá-las aos clientes do esquema. Os contatos entre os três eram feitos por meio de aparelhos celulares. A Polícia Federal suspeita que os números sejam os seguintes: 021-99162833, 021-99835650 e 021-99955055
Salvatore Alberto Cacciola, então dono do banco Marka, do Rio de Janeiro, descobriu todo o esquema por meio de um grampo telefônico ilegal e também passou a ter as mesmas informações privilegiadas. As fitas, que registram as conversas grampeadas, estão guardadas num cofre no Brasil – e há cópias depositadas num banco no exterior. Cacciola chegou a custear viagens a Brasília para que seu contato obtivesse, pessoalmente, as informações de Chico Lopes. Numa delas, seu contato voou do Rio a Brasília num jatinho da Líder Táxi Aéreo (o aluguel do jato saiu por 10 500 reais) e hospedou-se no hotel Saint Paul (a conta: 222,83 reais). Quebrado com a mudança cambial, que seu informante não conseguiu avisar-lhe a tempo, Cacciola desembarcou em Brasília no dia seguinte, 14 de janeiro de 1999, com o que chamou de "uma bazuca". Ela estava carregada de chantagem: ou o BC lhe ajudava ou denunciaria ao país a existência do esquema. O BC ajudou. Vendeu dólar abaixo da cotação e, no fim, Cacciola levou o equivalente a 1 bilhão de reais.
Era um furo fantástico! Em vez de pagar US$ 500 mil mensais, Cacciola descobrira o modo mais barato de obter informações privilegiadas: grampeando celulares.
Na mesma abertura se dizia que ele se informava através de um “grampo” e que tinha um informante.
Nem se fale do contra-senso de alguém experiente em mercado jogar todo seu futuro no resultado de um “grampo”. Qualquer decisão de mudança de política cambial seria imprevista, da noite para o dia. Como confiar toda sua vida financeira a um mero “grampo”?
Segundo a matéria, no dia aziago o grampo falhou e Cacciola quebrou. Indignado, foi tirar satisfações com Chico Lopes, que cedeu à chantagem.
Como foi montado esse nonsense?
Depois de “22 entrevistas com 14 personagens” envolvidos, Policarpo havia conseguido – de fato - as seguintes informações:
1. Com Luiz Cezar Fernandes, ex-controlador do Pactual, em briga com seus ex-sócios, o número da suposta conta-corrente do Pactual em Nova York de onde sairiam os supostos pagamentos para Chico Lopes. Na verdade o número apresentado era o de registro do banco na praça de Nova York, feito junto ao Banco de Nova York – equivale aquele 001 que você confere nos cheques do Banco do Brasil.
2. Na declaração de renda de Luiz Bragança (o suposto intermediário de Chico Lopes no vazamento das informações) algum araponga brasiliense levantou os números dos três celulares. Ou seja, o sujeito montava um esquema super-secreto para transmitir informações, que supostamente renderia US$ 500 mil mensais, valendo-se de telefones celulares – e colocava o numero dos aparelhos na sua declaração de renda.
Como tempero final, um apanhado de fatos e dos boatos mais inverossímeis que circularam por ocasião da mudança cambial.
Bastava isso para se para se ter um enredo que provocou gargalhadas em todos os jornalistas que cobriam a área financeira.
Na época apontei a maluquice; minha colega Mirian Leitão também. E menciono a Mirian por que, anos depois, essa crítica estimularia uma revanche de Veja: ataques continuados contra seu filho Matheus Leitão, repórter da revista Época. Essa história será contada em outro capítulo.
Citado na matéria, o economista Rubens Novaes enviou carta a Veja esclarecendo todos esses pontos. A carta jamais foi publicada. Ele limitou-se a enviar cópias para alguns jornalistas.
Longe de mim afirmar que não houve irregularidade, que Cacciola era inocente, ou mesmo colocar a mão no fogo por Chico Lopes. Na época, mesmo, divulguei indícios fortes de que Cacciola tinha, no mínimo, alguém que lhe passava informações sobre as taxas de juros praticadas pelo Central - e até sugeri a metodologia para identificar essa prática de "insider".
Mas era evidente que toda a matéria de Veja era uma ficção ampla.
Anote esse exemplo porque, longe de exceção, refletia um padrão de "jornalismo" presente em todas as coberturas bombásticas da revista.
Na era Eurípedes-Sabino, Policarpo, repórter de escândalos, freqüentador do submundo dos lobbies de Brasília, tornou-se diretor da sucursal da revista. E seria o autor das capas mais rocambolescas da cobertura do “mensalão”.
Coube a ele divulgar o vídeo em que o funcionário dos Correios, Mauricio Marinho, aceitou a propina de R$ 3 mil. E que deflagrou a campanha do “mensalão”.
Mas este é tema para um outro capítulo.
O araponga e o repórter
A matéria foi bombástica e ajudou a deflagrar a crise do “mensalão”. Uma reportagem de 18 de maio de 2005, de Policarpo Jr., da sucursal da Veja em Brasília, mostrava o flagrante de um funcionário dos Correios – Mauricio Marinho – recebendo R$ 3 mil de propina (clique aqui)
A abertura seguia o estilo didático-indagativo da revista:
(…) Por quê? Por que os políticos fazem tanta questão de ter cargos no governo? Para uns, o cargo é uma forma de ganhar visibilidade diante do eleitor e, assim, facilitar o caminho para as urnas. Para outros, é um instrumento eficaz para tirar do papel uma idéia, um projeto, uma determinada política pública. Esses são os políticos bem-intencionados. Há, porém, uma terceira categoria formada por políticos desonestos que querem cargos apenas para fazer negócios escusos – cobrar comissões, beneficiar amigos, embolsar propinas, fazer caixa dois, enriquecer ilicitamente.
A revista informava que tinha conseguido dar um flagrante em um desses casos na semana anterior:
Raro, mesmo, é flagrar um deles em pleno vôo. Foi o que VEJA conseguiu na semana passada.
Anotem a data que a revista menciona que recebeu a gravação: semana passada. Será importante para entender os lances que serão mostrados no decorrer deste capítulo.
A matéria, como um todo, não se limitava a descrever uma cena de pequena corrupção explícita, embora só esta pudesse ser comprovada pelo grampo. Tinha um alvo claro, que eram as pessoas indicadas pelo esquema PTB, especialmente na Eletronorte e na BR Distribuidora. O alvo era o esquema; Marinho, apenas o álibi.
O que a matéria não mostrava eram as intenções efetivas por trás do dossiê e do grampo. Os R$ 3 mil eram um álibi para desmontar o esquema do PTB no governo, decisão louvável, se em nome do interesse público; jogo de lobby, se para beneficiar outros grupos.
Antes de voltar à capa, uma pequena digressão sobre as alianças espúrias do jornalismo.
Os dossiês e os chantagistas
A partir da campanha do “impeachment” de Fernando Collor, jornalistas, grampeadores e chantagistas passaram a conviver intimamente em Brasília. Até então, havia uma espécie de barreira, que fazia com que chantagistas recorressem a publicações menores, a colunistas da periferia, para montar seus lobbies ou chantagens. Não à grande mídia.
Com o tempo, a necessidade de fabricar escândalo a qualquer preço provocou a aproximação, mais que isso, a cumplicidade entre alguns jornalistas, grampeadores e chantagistas. Paralelamente, houve o desmonte dos filtros de qualidade das redações, especialmente nas revistas semanais e em alguns diários.
Foi uma associação para o crime. Com um jornalista à sua disposição, o grampeador tem seu passe valorizado no mercado. A chantagem torna-se muito mais valiosa, eficiente, proporcional ao impacto que a notícia teria, se publicada. Isso na hipótese benigna.
É uma aliança espúria, porque o leitor toma contato com os grampos e dossiês divulgados. Mas, na outra ponta, a publicação fortalece o achacador em suas investidas futuras. Não se trata de melhorar o país, mas de desalojar esquemas barra-pesadas em benefício de outros esquemas, igualmente barra-pesadas, mas aliados ao repórter. E fica-se sem saber sobre as chantagens bem sucedidas, as que não precisaram chegar às páginas de jornais.
Por ser um terreno minado, publicações sérias precisam definir regras claras de convivência com esse mundo do crime. A principal é o jornalista assegurar que material recebido será publicado – e não utilizado como elemento de chantagem.
Nos anos 90 esses preceitos foram abandonados pelo chamado jornalismo de opinião. No caso da Veja a deterioração foi maior que nos demais veículos. O uso de matérias em benefício pessoal (caso dos livros de Mario Sabino), o envolvimento claro em disputas comerciais (a “guerra das cervejas” de Eurípedes Alcântara), o lobby escancarado (Diogo Mainardi com Daniel Dantas), a falta de escrúpulos em relação à reputação alheia, tudo contribuiu para que se perdessem os mecanismos de controle.
Submetida a um processo de deterioração corporativa poucas vezes visto, a Abril deixou de exercer seus controles internos. E a direção da revista abriu mão dos controles externos, ao abolir um dos pilares do moderno jornalismo – o direito de resposta – e ao intimidar jornalistas de outros veículos com seus ataques desqualificadores.
É nesse cenário de deterioração editorial que ocorre o episódio Maurício Marinho.
A parceria com o araponga
Nas alianças políticas do governo Lula, os Correios foram entregues ao esquema do deputado Roberto Jefferson. Marinho era figura menor, homem de propina de R$ 3 mil.
Em determinado momento, o esquema Jefferson passou a incomodar lobistas que atuavam em várias empresas. Dentre eles, o lobista Arthur Wascheck.
Este recorreu a dois laranjas – Joel dos Santos Filhos e João Carlos Mancuso Villela – para armar uma operação que permitisse desestabilizar o esquema Jefferson não apenas nos Correios. como na Eletrobrás e na BR Distribuidora. É importante saber desses objetivos para entender a razão da reportagem da propina dos R$ 3 mil ter derivado - sem nenhuma informação adicional - para os esquemas ultra-pesados em outras empresas. Fazia parte da estratégia da reportagem e de quem contratou o araponga.
A idéia seria Joel se apresentar a Marinho como representante de uma multinacional, negociar uma propina e filmar o flagrante. Como não tinham experiência com gravações mais sofisticadas, teriam decidido contratar o araponga Jairo Martins.
E, aí, tem-se um dos episódios mais polêmicos da história do jornalismo contemporâneo, um escândalo amplo, do qual Veja acabou se safando graças à entrevista de Roberto Jefferson à repórter Renata Lo Prete, da Folha, que acabou desviando o foco da atenção para o “mensalão”.
Havia um antecedente nesse episódio, que foi o caso Valdomiro Diniz, a primeira trinca grave na imagem do governo Lula. Naquele episódio consolidaram-se relações e alianças entre um conjunto de personagens suspeitos: o bicheiro Carlinhos Cachoeira (que bancou a operação de grampo de Valdomiro), o araponga Jairo Martins (autor do grampo) e o jornalista Policarpo Jr (autor da reportagem).
No caso Valdomiro, era um contraventor – Carlinhos Cachoeira – sendo achacado por um dos operadores do PT, enviado pelo partido ao Rio de Janeiro, assim como Rogério Buratti, despachado para assessorar Antonio Palocci quando prefeito de Ribeirão.
Jairo era um ex-funcionário da ABIN (Agência Brasileira de Inteligência), contratado pelo bicheiro para filmar o pagamento de propina a Valdomiro Diniz.
Tempos depois, Jairo foi convidado para um almoço pelo genro de Carlinhos Cachoeira, Casser Bittar.
Lá, foi apresentado a Wascheck, que o contratou para duas tarefas, segundo o próprio Jairo admitiu à CPI: providenciar material e treinamento para que dois laranjas grampeassem Marinho; e a possibilidade do material ser publicado em órgão de circulação nacional.
Imediatamente Jairo entrou em contato com Policarpo e acertou a operação. O jornalista não só aceitou a parceria, antes mesmo de conhecer a gravação, como avançou muito além de suas funções de repórter.
O grampo em Marinho foi gravado em um DVD. Jairo marcou, então, um encontro com Policarpo. Foi um encontro reservado - eles jamais se falavam por telefone, segundo o araponga -, no próprio carro de Policarpo, no Parque da Cidade. Policarpo levou um mini-DVD, analisou o material e atuou como conselheiro: considerou que a gravação ainda não estava no ponto, que havia a necessidade de mais. Recebeu a segunda, constatou que estava no ponto. E guardou o material na gaveta, aguardando a autorização do araponga, mesmo sabendo que estava se colocando como peça passiva de um ato de chantagem e achaque.
Wascheck tinha, agora, dois trunfos nas mãos: a gravação da propina de R$ 3 mil e um repórter, da maior revista do país, apenas aguardando a liberação para publicar a reportagem.
Quando saiu a reportagem, a versão do repórter de que havia recebido o material na semana anterior era falsa e foi desmentida pelos depoimentos dados por ele e por Jairo à Policia Federal e à CPI do Mensalão.
Pressionado pelo eficiente relator Osmar Serraglio, na CPI do Mensalão, Jairo negou ter recebido qualquer pagamento de Wascheck. Disse ter se contentado em ficar com o equipamento, provocando reações de zombaria em vários membros da CPI.
Depois, revelou outros trabalhos feitos em parceria com a Veja. Mencionou série de trabalhos que teria feito e garantiu que sua função não era de araponga, mas de jornalista. O único órgão onde seus trabalhos eram publicados era a Veja. Indagado pelos parlamentares se recebia alguma coisa da revista disse que não, que seu objetivo era apenas o de "melhorar o pais".
Segundo o depoimento de Jairo:
‘Aí fiquei esperando o OK do Artur Washeck pra divulgação do material na imprensa. Encontrei com ele pela última vez no restaurante, em Brasília, no setor hoteleiro sul, quando ele disse: ‘Eu vou divulgar o fato. Quero divulgar’. E decorreu um período que essa divulgação não saía. Aí foi quando eu fiz um contato com o jornalista e falei: ‘Pode divulgar a matéria’’.
Clique aqui para ler os principais trechos do depoimento do araponga Jairo à CPI.
E aqui para acessar o relatório final da CPMI.
Reações na mídia
A revelação do episódio provocou reações acerbas de analistas de mídia.
No Observatório da Imprensa, Alberto Dines publicou o artigo “A Chance da Grande Catarse do Jornalismo”
O atual ciclo de denúncias não chega a ser uma antologia de jornalismo mas é uma preocupante coleção de mazelas jornalísticas. Busca-se a credibilidade mas poucos oferecem transparência, pretende-se a moralização da vida pública mas os bastidores da imprensa continuam imersos na sombra:
Tudo começou com uma matéria de capa da Veja sobre as propinas nos Correios, clássico do jornalismo fiteiro.
(...) Carece de (...) transparência a ouverture desta triste e ruidosa temporada através da Veja. Dois meses depois, a divulgação do vídeo da propina nos Correios continua envolta em sombras, rodeada de dúvidas e desconfianças. E, como não poderia deixar de acontecer com fatos mantidos no lusco-fusco da dubiedade, cada vez que a matéria é examinada ou discutida sob o ponto de vista estritamente profissional, mais interrogações levanta.
Caso da entrevista ao Jornal Nacional (Rede Globo, quinta-feira, 30/6) do ex-agente da ABIN, Jairo Martins de Souza, autor da gravação. O araponga — que, aliás, se diz jornalista [veja abaixo comentários de Ricardo Noblat] e faz negócios com jornalistas — revelou que ofereceu o vídeo ao repórter Policarpo Júnior, da sucursal da Veja em Brasília, e que este aceitou-o antes mesmo de examinar o seu teor [abaixo, a transcrição da matéria do JN].
Na hora da entrega, o jornalista teria usado um reprodutor portátil de DVD para avaliar a qualidade das imagens. De que maneira chegou ao jornalista e por que este aceitou o vídeo são questões que até hoje não foram esclarecidas.
Tanto o repórter como a revista recusam-se terminantemente a oferecer qualquer tipo satisfação ou esclarecimento aos leitores. Não se trata de proteger as fontes: elas seriam inevitavelmente nomeadas quando o funcionário flagrado, Maurício Marinho, começasse a depor. Foi exatamente o que aconteceu e hoje Veja carrega o ônus de ter se beneficiado de uma operação escusa – chantagem de um corrupto preterido ou ação formal da Abin para desmoralizar um aliado incômodo (o PTB, de Roberto Jefferson).
(...) Araponga não é jornalista, vídeo secreto ainda não é reconhecido como gênero de jornalismo. Talvez o seja num futuro próximo.
O episódio mereceu comentários do blogueiro Ricardo Noblat:
Ao ser contratado para filmar Marinho e grampear André Luiz, a primeira coisa que ele disse que fez foi procurar a Veja e oferecer o material. ‘Foi um trabalho puramente jornalístico’, garantiu.
A amigos, nas duas últimas semanas, Jairo confessou mais de uma vez que espera ganhar o próximo Prêmio Esso de Jornalismo. Ele se considera um sério candidato ao prêmio.
Não é brincadeira não, é serio! Porque ele está convencido de que filmou e grampeou como free-lancer da Veja – embora jamais tenha recebido um tostão dela por isso. Recebeu dos que encomendaram as gravações.
Jairo ganhava como araponga e pensava em brilhar como jornalista.
É, de certa forma faz sentido."
Tempos depois, a aliança com o araponga renderia a Policarpo a promoção para chefe de sucursal da Veja em Brasília. A revista já caíra de cabeça, sem nenhum escrúpulo, no mundo nebuloso dos dossiês e dos pactos com lobistas. E o grande pacto do silêncio que se seguiu na mídia, permitiu varrer para baixo do tapete as aventuras de Veja com o araponga repórter.
O final da história
Parte da história terminou em agosto de 2007. Sob o titulo “PF desmonta nova máfia nos Correios”, o Correio Braziliense noticiava o desbaratamento de uma nova quadrilha que tinha assumido o controle dos Correios (clique aqui).
No comando, Arthur Wascheck, que assumiu o comando da operação de corrupção dos Correios graças ao serviço encomendado a Jairo - grampo mais publicação do resultado na Veja.
Durante a Operação Selo, foram presas cinco pessoas, em dois estados mais o Distrito Federal.
Segundo o jornal:
Entre os presos estão Sérgio Dias e Luiz Carlos de Oliveira Garritano, funcionários dos Correios, além dos empresários Antônio Félix Teixeira, Marco Antônio Bulhões e Arthur Wascheck, considerado pela PF como líder do grupo e acusado de ter sido o responsável pela gravação feita no dia em que Marinho recebia a propina. Os investigadores não quantificaram o volume de recursos envolvidos nas fraudes, mas calculam que seja de dezenas de milhões de reais.
De acordo com os investigadores, “o grupo agia como traficantes nos morros".
“Havia uma quadrilha na ECT (Empresa de Correios e Telégrafos), que foi desbaratada e afastada. A outra organização tomou o lugar dela. Assim como os traficantes fazem, quando saem, morrem ou são presos, acontece a mesma coisa no serviço público. Quando uma quadrilha sai do local, entra outra e começa a praticar atos ilícitos no lugar da que saiu”, explica o delegado Daniel França, um dos integrantes do grupo de investigação.
A corrupção tinha apenas trocado de mãos:
Para o Ministério Público Federal, o entendimento era o mesmo.
“Não se pode dizer que a corrupção terminou ou se atenuou. O que houve foi uma substituição de pessoas, alijadas do esquema”, afirma o procurador da República Bruno Acioli.
Segundo ele, há pelo menos 20 empresas, muitas delas ligadas a Wascheck, estão envolvidas nas fraudes que podem atingir outros órgãos públicos, conforme investigações da PF.
A ficha de Wascheck era ampla e anterior ao episódio do qual Veja aceitou participar:
O empresário, conforme os investigadores, atuava na área de licitações desde 1994, sendo que um ano depois ele fora condenado por irregularidades em licitação para aquisição de bicicletas pelo Ministério da Saúde.
O valor das fraudes chegava a milhões de reais:
Segundo a polícia, o grupo de Wascheck vendia todo tipo de material para os Correios. De sapato a cofres, sendo que muitos integrantes do esquema eram também procuradores de outras empresas envolvidas nas concorrências. Com a análise dos documentos, que começou a ser feita ontem, os investigadores devem chegar aos valores das fraudes. “O que posso dizer é que esse prejuízo é de milhões de reais. Dezenas de milhões de reais”, diz o procurador da República, ressaltando que seu cálculo se baseia em alguns casos específicos. “Existem licitações na casa de bilhões de reais”, afirma o procurador.
No sistema de buscas da revista, as pesquisas indicam o seguinte:
Operação Selo Wascheck: 0 ocorrências
Operação Selo (frase exata) Período 2007: 0 ocorrências
Revista de 8 de agosto de 2007: nenhuma menção
Na edição de 15 de agosto, nenhuma menção. Mas uma das materias especiais atende pelo sugestivo título de “Porque os corruptos não vão presos”
"Frágil como papel
A Justiça brasileira é incapaz de manter presos assassinos
confessos e corruptos pegos em flagrante. Na origem da
impunidade está a própria lei".
A reportagem fala do mensalão, insinua que os implicados até melhoraram de vida, menciona símbolos midiáticos de corrupção (Quércia, Maluf, Collor etc). Nenhuma palavra sobre a Operação Selo e sobre o papel desempenhado pelas reportagens de escândalo da própria revista no jogo das quadrilhas dos Correios.
Seus aliados foram protegidos.
As relações incestuosas na mídia
O modelo de assassinato de reputações, como arma de disputas comerciais, alcançou seu auge na recente fase da revista Veja, especialmente através do colunista Diogo Mainardi.
O último capítulo dessa novela foram colunas e podcasts de Mainardi, a respeito de um dossiê que continha trechos de um inquérito sigiloso do Ministério Público Italiano.
Conforme demonstrado em dois capítulos da série (O post-it de Mainardi e Lula é meu álibi), ao contrário do que Mainardi afirmava em sua coluna, o dossiê foi escaneado no Brasil, rearrumando papéis do inquérito original da Itália. E a prova maior é que seu conteúdo foi divulgado no mesmo dia em que o arquivo foi gravado, no site de uma ex-jornalista da “Folha”, Janaína Leite.
Tempos depois, a revista Carta Capital entrevistou Angelo Jannone, ex-chefe de Segurança da Telecom Italia, nos tempos de Tronchetti Provera. A entrevista de Jannone foi aproveitada por ambos para tentar demonstrar que os inocentava.
Sobre o caso italiano dedicarei um capítulo especial, dada à sua aparente complexidade e por demonstrar o jogo complicado do qual Mainardi tornou-se participante, sabe-se lá com que propósitos.
O que interessa, neste capítulo, é a explicitação das relações de Mainardi com Janaína e de ambos com Daniel Dantas.
Vamos entender melhor quem é a parceira de Mainardi nesse jogo.
No seu blog, Janaína Leite se apresenta como “consultora”. Não há nenhuma indicação sobre quem são seus clientes. No seu período na "Folha" atuou em uma série de matérias francamente suspeitas, conforme se demonstrará a seguir. Todas elas seguiam a mesma linha de denúncias utilizada por Mainardi quando trata do tema telefonia.
Vamos à análise de quatro casos.
Para facilitar o entendimento, colocarei explicações sublinhadas.
O caso Cecília Melo
Neste capítulo se relata uma concatenação entre imprensa e judiciário. Janaína escreve reportagem sobre o inquérito na Itália assegurando que havia conexões brasileiras. Com base na reportagem, a desembargadora Cecília Melo vota pela busca do inquérito italiano - justamente o que os advogados de Dantas queriam. Depois, outra matéria de Janaína, reforçando a decisão da juiza. FInalmente, o depoimento de um lobista do Oportunity, no mesmo processo, informando que Janaína atuava como sua informante na "Folha".
Conforme explicado no capítulo “O post-it de Mainardi”, há dois inquéritos em andamento, um no Brasil, outro na Itália.
O do Brasil é conduzido pela Polícia Federal e Ministério Público Federal em São Paulo, sobre grampos, quebras de sigilo, a partir do dossiê Kroll, divulgado pela "Folha" anos atrás. O da Italia pelo MP italiano, originalmente era sobre as estripulias da Parmalat italiana. Depois, graças a uma manobra engenhosa, foram incluídas as operações da Telecom Italia no Brasil. No inquérito italiano há grampos ilegais e outras particularidades que poderiam provocar a anulação do inquérito brasileiro - caso fossem juntadas as peças.
Há uma tentativa de misturar os dois inquéritos. Por isso mesmo, toda a luta da PF e do MP é para impedir essa contaminação.
Essa tentativa ficou clara em matéria de Janaína Leite de 24 de julho de 2007 (clique aqui) com o próprio Daniel Dantas, preocupado com a possibilidade dos fundos de pensão fecharem um acordo com o Citigroup que estreitaria sua margem de manobra na Brasil Telecom.
Dois trechos merecem destaque. O primeiro, demonstrando que Dantas atuou pessoalmente para que a atuação da Telecom Italia no Brasil fosse incluída no inquérito italiano. O segundo, indicando que Marco Bernardini, ex-consultor da Telecom Italia, era fonte de Janaína.
Guarde essas duas informações, ambas obtidas da mesma fonte: a atuação de Dantas e o nome da tal testemunha-chave. Facilitará bastante para entender o próximo capítulo, especialmente quando Mainardi menciona suas misteriosas "fontes italianas".
O jogo jornalístico em torno do processo italiano consistiu dos seguintes lances.
Lance 1 – no dia 21 de setembro de 2006, matéria da Janaina Leite na Folha: “Polícia italiana prende 20 ligados à Telecom Itália” (clique aqui), a primeira matéria que saiu por aqui, da operação dos promotores italianos, e tentando mostrar correlação entre o escândalo da Parmalat e o dossiê Kroll, divulgado no Brasil.
No dia 22 de setembro de 2006, nova matéria: “Crise com tele leva Prodi a depor no Senado” (clique aqui). Nela, Janaína afirma o seguinte:
(...) Mas a desconfiança dos promotores italianos, que têm poder de polícia em seu país, é a de que os dados foram obtidos a partir da atuação de espiões que atuavam, supostamente, com anuência da operadora de telefonia italiana.
A frase não se baseia nem em documentos nem em testemunhas. A reportagem fala em "desconfiança dos promotores italianos", sem ter entrevistado nenhum deles. Mas a frase é importante porque justifica o voto da desembargadora Cecilia Melo, de anexar um inquérito no outro.
Lance 2 – a desembargadora Cecília Melo dá sentença ordenando a anexação de um inquérito no outro. O argumento da desembargadora é justamente a reportagem de Janaína.
Lance 3 – outra matéria da Janaína, agora em reforço à decisão da desembargadora. É de 11 de dezembro de 2006: “Justiça pede dados sobre Telecom Italia” (clique aqui).
Os magistrados, baseados em reportagens da Folha, também determinaram que o Ministério Público Federal tome providências para apurar possíveis ilegalidades promovidas pela tele no Brasil. Procurada, a Telecom Italia preferiu não comentar o assunto.
Lance 4 – Este ano, o Ministério Público e a Polícia Federal convocaram o executivo Rodrigo Bhering Andrade, que trabalha para o Opportunity. Pressionado, Azevedo admitiu que Janaína o mantinha informado sobre as fontes que alimentavam o jornal de mat��rias contrárias ao Opportunity. Ela atuava como informante. Essas informações constam do inquérito.
A matéria de Janaína traz duas dicas importantes.
A primeira, a reiteração do nome da testemunha-chave, Marco Bernardini.
Em entrevista à Folha, ele sustentou o que havia dito aos procuradores: no Brasil, o chefe de segurança da tele ordenou a espionagem de ministros, banqueiros, jornalistas, executivos e concorrentes da Pirelli. Disse ainda que a tele italiana mantinha um esquema de pagamentos a políticos e servidores públicos por meio de advogados e consultores.
A segunda, a conexão com o senador Heráclito Fortes, reconhecido publicamente como aliado incondicional de Dantas:
O assunto não deverá ficar restrito ao Judiciário. A Folha apurou que parlamentares brasileiros também pediram a remessa das informações, inclusive a íntegra dos depoimentos, à Italia. Na semana passada, o senador Heráclito Fortes (PFL-PI) viajou ao país para pedir ajuda a parlamentares.
Sobre Bernardini analisaremos no capítulo específico sobre o caso Jannone.
Caso Márcia Cunha
Nesse ítem se mostra como, depois de dar um voto contrário ao Opportunity, a desembargadora Márcia Cunha foi vítima de um "assassinato de reputação" perpetrado por Janaína. A repórter recebe um dossiê com inúmeras acusações irrelevantes contra a juiza. Utiliza-o várias vezes em suas mat��rias, constrange a juiza com uma entrevista agressiva. No final, a juíza foi absolvida das acusações mas, não resistindo às pressões, afasta-se do caso.
Dois magistrados foram fundamentais para apear o Opportunity do controle da Brasil Telecom. Um, a desembargadora Márcia Cunha, do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, que deu a primeira sentença séria desfavorável a Daniel Dantas. O segundo, o Ministro Edson Vidigal, presidente do STJ (Superior Tribunal de Justiça). Como se recorda, Edson Vidigal foi vítima de um assassinato de reputação praticado pela revista Veja (capítulo O caso Edson Vidigal).
Vamos entender a participação de Janaína Leite no "assassinato de reputação" de Márcia Cunha, aproveitando o bom levantamento feito pelo jornalista Fábio Carvalho, em resposta a uma discussão entre blogs sobre um dos capítulos da série.
É uma série de matérias envolvendo a questão do acordo "guarda-chuva", que garantia ao Opportunity o controle da Brasil Telecom.
2/10/2005 – “Juíza acusa Opportunity de tentativa de corrupção”
A Folha publicou denúncia da magistrada que afastou Daniel Dantas do controle da Brasil Telecom. Embora a reportagem não seja assinada, foi produzida pela sucursal do Rio de Janeiro, a partir de notícia publicada por O Globo. A juíza acusa um suposto lobista de Dantas, que teria oferecido propina a seu marido (advogado aposentado, que teria gravado a conversa) para obter decisão favorável na briga contra os fundos de pensão e o Citigroup.
Duas informações são relevantes nessa matéria:
1. Opportunity disse desconhecer o homem identificado como Eduardo Rascovsky.
2Segundo a assessoria do Tribunal de Justiça, “o Conselho da Magistratura se declarou incompetente” para examinar os argumentos que o Opportunity ofereceu contra a juíza Márcia Cunha. O caso, portanto, seria levado ao Órgão Especial do TJ.
7/10/2005 –“ Justiça analisa decisão de juíza contra Dantas”
Cinco dias depois, Janaína Leite é “enviada especial” ao Rio de Janeiro, invadindo um tema que estava sendo coberto pela sucursal do Rio. Provavelmente sob o argumento de que dispunha de informações especiais sobre o caso.
Diz ela:
1.“A Folha apurou que”, em setembro, antes das acusações da juíza contra o Opportunity serem publicadas por O Globo (e repercutidas na Folha, através da sucursal do Rio), o Conselho da Magistratura teria decidido, por unanimidade, contra Márcia Cunha.
2.“Por meio de sua assessoria, o Opportunity negou qualquer tentativa de aproximação com MárciaCunhae disse que Rascovisky presta serviços ao banco.
Fábio anotava as contradições entre as duas matérias:
1.No dia 2, a assessoria do TJ/RJ informou que o Conselho da Magistratura havia se declarado INCOMPETENTE para analisar a reclamação do Opportunity. Ouvida, a defesa do banco disse DESCONHECER Eduardo Rascovsy.
2.No dia 7, Janaína Leite informa DECISÃO UNÂNIME do Conselho da Magistratura, tomada no mês anterior, de remeter o caso ao órgão especial. Já o Opportunity disse que Eduardo Rascovsky “presta serviços para o banco” em sua matéria. A retificação era importante porque, conforme se vê no capítulo “A Imprensa e o Estilo Dantas” havia reuniões freqüentes entre Rascovisky e o principal homem de Dantas para a disputa, Humberto Braz. A afirmação poderia ser facilmente desmascarada.
Janaína aproveitava para levantar um conjunto de insinuações contra a juíza, no mesmo estilo "dossiê" aplicado pela Veja no caso Edson Vidigal.
“Não é a primeira vez que MárciaCunha sofre questionamentos administrativos. A primeira foi no início dos anos 1990 e envolvia tentativa de fraude fiscal. A juíza também foi alvo de críticas por aceitar passagens de cortesia da Varig quando julgava processos envolvendo a companhia aérea”, escreve a repórter.
Na entrevista com a desembargadora, fica nítida a intenção de Janaína de utilizar as perguntas para fabricar insinuações.
“Magistrada vê tentativa de desmoralização” (clique aqui)
A juíza Márcia Cunha disse considerar "ofensivo" qualquer questionamento sobre quem é o autor da sentença assinada por ela que favoreceu os fundos de pensão na briga pela Brasil Telecom. Leia a seguir trechos da entrevista concedida à Folha ontem.
Folha - A sra. foi a autora da sentença contra o Opportunity?
Márcia Cunha - Essa pergunta chega a ser ofensiva. Por sorte, tenho testemunhas que me viram escrevendo. É uma tentativa de desmoralização.
Folha - O texto é muito diferente dos padrões das suas decisões anteriores. Por quê?
Márcia - É um processo complexo, com 18 volumes.
Folha - A decisão saiu em poucos dias. A sra. leu tudo?
Márcia - Claro, eu tinha lido o processo há mais tempo porque dei outras decisões, inclusive favoráveis ao Opportunity.
Folha - A sra. disse que houve uma tentativa de corrupção por intermédio do seu marido. Por que não colocou isso por escrito na sua defesa?
Márcia - Como a senhora sabe disso? Não posso dizer, é algo de maturação sigilosa.
Folha - Mas a sua defesa é pública. E por que denunciar só agora, pela imprensa?
Márcia - Existem coisas que só podemos dizer quando há provas. Naquela época não tinha provas. Só vim a público porque o Opportunity estava distribuindo dossiês contra mim nas redações de jornais, com coisas falsas.
Folha - Na entrevista a "O Globo" a sra. falou que tinha fitas mostrando o diálogo. Houve outras conversas com seu marido?
Márcia -Não vou falar sobre isso. Ir contra os interesses deles expôs meu nome, sai uma coisa torta no jornal e eu nunca mais recupero a idoneidade.
Folha - A sra. comprou um apartamento de quatro quartos em Ipanema pouco depois de dar a sentença?
Márcia - Meu Deus, que absurdo! Eu moro de aluguel.
Folha - A sra. mudou quando?
Márcia -Em maio. Aluguei de um casal de velhinhos.
Folha - A sra. ganhou passagens da Varig?
Márcia - A assessoria do tribunal já esclareceu esse assunto. Não vou falar sobre isso.
Folha - A sra. foi a Nova York por conta própria?
Márcia - Para Nova York? Eu fui para os Estados Unidos em uma viagem pessoal em maio e só passei uma noite em Nova York. Fui acompanhar uma pessoa doente. Quem pagou foi ela.
Folha - Casos envolvendo a sra. já foram enviados ao Órgão Especial antes?
Márcia - Não. Tudo isso não passa de uma enorme mentira para macular meu nome.
A entrevista fala por si, uma devassa implacável na vida pessoal da juíza, deixando toneladas de insinuações no ar.
05/11/2005: “Juíza acusada pelo Opportunity é inocentada em processo no TJ” (clique aqui).
A matéria não é mais de Janaína, mas da repórter da Sucursal do Rio, Luciana Brafman, que informa que a 8ª Câmara Cível do TJ/RJ julgou improcedente ação que o Opportunity pedia o impedimento da juíza Márcia Cunha. Uma filha da magistrada seria estagiária num escritório que representava os fundos de pensão. Os desembargadores entenderam que a decisão de Márcia Cunha era “imparcial”. Ainda estava pendente a manifestação do Órgão Especial do TJ/RJ.
04/03/2006 – “Juíza se afasta de casos com o Opportunity” (clique aqui).
Márcia Cunha disse não ter condições de “enfrentar tamanho poderio econômico” e declara a própria suspeição no caso. Afasta-se. Em matéria assinada por Elvira Lobato e Pedro Soares, da sucursal do Rio, informa-se que ela teria sido vítima de boatos, entre eles o de que teria sido corrompida e “comprado um apartamento em Ipanema”. A decisão de suspender o acordo guarda-chuva, diz a reportagem, “foi mantida em segunda instância pelo Tribunal de Justiça do Rio”. O objetivo do “assassinato de reputação” fora alcançado.
09/04/2006 – “Sócios voltam a negociar controle da BrT” (clique aqui)
Nova matéria de Janaína Leite, insistindo na desqualificação da desembargadora.
(...) O acordo "guarda-chuva" está suspenso, mas há uma chance de ser restabelecido na próxima terça-feira. Se isso acontecer, o Opportunity poderia reassumir, mesmo que temporariamente, o controle da BrT, interferindo no rumo das negociações.
O acordo "guarda-chuva" pode voltar a valer porque a liminar que o suspendeu está sendo questionada. A liminar foi assinada pela juíza Márcia Cunha, da 2ª Vara Empresarial fluminense. O Ministério Público e o Conselho da Magistratura do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, porém, consideraram indícios de que a sentença não foi escrita por ela.
(...) A juíza se defendeu das suspeitas e negou a participação de terceiros na elaboração da liminar. No mês passado, afastou-se do caso BrT. Julgou-se impedida de emitir novas opiniões sobre o acordo "guarda-chuva".
Segundo Márcia Cunha, a decisão foi motivada porque ela não tem forças para enfrentar o Opportunity. Acusou o grupo de disseminar calúnias, fazer ameaças a familiares e tentar corrompê-la.
As acusações da juíza não encontraram respaldo do Ministério Público e da polícia. Ambos consideraram não existir provas contra o Opportunity.
05/05/2006 – "Juíza é inocentada de acusação do Opportunity" (clique aqui).
Elvira Lobato informa que o Órgão Especial do TJ/RJ inocentou a juíza MárciaCunha.
Ontem, ao ser procurada pela Folha, limitou-se dizer que estava "de alma lavada" com a decisão do Órgão Especial do tribunal”.
Nenhuma manifestação de Janaína. Nem ao menos um "Erramos" da Folha. O "assassinato de reputação" já tinha produzido os resultados esperados e novas batalhas estavam a caminho.
O caso Lewis Kaplan
As reportagens sobre o contrato "guarda-chuva" não terminam aí. Na seqüência ocorre o impensável. Janaína produz um conjunto de matérias manipuladas, que são utilizadas no julgamento do acordo "guarda-chuva" em Nova York, tentando influenciar o juiz Lewis Kaplan.
No final, os advogados do Citigroup denunciam a manipulação feita pela imprensa. A denúncia sai em reportagem da própria correspondente da Folha em Nova York.
11/05/2006 – "Grupo Opportunity acusa PT de persegui-lo por negar propina" (clique aqui).
Janaína Leite informa que o Opportunity remeteu carta à Justiça nos Estados Unidos. O documento acusa o PT de ter pedido propina, em 2002 e em 2003, de “dezenas de milhões de dólares”.
12/05/2006 – "Opportunity insinua que Lula pressionou Citi contra Dantas" (clique aqui).
Matéria de Janaína Leite e Leila Suwwan (de Nova York). A matéria contem acusações pesadas:
Correspondência interna trocada entre executivos do Citigroup sustenta que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva interferiu em favor dos fundos de pensão e contra o Opportunity na disputa pela Brasil Telecom.
No dia 26 de abril passado, um advogado do Opportunity se referiu a essa suposta pressão do presidente ao se dirigir ao juiz Lewis Kaplan, da Corte de Nova York, responsável pelo litígio entre o grupo do banqueiro brasileiro Daniel Dantas e o Citigroup.
A matéria é maliciosa. Coloca como se fosse de Gustavo Marin, presidente do Citibank Brasil, a afirmação de que o governo brasileiro tem interesses comerciais e odeia Daniel Dantas. É preciso ler com cuidado para entender que a frase é do advogado do Opportunity:
"Há interesses comerciais, conforme explicado por Gustavo Marín, presidente do Citibank Brasil, da Brasil Telecom, e reportados do seu encontro com o presidente do Brasil: o governo do Brasil odeia Daniel Dantas. É o que ele [Marín] disse. Eles têm muito mais interesse em fazer transações com o Brasil do que qualquer coisa que possa acontecer com este investimento em particular", argumentou Philip Korologos, advogado do Opportunity.
19/05/2006 – "Opportunity desinforma mídia, diz Citi" (clique aqui).
Leila Suwwan, de Nova York, agora em matéria sem a parceria de Janaína, informa que o Citi acusa o Opportunity de promover uma campanha de desinformação na imprensa brasileira utilizando citações incorretas dos autos e provas secretas contidas na Corte norte-americana.
Ontem, o advogado do Opportunity tentou novamente envolver "executivos do mais alto nível do Citigroup" e membros do governo brasileiro numa espécie de conluio contra seu cliente. As provas do processo -série de documentos requisitados de ambos os bancos, inclusive e-mails de seus diretores- estão guardados sob segredo de Justiça, mas o resto do litígio é público.
Quando possível, em cartas ao juiz Lewis Kaplan ou em audiências abertas, os advogados do Opportunity fazem menção ou detalham essas provas, cujo conteúdo não pode ser verificado. Em dois casos recentes, essa técnica foi utilizada para acusar o PT de uma tentativa de achaque de dezenas de milhões de dólares do Opportunity e para acusar o presidente Lula de ter se envolvido pessoalmente para pressionar o Citi contra Dantas.
(...) Desta vez, o Citi retrucou. Apontou para a presença de jornalistas brasileiros e acusou: "O juiz deve se perguntar porque o advogado do Opportunity gosta de ficar citando executivos graduados do banco. É porque está promovendo uma campanha de imprensa na qual cita equivocadamente os autos e os documentos secretos deste processo".
Com isso, o juiz Lewis Kaplan, irritado, encerrou a discussão. Concedeu uma liminar que protege o Citi de processo do Opportunity no Brasil até o dia 2 de junho e exortou ambos os grupos a considerar uma solução financeira arbitrada. "Isto já está ficando cansativo e problemático", disse Kaplan. Antes, havia se queixado de que seu tribunal não é dedicado à deliberação de liminares contra Daniel Dantas.
Faltou à correspondente da “Folha”dizer o nome da jornalista que mais praticou esse tipo de jogo: sua própria colega Janaína Leite.
Caso Orascom
Em 2005, com a mediação de Nagi Nahas, Daniel Dantas havia acertado com Tronchetti Provera (que então controlava a Telecom Italia) o pagamento de US$ 300 milhões pelas ações que possuía na Brasil Telecom.
Fundos de pensão e o Citigroup impediram o acordo. O Citigroup conseguiu com o juiz Lewis Kaplan, em Nova York, o embargo da venda das ações de Dantas. O receio do Citi é que, no meio da negociação, o Opportunity acabasse vendendo os direitos de uso sobre o contrato guarda-chuva que garantia ao Opportunity o controle da Brasil Telecom, mesmo tendo parcela ínfima do seu capital.
Kaplan concordou com o argumento do Citi. A partir de 7 de junho de 2005, Dantas ficou impedido de efetuar qualquer transação com as ações.
No dia 28 de fevereiro de 2007, Daniel Dantas e o Opportunity solicitaram ao juiz Kaplan que flexibilizasse a determinação. A alegação de Dantas era que pretendia negociá-las com o grupo de telefonia egípcio Orascom, e (de acordo com ofício assinado por ele próprio)
"isto (a restrição colocada por Kaplan) se tornou um problema por conta da aproximação entre Opportunity e Orascom (...), um investidor que busca negociar a participação do Opportunity na Brasil Telecom".
O Citi havia alertado que, sem o bloqueio, Dantas poderia vender sua parte para terceiros. A estratégia de Dantas era convencer o juiz que a proposta de compra seria estendida a todos os sócios. Nesse caso, com o bloqueio ele seria prejudicado.
No pedido ao juiz, assinado pelo próprio Daniel Dantas, o Opportunity afirmava que “a Orascom procurou o Citibank para adquirir as ações do CVC Fund na Brasil Telecom.O Opportunity afirmava que a Orascom também estaria fazendo uma oferta pela parte da Telecom Italia.
Dois dias depois, no dia 2 de março de 2007, saiu matéria na “Folha”, com a notícia das investidas da egípcia Orascom Telecom. A matéria era de Janaína Leite (clique aqui):
A Orascom Telecom -braço do maior conglomerado egípcio- quer comprar o controle da Brasil Telecom (BrT), tele que é alvo da maior disputa societária da história do país.
A Folha apurou que a Orascom apresentou proposta nesta semana pelas ações em poder dos quatro sócios majoritários da empresa: Citigroup, fundos de pensão, Telecom Italia e Opportunity. (...)
(...) A Folha apurou que a proposta da Orascom pela parte do Citi e dos fundos de pensão na BrT os pegou de surpresa.
A notícia era falsa. O genérico "a Folha apurou" ajudava a esconder as fontes. Nem o Citi nem os fundos tinham recebido proposta alguma. E seria impossível o Citi receber a proposta isoladamente devido ao acordo firmado com os fundos, que obrigava a ambos apresentarem propostas conjuntas de venda, se aparecessem candidatos.
No dia seguinte, nova matéria de Janaína insistindo no tema (clique aqui).
Dizia a matéria:
O presidente da operadora egípcia OrascoTelecom, Naguib Sawiris, confirmou ontem a intenção de comprar a Brasil Telecom, como antecipou ontem a Folha.
(...) Naguib Sawiris afirmou que a Orascom fez só uma oferta -aos italianos - pela Brasil Telecom. Mas a Folha apurou que a empresa fez propostas verbais a outros sócios da Telecom Italia no bloco de controle da Brasil Telecom: Citigroup, fundos de pensão e Opportunity. Todos foram procurados nesta semana.
Os diálogos incluíram ainda a fatia que o Citi e os fundos detêm na Telemar e na Telemig.
Ou seja, o próprio Naguib preocupou-se em desmentir a notícia da “Folha”, mas não adiantou. Segundo Janaína, “a Folha apurou que a empresa fez propostas verbais a outros sócios”.
Na época, Janaina ainda não havia sido identificada como repórter ligada a Dantas. Essa matéria foi o primeiro sinal de alerta sobre as reportagens estranhas que conseguia emplacar na “Folha”.
No dia 22 de março de 2007, o informativo Teletime colocaria o ponto final a esse movimento:
Fonte qualificada próxima ao Citibank e aos fundos de pensão volta a afirmar a este noticiário: não passa de um movimento sincronizado com os interesses do especulador Naji Nahas e do Opportunity (...) Segundo a fonte, não existe nenhuma negociação ou oferta neste sentido. Citibank e Orascom têm negócios de outras naturezas, e naturalmente conversam, mas não há oferta. Até porque, qualquer oferta teria obrigatoriamente que ser feita em conjunto também aos fundos de pensão por força contratual, o que não aconteceu
O caso do dossiê Itália
São apenas alguns dos exemplos colhidos, de como se pode infiltrar uma jornalista em uma redação e conseguir, através do esquema dos dossiês, falsos, parcialmente verdadeiros, ou verdadeiros, direcionar o noticiário para as questões judiciais.
É isso o que veremos no próximo capítulo, que falará sobre o caso Angelo Jannone, e permitirá juntar as peças que revelam a ação conjunta dos dois jornalistas que mais praticaram esse lobby: Diogo Mainardi, com conhecimento de seus diretores; Janaína Leite, provavelmente valendo-se da falta de filtros de seu jornal.
O caso Farcs
Na edição de 16 de março de 2005, Veja cometeria mais um de seus malabarismos editoriais, com a matéria “Tentáculos das FARC no Brasil”
Foi matéria de capa. A ilustração era uma metralhadora e o texto incriminador:
“Espiões da ABIN gravaram representantes da narcoguerrilha colombiana anunciando doação de 5 milhões de dólares para candidatos petistas na campanha de 2002”.
Depois, outro texto:
“PT: militantes serão expulsos se pegaram dinheiro das Farc”.
Havia excesso de textos na capa, ferindo princípios básicos de clareza editorial. A revista estava em plena campanha, na sucessão de capas sobre Lula. E pouco se lhe interessava saber da consistência ou não das matérias. Nas páginas internas, ficaria mais claro o estilo Veja de criar matérias através da manipulação de ênfases.
Jogam-se acusações enfáticas. Depois, algumas ressalvas para servir de blindagem contra ações judiciais, seguidas de novas acusações taxativas.
O que se tinha, objetivamente, era um informe da ABIN (Agência Brasileira de Inteligência), uma página, três parágrafos e nada mais, na qual um agente infiltrado relatava um encontro em uma chácara, com um padre supostamente ligado às FARCs. O padre era conhecido como um mitômano, há muito tempo afastado do contato com as FARCs.
No encontro, teria mencionado o suposto financiamento à campanha do PT. Não havia nenhuma indicação a mais sobre isso. Na ABIN, não se levou a sério o informe.
Para sustentar a matéria, Veja assegurava que o informe tinha recebido tratamento relevante da ABIN e que havia documentos comprovando as doações. Não aceitou a palavra oficial da ABIN, de que nunca levou a sério o informe.
Esses documentos, comprovando as supostas doações, nunca apareceram, o caso morreu de morte morrida. E o fecho se deu este ano, com a curiosa explicação do diretor de redação Eurípedes Alcântara para o papel de Veja no episódio.
Mas, antes disso, acompanhe o desenrolar dessas matérias.
O ping pong das acusações
Nas páginas internas, a chamada era forte.
”Documentos secretos guardados nos arquivos da Abin informam que a narcoguerrilha colombiana Farc deu 5 milhões de dólares a candidatos petistas em 2002”
A matéria começava com afirmações taxativas:
”Nos arquivos da Agência Brasileira de Inteligência em Brasília há um conjunto de documentos cujo conteúdo é explosivo. Os papéis, guardados no centro de documentação da Abin, mostram ligações das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) com militantes petistas. (...) Em apenas uma folha e dividido em três parágrafos, esse documento informa que, no dia 13 de abril de 2002, um grupo de esquerdistas solidários com as Farc promoveu uma reunião político-festiva numa chácara nos arredores de Brasília. Na reunião (...) o padre Olivério Medina, que atua como uma espécie de embaixador das Farc no Brasil, fez um anúncio pecuniário. Disse aos presentes que sua organização guerrilheira estava fazendo uma doação de 5 milhões de dólares para a campanha eleitoral de candidatos petistas de sua predileção. A notícia foi recebida com aplausos pela platéia. Faltavam então menos de seis meses para a eleição. Um agente da Abin, infiltrado na reunião, ouviu tudo, fez um informe a seus chefes, e assim chegou à Abin a primeira notícia de que as relações entre militantes esquerdistas, alguns deles petistas, e as Farc podem ter ultrapassado a mera simpatia ideológica e chegado ao pantanoso terreno financeiro”.
O "anúncio pecuniário" - segundo a curiosa expressão da revista - era mencionado em três documentos da ABIN.
"Num deles, está descrita a forma de pagamento: o dinheiro sairia de Trinidad e Tobago, um pequeno país do Caribe, e chegaria às mãos de cerca de 300 pequenos empresários brasileiros simpáticos ao PT, que, por sua vez, fariam contribuições aos comitês regionais do partido como se os recursos lhes pertencessem".
Assim como na matéria sobre os “dólares de Cuba”, a operação era inverossímil. Como se poderia manter sob sigilo uma operação que envolveria 300 pequenos empresários brasileiros? Fugia ao bom senso. Mas a revista não se deixava intimidar e mandava o bom senso às favas:
Em outro documento, aparece a informação de que o acerto financeiro fora celebrado entre membros do PT e das Farc durante uma reunião realizada numa fazenda no Pantanal Mato-Grossense – e que os encontros de cúpula seriam articulados com a ajuda de Maria das Graças da Silva, uma funcionária da Câmara dos Deputados em Brasília que já militou no PC do B e seria amiga muito próxima do "comandante Maurício", apontado como a maior autoridade das Farc no Brasil.
Para se prevenir contra eventuais ações judiciais, incluíam-se as ressalvas, formando o estilo pterodáctilo já descrito em outro capítulos:
A apuração comprovou a reunião, o local, a data e os personagens. Só não encontrou indícios suficientemente sólidos de que os 5 milhões de dólares tenham realmente saído das Farc e chegado aos cofres do PT. A doação financeira é dada como realizada pelos documentos da Abin, mas a investigação de VEJA não avançou um milímetro nesse particular. Pode ter sido apenas uma bravata do padre Olivério Medina, codinome de Francisco Antônio Cadenas Colazzos, para alegrar seus convivas esquerdistas? Pode. Além da convocação manifestada nos documentos da Abin, a revista não encontrou elementos consistentes para que se faça uma afirmação sobre esse aspecto.
O expediente era o mesmo adotado na capa sobre o falso dossiê das contas de autoridades brasileiras no exterior. Depois da ressalva salvadora, voltavam as acusações, em um ping pong devastador de princípios jornalísticos e de lógica.
Os documentos mostram que as informações ali contidas foram checadas (pela ABIN) com afinco. (…) O documento 0095/3100, de 25 de abril de 2002, o principal entre todos os que narram as ligações entre militantes petistas e as Farc, passou por todas essas etapas e acabou com um carimbo de "secreto". Isso significa que suas informações eram críveis e seu conteúdo tinha consistência suficiente para ser levado ao conhecimento do presidente da República.
Na edição seguinte, de 23 de março de 2005, a matéria receberia uma suite no mesmo estilo. Primeiro, um sonoro desmentido da Abin:
VEJA noticiou que o auxílio financeiro aparecia no documento número 0095/3100, datado de 25 de abril de 2002 e classificado como "secreto". Tudo isso foi confirmado pelo general (Jorge Armando Felix), mas houve um adendo categórico. O general disse que a informação sobre a doação de 5 milhões de dólares não foi levada a sério pela Abin, que a encarou como "um boato" e arquivou o documento.
A revista não aceitava as explicações. Ponto.
A explicação oficial até faz sentido, mas não é verdadeira.
Na semana passada, VEJA voltou a entrevistar o espião que, infiltrado no movimento sindical em Brasília, abastecia a Abin com informações sobre as Farc e suas relações financeiras com o PT. (…) Esquerdistas convidaram-no para participar da criação de um comitê em defesa da guerrilha colombiana. O espião topou e passou a participar de reuniões, quase sempre reservadas. Até que sua rotina foi quebrada, no dia 13 de abril de 2002, quando participou da reunião político-festiva de esquerdistas pró-Farc na chácara Coração Vermelho, situada nos arredores de Brasília. Foi nessa reunião que o espião ouviu o padre Olivério Medina, embaixador da guerrilha no Brasil, falar da doação de 5 milhões de dólares para a campanha de Lula em 200.
Veja informava ter entrevistado em cinco ocasiões o coronel Eduardo Adolfo Ferreira, que recebia os informes do espião:
Os memoriais, nome dado a um conjunto extenso de relatórios, eram encaminhados diretamente à então diretora da Abin, Marisa Del'Isola. "A Abin em São Paulo até rastreou o que seria uma parte do dinheiro das Farc para o PT." O coronel contou que, com a ajuda do setor de inteligência da Polícia Federal, a Abin obteve três ordens de pagamento, somando cerca de 1 milhão de dólares, com indícios de que se tratava de parte do dinheiro das Farc para o PT. "Não podemos afirmar que era o dinheiro da guerrilha mesmo. Eram indícios. Indícios fortes, mas a investigação parou quando o PT ganhou as eleições e eu saí da Abin", contou. (…)
O coronel diz que, nos arquivos da Abin, há gravações em áudio das promessas das Farc de ajudar o PT e, também, cópias das três ordens de pagamento.
Com acesso à fonte, por que a revista não exigiu a apresentação das cópias - ainda que sob o compromisso de não publicá-las? Qual a razão para não ter ido atrás do elemento que não apenas consolidaria a capa, como seria o grande furo da reportagem?
Na semana passada, o espião do caso Farc disse que está disposto a contar tudo o que sabe no Congresso, desde que seu depoimento seja tomado em reunião fechada. Diante dessa possibilidade, VEJA consultou o senador Demostenes Torres, do PFL de Goiás, membro da comissão que apura a história. O senador disse que, publicada a reportagem da revista, faria o pedido para ouvir o espião. Disse também que convocaria o coronel Ferreira. Diz o senador: "As declarações dos dois, se confirmadas, revelam que a Abin compareceu à comissão do Congresso e ocultou a verdade dos parlamentares. É grave". É grave mesmo.
Um factóide que não teve suite. Nem da própria revista.
Escrever pensando
No dia 24 de janeiro de 2008, o diretor de redação de Veja, Eurípedes Alcântara, proferiu palestra para os alunos do Curso Abril de Jornalismo (clique aqui).
No intertítulo “As marcas de Veja”, Eurípedes descreve a receita de jornalismo praticado pela revista.
O Diretor de Redação expôs alguns pontos essenciais para a produção da revista. Um deles é o controle que o repórter precisa ter sobre a matéria. "Não é a pauta ou a fonte que têm de dominar o jornalista", disse.
Provavelmente, nem a informação pode servir de limitação. Segundo a aula de Eurípedes, Veja pratica o conceito de “escrever pensando”:
Outro ponto é a diluição de conteúdo opinativo em meio às reportagens, a qual Eurípedes chama de "escrever pensando". O jornalista ponderou sobre as diversas interpretações dos críticos sobre determinadas reportagens da revista. "Você só pode ser cobrado por aquilo que escreve. Não pelo que interpretam".
Cobrado pela capa das FARCs, explicou o que a revista fez:
"A Veja disse que a Abin estava investigando. Não disse que Lula recebia de guerrilheiros. Isso é uma interpretação".
De fato, tudo não passou de uma grande interpretação, com direito a capa.
O caso Ivo Cassol
No capítulo O Araponga e o Repórter mostrou-se como Veja não relutou em se associar ao banditismo e ao submundo.
Lá, se contava que a principal fonte da revista - no episódio do vídeo sobre o funcionário dos Correios recebendo propina - foi um empresário que, poucos anos depois, foi flagrado em uma das operações da Polícia Federal. O material fornecido serviu para o lobista afastar concorrentes e o empresário restaurar seu esquema de corrupção - que funcionou sem ser incomodado até a PF estourá-lo.
Esse jogo de alianças espúrias com o submundo não terminou aí. A prática de vender a alma ao diabo em troca de informações e manipulá-las, atropelando princípios básicos de jornalismo, prosseguiu mesmo após a catarse do "mensalão".
É o que ocorreu no episódio recente, em que Veja se aliou ao governador de Rondônia , Ivo Cassol (sem partido ex-PPS).
No caso do grampeador, nas duas pontas não havia mocinhos. No caso do governador, a revista aceitou deliberadamente assassinar a reputação de um homem da lei, de reputação ilibada, que durante anos, combateu duramente o crime organizado de Rondônia.
Quem é Ivo Cassol, o governador de Rondônia?
Em 2004 foi acusado de comandar um esquema de extração clandestina de diamantes e contrabando de ouro na reserva indígena Roosevelt, dos Cintas-Largas (clique aqui).
Em 2005 foi julgado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), acusado de ter cometido irregularidades quando prefeito de Rolim de Moura (clique aqui).
Em 2007, o procurador-geral da República, Antonio Fernando de Souza, denunciou-o ao STF (Supremo Tribunal Federal) por compra de votos, formação de quadrilha e coação de testemunhas (clique aqui).
No dia 13 de abril de 2008, reportagem do Fantástico sobre a Operação Titanic, da Polícia Federal, comprometia Cassol até a medula (clique aqui):
"Exclusivo. Você vai conhecer os bastidores da Operação Titanic. A ação da Polícia Federal acompanhou os passos de uma quadrilha que envolveu até um governador de estado no golpe dos carrões importados.
Dentro de um galpão estão dezenas de milhões de reais em forma de carros e motos importados. São super máquinas que chegam a valer R$ 2 milhões no Brasil. Super máquinas subfaturadas.
“30% a 40% menores aos preços de mercado”, diz a procuradora da República (ES) Nádja Machado Botelho.
A Justiça investiga a participação de um governador e do filho e do sobrinho dele na obtenção de facilidades para o esquema.
Nos vídeos e fotografias da investigação a que o Fantástico teve acesso, você vai saber como a Polícia Federal seguiu o filho do governador de Rondônia, Ivo Cassol, durante a chamada Operação Titanic, para desmascarar a quadrilha da sonegação (...).
Adriano se tornou conhecido nacionalmente em 2006, ao ser flagrado agredindo uma mulher depois de uma batida de trânsito. No mesmo ano, a Polícia Federal apreendeu seis carros de luxo que ele havia importado. Uma lancha que ele comprou do megatraficante colombiano Juan Carlos Abadía, capturado em 2007, também foi apreendida".
Este é Ivo Cassol.
A reportagem armada
No dia 23 de abril de 2008 Cassol já era conhecido nacionalmente, através de reportagem-denúncia de um dos programas de maior audiência da televisão, o Fantástico, divulgado apenas dez dias antes, quando começou seu jogo com a Veja.
A revista denunciava um suposto seqüestro falso de um procurador federal e um funcionário da ONU pelos índios cintas-largas. Segundo a revista, o seqüestro teria sido simulado para dar evidência aos personagens.
"Os cintas-largas, de Rondônia, estão entre as etnias indígenas mais hostis do Brasil. Em 2004, eles massacraram 29 garimpeiros a tiros, flechadas e pauladas. Com esse histórico, não tiveram dificuldade em ganhar as páginas dos jornais do mundo inteiro, em dezembro do ano passado, quando anunciaram o seqüestro de um membro do Alto Comissariado de Direitos Humanos da ONU, um procurador da República e outras três pessoas".
As provas apresentadas pela revista eram um vídeo (de dois anos antes, que nada tinha a ver com os cintas-largas), fotos do representante da ONU tomando banho de rio e do procurador falando ao celular.
"Numa das cenas, que ilustra esta página, vê-se o funcionário da ONU, o espanhol David Martín Castro, muito satisfeito, tomando banho de rio com seus supostos carcereiros. No dia em que deixou a reserva, Martín Castro fez um discurso emocionado em homenagem a seus anfitriões. "Agradeço pelas ‘picanha’ e pela festa", disse. As "picanha" às quais ele se referiu vieram de bois abatidos – um por dia – pelos índios para comemorar sua "visita" à aldeia. Depois do discurso, ao som de palmas e brados de felicitação, os cintas-largas presentearam o espanhol com um colar. O procurador Reginaldo Trindade recebeu tratamento semelhante.
O texto continha cacos primários, toscos, típicos da atual fase da revista, como esta pérola:
"Em janeiro, Márcio Meira, presidente da fundação, nomeou para o cargo o cacique Nacoça Cinta-Larga, um dos indiciados pelos assassinatos dos garimpeiros. Como se vê, esse Nacoça só não é paçoca porque as autoridades da região pouco fazem para impor o respeito às leis".
Em nenhum momento se mencionava o nome do governador Ivo Cassol. E a versão do procurador foi desconsiderada.
Ele afirmava ter ido à aldeia, acompanhado do representante da ONU, para convencer os cintas-largas a abandonarem a extração ilegal de madeira e de diamantes. Levava a proposta do governo, de alternativas à exploração irregular.
Houve uma discussão com os índios. A liderança principal defendia o fim imediato da extração e negociação com governo. Outro grupo defendia que devia continuar até ter garantia maior de que o governo iria cumprir a sua parte. Concluiu-se que só poderiam aceitar na presença do presidente da Funai. A posição dos índios foi então de que ninguém sairia dali até o presidente da Funai chegar.
Não foi um seqüestro, no sentido clássico, mas uma restrição de liberdade, para poder resolver de vez a questão. Nem o representante da ONU foi proibido de tomar banho de rio, nem o procurador de falar ao telefone.
Montando o dossiê
Saber quem é esse procurador, e seus embates com Cassol, ajudará a entender a montagem.
Antes do esquema ser desbaratado pela Operação Titanic, da Polícia Federal, a única força a enfrentar Cassol e seu grupo político era o procurador Trindade. Especialmente em questões envolvendo a área indígena.
Há anos Cassol buscava desmoralizá-lo, em uma típica tática de assassinato de reputação, visando enfraquecer os inquéritos contra ele.
A matéria da Veja foi inteiramente baseada em documentos e vídeos levantados por uma jornalista (na verdade, uma cabeleireira), de nome Ivonete Gomes, de um site chamado “Rondoniagora” (www.rondoniagora.com).
A jornalista-cabeleireira cumpre para Cassol o mesmo papel que o blogueiro Reinaldo Azevedo para a Veja: tentativas de assassinato de reputação de adversários. Sempre que pretende atingir a reputação de alguém, ou mandar recados, Cassol a aciona.
Quando estourou a Operação Titanic, a Polícia Federal de Rondônia abriu um inquérito, no qual a farsa montada veio à tona. Ouvido, um comerciante de pedras contou como Ivonete preparou o dossiê contra o procurador Trindade.
Para fabricar o dossiê, Casso se valeu das verbas publicitárias do Estado para financiar um "documentário" sobre a extração ilegal de diamantes na reserva Cinta Larga e colocou oficiais da PM e funcionários cooptados da Funai para buscar informações que pudessem ser usadas contra o procurador Trindade. Na investigação aberta pela PF, constatou-se que Ivonete Gomes, a jornalista-cabeleireira, forçava as pessoas a falarem mal do procurador.
Montado o dossiê, foi encaminhado à revista Veja, juntamente com fitas de vídeo, que não corroboravam a tese da revista sobre o "seqüestro fajuto".
O caminho para conquistar a cumplicidade da Veja foi fácil. Bastou insinuar que o procurador era ligado ao PT e Cassol um agente da modernidade contra o atraso representado pelos índios cintas-largas. E, depois, confiar no amadorismo, na falta de discernimento e de isenção da direção da revista.
O resto ficou por conta da parcialidade da revista.
Trindade foi contatado na sexta de manhã, com o prazo para apresentar sua defesa até o meio dia. Conseguiu, no prazo concedido, enviar 17 laudas de explicações para a Veja. Não saiu uma linha, nem na seção de cartas.
No dia seguinte, e por vários dias depois, o site Rondoniagora replicou a notícia de Veja para instigar a população contra o procurador. Cassol usou o quanto pôde a matéria.
Armação desmontada
No dia 25 de junho último, a revista CartaCapital publicou reportagem de Leandro Fortes, enviado especial a Rondônia (clique aqui). Leandro tinha ido com a incumbência de levantar o submundo político montado por Cassol. Acabou identificando a farsa do dossiê:
"Instalada em uma lojinha de subsolo na zona rural do município de Espigão D’Oeste, em Rondônia, onde negocia a compra e venda de diamantes, Edvaneide Vieira de Oliveira, de 35 anos, foi convocada pela Polícia Federal, há pouco mais de um mês, para depor.
No depoimento à PF, Edvaneide disse ter sido procurada pelas repórteres Ivonete Gomes e Marley Trifílio, ambas do Rondoniagora, noticiário francamente favorável ao governador Ivo Cassol (sem partido), em dezembro de 2007, para uma “videorreportagem”. Segundo a comerciante, as duas, no entanto, se apresentaram como repórteres do jornal O Estado de S. Paulo e pediram a ela para falar sobre um seqüestro sofrido pelo procurador Reginaldo Trindade no fim de 2007, pelos índios cinta-larga, juntamente com um representante das Nações Unidas, o espanhol David Martín Castro. (...)
No depoimento tomado pelo delegado federal Rodrigo Carvalho, Edvaneide de Oliveira afirmou que Ivonete Gomes (“meio gordinha, cabelo com reflexos loiros, comprido”), e Marley (“gordinha, cabelo com reflexos, mais curto”) queriam que ela “inventasse uma história para comprometer algum político, empresário ou autoridade conhecida” e, também, acusasse o procurador Trindade de estar “fazendo lobby para alguma pessoa forte”. Segundo a comerciante, Ivonete revelou ter ido lá “só para isso”. Mais adiante, relatou Edvaneide, a repórter teria apresentado uma lista de nomes para ligar o suposto lobby de Trindade a “alguém muito forte”, mas ela não concordou em referendar nenhum dos nomes. A comerciante acusa as jornalistas, ainda, de terem oferecido dinheiro em troca de um depoimento contra o procurador".
Acabo de conversar com o procurador Reginaldo Trindade, de Rondônia. Desde que saiu a matéria da Veja, ele não consegue mais trabalhar. A armação contra ele foi ampla.
A matéria saiu no domingo. Na quinta-feira, portanto em apenas quatro dias, o governador Ivo Cassol já enviava uma denúncia para o Conselho Nacional do Ministério Público, baseada na reportagem da Veja. Desde então, Trindade está com todo seu tempo tomado para responder à representação do Conselho.
A denúncia encaminhada por Cassol ao CNMP continha todos os elementos mencionados pela revista, mais alguns adicionais. De seu lado, por mais que tentasse, o procurador Trindade não conseguiu que a revista lhe enviasse o material, nem mesmo após a publicação da matéria, sob a alegação de “sigilo de fonte”.
Na mesma quinta-feira, coincidentemente, reuniu-se em Porto Velho a SubComissão do Senado para Apurar a Crise Ambiental da Amazônia. O relator era o senador Expedito Junior – que, logo depois, seria envolvido com Cassol na denúncia formulada pelo procurador geral da República. Na reunião, Cassol exigiu em altos brados punição para Trindade, com base nas denúncias publicadas pela revista. Segundo ele, Trindade estaria estimulando a exploração de madeiras pelos índios.
Na fronteira da civilização, em pleno faroeste brasileiro, um homem da lei, um procurador federal, correndo riscos de vida e de reputação, buscando cumprir sua missão, de impor as leis da Federação sobre a selvageria de quadrilhas. E foi alvejado pela revista Veja. Sua reputação foi manchada em todo o país, foi-lhe suprimido o direito de defesa durante a matéria e após. A revista não publicou uma retificação sequer.
Em maio, após uma manifestação de todo MP de Rondônia, Cassol cessou a campanha contra Trindade.
Mas uma conta ficou em aberto: os ataques de Veja. Até hoje não se publicou nenhuma retificação, nenhuma carta contestando os ataques.
A defesa do procurador
No dia 4 de julho passado, o Procurador Reginaldo Trindade apresentou sua defesa co Conselho Nacional do Ministério Público.
São 109 páginas. O item 9 aborda o “comportamento não condizente do repórter responsável pela matéria na revista Veja, José Edward”. Clique aqui.
A relação de manipulações é ampla.
Fato 1 - O repórter entrou em contato com o procurador, informando-o do teor da matéria e querendo ouvir sua versão. O procurador solicitou que as perguntas fossem feitas por escrito, para evitar distorção em suas palavras. Vieram as perguntas.
Seguiram as respostas, em várias páginas. Nenhuma resposta, nenhuma ponderação foi incluída na matéria. Na manhã de sexta-feira, 18 de abril, o repórter entrou em contato com o procurador de novo. Mas provavelmente a edição da revista já tinha fechado.
Fato 2 - O repórter ligou para o motorista Mauro Bueno Gonçalves, para tentar levantar se houve encenação na detenção do procurador e do representante da ONU.
O relatório traz trechos do depoimento do motorista no inquérito aberto:
“E passado já alguns meis (sic) no dia 18/04/08 fui procurado pelo um reporte da VEJA por nome de José que perguntou como foi que aconteceu falei como foi ele perguntou sobre Reginaldo e o David como eles ficarão. Dise o que presenciei e o que vi. Das pergunta que o reporte fez a mim nada foi dito pela VEJA o que esta no site. São palavra diferente.” (fls. 35 dos autos; sic).”
A chave do carro tinha sido tomada à força do motorista pelos índios. A reportagem ignorou a informação. O motorista informou de golpes violentos desferidos pelos índios na mesa e nos livros do procurador. A informação não foi considerada.
O motorista prestou depoimento à Polícia Federal, voltando a reiterar o comportamento do repórter:
“QUE sim, foi procurado via telefone por um repórter da revista Veja, o qual se apresentou como José e lhe fez algumas perguntas, as quais indagavam acerca de um 'falso seqüestro' cometido pelos indígenas contra o Procurador da República e um Representante da ONU, sendo que o declarante respondeu ao jornalista que o seqüestro realmente ocorreu, nada foi fajuto, não havendo indícios de que tudo tenha sido tramado; QUE o jornalista continuou a fazer perguntas sobre o seqüestro, indagando acerca da alimentação dos mesmos durante o tempo em que permaneceram na aldeia, além de outras perguntas pertinentes, sendo que lhe foi respondido da mesma forma em que está respondendo aos quesitos deste termo de declarações; QUE após, publicada uma matéria pela revista Veja, distorcendo as respostas que o declarante teria dado ao referido jornalista.” (fls. 36/37 da 1ª parte de documentos que instrui a presente).
Fato 3 - O repórter chegou a procurar o próprio Almir Suruí, chefe indígena, encaminhando perguntas por e-mail. Almir negou firmemente ter havido simulação do seqüestro. Mas sua resposta também não foi levada em consideração.
Fato 4 - Também foi consultada Ivaneide Bandeira Cardozo, a “Neidinha”, da ONG indígena Kanindé. Seu depoimento foi desconsiderado. Ela enviou carta ao procurador:
“Fui entrevistada pelo repórter José Edward da Revista Veja (MG), no dia 10 de abril, que fez a mesma pergunta, e respondi que não era verdade, que havia invasão de madeireiros por conivência da FUNAI e alguns índios.” (fls. 74 da 1ª parte dos documentos ora apresentados)”.
Ivaneide enviou um segundo e-mail ao procurador, manifestando sua impressão de que o repórter fosse ligado ao governador Ivo Cassol.
A percepção geral em Rondônia foi dessa cumplicidade, devido à coincidência de, apenas quatro dias após a publicação da reportagem, o governador de Rondônia formulou representação à Sub-Comissão do Senado para Acompanhar a Crise Ambiental na Amazônia “calcada na reportagem, mas lastreada em diversos documentos e vídeos “não exibidos pelo site da revista”.
Não foi a primeira vez que Veja atuou dessa maneira. No episódio de assassinato de reputação de Edson Vidigal (clique aqui), a revista anunciava uma representação contra ele, no Conselho Nacional de Justiça, que foi feita dias depois, mas tomando por base a própria reportagem da revista – em um evidente conluio com as fontes, no episódio em questão provavelmente Daniel Dantas.
O lobista de Dantas
Na longa noite de São Bartolomeu, tudo foi permitido à direção da revista Veja. Poucas vezes se assistiu na imprensa brasileira a tal festival de violência gratuita, de deslumbramento, de demonstração de força, de ataques generalizados contra a honra de terceiros, atropelando normas básicas de jornalismo como novos ricos do poder.
Assemelhavam-se a um bando de alucinados armados, atirando contra qualquer vulto que se mexesse à sua frente.
Muitos episódios ficarão na lembranças dos leitores. Não apenas as capas - de uma agressividade incompatível com uma grande publicação -, mas as matérias estranhas de assassinatos de reputação em disputas comerciais, a manipulação da lista dos livros mais vendidos para beneficiar um diretor da revista.
Dentre todos os assomos de anti-jornalismo, quando todos os detalhes forem conhecidos, a herança que terá desdobramentos , será os motivos que levaram a direção da revista a permitir que o colunista Diogo Mainardi praticasse o mais escancarado lobby empresarial que a grande imprensa brasileira tida por séria já produziu. E em defesa do mais polêmico empresário brasileiro, Daniel Dantas, preso pela Polícia Federal sob a acusação de formação de quadrilha.
O episódio é relevante para se aprofundar sobre o papel da mídia nesse jogo, dos jornalistas que, sob a batuta de Dantas, manipularam informações com o claro intuito de influenciar o Judiciário.
É o caso de Diogo Mainardi.
Desde a morte de Paulo Francis se apresentaram vários candidatos à sua sucessão. No Estadão, Daniel Piza; na Folha (depois no Estadão) e no sistema Globo, Arnaldo Jabor, que acabou levando o cetro por seu conhecimento, talento e histrionismo. E uma malandragem tipicamente franciana.
Mainardi foi a aposta de Veja, forçada em quem não dominava princípios básicos de política, economia, de história e tinha evidente dificuldade em diversificar temas para suprir uma coluna apenas semanal.
Copiava Jabor. Mas sem sua cultura e talento, a diferenciação se dava na grosseria e na certeza de contar com as costas largas da Abril - garantindo advogados e pagamento das condenações pecuniárias.
Rompidos os limites jornalísticos, o que se seguiu foi mera conseqüência.
As ligações com Daniel Dantas surgiram a partir de 2005. Dois episódios em particular expuseram a revista de maneira imprudente.
O primeiro foi na confusão em que a revista se meteu no episódio das contas de autoridades no exterior (O dossiê falso). Como se recorda, o material foi fornecido por Dantas; o editor incumbido de ir atrás apurou que era falso. Para salvar a cara de Dantas, o diretor da revista Eurípedes Alcântara incumbiu Mainardi de conseguir uma “entrevista” com o banqueiro, que serviria como contrapeso à revelação sobre a falsificação (O dossiê falso).
Mainardi trouxe um relatório claramente preparado pelos próprios advogados de Dantas, com as perguntas e respostas prontas. O amadorismo editorial da revista não a levou sequer a adaptar a entrevista aos padrões da própria revista – consolidados há três décadas, pelo menos.
À esquerda o padrão de edição ping-pong. À direita a "entrevista" feita por Mainardi
O segundo – mais grave – foi nos eventos que cercaram as negociações da Brasil Telecom com a Telemar.
Para se prevenir contra denúncias, que poderiam enfraquecer sua posição negocial, Dantas acionou Mainardi de forma intensa. Criou-se um gancho – o tal relatório que estaria sendo preparado pelo Ministério Público italiano, cujas informações Mainardi vazava seletivamente.
Mainardi passou a mencioná-lo constantemente, com insinuações de que conteriam denúncias contra jornalistas brasileiros que supostamente teriam sido subornados.
Aqui no Blog, desafiei-o a abrir as informações, com base em um princípio elementar: jornalista (ainda que parajornalista) que diz ter uma informação, não a divulga e a utiliza como ameaça é chantagista. O desafio desarmou o blefe. E aí Mainardi se perdeu.
A série "O Caso de Veja" já conseguira chamar a atenção da opinião pública esclarecida, incluindo as redações. Os capítulos acabaram jogando um holofote sobre sua atuação.
Mesmo assim, não parou, provavelmente devido a compromissos que o impediriam de interromper o lobby. As negociações entre Dantas e os controladores da Telemar estavam a pleno vapor. As denúncias vazadas para Mainardi visavam coibir as críticas - através de chantagem explícita -, enrolar a opinião pública de maneira a fortalecer a posição de Dantas. Em plena batalha, não se viu em condições de suspender sua operação.
Com a credibilidade abalada, decidiu publicar uma nova coluna e colocar na Internet o tal relatório, em PDF. Foi sua perdição. Leitores do Blog constataram que, ao contrário do que Mainardi afirmava, o relatório fora escaneado no Brasil, páginas haviam sido suprimidas denotando manipulação.
Nesse ínterim, a revista CartaCapital conseguiu entrevistar Angelo Jannone, ex-chefe da segurança da Telecom Italia no Brasil - e alvo de investigações do Ministério Público italiano. Mainardi julgou que tinha conseguido o seu álibi.
Um roteiro para entender
Antes de avançar no nosso roteiro, vamos entender melhor o papel de cada personagem na novela italiana.
Nos primeiros anos à frente da Telecom Italia, o cappo da Pirelli Tronchetti Provera entrou em guerra comercial pesada contra Daniel Dantas.
Àquela altura, contratada por Dantas a Kroll atuava a todo vapor, grampeando autoridades, jornalistas, alimentando a imprensa cooptada. Para enfrentá-la, foi enviado ao Brasil o ex-carabineiro Angelo Jannone, que acabou sendo peça central na divulgação do chamado “ dossiê Kroll”- que, comprovando grampos em autoridades brasileiras, levou à abertura do inquérito pela PF e pelo MP.
O chefe de Jannone era Giuliano Tavalori - que foi preso por um ano, sob a acusação de comandar o esquema de espionagem da companhia, em um inquérito que apurava escândalos da Parmalat italiana.
Tavalori tinha como assessor Marco Bernardini, personagem menor do jogo, ex-agente do serviço secreto italiano, que deixou a função para trabalhar na Global, agência particular de investigações de Gianpaolo Spinelli, ex-agente da CIA.
Em determinado momento, esse Bernardini procurou a justiça italiana e passou a fornecer espontaneamente um conjunto de informações sobre o Brasil.
Em um inquérito, as informações de uma testemunha são colocadas sem juízo de valor. Mais tarde, caberá às investigações, a ao juiz, decidir se são falsas, verdadeiras ou não comprováveis.
No meio do caminho, surgiu também uma tradutora que passou a distribuir informações para a imprensa brasileira.
Com base nas declarações de Bernardini e da tradutora, montou-se o esquema jornalístico de Dantas na imprensa brasileira – tendo como ponta de lança as colunas de Mainardi.
Tornou-se quase um jogo de tiro ao pato. Bastava Bernardini formular qualquer suspeita, as declarações irem para o inquérito, o inquérito ser vazado para os jornalistas do esquema e estes fuzilarem os recalcitrantes. Qualquer nome que entrasse na história, ainda que mencionado de passagem, era exposto como suspeito por Mainardi, em colunas que, mesmo não fundamentadas, ecoavam em 1,2 milhão de exemplares.
A estratégia de procurar manipular o Judiciário com informações falsas ou dirigidas tornou-se escancarada. Na coluna em que mencionava o relatório, Mainardi informava que o estava encaminhando às autoridades judiciais. A manipulação não se limitava mais a produzir factóides, informações falsas ou verdadeiras que eram aproveitadas por Dantas nos diversos processos que enfrentava. Agora, era a entrega direta da documentação a juízes.
Mainardi se expõe
Voltemos, agora, à entrevista da CartaCapital com Angelo Jannone (clique aqui).
Aparentemente assustado com a revelação da sua jogada com Dantas, Mainardi apelou para o testemunho de Jannone, mencionando a entrevista como comprovação da sua inocência e confirmação das fontes a que tinha acesso. Segundo ele, Jannone seria uma delas. E, aí, escancarou a guarda e permitiu juntar as últimas peças que faltavam para entender sua atuação.
Indagado pela CartaCapital se havia sido procurado por alguém da Veja, Jannone respondeu:
AJ: Uma vez, pelo telefone, me procurou o Mainardi. Creio que quem deu meu número foi um jornalista italiano. O mesmo a afirmar que os documentos do processo em andamento por aqui eram passados a Mainardi pelo próprio Bernardini.
CC: Quando Mainardi telefonou?
AJ: Em 2006. De saída, Mainardi disse saber que sou um bom sujeito, em seguida declarou sua intenção de perseguir a turma do PT por ter certeza de que recebera propinas.
Foram essas as declarações de Jannone.
No dia 8 de abril de 2008, em seu podcast semanal, Mainardi declarou o seguinte:
"Em vez de mentir a meu respeito, declarando que fabriquei o documento, o araponga da Telecom Italia reconheceu sua autenticidade, dando até o nome do indiciado que o teria remetido para mim".
Jannone apenas mencionara que recebeu um telefonema de Mainardi em 2006. Não havia uma palavra sequer sobre o documento publicado por Mainardi.
Mainardi prosseguia:
"Além de me acusar de ter forjado documentos, a ala mais aloprada da imprensa paraestatal me acusou também de inventar fontes jornalísticas na Itália. O entrevistado de Carta Capital desmentiu os aloprados. Numa enfiada só, ele revelou três de minhas fontes: ele mesmo, um jornalista e o indiciado que me teria repassado os documentos oficiais do tribunal italiano".
Jannone simplesmente não se referira a fontes ou documentos. Mainardi se fiava na diferença de cobertura da Veja em relação à CartaCapital para desenvolver uma tese fantasiosa.
"A imprensa paraestatal ficou meio abobalhada com esses dois desmentidos, tanto que engendrou uma trama ainda mais fantasiosa do que a anterior: sim, os documentos que publiquei talvez fossem verdadeiros, mas nesse caso o próprio inquérito italiano estaria contaminado por Daniel Dantas. Além de manipular dossiês, Mainardi manipulava as denúncias. A denúncia era de que o relatório manipulava dados do inquérito da polícia italiana".
A denúncia é que o arquivo de Mainardi mostrava claramente diferenças de numeração, indicando que quem o montou poderia ter misturado peças do inquérito italiano com outras de fora.
O documento tem duas numerações. Uma aparentemente a numeração oficial do inquérito. Outra, uma numeração específica do documento. Por exemplo, foram escondidas as 135 primeiras páginas do inquérito original.
Esse estilo de falsear verdades, inventar declarações, criar acusações falsas para poder rebatê-las permeou toda a atividade do colunista nesses anos todos.
Em seu Blog, Jannone publicou um texto em italiano, com o seguinte conteúdo (traduzido):
"Nesse meio tempo, o "segredo" foi revelado: os documentos publicados por [Janaína] Leite e [Diego] Mainardi saíram de repartições do judiciário brasileiro, aos quais não chegaram por canais oficiais (Procuradoria de Milão), mas oficiosos. Interessante! Ficou completo, desse modo, o serviço prestado aos investigados no inquérito brasileiro (Operação Chacal). Ou seja: textos são introduzidos no processo italiano, as declarações (que se transformam em declarações oficiais) acabam chegando por canais misteriosos àqueles que os fornecem ao Ministério Público brasileiro, e alguns deles, por sua vez, à imprensa. Salva-se a cara, salva-se o processo. Só não se salva a verdade".
A entrevista com Jannone
Não existem mocinhos nessa história, mas vamos à versão de Jannone - que poderá ser conferida nos áudios anexados ao capítulo - que ajuda a colocar algumas peças que faltam nesse quebra-cabeças.
Conta Jannone que, na sua primeira apresentação aos promotores, Bernardini apresentou - sem nada comentar - a reportagem de capa de Veja sobre as tais contas secretas de autoridades brasileiras no exterior (“O Dossiê Falso”). A mesma capa que Eurípedes procurou salvar colocando Mainardi para simular a entrevista com Dantas.
Jannone diz mais: no inquérito italiano, o advogado de Bernardini afirma que na última vez que veio ao Brasil foi para encontrar-se com Marcos Valério - o publicitário que ajudou a financiar o "valerioduto" e que tinha a conta da Telemig Celular, no tempo em que era controlada pelo Opportunity.
Seu depoimento, somado às matérias que têm saído de jornalistas ligados a Dantas, permitem identificar nitidamente a estratégia de Mainardi, com a qual a direção de Veja passou a compactuar, com Eurípedes servindo de avalista junto à Abril – sustentando que as colunas se baseavam em provas concretas.
A entrevista com Jannone foi gravada com sua autorização. Reproduzo trecho a trecho para facilitar a compreensão dos leitores.
Trecho 1 - Jannone diz que o inquérito começou com declarações mentirosas de fontes. No começo não conseguiu entender. Depois, ficou mais claro. No início de sua "colaboração" com a justiça italiana, Bernardini ficou falando do Brasil. Ele não conhece o Brasil, nem tem cabeça refinada para falar o que falou, diz Jannone. A imagem que Bernardini tentava passar era de uma Polícia Federal brasileira corrupta. políticos corruptos, e Jannone responsável pelos subornos. A coisa mais estranha, diz Jannone, é que no primeiro dia de interrogatório dele, entregou aos promotores, sem nada comentar, a famosa reportagem da Veja que falava de contas bancárias do presidente Lula, do chefe da Polícia Federal, Lacerda. Mas de forma estranha, sem comentar, como se outra pessoa tivesse dito a ele: se você vai lá, entrega isso.
Trecho 2 – depois apareceu uma testemunha, esta Araújo (a tradutora), contando uma história absurda, de ter ouvido, como tradutora, conversas entre funcionários da Telecom Italia que falavam de corrupção e propinas a políticos brasileiros. E que estas conversas chegaram do Brasil por meio de Angelo Jannone. A tradutora fala que conversas estavam armazenadas em uma pasta de computador chamada "Telegrafo". Os promotores não perceberam que a pasta já tinha sido entregue por mim, diz Jannone. E que conversas não eram entre executivos da Telecom Italia, mas de um amigo conversando com lobistas e executivos da Brasil Telecom, que contavam a ele como a Alcatel, a Ericsson, todas essas empresas de tecnologia, tinham que pagar propina para obter trabalhos na Brasil Telecom. E pagavam ao banco do Dantas. "Depois vou descobrir, analisando os documentos do processo de Milão, que o advogado de Bernardini viaja muito frequentemente para o Brasil e é amigo do Marcos Valério", diz Jannone.
Trecho 3 – diz ter sido preso por causa do Bernardini que contou "histórias absurdas". Depois, Dantas, que chegou à Itália "contando essa história fabulosa de que foi vítima de conjura preparada por Angelo Jannone contra ele, quando todo mundo sabe no Brasil que a investigação da Polícia Federal aconteceu independentemente da história da Parmalat", diz Jannone. Os promotores não vão aprofundar esses esforços no Brasil, porque na opinião deles o Brasil é país de corruptos, então não precisa fazer rogatórias no Brasil.
Trecho 4 – Jannone se diz vítima de declaração caluniosa do Dantas, que chegou na Itália afirmando que jornais brasileiros falavam que Jannone muito próximo à Polícia Federal. Era mentira, diz Jannone, que afirma ter tomado conhecimento dos documentos de investigação da PF através de um jornalista do JB.
Trecho 5 – quando foi fechado acordo entre Telecom Italia e Dantas, provavelmente já começou a estratégia para contornar as investigações do Ministério Público italiano. Essa estratégia teria que passar sobre a minha cabeça, diz Jannone.
Trecho 6 – "minha entrevista à Carta Capital não comprovava nada", diz ele. Disse apenas que Mainardi o procurou mais ou menso dois anos atrás, comentando aquilo que teria contado Bernardini sobre lobistas, políticos, essas declarações genéricas. "Olha, eu quero só confirmar..." Eu respondi: "Senhor Mainardi, eu não confirmo nada porque não é verdade. Eu jamais mandei pagar políticos ou funcionários públicos brasileiros".
Trecho 7 – saiu outra coisa interessante, que foi a entrega ao Mainardi desse material do inquérito italiano. Se descobrir quem entregou, se poderia entender muito melhor o jogo, diz Jannone. Seria interessante saber quem entregou ao Mainardi minha ordem de prisão, diz Jannone. Mesmo jornalistas italianos nada sabiam.
Trecho 8 – No final de 2007, o advogado do Bernardini, falando com os promotores - está escrito isso - fala "olha, a última vez que fui ao Brasil, encontrei Marcos Valário, que foi por sua vez aproximado por uma pessoa que pedia informações sobre o inquérito de Milão. Porque ele está dizendo isso? O que tem a ver o advogado do Bernardini com o Marcos Valério? Isso seria interessante aprofundar, diz Jannone.
Trecho 9 – nunca fui fonte da Janaina Leite, diz ele. "Ela me procurou quando chegou na Itália, me procurou por telefone, querendo uma entrevista. Eu disse que, sendo que trabalhava na Telecom Italia naquela época, não podia dar entrevista. Ela disse que queria comentário sobre o que declarou Bernardini, que dizia que pagou propina. Disse que Bernardini era mentiroso e podia demonstrar. Se você vai escrever isso, vou processar a "Folha de São Paulo", disse ele. "Depois, fui avisado do Brasil de que Janaína Leite não era uma jornalista independente, falando dessa forma. Me disseram para tomar cuidado. Ela me escreveu email dizendo que só queria descobrir a verdade, que estava disponível quando quisesse conversar. Disse que a verdade seria descoberta em processo, não em jornais.
Trecho 10 – Menciona o papel de Bernadini nesse inquérito.
Trecho 11 - Fala sobre os honorários do advogado Marcelo Elias. A Telecom Italia, de Provera, quando guerreava com Dantas resolveu bancar as custas judiciais de Luiz Demarco contra Dantas na Inglaterra. No meio do caminho houve o acordo de paz entre Provera e Dantas. Mas Demarco continuou a guerra e exigiu que a Telecom Italia pagasse os advogados contratados, conforme o combinado. Jannone confirma que todos os pagamentos foram comprovados. E diz ter pago Elias em um paraíso fiscal para não expor a empresa. Mainardi sempre se referia a esses honorários (US$ 100 mil) como sendo destinados a propinas no Brasil.