Manuscrito (Tradução)

VIVÊNCIAS de FRANZ ADOLPH JAEGER

I. Infância e Juventude

No dia 3 de janeiro de 1826, na então Cidade Episcopal de Meissen, eu vi a luz do mundo. Meu pai, funcionário público na mesma cidade, e minha mãe zelaram por uma boa escola e a pontual freqüência do culto religioso protestante dos filhos. Meu pai, como coletor de impostos, foi transferido várias vezes e pela última vez para Plauen no Vogtlande. Lá eu freqüentei o Ginásio até a minha confirmação. Pouco tempo antes faleceu a minha mãe. Entre 13 Irmãos, eu era o 7º. Fui designado para estudar comércio. Mas não encontando um bom emprego escolhi a profissão de Nadlerarbeit (trabalhos com arame) e ao lado disso, decidi tornar-me viajante. Com isso cheguei a conhecer Altenberg. Decorridos 4 anos de aprendiz formei-me na profissão e sempre mais me entusiasmei por viajar para conhecer o mundo. Alegre e cheio de esperança, de guarda pó preso com um largo cinto bordado, parti da casa paterna como forasteiro. Em Neustadt - pequena cidade, encontrei trabalho. Mas era um lugar insignificante. Por isso, continuei o caminho e em Weissenfels no Saale consegui um emprego.

Depois de 16 semanas, o mestre não tinha mais trabalho. Assim terminou também a ocupação. Decidido fui então a Berlim. Lá encontrei um emprego e fiquei até que foi oferecido um bom lugar de trabalho em Alstrehlitz no Mecklenburg. Mais tarde, estabeleci-me, por algum tempo, em Schwerin. Contudo no verão fui a Hamburgo, onde vi ainda em parte a destruição provocada dois anos antes por um grande incêndio. Aqui não encontrei trabalho e sim, alguns dias mais tarde, em Kiel, no Ostsee. Lá fiquei 11 semanas e aprendi um pouco do dialeto “Plattdeutch”.

As saudades me levaram daqui novamente para a casa paterna. Depois de 2 semanas fui procurar Baiern, onde vi Erlangen, Kulmbach e Bamberg, quando fiquei finalmente um mês em Regensburg. Daí fui a Nürenberg e cheguei perto da cidade Koburg, onde em companhia de um condutor, coloquei a mochila sobre a carruagem, dirigi-me a Schleiz.

II. Vida militar

Nesta viagem, eu me lembrei que dentro de seis meses devia apresentar-me como recruta. Visto que desde a juventude gostava do serviço militar, decidi, com o consentimento de meu pai, entrar como voluntário na Artilharia. Este consentimento eu já havia pedido por correspondência em Schleitz. O pai deu a resposta por carta que mandou a minha tia em Meissen conforme pedido meu, porque eu ia viajar para lá. Realmente, chegando em Meissen, já encontrei esta carta. Assim me apresentei no dia seguinte em Dresden ao Comandante de Regimento de Artilharia. Fui incorporado à 9ª Bateria. Ainda na mesma noite, visitei meu irmão mais velho, Eduard, que era funcionário no Ministério de Finanças (hoje em dia seria Ministério da Fazenda). Eu estava em uniforme com espingarda polida ao lado, mas infelizmente sem bigode.

No ano seguinte fui promovido a comandante bombardeiro. Quando, em 1849, a Alemanha enviou tropas a Holstein, a minha Província também mandou 6 mil homens em Cavalaria, Artilharia e Infantaria. O nosso Regimento cedeu uma de 6 e uma de 12 “Pfünder” Bateria. Apesar de a minha Companhia não entrar em campo de batalha, eu fui, a pedido meu, transferido para Bateria móvel 12 “Pfünder” e logo enviado, por trem, à frente, com mais um bombardeiro e um bombeiro para Berlim, Hamburgo e Rendsberg, como Fourierschütz ou ajudante do 1º oficial da cavalaria, providenciar os bilhetes de alojamento em quartel. Da última mencionada fortaleza Rendsberg marchamos então por Holstein a Schleswig. Em Sundewitt ocupamos na Aldeia Paroquial Satrupp alojamentos, até que uma noite recebemos ordem de avançar silenciosos contra Düppel e de esperar meia hora antes por novas ordens na Aldeia de Rackebühl. De madrugada, já ouvíamos os canhões e disparos de tiros. Não duvidamos que se tratava da tomada dos redutos de Düppel.

Em grande tensão aguardávamos a ordem de avançar, que veio logo, quando um cavaleiro ajudante chegou com o grito: 'Os dois Batalhões, avançar!' Contudo, cada Batalhão podia levar para dentro do fogo apenas um carro de balas e outro de granadas devido ao perigo de explosão. Eu, como comandante de Bombardeiro, tive a honra de participar desta luta, bem como o meu amigo, Artilheiro Israel, que comandava o primeiro carro de granada.

Os dois Batalhões avançavam as pressas com os carros de pólvora subindo em direção a Düppel. Nós dois corríamos ao longo na trincheira um perto do outro, quando ouvimos do lado de Alsen o primeiro tiro de canhão vindo contra nós, mas já perdera a sua força antes de nos atingir. Nós rimos. - Contudo, trezentos a quatrocentos passos adiante perdemos a vontade de rir, porque, de repente, nós dois fomos lançados ao chão, os bonés arrancados da cabeça e cobertos de terra. Os nossos soldados carroceiros julgavam que nós dois tivéssemos morrido, pois pensavam que tivéssemos sido gravemente feridos por uma bala de canhão de 12 quilos, que vinda da Fortaleza de Sonderburg, caiu ao lado de meu pé esquerdo voando depois adiante por entre os nossos carros de guerra. Nos levantamos as pressas, limpamo-nos e vimos que não estávamos feridos. Apenas a pressão do ar nos havia jogado por terra. Agradecendo a Deus, corremos as pressas atrás de nossos carros e, totalmente esgotados, deixamo-nos arrastar por eles para o campo de batalha. Era o dia 13 de abril de 1849.

Enquanto nós, protegidos apenas por 16 artilheiros, atirávamos contra a Fortaleza de Sonderberg em direção a Alsen tínhamos 54 pesados canhoneiros da Fortaleza e do Mar contra nós. Foi uma sorte muito grande que no início, os tiros de canhão não nos atingiam e sibilavam por cima de nos. Contudo, no fim alcançaram a meta, e tínhamos em cada Bateria alguns mortos e vários feridos, como também 7 a 10 cavalos. Uma grande bomba veio voando contra nós de um barco canhoneiro durante a batalha. Enquanto eu observava muito tenso para onde iria parar, ela voou por cima de minha cabeça e felizmente explodiu somente depois, assim que os estilhaços de ferro certamente pararam nas lavouras, não mais nos prejudicando.

O combate durou uma hora, quando veio ordem de recuar. Mas não podíamos voltar pelo mesmo caminho, porque estaríamos demais expostos ao fogo inimigo de Alsen. Por isso, nossos pioneiros abriram um largo túnel da altura de um homem de terra coberta de vegetação silvestre. Infelizmente esqueceram de cortar uma grossa raiz inclinada o que pouco significava para o carro de canhão. Mas, quando o carro de granadas voou apressado por cima da mesma, inclinou-se lentamente e tombou. Observando isso, eu pedi aos soldados condutores treinados que dirigissem devagar para com meu carro de canhão podermos juntos apoiar de lado o carro tombado. Mas, quando as balas dos canhões começaram a sibilar pela vegetação, os condutores entraram em pânico e as chicotadas voavam sobre os cavalos. Eles galoparam por cima da raiz. E então a minha condução também capotou. Felizmente vieram 8 artilheiros, serviço de último socorro junto com os nossos, levantamos novamente os carros caídos. Porém, durante esta manobra, um tiroteio inimigo atingiu o carro de granadas, matando o cavalo de apoio. O nosso Major, Comandante dos dois Batalhões, chegou quando estávamos levantando os carros e informou do ocorrido ao Rei da Saxônia, dizendo que nós nos tínhamos distinguido por valentia. Também meu pai me escreveu isso. Ele o tinha lido no jornal. Mais tarde, de volta a Saxônia, o pai me presenteou com um lindo relógio de prata. Isso me alegrou muito.

Houve uma trégua por alguns meses, quando depois em julho veio ordem para nós e a nossa Infantaria, marcharmos às pressas a Hadersleben, para socorrer a guarnição e Fortaleza Fridericia, que estava em grande perigo, por um planejado ataque de navios de guerra dinamarqueses. Nós marchamos 11 horas, sem água e cobertos por nuvens de pó, até que pela noite encontramos pernoite num Quartel. Estávamos com tanta sede que quase não conseguimos mais comer; só podíamos beber. Durante aquela marcha, morreram da Infantaria 5 soldados de hemorragia. Na manhã seguinte, veio contra-ordem e novamente marchamos retornando aos antigos alojamentos, até que no outono, um dia foi proclamado armistício.

Durante a nossa ausência, rebentara na Saxônia uma terrível insurreição. Em Dresden, os revolucionários construíram, 120 barricadas, que exigiram o sacrifício de muitas vidas, entre elas também do nosso Major Homilius. Somente com a vinda de 15.000 soldados da Prússia, conseguiu-se abafar a revolta. Na volta para casa, marchamos a pé, levando seis semanas até alcançar Dresden e outros lugares. Voltamos às guarnições, assumindo as ocupações costumeiras como guarda, treinamento, etc. Pouco tempo depois, fui nomeado executor de impostos, lembrando aos pagadores omissos o seu compromisso.

III. Novamente a caminho

Desde algum tempo, eu perdera a vontade na vida de soldado e, graças a meu cunhado, Superintendente Beyer em Plauen, que na Universidade fora amigo íntimo do médico de nosso Regimento Dr. Anschütz, obtive, como semi-inválido, a demissão do exército da Saxônia. Assim de novo, com a mochila nas costas, marchei mundo afora, encontrando por mais tempo trabalho em Jena. Depois peregrinei pela linda Thüringen, as cidades de Erturt e Eisenach. Na última, subi o castelo de Wartburg, onde Lutero traduziu a Bíblia e também teve que lutar com o demônio de que, ainda hoje, a mancha de tinta deve servir de testemunha. De santa Elisabeth, que vivera neste Castelo onde foi ativa para a bênção de muitos e operou vários milagres, ninguém me falou. De vez em quando, eu viajava de trem, que nesta região montanhosa passa por muitos túneis, ia de Gotha para o lindo Kassel, em cujo castelo Wilhelmshöhe, Napoleon III esteve por mais tempo como prisioneiro. Daqui viajei por Hildesheim, Hannover e de novo para a querida Hamburgo.

IV. Novos combates

Em Hamburgo eu soube que, depois de um combate em Idstädt, foi dissolvido o armistício entre Dänemark e Holstein. Por isso, apressei-me com mais três jovens, para Rendsburg e lá ingressei no famoso "IIº Jägerchor" como cabo, visto que as listas das baixas sofridas na guerra ainda não haviam sido enviadas. No dia seguinte, marchei para a minha Companhia pouco antes que o navio de guerra dinamarquês Christian VIII explodiu no porto de Erkernvörde. Em Cantonnement, a 4 horas de distância do porto, podíamos ouvir o terrível estrondo.

No dia 8 de janeiro de 1850, quando o nosso Chor estava em Dubestätt, e eu estava de guarda do campo, os dinamarqueses nos assaltaram em massa. De dois redutos, nós abrimos fogo contra eles. Depois voltamos para o nosso Chor. Apenas estávamos de volta, quando ecoou o som das cornetas e a ordem: "IIº Jägerchor, avançar!" Corajosos, em fileiras fechadas avançamos ao encontro do inimigo. Não estando eles prevenidos contra tal assalto, atiraram contra nós e puseram-se em fuga, voltando pelos montes a seu acampamento. No início da luta, a meu lado, o Jäger Dade caiu morto atingido no coração. Meu anjo da guarda porém me protegeu, como já havia acontecido em Düppel.

Quase teríamos aprisionado o pessoal do Estado Maior surpreendendo-os com o nosso rápido avançar. Contudo, um Oficial de nosso Estado Maior foi gravemente ferido. Mais tarde, no dia 12 de setembro, nós assaltamos o Acampamento inimigo, expulsamo-los e incendiamos as barracas que eram construídas de palha e tendo dentro sofás, camas, mesas, etc. Perseguimo-los até o acampamento central. Depois disso, nós nos retiramos às pressas, pois já vinham os tiros de canhão, que eles haviam mandado vir depressa, do lado davam também tiros de espingarda.

Pouco tempo depois, o nosso Chor foi dividido em 2 Batalhões, e de 4 Companhias foram feitas 8. Então deu-se entre nós um grande avanço e eu também fui promovido a "Oberjäger". Quando a nossa Companhia se reuniu pela primeira vez para apresentação, eu fui comandado como guarda de campo para o dia seguinte. Contudo quando o capitão me chamou de "Oberjäger", houve uma gargalhada geral. O capitão soube servir-se da situação, dizendo logo em alta voz diante de toda a Front, se eu chamo "Oberjäger" é o senhor e apontou para mim.

Uma noite, já era tarde, devíamos apresentar-nos aos gritos de combate. Então ouvimos a ordem de marchar à aldeia 3 horas distante na qual dinamarqueses estavam num acampamento. Os primeiros "Jäger" do batalhão, ao chegar à aldeia, deviam atravessá-la em corrida e no fim da mesma impedir os fugitivos de sair; os do centro do batalhão, tinham a missão de derrubar as espingardas colocadas em forma de pirâmide em frente das casas; e os soldados chegados por último, deviam vigiar o fim da aldeia e os prisioneiros. Marchamos três horas pelo silêncio da noite. Não era permitido fumar e nem falar. Também não havia lua, nem estrelas, Freiherr von der Iann, famoso Führer do Corpo de Voluntários, encontrava-se na frente. O duplo posto de vigilância inimigo devia ser desviado ou de qualquer maneira afastado, para poder surpreender os dinamarqueses no sono profundo. Para muitos de nós a manobra não era indiferente, porque em tais empreendimentos no escuro, muitas vezes os próprios amigos se podem matar. Então de repente passou pelas filas: "Parar!". Ficamos à escuta. Parecia que estávamos bem perto da aldeia. Mas já ouvimos ecoar três vezes pela noite em dinamarquês: Quem está ai? Depois de pequeno intervalo, dois tiros seguidos e do alto da aldeia ecoaram os sinais de alarme. O assalto malogrou por dois vigilantes e valentes guardas. Nós voltamos e pela manhã chegamos cansados, sonolentos e aborrecidos.

V. Armistício

Aos poucos começava o inverno e os nossos do Front encontravam-se muitas vezes na neve profunda. Pouco de agradável podia-se esperar ainda neste frio. Por isso, todos estávamos felizes quando veio a notícia que fora declarado o armistício, que o exército seria dissolvido e as tropas despedidas, que as tropas da Áustria e Prússia viriam ocupar Schleswig Holstein, o que aconteceu em 1851. Nós, como 'Nichtholsteiner' fomos despedidos. Chegados em Altona, como simples soldados recebemos 10 Thalern, enquanto os Sub-Oficiais receberam o dobro, a saber, 20 Thaler. Já na rua, quando contei o meu dinheiro, encontrei 21 Thalern, com que podia ficar sem remorsos, porque para o bem desta Província eu teria feito um sacrifício ainda maior, se isso fosse a vontade de Deus, quer dizer, dado a minha vida. Ainda hoje, depois de 50 anos, lembro com alegria o tempo que passei naquela terra, onde se vinha, com grande cordialidade, a meu encontro e todos gostavam do jovial saxônio, que tinha apenas uma meta em vista, a saber, conquistar a independência desta Província, a Saxônia.

VI. Sem rumo de novo com bordão de peregrino

Em três dias alcancei de trem, passando por Magdeburg e Leipzig, a minha terra natal Plauen im Voigtlande. Mas, depois de curta estadia, deixei novamente a casa paterna. Encontrei, em Dresden, numa boa família trabalho fixo no meu ofício. Depois de estar três meses nesta casa, concebeu-se a idéia de fazer-me casar com uma sobrinha da Senhora Mestra, jovem que tinha alguma posse, mas morava então na cidade de Freuenbritzen. Tendo isto em vista, ela viria de visita em Pentecostes para chegarmos a nos conhecer melhor. Seria organizado, em companhia de sua tia e a minha, uma viagem de turismo de oito dias para a Suiça saxônica.

Visto que já há tempo eu estava cansado da vida ambulante como jovem trabalhador, comuniquei toda a questão a meu pai e pedi 400 Thalern, para poder cumprir as formalidades de tornar-me cidadão e mestre em Dresden. Recebi logo a resposta, mas com a informação que ele poderia satisfazer o meu pedido apenas dentro de dois anos, porque primeiro queria pagar as últimas dividas que fizera quando fora promovido a coletor de impostos em Plauen, em 1839, o que lhe impôs o compromisso de uma caução de 3.000 Tharern porque se tomara funcionário público.

Decepcionado de estar aparentemente tão longe de minha sonhada felicidade, não quis permanecer mais tempo em Dresden. Tomei novamente o meu bordão de viagem sem rumo e direção, até que, depois de três semanas, entrei novamente em Hamburgo. Eu estava somente com os trajes de viagem e alguma roupa comigo. O restante enviei para casa, para mais tarde, depois de encontrar emprego, mandá-lo buscar. Contudo "o homem pensa e Deus conduz!" (Traduzido: Der Mensch denkt und Gott Lenkt).

VII. Viagem Marítima para o Brasil

O Senhor tinha outros planos comigo, conduzindo os meus passos para cá, no Brasil. Apenas chegado em Hamburg e instalado na hospedaria da cidade de Bremen, tendo um copo de vinho à minha frente, entraram tres jovens e se entretinham em voz alta perto onde me encontrava. De repente ouvi claramente as palavras: 'Eles aceitam ainda somente artilheiros'? Aproximei-me modestamente e pedi por esclarecimento destas palavras. Soube então que desde mais tempo ali fora aberto uma agência de publicidade brasileira procurando angariar 2.000 soldados para a guerra do Brasil contra a Argentina. A Infantaria já estava a bordo do navio e quando 4 Compagnien estivessem completas, além de alguns pioneiros, então iria iniciar a viagem. O tempo de serviço teria a duração de 4 anos. Depois deste tempo, todos que quisessem permanecer no Brasil, receberiam 22.500 Brassen (medida) de terra boa de cultivo, ou viagem livre de retorno para a Europa e 80 Milreis.

Visto que todos receberam 50 Thalern de penhor, ainda no mesmo dia eu me inscrevi como Sub-Oficial de Artilharia, ocupando o quartel militar. Novas e alegres esperanças me animaram; principalmente, quando alguns dias depois, o nosso número estava completo e o navio "Heinrich", um trimastro, nos recebeu. No dia 13 de junho de 1851, na festa de Santo Antônio de Pádua, o navio partia em direção ao mar Norte. Adeus, Alemanha! Adeus, Europa!

No navio encontravam-se também o senhor Carlos Jansen, bem como Carl von Koseritz e também o senhor Tenente Carl Gaertner.

Passando por Kuxhafen, navegamos com bom vento pelo mar Norte, atravessamos com bom tempo o canal inglês, e a Europa desapareceu aos nossos olhos até que, em alto mar, se via a ilha Madeira, mas que deixamos à esquerda. Muitos de nós fomos atacados do mal do mar por mais ou menos tempo. A mim ele não pegou a não ser que vomitei duas vezes, isso porque eu parava sempre no convés. Depois de dez minutos já estava bem de novo. Os soldados passavam o tempo em parte jogando cartas, alguns contavam histórias, outros cantavam ou liam ou observavam o curso do navio. Um dia, o timoneiro arpoou um grande delfim. Seu corpo era do tamanho de um cavalo, mas a sua carne era quase intragável.

VIII. Insurreição no navio

Já tínhamos passado da linha do Equador e nos aproximávamos aos poucos, com vento forte, ao litoral do Brasil, quando nos vimos ameaçados de um grande perigo, vindo do maligno e que poderia custar a vida de muitos.

Como se sabe, nem todos eram soldados instruídos, que já tivessem servido e fossem leais cumpridores do dever. No meio havia alguns fugitivos políticos e fanáticos, que provavelmente em Ungarn, Baden ou Sachsen, também em Berlin, com a arma na mão se haviam levantado contra o Governo e não mais se sentiam seguros na Alemanha. Contudo, eles prestavam culto à cachaça. Sob o comando de um cidadão do Reno, de nome Kaspar Rübel, planejaram secretamente de se apoderar do navio durante a noite, de jogar o Capitão, como também o Tenente Brinkmann, o nosso Sub-Tenente Karl Gaertner e todos que se opusessem a seus intentos no mar, e levar o navio para a Argentina onde iriam lutar sob o Ditador Rosas contra o Brasil. Mas o olho de Deus vigiou e o plano diabólico malogrou, pois no seu irresistível desejo de bebida alcoólica, eles descobriram de tarde no porão do navio, o lugar onde o capitão guardava a reserva de vinho e cerveja, bem como outras provisões como café, açúcar, etc.

Depois de terem removido algumas ripas, eles caíram sobre isso. Assim começaram a beber e beber, até que todos estavam alterados. Com um machado afiado na mão, meio embriagado, Kaspar Rübel precipitou-se com seus comparsas escada acima em direção ao Capitão Brinkmann, que saiu de seu camarote atraído pelo barulho. Kaspar já queria partir-lhe a cabeça. Mas com a mesma rapidez eu e Georg Gieseler seguramos seu braço impedindo o atentado. Ele foi subjugado, provisoriamente aprisionado e levado em segurança. Ainda no mesmo dia, o Tribunal de Guerra o condenou à morte pela bala.

Depois que a revolta malogrou, os demais conjurados retiraram-se. Assim não foram condenados. Nós estávamos contentes que não precisávamos fazer valer a justiça contra estes seduzidos. Devo ainda observar que no nosso navio encontravam-se 4 soldados dos quais o primeiro chamava-se Frühling (Primavera); o segundo Sommer (Verão); o terceiro Herbst (Outono) e o quarto Winter (Inverno), e que os 4 se entendiam muito bem.

IX. Desembarque no Rio de Janeiro

Aos poucos, nos aproximamos do Brasil e, finalmente, depois de uma viagem de 9 semanas, ancoramos no porto de Rio de Janeiro, no dia 21 de agosto. Na chegada, o Capitão Brinkmann pediu que Kaspar Rübel fosse perdoado, retirando ao condenado a pena de morte. Todos estávamos de acordo com isso. A guarníção permaneceu três meses no Rio, na Fortaleza Praia Vermelha, aos pés do Pão de Açúcar. Quando tomamos posse do Quartel, este formigava de pulgas, mas com contínuos esguichos de água fria, elas desapareceram totalmente, privando-nos de sua atenção.

X. Tempestade no Mar

Finalmente em fins de novembro, embarcamos num vapor de guerra para sermos levados a Rio Grande. Mas não iríamos chegar tão facilmente com a pele salva. Pois, quando já avistávamos o farol de São José no Rio Grande, desencadeou uma terrível tempestade que nos lançou de volta ao alto mar. Gigantescas ondas se elevaram que arrastavam tudo do convés, como ovelhas e perus, caixas e cestos, e muita água foi entrando no navio, todos se refugiaram para dentro dos recintos do navio e nos camarotes, onde a água já penetrara 30 cm.

Eu estava atacado da febre fria com a varicela e me encontrava ainda no convés perto da chaminé quente. Lá me segurava, quando o artilheiro Kuhlmann subiu sobre a caixa de rodas para salvaguardar a sua mochila e uma grande onda o lançou no mar. Era impossível salvá-lo. Então fiquei com medo no convés e desci para o camarote.

Pouco tempo depois, um oficial da Marinha precipitou-se escada abaixo com o grito assustador em francês: "Nous sommes tutes perdu!" - "Estamos todos perdidos!" Em conseqüência, uma senhora desmaiou.

Aconteceu que com o destroçar da roda do leme, o navio estava entregue às ondas bravias, porque uma onda arrancara o barco do Capitão jogando-o sobre o leme. Tentou-se com 8 cordas presas na roda quebrada dirigir o leme, o que teve pleno sucesso. Dois soldados de vez deviam puxar a sua corda numa das quatro direções dos pontos cardeais, conforme ordem dada em voz alta pelo timoneiro. De hora em hora, os 8 soldados eram revezados. Além disso, o navio se enchera com bastante água. Por isso, de meia em meia hora, outros 8 soldados se revezavam nas bombas do navio. Assim, com grande esforço dos soldados alemães, o navio foi salvo de um fatal naufrágio. Isso foi reconhecido todos os jornais do Brasil. Com dificuldade entramos novamente no porto do Desterro, (hoje Florianópolis). Lá o navio de guerra foi consertado, podendo seguir viagem somente depois de 8 dias.

XI. No Hospital Militar (em Desterro) (antiga Florianópolis)

Porque eu ainda estava doente, fiquei para trás com mais 5 soldados, sendo internado no Hospital Militar. Lá tivemos um tratamento excelente. Oito dias depois, quando o médico se afastara, fui autorizado a passear. O sentinela diante do Hospital, devido aos galões dourados e o uniforme, pensou que eu fosse um capitão, e assim me saudava com continência apresentando a espingarda. Naquele tempo, eu ainda não sabia doze palavras em português. Por isso, devia deixá-lo no seu equívoco. Cada vez eu dirigia os meus passos a um camponês conterrâneo de minha cidade natal, me entretendo com ele. Somente depois de seis semanas nós estávamos restabelecidos, podendo prosseguir viagem.

XII. Paradeiro em Rio Grande

Os nossos Batalhões, a saber, o 3° e 4° estavam ainda em Rio Grande, enquanto o 1° e 2° se encontravam com a Infantaria e o Exército Brasileiro em marcha para a Argentina. Nós montávamos guarda, políamos as armas e percorríamos as ruas então cobertas de areia e, às vezes, nos aborrecíamos. Um dia um de nossos sub-oficiais, quando ficou sabendo que eu trabalhava com arame, logo encomendou uma gaiola de pássaro. Isso teve por conseqüência que eu comecei a ganhar encomendas de lojas de metal, bem como de outras pessoas. Vi-me assim forçado a pedir licença ao Comandante, o que com gosto me concedeu. Em seguida, eu aluguei o quarto de um marceneiro alemão. Ele preparava as caixas de minhas gaiolas. Procurei ainda um vendedor na pessoa de um artilheiro, que tinha o apelido "Kieler Oberjäger" Este vendia os meus trabalhos não só nas ruas e casas, mas também nos navios.

XIII. Depois da Guerra - Futuro em Porto Alegre

Quando, depois da derrota de Rosas, finalmente terminou a guerra, os destacamentos voltaram. A Infantaria, sob o comando do Major Fegestein, foi designada para fazer acampamento em Rio Pardo e aqueles que o desejavam eram despedidos. Conosco, na Artilharia, o bônus ainda não fora considerado. Contudo, muitos de nós, sobretudo artífices simplesmente se retiravam, o que foi silenciosamente permitido pelo Governo Brasileiro, pois todos estes renunciavam a qualquer gratificação.

Em Rio Grande, eu estivera sempre de licença e ganhava bem. Quando o nosso Batalhão foi transferido para São Gabriel, pelo menos a metade e também eu permanecemos em Porto Alegre. No início, trabalhei por dois meses no 1 Hamburgerberg como empregado. Em seguida, voltei a Porto Alegre e recomecei o meu negócio com bom rendimento. Em 1853, casei com uma jovem boa e honesta de nome Elisabeth Beck, que me amava muito, mas infelizmente já no ano seguinte chegou a falecer no primeiro parto. Em 1855, casei com a minha esposa atual Katharina Schuck, que certamente vai me sobreviver, já que é 10 anos mais jovem e com quem estarei casado 50 anos em 1905.

Quando a cólera asiática rebentou em Porto Alegre e São Leopoldo, muitas famílias se refugiaram ao Hamburgerberg na mata virgem. Nós, contudo permanecemos e visitávamos doentes. No fim, eu ainda ajudei levar ao Hospital da Santa Casa um "caxeiro" falecido da epidemia. Contudo, no dia seguinte, também eu me deitei. Já estava certo de minha morte próxima quando recebi de uma pessoa aparentada, cujo marido também adoecera da cólera, um remédio comprovado como excelente. Assim comecei a melhorar de hora e hora. Depois de alguns dias pude deixar a cama e, depois de quatro semanas, novamente trabalhar.

Naqueles dias quando eu estava doente, morriam todos os dias aproximadamente 160 pessoas. No começo se fazia ainda a encomendação e se ouvia o repique dos sinos. Mas quão depressa isso foi omitido, visto que os falecidos ficavam sem enterro no cemitério, assim que, em fins de janeiro de 1856, 1.800 falecidos aguardavam o sepultamento. Então, o generoso Presidente do País, Sinimbú, pediu aos pioneiros alemães, que ainda aguardavam ser despedidos num velho quartel, que ocupassem, com a promessa de bom pagamento, um acampamento junto ao cemitério para enterrar os defuntos. Foi lhes fornecida cachaça à vontade. Depois de alguns dias, os corpos estavam colocados em duas longas valas, sendo cobertos de cal. Em 7 a 8 semanas, somente a cidade de Porto Alegre perdeu 5.000 moradores, também em São Leopoldo este flagelo exigiu muitas vítimas. O Hamburgerberg acolheu naquele tempo muitas famílias fugitivas da epidemia.. Neste longo tempo, não havia nenhuma aragem sobre a cidade e reinava silêncio sepulcral. As lojas estavam fechadas e somente um padeiro alemão, August Nitschks, fazia pão.

XIV. Mudança temporária para Feliz

Deus dispôs que um tio de minha mulher nos visitasse na Páscoa. Ele possuía uma loja em Feliz e nos convenceu finalmente que nos mudássemos para lá. Depois do nascimento de meu filho mais velho, depois de Pentecostes 1856, mudamos para a mata virgem. A maioria dos moradores desta picada vieram de Xozel, de Hunsrück, da Tholei e de perto de Trier e Sankt Mendel. Mostravam-se fieis a fé e fervorosos católicos o que, como protestante, me impressionou muitas vezes, pois naquele tempo ainda acreditava que nós protestantes éramos os mais sensatos. Contudo, aos poucos, conhecendo de perto boas e também famílias católicas cultas, reconheci depressa que eu me encontrava no caminho errado. Quando um missionário católico passava a pé ou a cavalo pela Picada, ele era cumprimentado respeitosamente com a maravilhosa saudação: 'Louvado seja Jesus Cristo!" e a cordial reposta não podia ser diferente senão: "Para sempre seja louvado. Amém!" Isso já antes experimentara e reconhecera o famoso poeta protestante Klopstock na sua viagem por Schwaben.

Quando à tarde, eu fui, às vezes, a pé ou a cavalo pela Schneiss (Picada) pouco depois da Ave Maria (o Anjo do Senhor), ouvia-se em todas as casas católicas as devotas orações da mesa e a oração da noite. Isso me tocava muito, pois em famílias protestantes tudo permanecia silencioso.

Fiquei quase três anos em Feliz. Plantava milho, feijão e cereais em terras magras. Então recebi o convite de um dos antigos fregueses de lhe fornecer um grande trabalho de arame. De coração alegre, deixando a família para trás, viajei a Porto Alegre. Hospedei-me com um antigo conhecido Carl N.N., um resmungão. Ele era católico, mas não praticava, sendo contagiado de idéias liberais. Pouco antes de viajar, eu estava adoentado, não podendo ainda trabalhar. Por isso, teria gostado de emprestar dele alguma leitura. Infelizmente não a possuía. Tinha apenas uma antiga brochura que, em Bremen, recebera de um religioso, quando tinha resolvido de se embarcar no navio de emigração. Este caderninho provava que a religião católica era a única que salva.

Pode me dar, disse eu. Quero ler isso, mesmo sendo protestante. Até a noite, eu havia lido e refletido três vezes a brochura. Quando a devolvi, estava decidido de me tornar católico, quer dizer, "de voltar ao seio de minha mãe, a santa Igreja católica", de que Lutero, no século XVI, havia afastado os meus antepassados. No início, o espírito maligno pôs dificuldades no caminho desta minha decisão, mas com o auxilio misericordioso de Deus, superei-as. E finalmente, em 1859, na festa patronal de São José, fiz nas mãos do digno Padre Michael Kellner a minha profissão de fé. No mesmo dia recebi também os santos sacramentos.

Não quero mencionar as muitas graças e favores que o Senhor me fez provar depois deste passo, nada da alegria e paz interior de que minha alma gozou. Só posso dizer que tive a consciência que a graça de Deus estava comigo e que Ele me acolheu como seu filho.

Depois de alguns anos abri na minha própria casa uma escola, visto que a mais próxima distava duas horas daqui. Procurei assim ajudar a uma necessidade gritante. Naturalmente não se podia sobreviver com a mensalidade de 500 Reis. Contudo o agüentei por alguns anos.

XV. Volta definitiva para Porto Alegre

Em 1867, voltei novamente para Porto Alegre com minha esposa e 6 filhos, onde consegui bom rendimento. As minhas duas filhas freqüentaram a Klosterschule (Escola Religiosa) das Irmãs de Maria e meus filhos, uma escola católica, até que os 6, um após outro ingressaram na Escola Normal de lá, para se aprofundar no estudos para o Magistério. Desta maneira, depois de aprovação nos exames, todos conseguiram colocação estadual, menos a filha mais nova que, em vez de colocação estadual renunciou ao mundo, recebendo o véu das Irmãs do Coração de Maria. Presentemente ela é a superiora em Lageado e diretora da bem freqüentada Escola confiada à proteção de Santa Anna. Lá ela e mais 8 Irmãs se dedicam ao trabalho abençoado da educação e instrução das crianças. (Veja anexo)

No fim quero ainda mencionar, que no dia 17 de setembro de 1884, na festa das cinco chagas de São Francisco de Assis, entrei como Irmão da 2a Ordem da Penitencia, a que pertenço hoje já 16 anos.

PS. Faleceu no dia 18/04/1902.

Anexo: ( Resumo de um artigo do jornal Zero Hora, publicado a 23 de maio de 2006 – por Felipe Kuhn Braun - Farroupilha.(RS).

As famílias descendentes de imigrantes alemães - como no caso dos Jaeger - valorizavam a educação e o ensino como ferramenta indispensável para o crescimento pessoal e social. Imagem especial da família de professores Jaeger:

- O pai Franz Adolph Jaeger - Abriu na sua própria casa a primeira escola em Feliz.

Seus 6 filhos eram professores:

João Batista Jaeger - professor em Lomba Grande (Novo Hamburgo);

Jacob Jaeger - professor em São Vendelino, Bom Princípio, Morro Reuter e São Leopoldo;

Henrique Jaeger - professor em Ivoti;

Jorge Jaeger - Professor em Ivotí e São Leopoldo, músico e desenhista;

Maria Jaeger - Professora em Bom Princípio;

Anna Catharina Jaeger (Irmã Maria Clementina dos Anjos - Congregação das Irmãs do Imaculado Coração de Maria) - Diretora em Lageado.

A seguir um arquivo organizado pelo próprio Ervino (corrigido e completado por Tharcísio José Jaeger). (clique aqui)